Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 8 – Arco 3

Capítulo 103: Desgraçada Indolência

Com a ventania que balançava suas roupas, Alles voltou seus olhos cinzas para Zero, que marchou na direção da escadaria a passos lentos, mas firmes. Sua expressão raivosa e determinada tornou-se choque ao ver a cena diante de seus olhos, e pareceu que seu mundo desabou. Ryota estava pendurada no altar da igreja velha, com velas acendidas ao redor de seu corpo manchado em sangue. Pedaços de sua carne foram rasgados, e dedos faltavam. O sangue acumulado escorria por sua pele desnuda, cobrindo apenas parte dos seios e mal alcançavam suas coxas adequadamente. No frio que adentrava o ambiente, pareceu que o rapaz de chifres ficou feliz com sua entrada triunfante e digna de um resgate.

A garota não ergueu os olhos quando Zero gritou seu nome, nem gaguejou nada ao ouvi-lo. 

— Está atrasado para o rito — anunciou Alles, descendo as escadas manchadas de sangue. O salto de sua bota ecoava pela igreja grande, mas pútrida e sombria — Por que demorou tanto, hm? Me pergunto se descobrir nossa localização era assim tão difícil. Talvez, se tivesse nos encontrado antes, teria evitado que a índigo ficasse nesse estado.

— Calado!

O rapaz de cabelos rosa parou, e então voltou-se para o corpo pendurado de Ryota. As lágrimas ainda escorriam por seu rosto, mas não com velocidade. 

— Estive ansioso para descobrir a identidade da fêmea que fora catalogada um mês atrás, mas aparentemente ela não aguentou muita pressão. Não precisei me esforçar muito para quebrar sua mente, no entanto. Talvez a senhorita Mania tenha conseguido um sucesso maior… Ou, talvez, os eventos do palácio se acumularam em sua mente de uma única vez, a forçando a chegar neste estado lamentável.

— Poupe-me de suas palavras insanas! Você — Zero ergueu o dedo indicador e apontou para o rapaz acima das escadas — É membro da Ritus Valorem, não é? Foram vocês que destruíram a cidade e mataram inocentes!

— É falta de educação apontar o dedo para outra pessoa dessa forma — Alles interveio, ao lado de Ryota novamente, e sacou sua pistola, apontando para o rapaz.

Um disparo foi ouvido, e Zero desviou para o lado, fazendo com que o que fora disparado atingisse a parede da igreja. Entretanto, não era possível ver uma bala fincada nela, apenas o estrago causado pelo tiro.

— Comporte-se um pouco, está bem? Ainda não terminei o meu trabalho.

— Não toca nela!

Mas Alles havia segurado o rosto da garota, passando o braço esquerdo por trás de seu corpo de forma que pudesse erguer seu queixo na direção de Zero, que fazia uma expressão de fúria.

— Veja, preste bastante atenção. Aquele rapaz ali veio lhe salvar, está vendo? Ele está cheio de sangue, da cabeça aos pés, com ferimentos bastante cruéis para serem suportados. Depois de uma batalha tão difícil na capital, vir até aqui apenas para te resgatar, estando completamente exausto, foi realmente uma ação louvável, não acha, hm?

Alles voltou suas íris de cruz para a garota, mas Ryota nada disse ou reagiu.

— Seu maldito…!

— Um passo a mais e eu arranco o braço da fêmea — alertou Alles, erguendo com os fios brancos o braço esquerdo de Ryota, como que mostrando o controle que tinha sobre seu corpo. Zero interrompeu seus passos, rosnando de raiva — Muito bem, eu gosto quando são tão obedientes. Desperte, índigo. Precisa ver exatamente o que acontecerá a seguir.

Mas não importava o quanto a chamasse, Ryota não respondia. Era como um corpo sem alma, mas que ainda respirava.

Desperte.

À ordem de Alles, acompanhada de um tiro contra seu joelho que criou um buraco na área, fazendo sangue e carne espirrar, Ryota começou a tossir e conteve um grito. Ela arfou de dor e choramingou baixo, parecendo sem forças até para fazer um ato simples como aquele. 

Zero sentiu seu sangue ferver, mas não se moveu, pois Alles imediatamente passou a atenção para ele.

— Está vendo? — ele apontava o queixo dela na direção do rapaz de cabelos violeta, que tinha uma expressão de dor no rosto — Estão sofrendo por você, por sua causa. Quanto carinho existe no coração dele, não acha? O que me diz de recompensá-lo por isso? Ah, mas vocês estavam prontos para fazer isso em breve, não é?

Alles desviou o olhar para dedo onde ainda residia a aliança dada por Zero. 

— Pare!

Ainda que tivesse dado um passo adiante, ele hesitou imediatamente ao ouvir outro grito da garota que amava quando os fios se apertaram em seu pulso cada vez mais, sangue se acumulando e escorrendo quando o corte finalmente finalizou, e a mão esquerda dela caiu no altar.

Os dentes batiam uns contra os outros, trincando-se. A dor era insuportável, tanto quanto o frio naquele ambiente era terrível. O sangue quente que escorria a fazia lembrar da existência de seu corpo, e a dor de que estava viva. Entretanto, não sabia dizer se aquilo era bom ou ruim, pois conforme o tempo passava, mais e mais profundamente a mente dela entrava no abismo completo.

Ainda que os gemidos de dor pudessem ser expressados, ainda que seus olhos vissem vultos coloridos e vozes pouco reconhecíveis, nada era o bastante para trazê-la de volta à realidade. A necessidade do cérebro em impedi-la de sentir tanta dor insistia em fazê-la desmaiar, mas Alles se esforçava para mantê-la sã, de mantê-la com os olhos bem abertos.

— Hm — ele riu com o nariz — Se não despertará assim, vamos ter que tentar um método diferente.

Jin!

Zero conjurou o poder que lhe dava a capacidade de controlar o ar, e uma lâmina de vento foi disparada de seus dedos indicador e do meio que se uniram na direção de Alles, que descia as escadas. Entretanto…

Jin.

Proclamando o mesmo, o rapaz de chifres impediu a chegada de seu ataque com apenas um único passo. Afinal, assim que chegou próximo de receber o golpe ele se desfez, tornando-se apenas uma brisa que balançava seus cabelos e roupa. 

— Ainda usando esses kiais antigos? Achei que estaria um pouco mais ousado a essa altura do campeonato. Afinal, você agora é oficialmente um Furoto, e sua Graça Natura certamente lhe permite usar outras habilidades, hm?

Alles apontou sua pistola branca na direção de Zero e disparou. Os tiros, que não constituiam de balas comuns, foram na direção do rapaz que desviou velozmente, concentrando chi em seus pés para aumentar sua velocidade. Ao contrário da habilidade que invocava huo, o Furoto não deixava rastros por onde passou, mas era possível ouvir seus movimentos, assim como esse possível ouvir o assobio de uma forte ventania passando ao redor.

Houve um choque que balançou os ares, e Zero bateu diretamente com a pistola de Alles. Usando seu braço como arma, ele criou uma lâmina de água que se cristalizou, bastante semelhante à usada por Sasaki. Entretanto, ao invés de se conectar ao braço, assim como as de vento que eram disparadas à distância, aquela se desfez imediatamente ao choque de golpes. A água perdeu a força corrente e caiu no chão.

Zero tentou driblar os movimentos do adversário para roubar sua arma de fogo, mas Alles foi tão veloz em desviar quanto ele. Os dois trocaram golpes com braços e mãos durante algum tempo, defendendo-se, antes do Furoto dar um salto sobre o garoto de chifres, girando o corpo e parando bem atrás dele. Entretanto, sua lâmina de vento disparada foi, mais uma vez, repelida pela barreira do adversário. Era como se toda a concentração imbuída perdesse a força até que se dissipasse de uma vez ao alcançá-lo.

Alles, sorrindo, estava pronto para dizer algo e provocá-lo, mas ergueu os olhos quando algo aconteceu no altar. Ele percebeu que os fios que seguravam a garota cederam, e seu corpo foi ao chão com um baque, caindo sobre seus membros perdidos e sangue fresco. Os braços e pernas, sem forças, ficaram torcidos no chão, como se estivessem quebrados, e a cabeça dela pendeu na escada.

— Hm… Entendi. Uma distração bastante eficiente para libertá-la — parabenizou o rapaz de chifres.

Agora que conseguira tirá-la das amarras, Zero ficou um pouco mais tranquilo. Ele sabia que, se continuasse o enfrentando tendo Ryota como refém, seria um problema. Agora que ela estava livre de ferimentos causados pelo garoto de cabelos rosa, havia uma pequena chance de conseguirem escapar.

Zero não estava confiante de sua vitória. Ele sabia que seus movimentos estavam mais devagar que o comum, que seu chi estava se esgotando e a perda de sangue o afetava. Sabia também que, devido às circunstâncias anteriores que o levaram a se desgastar antes de chegar até ali, era proposital para que Alles pudesse vencê-lo através de um embate rápido e sem espaço para resistências.

— Estou surpreso que tenha conseguido guardar tanto chi depois de enfrentar os mors do lado de fora — riu o rapaz de chifres, colocando os óculos no lugar, deixando à mostra sua bijouteria — Aquelas criaturas podem não ser tão inteligentes, mas pelo menos conseguiram atrasá-lo o bastante antes de chegar até aqui. 

Ele deu de ombros, como se fosse algo que não desse grande importância. Entretanto, se fosse ao lado de fora, veria perfeitamente que, ao redor da igreja abandonada no meio dos campos, do lado de fora das muralhas que cercavam Hera, o gramado estaria manchado de sangue e carne de todas as criaturas que foram mortas por Zero, que marchou por um longo caminho até ali.

— Entretanto, não importa quanto tempo se passe ou o que precise encarar, você continua um covarde.

Zero desferiu uma lâmina de vento que foi defendida sem o adversário precisar se mover, e imediatamente pisou no chão, criando uma onda que veio de baixo para cima, pronta para derrubar Alles. Entretanto, ele apenas deu um salto para o outro lado, ao que todos os bancos da igreja do lado esquerdo foram destruídos pelo ataque de Zero, que alcançou uma das paredes e a fez rachar. 

— Incapaz de aceitar os próprios poderes, responsabilidades e, é claro, a culpa. Sabe que ser incapaz de encarar seu passado não está relacionado ao seu trauma, mas a reviver memórias que desejou enterrar. E virar as costas para tudo isso o tornou preguiçoso e indolente.

— Calado! O que você sabe sobre mim?!

— Hm. Eu sei.

Em fúria, Zero sacou duas facas de seus bolsos e lançou-as na direção de Alles. Elas ganharam velocidade e pegaram fogo de cabo a ponta. Alles ergueu uma — ou melhor, as duas pistolas em suas mãos — e disparou um tiro de cada. As facas, antes de alcançarem seu objetivo, pararam quando os disparos d’água apagaram as chamas e as fizeram cair no chão como brasas.

— Eu sei tudo, do início ao fim. Conheço as possibilidades, as incógnitas, o passado, o presente, o futuro, aquilo que aconteceu, acontece, acontecerá e as probabilidades impossíveis. Destoante de tempo ou espaço, o conhecimento é um tesouro eterno.

Zero avançou para trocar golpes físicos com Alles, sacando outra faca de seu bolso. Os dois começaram a se movimentar, com o alvo do Furoto desviando habilmente, sem se afastar demais. Ele parecia se divertir com os esforços do outro. Em um golpe de karatê, roubou sua faca e lançou-a contra a parede, prendendo-a. Entretanto, o movimento permitiu que Zero pudesse dar uma rasteira no oponente, roubando também uma de suas pistolas.

Entretanto, foi uma surpresa para o rapaz que, ao tocá-la, um choque que repelente o acertou. E, em um instante, o rapaz largou a arma. Antes de bater no chão, a pistola girou no ar e voltou para a mão de Alles.

— Seu desespero está refletido em seus olhos. Está desesperado para encontrar uma saída, exausto demais para pensar, preocupado demais com a índigo para se concentrar. 

— Cale-se!

Agora com uma distância segura, Zero esticou a palma direita na direção de Alles e forçou-a para baixo num movimento diagonal. Em um instante, uma pressão de vento fez o chão ceder abaixo do alvo, mas o corpo dele, em si, não moveu-se um único centímetro. O Furoto, em choque, viu o momento em que os dois poderes de vento entraram em contato, a barreira circular impedindo-o de prosseguir com o golpe, e apenas as botas dele afundaram no chão.

Nem o Domínio Completo havia funcionado.

— Eu conheço todos os seus truques, todas as suas habilidades, todos os seus medos, todos os seus pontos fracos, todos os seus pensamentos, todos os seus desejos, todo o seu eu… 

Alles se aproximou a passos lentos, e Zero recuou um pouco.

— Será que posso revidar agora… — em um passo, Alles estava diante de si, encarando-o profundamente nos olhos — … Irmão?

— … O quê?

O murmúrio de surpresa de Zero não foi ouvido por Ryota, mas ela sentiu o chão tremer e ergueu a vista bamba quando todo o terreno rachou. Foi tão bruto que ela bateu a cabeça na escada, e gemeu de dor. Era difícil entender o que estava havendo quando uma fraqueza tão grande a impedia de fazer isso. Seu corpo estava quente, queimando de dor; mas, ao mesmo tempo, algumas partes dele estavam tão frias que não conseguia senti-los.

Erguendo as íris azuis escuras como o oceano, agora quase pretas, ergueram-se para os movimentos. Era difícil conter as reviradas de olhares, o corpo exigindo descanso, exigindo voltar para as sombras e para o frio, e Ryota sentia que, caso se entregasse, provavelmente acabaria se perdendo por completo nela. Talvez sangrar até a morte não fosse assim tão ruim. O calor de seus machucados esfriava tão rapidamente, o sentido de seus arredores e motivações não mais existiam. Se nada mais a prendia naquele lugar, por que continuar consciente?

Era muito mais fácil fechar os olhos e esquecer.

Ela ouviu lamentos. Ouviu sons de ataques e sangue escorrendo. Entendeu que o combate entre os dois vultos ainda continuava, mas parecia que algo diferente havia acontecido. Afinal, não importava o quanto se esforçasse para ouvir, apenas conseguia distinguir uma única pessoa desferindo golpes. Ouviu gemidos de dor, a risada baixa de outra pessoa que parecia confiante sobre o resultado daquele combate. 

— … Ryo… Ta…

Ela ouviu uma voz familiar chamar por seu nome e, de repente, seus olhos que se reviraram viram uma luz alva, dourada. Era o reflexo do fogo na aliança que caíra de seu dedo cortado, e que agora estava diante dela.

— … Ze… Ro…?

Ela emitiu em voz baixa o nome daquela pessoa que havia lhe dado tudo, havia lhe oferecido o melhor futuro e prometido um lugar ao qual poderiam chamar de lar lado a lado. Lembrou-se da promessa, de como iria pensar a respeito da oferta, de como a ansiedade sobre pensar no amanhã a deixava ansiosa, mas estava pronta para lidar com todos os problemas ao lado dele…

… Ao lado… Dele…

Ryota ergueu os olhos no exato momento em que Alles atirou na nuca do rapaz caído de bruços no chão. Havia sangue por todos os lados, as facas desfeitas em brasa desapareceram com a brisa fria da noite. A faca que outrora estivera na parede fora fincada em sua mão, atravessando o chão para impedi-lo de escapar. A luz da lua cheia se revelou sob a cortina de nuvens, presenteando-lhe com aquela bela vista.

Alles chutou a face do irmão mais velho com brutalidade, virando o rosto dele para cima e revelando a face cheia de sangue dele — assim como as íris cinzas, sem vida, e a certeza de que ele estava morto.

— … Ah… A-Ah… — Ryota tentou emitir sons, mas as palavras não chegavam a lugar algum, então os grunhidos foram tudo o que chegaram aos seus ouvidos — … Ah… A-A-Ah…?!

Assim como a certeza de que ela permitiu que roubassem a vida da pessoa que mais a amava no mundo.

— Uma vida desgraçada foi destinada a nós dois, não acha, irmão? — murmurou Alles, olhando para o corpo de Zero — Estou contente em poder finalizar isso com minhas próprias mãos, ao invés de deixá-lo para o mundo. 

Ele ergueu as íris cinzas na direção da garota que, sem uma mão, sem dedos, incapaz de se colocar de pé pela falta de forças e pelo joelho estourado, começou a se arrastar. Ela gemia baixo, como que se esforçando ao máximo, mas ao mesmo tempo clamando por um nome que não foi capaz de entender qual era. As lágrimas em seu rosto se misturaram ao ranho e ao sangue, tornando sua expressão uma bagunça. 

O corpo dela tombou da escada, e uma dor que a fez ver estrelas a atingiu como um baque. Mas, mesmo assim, Ryota continuou a se arrastar. Na direção da porta da igreja cheia de poeira, sujeira e baratas que corriam por baixo dos bancos podres, ela arrastou seu corpo cheios de machucados na direção de Zero. A luz da lua, que iluminava as duas figuras diante da porta, parecia longe demais para ser alcançada.

Ryota tinha certeza de que não seria capaz de chegar até lá. E, por isso, os lamentos incompreensíveis se tornaram choramingos que roubaram seu fôlego, a fazendo soluçar. 

— … Então, índigo, este será o seu princípio. O fim de todos os que amava será o que corresponderá ao início de algo novo dentro de você… Não se esqueça das palavras que lhe disse antes.

— Terminou? — uma voz feminina foi ouvida do lado de fora da igreja, e Alles caminhou, guardando as duas pistolas na roupa, na direção dela — Ugh, você está terrível.

— Alguém precisava fazer o trabalho sujo, e eu fui o “escolhido” porque você se recusou a entrar na igreja.

— Eu não colocaria meus saltos naquele chão podre! Acha que tem o direito de me dizer o que fazer, moleque? Está tentando comprar briga comigo?

— … Vamos embora.

Apesar da mulher com temperamento difícil ter provocado Alles, o garoto não parecia disposto a respondê-la, e ambos desapareceram. Não era mais possível ouvir seus passos ou vozes, nada além do mais profundo silêncio.

— Ah… A-Ah… Ze… Zero… Uh… Ugh… 

Mas os lamentos da garota que humilhantemente se arrastava na direção do corpo deitado sob a luz da lua continuaram.

A mão sem dedos se erguia timidamente, e alcançava o chão. Então, o braço sem o membro do pulso pra frente fazia o mesmo movimento, esforçando-se ao máximo para seguirem em frente. O sangue escorria, a dor era insuportável. A vista estava turva e escura, o mundo ao seu redor era quente e frio — cada vez mais e mais congelado. Os arfos dela, os chamados pelo nome da pessoa que havia ido sempre até ela para salvá-la, que sempre se esforçou para estar ao seu lado, entendê-la, garantir seu bem-estar, amá-la… Estava a pouco mais de um metro de alcance.

— … Me… Desculpa… Ugh,.. Ah… — ela fungava — … Zero… Zero… N-Não… Não… Me deixa… P-Por… Favor… Ugh… 

Ao finalmente alcançá-lo, Ryota soltou um gemido alto de dor quando se sentou, puxando o corpo do rapaz para seu colo. Ela viu que o tiro na nuca atravessou seu pescoço, e uma quantidade absurda de sangue escorria. As lágrimas escorreram de seu rosto e pingaram no queixo dele ao perceber que era incapaz de estancar o sangramento. Ainda que sua mão passasse por cima de seu rosto, que tentasse esconder o rombo em sua garganta, era impossível.

— … Por favor… P-Por favor… Não me deixa… Ah…. Ugh… Eu… Eu… — ela fungou alto, perdendo o ar — … Amo você… 

Ryota percebeu que estava a um passo do verdadeiro colapso.

Naquele instante, debaixo da lua e abraçando o homem que havia dito que a amava, a garota viu ele dar seu último suspiro:

— … Obriga-.. do.

— … A-Ah! Espera… Zero! P-Por favor… Não… Não… Zero…!

O corpo dele estava ficando frio — ou será que era o dela?

Mas por que aquilo importava, afinal?

Ryota perdeu tudo.

Sua casa.

Sua família.

Sua dignidade.

Suas memórias.

Sua força.

Sua determinação.

Seus sonhos.

Suas esperanças.

Seu amor.

Seu coração.

E, por muito pouco, sua própria vida.

Enquanto chorava, balbuciando o nome de Zero, os pratos ecoando pela igreja, sentiu seu corpo ficar tão vazio quanto jamais antes esteve. Se antes haviam despedaçado seu coração, agora ele não mais existia. O buraco deixado pelas perdas de cada uma daquelas pessoas que uma vez foram importantes para Ryota, agora, consumia toda a sua alma, todo o seu ser.

E tudo o que foi capaz de fazer foi chorar, chorar e chorar. Assim como no começo, em que suas mãos e palavras nunca puderam alcançar ninguém. A mera espectadora, a garota desgraçada, a índigo quebrada… Soltou um berro de fúria e dor, desejando que aquele mundo cruel também pudesse tomar sua alma — ou o que havia restado dela.



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