Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 8 – Arco 3

Capítulo 101: Sob o Pôr-do-Sol

Com a luz do pôr-do-sol banhando seus corpos e uma expressão ligeiramente surpresa no rosto, Ryota sentiu seu queixo cair quando ouviu as palavras de Zero. Em seu rosto, havia constrangimento, é claro. Entretanto, ao contrário do garoto que conheceu anteriormente, que corava com pequenas demonstrações de afeto e fazia piadas e provocações para disfarçar seus sentimentos, aquela pessoa diante de si era diferente.

Quem se ajoelhou não foi o garoto reservado chamado Zero, mas o homem Zero Furoto — alguém disposto a se esforçar para alcançar seu objetivo, que trilhava seu próprio caminho e, agora, estava disposto a revelar abertamente seus sentimentos.

Sentindo o clima entre eles se tornar caloroso, a garota engoliu em seco. Foi naquele silêncio que Ryota percebeu que o rapaz aguardava uma resposta, e suas bochechas ficaram rosadas.

— … Ah… Eu… Me desculpa, ainda é um pouco difícil pra mim entender essas coisas… — ela virou o pé, esfregando a ponta dele no chão, tímida — A verdade é que eu não sei exatamente o que é amar no sentido romântico, parece algo novo pra mim… Ao menos, quando vejo outros casais juntos, sempre achei maravilhoso como duas pessoas poderiam passar tanto tempo lado a lado, prezando pela presença um do outro, e tudo… 

Os lábios dela tremeram, e seu lado sem-jeito veio à tona. Percebendo que não poderia mentir para ele, a garota optou por começar a explicar seu lado da história, temerosa em saber sua reação. Ela conhecia o conceito de amor, e sabia que haviam formas diferentes de se amar alguém. Entretanto, tal como o amor de mãe, ao qual haviam dado a ela, Ryota nunca foi mãe para saber como era sentir aquilo por outra pessoa; o mesmo se aplicava ao romântico. 

Ela sabia que, por vezes, seu coração disparava perto de Zero. Sabia que se preocupava um pouco demais com sua aparência, e notava detalhes em seus trejeitos e aparência. Entendia que o carinho que sentiam um pelo outro era algo muito maior do que apenas amigos de infância, e talvez definir como irmandade fosse apenas uma forma de escapar daquilo que apertava seu peito.

Entretanto, a verdade era que Ryota não havia tido tempo para pensar adequadamente na resposta. Desde que ele se declarou para ela, e a beijou — lembrança que a fez sentir o rosto esquentar de imediato —, não houve um único momento pacífico para que pudesse refletir a respeito dos acontecimentos desde então. Nas noites em que ia ao quarto, ela praticamente deitava na mesma hora de tão exausta que ficava. Era um milagre que pudesse dormir daquela forma, sem precisar ficar presa aos próprios pensamentos.

Dito isso, se contasse a ele tais coisas, talvez fosse capaz de entender. Entretanto, sabia que Zero sempre seria uma pessoa compreensiva em relação ao que passava, e isso a fazia repensar imediatamente suas palavras. Não queria que fossem desculpas para o que tentava esconder, o que tentava não parar para tentar entender. 

Ryota mordeu o lábio inferior.

— Eu entendo o que está querendo me dizer.

Zero colocou-se de pé, ainda segurando a mão dela.

— E-Eu não tô dizendo que-

— Eu disse que entendi — repetiu ele, com um sorriso que se alargou ainda mais ao vê-la tentar consertar o que havia dito — Afinal, como não teria percebido isso se não a observasse desde sempre?

Ryota expirou o ar de seus pulmões e mordeu as próprias bochechas, baixando os olhos escuros.

— Me desculpa por isso. Acho que não era exatamente essa a cena que você tinha pensado, não é?

— … Não. Mas você sempre é uma pessoa ilógica e que improvisa nestes momentos, então desconfiei que algo assim poderia acontecer.

Ele disse aquilo não como se fosse um problema, mas uma qualidade a ser admirada, o que a fez torcer as sobrancelhas.

Ryota não conhecia o amor romântico no quesito experiência, mas havia lido alguns romances ao longo de sua vida, então entendia parcialmente o que aqueles gestos e palavras significavam. Entretanto, conhecer e experimentar eram coisas totalmente diferentes, e a garota sentiu seu peito doer enquanto abaixava os ombros e soltava uma risada seca, voltando os olhos azuis para a vista através da janela.

— Pra ser honesta, não consigo entender o que viu em mim pra gostar tanto. Eu… — ela apertou os olhos, meio triste — Eu sou só uma garota normal, mas incompetente em todos os aspectos. 

Ela recuou um pouco.

— Eu não consigo cumprir promessas, não consigo animar os outros adequadamente sem precisar passar por cima dos sentimentos deles pra isso, não consigo ser capaz de me aproximar o bastante das pessoas pra falar sobre mim mesma… Acho que no quesito aparência, em comparação a outras garotas e mulheres da nobreza, sou mediana pra baixo. Cabelos escuros não são assim tão populares, não é? E meu corte… — ela passou a mão pelos fios — … Mulheres normalmente tem cabelos longos, certo? Deveria ser um charme que os garotos gostam, mas eu cortei o meu porque achei que seria mais prático de cuidar.

Foi um pensamento leviano, sem levar em consideração a vaidade que ainda nem existia em seu coração. Ryota começou a mencionar todas as características que lhe vinham à mente, quase como uma metralhadora de defeitos. Era apenas mais uma forma de tentar se proteger daquela experiência nova, como se rejeitasse e ao mesmo tempo aceitasse, por medo de não saber corresponder e temer afastá-lo. Mais do que tudo, sentia como se pudesse perdê-lo também, o que a fazia querer abraçá-lo e aceitar tudo, mas temia fazer da forma errada, o que o faria ir embora…

Era uma bagunça tão grande que nem ela mesma entendia. Em verdade, não estava com cabeça para pensar sobre aqueles assuntos, e vindo de uma hora para a outra tão de repente… Tudo o que seu pequeno cérebro pôde fazer foi se retrair como um animal tímido, pronto para fugir.

— As minhas roupas também não são nada femininas, não é? Quem é que usa moletom além de mim, afinal? — ela deu outra risada seca, incapaz de olhar nos olhos dele — Quando vejo tudo o que passei e pude experimentar, percebi que esse tipo de roupa não é pra mim… Isso seria um problema, não é? Digo, normalmente as garotas da minha idade gostam de cuidar das unhas, usar vestidos e essas coisas… E eu… Também não sou uma pessoa adequada pra se apresentar em público. Eu… Eu vou acabar tentando improvisar e acabar estragando tudo, eu sou… Eu sou uma falha em tudo. Eu não sou capaz de proteger as pessoas que eu gosto, e nem de consolar elas quando estão passando por dificuldades. Tudo o que faço é dizer o que tô sentindo, como se pudesse sobrepor minhas experiências sobre as delas, mas… No fundo, eu sou uma grande egoísta. E eu… Eu… N-Não sou digna de ser amada… Quando cometo tanto erros um atrás do outro… Eu só causo problemas pra todo mundo, e nem consigo compensar nada disso… Eu… Eu… Eu não acho que mereço o que tá me oferecendo, e… 

Em determinado momento, ela havia abaixado a cabeça de forma que seu rosto ficasse oculto, e lágrimas brotaram em seus olhos. 

— … E-Eu… Não fui capaz de salvar ninguém… Eu… Sou uma pessoa horrível… Eu… Machuquei o tio Jaisen, a Fuyuki, o Edward, a Marie… Tanta gente… Eu… Deixei o vovô morrer…. E-Eu… Falhei em tudo, e sempre vou falhar em tudo o que eu vou fazer… — ela começou a enxugar as próprias lágrimas que escorriam por seu rosto — … Então, o que quero dizer, é… Bom… — apertou os lábios — … Não acho que seja uma boa ideia… Me ter ao seu lado.

Os temores e memórias da garota, de tudo o que passou nos últimos dias, na última semana, vieram como uma avalanche. Ryota se sentiu tão terrível, tão machucada, tão… Como poderia descrever aquele sentimento de fracasso? De ter sido incapaz de fazer qualquer coisa de forma adequada. Não foi capaz de proteger ninguém, arcou com as consequências de forma medíocre e envolveu pessoas inocentes. Viu mais e mais mortes do que poderia contar, e todas elas poderiam ter sido impedidas por suas mãos se não tivesse ficado parada, em choque.

Se nem mesmo nas coisas básicas ela era boa, se nem mesmo no dia-a-dia era capaz de cumprir com suas palavras… Como poderia ter feito um voto com Edward? Ela falhou em cumprir sua parte, e ele sofreu por sua causa. Ele perdeu o pai por conta dela. Se as coisas tivessem sido resolvidas no baile, talvez Fanes não tivesse optado por aquele fim, e eles teriam tido um final feliz. E Albert… Se ela tivesse sido capaz de chegar a tempo, de conversar adequadamente com ele quando tinha chance, as coisas teriam sido diferentes? Se ela tivesse estendido a mão, colocado todas as suas forças nisso, poderia tê-lo salvo?

Ela poderia ter salvado as crianças que morreram para os mors, ou para os soterros? Ela poderia tê-las poupado de tamanha dor? Poderia ter impedido Marie de ter passado por tamanha tortura, de Luccas sofrer tanto por sua falta de experiência e capacidade? Ela poderia ter sido capaz de se controlar e conversar justamente com Fuyuki e Jaisen?

Os “E se” vinham como uma bola de neve, e eventualmente ela não mais conseguia raciocinar. Era difícil ao ponto de sua cabeça doer, como se machadadas fossem dadas vez após vez em seu crânio. 

Se ela era incapaz daquilo tudo, se foi incapaz de responder Zero adequadamente sem se lamentar como um ser pequeno e de se dar pena, como poderia dar a ele uma resposta positiva? Como poderia corresponder sentimentos que sequer conhecia, e tinha certeza de que falharia imediatamente ao tentar? Como poderia… Como poderia magoar tanto uma pessoa que amava daquela maneira? Seria apenas crueldade e egoísmo da sua parte.

Ryota recuou o corpo, pronta para ir embora.

— Por isso que… Hã?

Mas ela hesitou e paralisou quando Zero passou o anel por seu dedo anelar esquerdo. A aliança encaixou perfeitamente, e parecia brilhar à luz alaranjada do sol.

— Espera, o que-

Parou de falar outra vez quando Zero levou a mão direita para seu rosto, limpando-o. Como sempre, usando uma delicadeza grande o bastante para que a fizesse se sentir preciosa. Quase como se fosse um objeto que pudesse quebrar a qualquer instante.

— Ryota, eu te amo — sussurrou ele.

Ela arregalou os olhos, pronta para chorar novamente.

— Eu entendo que está assustada, e que se veja dessa forma. Mas, mesmo assim, eu amo você — o dedo polegar faziam as lágrimas sumirem — Amo seu cabelo escuro curto, mas também achava ele lindo quando comprido. Na verdade, eu gosto quando você está feliz com a própria aparência. Então, se fica feliz usando moletom ou jeans, tudo bem, eu também gosto. Se está feliz usando um vestido ou uma saia, eu gosto. Você fica linda em qualquer coisa que usar, e desde que se sinta bem, eu também estarei.

Ryota soltou um soluço.

— Eu amo os seus olhos azuis. Normalmente, eles são de um tom parecido com os do céu em um dia quente, mas quando está feliz, eles clareiam, quando está se sentindo mal, eles escurecem como o oceano — Zero estava sorrindo, acariciando seu rosto, e estreitou um pouco os próprios olhos —  Eu amo a sua personalidade alegre, ela é contagiante, sabia? Se não fosse por sua presença, tenho certeza de que nenhum de nós da elite Galáxia teria se aproximado tanto. É como um raio de luz que aquece os nossos corações, e melhora nossos dias. Você é esforçada, talentosa, altruísta, carismática e um poço sem fundo de força… E eu amo tudo isso em você.

Ele deu um selinho em sua testa.

— Lembra-se da nossa conversa em Puccón? Quando me disse que queria criar uma família, viver ao lado de todos que amava? Eu quero realizar o seu desejo. Se é uma vida comum que quer, eu farei. Se deseja um pouco mais de luxo, eu lhe concederei. Podemos trazer Jaisen para Hera e criarmos uma vida aqui, ou talvez nos mudarmos para o interior… O lugar onde desejar, iremos juntos. Estaremos sempre em contato com a Fuyuki e os outros, e tenho certeza de que o príncipe sempre será muito grato pelo o que fez por ele. Ah, mas não apenas ele, mas todos aqueles que você ajudou. Portanto, pode ter certeza de que ninguém te olha como um problema, ou como alguém que não deve ser amado… Porque, veja só, eu amo você.

Zero havia dito tantas vezes aquilo que uma parte dela começou a se acostumar, mas ainda era um pouco estranho para sua cabeça.

— Para mim, ainda é um pouco difícil falar sobre o passado. E eu sei que nós dois precisamos de tempo para contar as coisas um para o outro, mas isso é normal. Estou, lentamente, me sentindo mais confortável em falar sobre isso, e eu fico feliz em saber que posso ser esse ombro amigo para você. Quero ser capaz de compartilhar mais memórias e momentos ao seu lado… Quero lhe fazer feliz. 

Ele depositou um selinho na parte superior de suas mãos.

— Mas, se mesmo assim, você precisar de um tempo para si mesma, vou entender. Se os seus sentimentos não puderem corresponder os meus… Eu entenderei. Não quero forçá-la a nada, e prometo que poderemos continuar lado a lado como sempre estivemos. 

Zero mostrou um sorriso dolorido, e Ryota percebeu que era a forma dele de, mais uma vez, demonstrar compreensão. Com o rosto limpo, mas vermelho depois das lágrimas, ela baixou os olhos para as mãos seguradas diante deles.

— … Mas por que eu?

— Porque você foi a pessoa que mudou a minha vida. Estendeu a mão para mim quando ninguém mais fez, e me deu uma nova razão para continuar vivendo. 

Ela arregalou um pouco os olhos.

— Lembra-se de quando nos conhecemos? O Albert me levou para Aurora para espairecer a mente e conhecer pessoas novas, mas eu… Não estava confortável com aquilo. Hoje, sei que era necessário para tentar abrir mais meu coração e mente, mas era difícil. Eu não gostava de estar na presença de outras pessoas, e sentia muito medo. Normalmente, vendo que eu sempre recusava propostas e amizades, paravam de estender sua mão para mim,.. Mas você foi diferente. Você me levou para comer na sua casa e me apresentou à sua mãe, que se tornou como a minha. Vocês todos… Aos poucos, se tornaram a minha família e me mudaram. Mas você foi o gatilho pra isso acontecer, e eu nunca poderia ser mais grato.

Mais uma vez, o coração dela disparou.

— Eu me lembro de visitar Aurora aos fins de semana, e ainda ter medo de você. Era um pouco difícil lidar com a sua energia no começo, sempre me arrastando para todos os lados pra brincar. Sempre se agarrando a mim, o que me deixava um pouco constrangido, sempre sendo honesta e tentando me conhecer melhor — ele riu baixinho, lembrando-se daquela época — … Eu devo ter sido grosseiro com você naquela época, então me perdoe. Mas, aos poucos, eu comecei a admirar essa mesma força e gentileza, e acabei gostando de você. E, então, eu… Me apaixonei por você.

Zero apertou os olhos, fechando as pálpebras com força, como se fosse uma memória doce, mas ao mesmo tempo vergonhosa.

— É engraçado como consigo expressar perfeitamente o que sentia naquela época… Talvez porque são boas memórias. No começo, foi difícil aceitar os meus sentimentos, e acabei tentando me afastar de você… Mas como fazer pra desgrudar uma praguinha daquelas?

Ele riu um pouco.

— Você era sempre muito grudenta e não parava de falar, então sempre acabava me irritando o fato de conseguir me tirar do sério. Você era capaz de quebrar as minhas barreiras emocionais e me fazia olhar diferente para as coisas… Me fez apreciar a natureza e os dias pacíficos. Me fez gostar das brincadeiras e das piadas sem graça… Estou me estendendo demais, não é? Sinto muito — Zero pigarreou, ainda com as bochechas e orelhas vermelhas — O que estou tentando lhe dizer é… 

Zero inspirou fundo.

— … Meus sentimentos por você não são tão frágeis quanto pode pensar, e eu jamais lhe abandonaria por qualquer decisão que tomasse a respeito de nós. Vou respeitar o que escolher.

Vendo-o finalizar, após um instante de silêncio, Ryota soltou uma risada sincera que fez Zero se assustar.

— O-O que foi?

— … Nada. Eu só acabei percebendo que estive sendo uma grande tola.

— Como as-

Dessa vez, foi ele quem teve a fala interrompida quando a garota colocou-se nas pontas dos pés para lhe dar um selinho nos lábios. Foi tão chocante que o rapaz virou um pimentão, incapaz de fechar os olhos pelos longos três segundos que ficaram naquela posição.

Quando Ryota se afastou, constrangida, mas nem perto do que Zero expressava, ela abriu um sorriso que mostrava os dentes, segurando o rosto dele com as mãos. 

— Muito obrigada por me amar… Eu aceito.

Zero piscou umas cinco vezes antes de processar as palavras dela, e então o constrangimento desapareceu, dando lugar a um sorriso largo e mole. 

— T-Tem certeza?

— Sim.

— A-Absoluta?

— Sim.

— V-Você não vai se arrepender?!

— Ainda tá duvidando de mim, Beterraba? — ela puxou o nariz dele com suavidade — Ou eu deveria chamar de Moranguinho, agora?

Ela riu da careta irritada dele, percebendo que havia perdido na provocação. E então, ele suavizou a expressão, pegando as mãos dela mais uma vez.

— Você vai ser chamada de Lady Ryota agora, sabia?

— O-O queê? A-Ah, é mesmo! Eu… Serei parte da nobreza, não é? Eu não tinha percebido!

Zero riu da surpresa dela.

— Eu vou realizar os seus sonhos, prometo — eles cruzaram os dedos — Vamos dividir não apenas as nossas felicidades, mas momentos difíceis também. 

Sabendo que aquilo a faria desviar o olhar para pensar nos acontecimentos recentes, ele depositou outro selinho em sua testa e a abraçou.

— … Seu coração tá batendo rápido.

— F-Fica quieta! Eu… Estou feliz, apenas isso.

— … Eu também.

Zero apertou as mãos mais uma vez antes de soltá-las.

— Então, eu vou indo na frente. Você ainda precisa de um tempo pra espairecer a mente, certo? 

— Sim, obrigada.

Após trocarem mais um olhar, Zero deu meia volta e saiu da casa. Ryota o viu descer as escadas e se afastar, passando abaixo dela pela construção. Ao vê-lo desaparecer nas ruas, inspirou profundamente. O sol estava pronto para desaparecer no horizonte, e ela ergueu a mão esquerda, observando a aliança que brilhou à luz.

— … Eu preciso comprar uma pra ele também, não é? — perguntou-se, pensativa — Ah, nossa… Eu vou casar. Eu… Tô noiva. Eu… Mal fiz dezoito anos e vou casar?!

Quando a ficha caiu, Ryota soltou uma exclamação alta e se encolheu, colocando as mãos na cabeça.

— Mas… Aconteceu tanta coisa nesses últimos dias. E, agora há pouco… — ela soltou um suspiro — … Eu… Preciso mesmo de um ar. 

Percebendo que ficar parada não ajudaria muito a relaxar, Ryota saiu da casa e começou a caminhar também. Ela atravessou as ruas vazias, aproveitando o silêncio. Seus olhos se ergueram para o palácio e se estreitaram, pensando sobre tudo o que havia acontecido desde então. Quase que imediatamente, ela recebeu memórias ruins em resposta, o que a fez bater com as próprias palmas no rosto.

Foco, foco! Vamos encarar isso, Ryota. 

— Moça?

Ryota se virou quando ouviu uma voz familiar e arregalou os olhos. Quem estava diante dela era um rapaz na faixa da adolescência que segurava um filhote de cachorro nos braços. Era um garoto com cabelos e olhos áureos, mas ao contrário da primeira vez que se viram, ele parecia fisicamente bem. Havia vida em sua expressão, e ele abriu um sorriso doce ao vê-la.

— Moça!

Como que num impulso, ele correu na direção dela e a abraçou na cintura. O filhote pulou para o chão e soltou um latido agradável, balançando seu rabinho.

— O-O quê?!

— Você tá bem! Eu fiquei muito preocupado! — falou ele, erguendo os olhos marejados na direção dela, ao que a garota se assustou — Eu… Eu…

— A-Aaaaaah… Vamos, calma. Eu tô bem, tá vendo? Desculpa, eu disse que ia te ver depois e acabei não indo.

Ryota se abaixou e fez cafuné na cabeça dele. Dio enxugou os olhos e fungou o nariz. A garota estendeu a mão para acariciar o filhote, que aceitou o agrado girando em círculos, fazendo uma palhaçada.

— Você não devia estar andando pelas ruas, sabia? A cidade ainda pode ser perigosa!

— … Mas…

Ryota deu um sermão nele e Dio se encolheu, fechando a cara e mostrando bico com os lábios. Então, ela soltou um suspiro pesado.

— Tá legal. Eu vou dar uma volta por aí, então fica bem perto de mim, tá legal?

— Moça, você tá bem?

— Hã?

— Bom… É que parece que você tava chorando…

— A-Ah! Eu tô bem… Só um pouco cansada dessa confusão toda.

Ryota lutou para não desmanchar a expressão sorridente e assim insistiu nas palavras. Ele não pareceu exatamente convencido, mas aceitou mesmo assim.

Dio pegou o filhote que estava no chão e observou a garota ir na frente, dando alguns passos antes de parar, olhando para trás. E, nesse instante, percebeu que havia algo estranho. O garoto ergueu a voz para gritar algo para ela, parecendo desesperado, mas Ryota não conseguiu prestar atenção. Afinal, naquele instante, uma dor alucinante a atravessou de cima a baixo, a fazendo vomitar sangue. Foi um baque que demorou para entender, mas quando baixou os olhos e viu o braço que atravessava seu estômago, com a mão fechada em um soco, finalmente compreendeu.

— … Hã?

Ela soltou apenas um pequeno murmúrio de incompreensão com a cena. E, em seguida, ouviu um grito agudo. Ao erguer as íris, presenciou o exato momento em que Dio abraçou o filhote, estendendo a mão na direção dela… Mas não antes de seu corpo, ou os pedaços dele, voarem para longe quando fios vermelhos rasgaram chão e construções. Casas foram varridas, cortadas em três pedaços, assim como os corpos do adolescente e seu cachorro. Ryota assistiu a cena, paralisada, e sua mente se tornou um breu.

— … Hã?

Eu… 

Ela só conseguia pronunciar aquilo ao perceber os cadáveres à distância. E, por fim, cedeu às sombras, que engoliram sua consciência por completo, e a garota desmaiou.

… Não consegui salvar… Mais uma pessoa…?

Esse foi seu último pensamento antes de apagar.



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