Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 8 – Arco 3

Capítulo 108: Daqui em Diante

Quando a tarde chegou, o clima frio se tornou ainda pior quando começou a chover. Eram gotas que caiam em uma velocidade lenta, mas dolorosa, nos guarda-chuvas que rodeavam o cemitério. Não houveram muitos presentes, afinal, eram poucos aqueles que realmente conheciam aquele que havia morrido. Entretanto, Ryota ficou diante do túmulo, olhando para a lápide com o nome de Albert Megalos, e permaneceu parada com uma expressão vazia durante longos minutos. Ela ouviu as palavras do padre, suas orações, e ali permaneceu quando todos chegaram e foram embora.

Os trovões que rugiam no céu pareciam acompanhar os sentimentos dela, como que representando o misto de emoções turbilhonantes em seu corpo, mas que não transpareciam através de qualquer ação que tomasse. O vazio em seu rosto, tom de palavras e coração era doloroso de ver, e Fuyuki, que ficou presente no velório do início ao fim, percebeu que essa era uma face muito pior do que qualquer outra que havia visto anteriormente na garota.

Aquela apatia, aquele silêncio… Não eram bons. Mas Fuyuki não sabia dizer se vê-la repudiar o mundo e tentar convencer a si mesma de um outro caminho a ser tomado, como fez quando foi até a mansão, seria uma opção tão boa para ser tomada. 

Quando viu as pessoas darem as costas para o cemitério e irem embora, deixando para trás apenas pegadas na lama que se acumulava sob seus pés, Fuyuki permaneceu lá, olhando para as costas de Ryota. Então, quando nenhum outro som além da chuva podia ser ouvido, ela se aproximou a passos lentos, parando ao lado da garota. Não houve reação por parte dela, nem mesmo um único olhar em sua direção.

— Não está com frio?

— Não — respondeu Ryota, baixo.

Fuyuki observou que a garota estava usando roupas pretas leves e franziu um pouco a testa.

— Vai pegar um resfriado.

— E você está molhando seu ombro se curvando assim.

— A-Ah!

A duquesa nem percebeu que, ao olhar demais para a outra, havia negligenciado o próprio cuidado, e percebeu que sua manga estava realmente molhada. Ela soltou um suspiro, mas Ryota não reagiu de nenhuma forma a isso, sequer sorriu em sua direção. Conversavam como se fossem apenas conhecidas, mas nada além disso.

— O que fará agora?

Fuyuki sabia que ela se referia ao dia de amanhã, pois o príncipe ordenou que todos tirassem aquele dia para descansar, mas respondeu mesmo assim, pensando no dia seguinte:

— Estamos trabalhando na reconstrução da cidade, então devo ficar ocupada planejando a base de segurança da capital e conseguindo informações. Eliza estará trabalhando para cuidar de todos os feridos que restaram e, é claro, daqueles que ainda estão acamados. Por enquanto, não deverei sair de Hera até segunda ordem, a menos que algo ocorra nas proximidades que requeira minha presença.

Fuyuki era uma mulher com contatos e, é claro, que possuía outras terras e pessoas que precisava manter a responsabilidade. Dito isso, mesmo sem sair da capital, ela seria capaz de produzir vários resultados competentes. 

Pelo menos, uma delas duas era necessária.

— Entendo.

— E quanto a você?

— Eu… 

O que ela faria dali em diante? Haviam tantas coisas a serem feitas, mas parecia que tudo se agrupava em uma grande bagunça, difícil demais de ser lidada. Ryota não sabia nem por onde começar… Não, na verdade, ela possuía uma noção. 

A garota virou as costas para a duquesa. O som da chuva ainda acariciava seus ouvidos, e o silêncio ambiente era agradável. 

— Eu seguirei meu caminho.

— O que quer dizer?

— Não ficarei mais em seu caminho, e — ela virou ligeiramente um dos olhos azuis escuros para a outra — Cuidarei de tudo sozinha.

Fuyuki franziu a testa.

— Ainda está pensando assim?

— Eu sempre pensei assim — corrigiu ela — Agora, no entanto, percebi que precisava deixar de lado alguns pensamentos ingênuos e meus medos. Afinal, se eu continuar abraçando esses sentimentos, não conseguirei dar mais nenhum passo.

As consequências de seus atos e palavras chegariam, aquilo que uma vez plantou, brotaria. Era algo natural a se pensar, mas Ryota fingiu não ver isso e tentou erguer a cabeça, ignorando os espinhos no caminho. Virando o rosto para aquilo que não queria ver, frustrou-se quando a verdade lhe deu um tapa na cara e revoltou-se contra o mundo, quando tudo estava diante de seus olhos desde o início.

Ela foi ingênua em acreditar que poderia mudar algo sem mudar a si mesma.

Quando se era a mesma pessoa tentando enfrentar os obstáculos por seu caminho, como poderia desejar resultados diferentes? Era como fazer uma conta matemática usando a mesma fórmula, mas esperando resultados diferentes. Ela não entendia como poderia chegar a um futuro diferente, mas sabia que continuaria a tentar. E, para isso, precisaria mudar seus métodos… E a si mesma.

— Então, ao invés de encará-los, virará as costas para eles? Esse é um método falho.

— Eu não perguntei sua opinião — Ryota a cortou, virando o rosto para a frente e começando a andar — E não tem nada a ver com você.

Dando-lhe as costas e andando para longe, a duquesa apenas baixou os ombros e observou-a indo embora acompanhada do doce som da chuva caindo.

***

Na sala dos tronos, Edward passou o dedo indicador pelo delineado pelo assento principal e soltou um suspiro. Suas memórias vagavam para o passado, e ele não pôde deixar de escapar seus sentimentos. Ao lado dele, sentada no trono pertencente ao príncipe, Marie apoiou uma das pernas no braço do trono e olhou em sua direção.

— Que foi? Ainda tá preocupado com alguma coisa?

Por um instante, o príncipe ficou em silêncio. Se passaram alguns dias desde a coroação, mas ainda era difícil para ele acreditar que estava vivendo uma vida sem seu pai. Se aquele castelo já era estranhamente solitário e vazio, sem Fanes para alegrar as coisas, era ainda mais sombrio. Por alguma razão, Edward ainda olhava para as portas, esperando que entrasse acompanhado de seu guardião; ou, então, que ouvisse o som de sua voz o repreendendo por seu comportamento inadequado.

Entretanto, nada saía mais de sua mente que o sorriso demonstrado por ele durante sua queda.

— Marie, o que planeja fazer daqui em diante? 

Ignorando a pergunta dela, ele se virou um pouco.

— Ninguém desconfia de sua real identidade, mas ainda pode haver uma chance para recomeçar sua vida aqui… No palácio, comigo.

Edward abriu um sorriso curto e triste, seus olhos violetas pareciam implorar para que permanecesse ao seu lado. O ar de solidão era explícito mesmo para a garotinha que sentava com a coluna torta no trono. O silêncio daquele salão completamente vazio, com exceção da presente deles dois, era relaxante e um pouco agoniante.

— … Bom, eu não sei — ela balançou a perna apoiada no braço do trono — Eu já tinha falado isso antes pro Luccas, mas, por alguma razão, não tenho vontade nenhuma de viver no luxo. Mesmo parecendo muito doido receber café na cama de manhã, tomar banhos chiques, ser adorada pelas pessoas, usar roupas caras e tudo o mais… Não sei, acho que não é pra mim.

— Por quê?

Mesmo não querendo transparecer, ficou nítido na voz dele que estava decepcionado com sua resposta. Percebendo que a posição que estava não deveria transmitir a confiança necessária, a garota colocou-se de pé com um salto.

— … Talvez a eu antiga realmente desejasse esse tipo de vida incrível, além do que eu jamais poderia alcançar — a menina estendeu a mão além das escadarias, como se observasse uma estrela no alto — Mas, agora, não sinto mais essa necessidade. É quase como se uma parte de mim tivesse mudado, e eu não precisasse mais provar nada pra ninguém… Nem pro Luccas, ou pra mim mesma. Acho que estou me acostumando a essa nova vida, e gostando dela… 

Marie não poderia dizer que gostava de viver sem poder enxergar as belezas do mundo, sem poder ver como era seu irmão, ou seu sorriso, ou como todas as pessoas que a ajudaram eram. Ela jamais os enxergaria, mas conseguia senti-los perfeitamente. E aquela experiência de aprender a ver a beleza desse novo estilo de vida a fazia ter cada vez mais e mais vontade de tentar coisas novas, de se encontrar.

— … Eu tinha o sonho de ver o mundo — revelou ela, um pouco triste — Eu queria conhecer vários lugares diferentes, e acho que isso acabou surgindo porque o Luccas sempre me levou pra vários locais diferentes, mas a gente nunca realmente aproveitou as nossas mudanças.

As passagens pelas cidades e vilarejos nunca foram acompanhadas de divertimento, mas sim de necessidade e uma constante vontade de sobrevivência.

— Por alguma razão, sinto que se ficar aqui, se voltar a ser uma princesa, vou acabar perdendo essa liberdade.

Edward sentiu uma pontada forte demais em seu peito, e sua garganta se apertou.

— Então… Se eu pudesse escolher, quero viver uma vida simples, mas ao lado das pessoas que eu gosto. Eu… Ainda quero ficar ao lado do Luccas, e aproveitar minha vida um pouco com ele. Quero ser capaz de orgulhá-lo e tentar compensar tudo o que fez por mim. Depois de tudo isso, eu acho que ele merece.

Marie se virou para o irmão e, com as mãos atrás das costas, deu um sorriso doce.

— Mas eu com certeza quero vir te encontrar várias vezes, e vou te contar sobre as nossas viagens. Ah, talvez te traga umas lembrancinhas, mas não fica cheio de si!

Ela se aproximou para cutucá-lo na barriga, tentando aliviar o clima, e Edward riu baixinho.

— Certo. Respeitarei sua decisão, mas gostaria que pudesse viver uma vida boa, pelo menos. Então, me permita recompensar ao senhor Luccas adequadamente por seus esforços ao longo destes dez anos.

— Aaaaaai, olha como ele é caridoso! — riu ela, dando-lhe mais cutucadas na barriga ao ponto de fazê-lo sentir cócegas e se encolher.

— P-Pára com isso! — falou ele de volta, abraçando-a para desferir mais cócegas.

As risadas que ecoavam pelo salão dos tronos foram interrompidas quando as portas duplas foram abertas de repente, e os dois se separaram quase que num pulo. Entretanto, ao verem as duas pessoas que entraram, seus corpos perderam a tensão.

— Nossa, vocês quase me mataram do coração, seus doidos! Ao menos batam antes de entrar!

— S-Sinto muito — disse Tom, com uma expressão nervosa ao receber um sermão da menina que lhe apontou o dedo — Apenas vim acompanhar meu velho amigo.

Luccas sorriu timidamente para o príncipe e fez uma reverência, ao que Edward retribuiu o cumprimento.

— Sejam bem-vindos. Estávamos falando sobre você agora pouco… Ai!

— Para de ser fofoqueiro! Ai, nossa, como que o futuro rei pode ser tão sem noção? 

Marie não tinha medo de provocá-lo, então beliscou seu braço imediatamente ao vê-lo agir daquela forma. Luccas, então, arqueou as sobrancelhas, feliz ao perceber que estavam se dando bem.

— Alteza, em verdade, venho também anunciar que requerem sua presença na sala de vidro.

— O quê? E quem seria? 

Quando Tom mudou sua postura e assim falou, o príncipe fez uma expressão surpresa.

— … Aparentemente, uma lady que vossa alteza conhece.

Edward fez uma expressão ambígua, mas suspirou.

— Então, o dever me chama. Me despeço de vocês… Ah, sim, senhor Luccas, nos falaremos em algumas horas, está bem? Precisamos acertar alguns termos importantes antes de partirem.

Luccas enrijeceu o corpo e apenas concordou coma cabeça, então grunhiu de dor ao sentir um abraço apertado da garota de cabelos loiros que se jogou nele.

— Ai! Ainda estou me recuperando, Marie.

— Você é um fracote!

Tom riu para a interação deles enquanto Edward deixava o salão dos tronos. Ele caminhou pacientemente pelos corredores silenciosos. O sol da manhã subia nos céus e clareava a cidade. Então, um tempo depois, parou diante da porta que deveria adentrar, inspirando fundo. 

— Abram — ordenou aos guardas, e eles obedeceram.

Quando adentrou aquele ambiente recheado de uma paisagem agradável, com vista para todos os lados do jardim através das paredes e chão, com cheiro de café no ar e uma dupla de xícaras dispostas sobre a mesa graciosa. Sentada na cadeira, na mesma que havia permanecido na primeira vez que se encontraram cara a cara, a garota de cabelos negros ergueu o queixo e desviou seu olhar azul escuro na direção do príncipe, abrindo um sorriso amarelo.

— Estava lhe esperando — cumprimentou ela, inclinando a cabeça, bem a tempo dos guardas fecharem a porta atrás de Edward.



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