Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 8 – Arco 3

Capítulo 100: O Pedido

Quando a nuvem de poeira baixou e o cheiro de sangue chegou aos narizes de Fuyuki e Zero, que ouviram sons altos vindos de um local não tão distante, a dupla se entreolhou antes de disparar naquela direção. Era esperado que pudessem encontrar alguma pista sobre a localização dos invasores, ou pelo menos ajudar pessoas que ainda pudessem estar em apuros.

Portanto, a dupla disparou rapidamente naquela direção, com Fuyuki criando uma esteira de gelo para que seus pés deslizassem e Zero aumentando sua velocidade usando seu chi. Então, ao alcançarem a praça, a visão que tiveram fez o pêlo de suas nucas arrepiar.  

O ambiente fora praticamente remodelado após o combate. Como um espaço próximo ao palácio, mas com construções nas redondezas, o que havia lutado naquele local antes deles chegarem certamente não era tão simples quanto um mor. O chão fora quebrado, algumas partes rachando ao ponto de buracos se abrirem; construções foram quase lavadas e pedaços que foram retirados à força lutavam para manter as estruturas em pé. Havia muita terra e poeira espalhada — assim como sangue.

E, em meio àquela bagunça, a duquesa viu uma pessoa conhecida. Fuyuki resfolegou, perdendo o ar por um instante.

— … Ryota!

Ela disparou rapidamente na direção da menina que ainda estava caída no chão, o corpo encolhido e as mãos tapando seu rosto. Seu cabelo estava uma verdadeira bagunça, e manchas vermelhas se espalhavam pelos arredores, incluindo suas próprias mãos.

Fuyuki se aproximou e, por alguma razão, temeu tocá-la. E então, diminuiu os passos até parar próximo o bastante da garota.

— Você está bem?

Não houve resposta.

O silêncio naquele ambiente podre era aterrorizante. Os arrepios iam e vinham como o vento, e a duquesa sentiu que algo não estava certo.

— O que aconteceu… Aqui? 

A voz dela sumiu imediatamente quando passou os olhos pelos arredores, e percebeu que Zero havia parado diante de um corpo não muito longe de onde estavam. Ela não podia ver seu rosto, pois o corpo do rapaz o tapava, mas pelas roupas entendeu perfeitamente quem era. Seus olhos verdes se arregalaram e ela fechou os punhos.

Zero, de costas para as duas, estava igualmente em choque. Lágrimas se acumularam no canto de seus olhos, mas não escorreram. Ele fungou baixinho, a cabeça a mil enquanto tentava processar a cena diante de si.

— Ryo-

Quando Fuyuki tentou chamar a garota sentada novamente, hesitou ao perceber que havia se colocado de pé silenciosamente. Um bolo prendeu a garganta da duquesa quando se aproximou, tocando delicadamente o ombro direito da amiga.

— … O que aconteceu? — seu tom de voz se tornou duro, um pouco baixo demais. 

Ryota deslizou os olhos azuis escuros na direção da duquesa, as pálpebras quase se fechando, o que a fez dar um olhar exausto. Seus glóbulos ainda estavam um pouco vermelhos, tal como seu nariz e bochechas. 

— Eu preciso de um tempo — foi o que respondeu, baixa e rouca demais, afastando-se do toque da amiga.

Dando as costas para ela, a garota estava pronta para caminhar para longe, mas foi imediatamente impedida pela duquesa, que a segurou pelo antebraço.

— Estou lhe perguntando o que aconteceu, não vire as costas para mim desse jeito — percebendo que a irritação beirava seu tom, a duquesa soltou um suspiro pesado — … O que você viu?

Ryota apertou um pouco os lábios.

— Ryota, eu imagino que deva estar passando por um momento difícil, mas, por favor-

— Não consegue ver com seus próprios olhos o que aconteceu?

O tom ríspido e o olhar lateral fizeram a duquesa recuar um pouco.

— … Ele se foi, isso é tudo.

— … Como… Quem…? 

Fuyuki, embora não tivesse conhecido Albert o bastante para poder se sentir mal por sua partida, conteve a dor em seu coração ao ver a garota relutar mais uma vez, puxando seu braço dela. Dessa vez, não tentou forçá-la a permanecer naquele lugar por mais tempo. Compreendendo que deveria ser uma visão perturbadora, a duquesa permitiu que ela fosse embora a passos pesados, se distanciando até desaparecer.

— … Mas o que…? — murmurou consigo mesma, abraçando-se.

Então voltou sua atenção para Zero, que ainda permanecia parado, olhando para o corpo de Albert. A passos igualmente lentos, a duquesa se aproximou do rapaz cabisbaixo e arregalou os olhos quando viu a causa de sua morte, cobrindo a boca com uma das mãos.

— Ela lhe disse o que aconteceu? — perguntou ele, baixinho.

Ainda que estivessem sozinhos, parecia difícil aumentar o tom de voz de forma que não soasse de forma desconfortável. O clima frio e solitário daquele ambiente parecia tentar impregnar em seus corpos, e Fuyuki, por alguma razão, sentiu a temperatura baixar ainda mais, o que a fez esfregar os seus braços.

— Não. A Ryota está muito abatida… Eu fui insensível tentando mantê-la aqui — ergueu as íris verdes para o rapaz — Zero, você-

— Irei atrás dela.

Cortando-a ao falar, o rapaz deu-lhe as costas e começou a andar. Quando Fuyuki o acompanhou com os olhos, ele repentinamente parou.

— Por favor, não o deixe aqui.

— Cuidarei disso imediatamente.

— … Obrigado — ele virou um pouco o rosto, mas não o bastante para que pudesse ver sua expressão.

Zero afastou-se da duquesa e rumou na direção de onde a garota anteriormente havia passado. Enquanto isso, Fuyuki voltou seus olhos quase fechados para o corpo de Albert e suspirou.

— Quem fez isso? — murmurou consigo mesma, abaixando-se para fechar os olhos ainda abertos dele, e então ergueu a cabeça na direção do palácio — Como estarão Kanami e Sora?

Agora que presenciara uma cena tão terrível, os arrepios apenas se tornaram mais fortes, e ela temeu que algo tão horrível tivesse acontecido com seus guardiões. Inspirando fundo, ela conteve suas emoções um pouco antes de erguer-se.

Precisava ser forte… Por enquanto, buscaria uma forma de preservar e encaminhar o corpo do homem aos seus pés para o local ideal.

***

Enquanto atravessava os becos vazios e frios, Ryota escutou o som de seus passos. Eles eram ritmados, mas duros. Pesados, mas leves. O ambiente ao seu redor quase não parecia mais fazer parte de sua realidade, e ela atravessou o caminho que não levava a lugar algum sem interromper os movimentos das pernas.

Não demorou muito para que um segundo par de pés pudessem ser escutados em seu encalço, e a garota franziu a testa.

— Não me siga.

Zero não respondeu e nem obedeceu seu comando.

Passando mais alguns segundos, e sem dar sinal de que recuaria, a garota inspirou fundo para colocar mais força na voz:

— Vá embora!

Seus passos ficaram mais rápidos, mas o rapaz a acompanhou, quase os igualando. Com calor subindo por seu rosto, ela rangeu os dentes e estalou a língua. 

— Me deixa em paz!

Tapou os próprios ouvidos, mas ainda era capaz de sentir sua presença. Aquilo a estava deixando cada vez mais irritada, como se qualquer barulho pudesse causar um choque em sua cabeça. Contendo a respiração, Ryota pegou uma pedra de escombros próximos, que cabia na palma de sua mão, e jogou na direção do rapaz.

— Some daqui! 

Entretanto, ela foi imediatamente pega por ele. Ryota, com os olhos cheios d’água e uma expressão amarga, olhou para Zero, que parecia pensativo, distante. Sabia que, assim como ela, ele também deveria estar passando por um momento difícil, mas a garota não se importou. 

Na verdade, ao vê-lo se aproximar cada vez mais, seu estômago se embrulhou tão brutalmente que quase vomitou ali mesmo. Ela recuou, mas não o bastante para que pudesse fugir dele. Ryota sabia que não seria capaz de fugir por muito mais tempo daquilo tudo, então, como reflexo de sua mente bagunçada e corpo doloridos de exaustão, continuou a pegar pequenas pedras de escombros, jogando-as em Zero.

— Vá embora! Me deixe em paz! Eu… Eu não quero conversar com ninguém! Nem com você! Então… Então… Só… Me deixa ficar sozinha!

Uma das pedras acertou sua testa perfeitamente, e o garoto parou. Ryota resfolegou ao perceber que havia machucado, e deixou todas as que segurava caírem aos seus pés. As lágrimas em seus olhos ainda ameaçavam escorrer quando deu meia volta, pronta para correr em direção ao nada.

Mas foi impedida por um par de braços que a envolveram, mantendo-a no lugar.

— M-Me solta! Me deixa em paz! Me larga…!

Entretanto, Zero a apertou em um abraço, ignorando as cotoveladas que eram dadas em seu corpo. Ele encostou a testa machucada em suas costas e assim permaneceu. Lentamente, os insultos da garota foram dando lugar a soluços e, eventualmente, não teria mais forças para lidar com a resistência dele.

A gota d’água para a explosão de sentimentos contidos com esforço foi a sensação de molhado em suas costas, e, por fim, o aperto de Zero se tornar mais forte. Nesse instante, Ryota baixou sua cabeça e segurou as mãos dele… Finalmente, voltando a chorar e se rendendo ao desespero.

O que pareceram ser horas se passaram, e o dia começava a escurecer. O sol, que agora lentamente iniciava a sumir, fez com que os céus se tornassem alaranjados. A cidade foi preenchida pelo silêncio e o ar subitamente frio, o que permitiu que todos pudessem parar para refletir sobre todos os acontecimentos naquelas últimas horas.

Em determinado momento, ao qual não se lembrava exatamente quando, Ryota sentiu Zero soltá-la e andar para o seu lado, estendendo-lhe a mão. Ambos estavam com o rosto e olhos vermelhos, a expressão cansada praticamente escrita em suas faces. A garota segurou na palma dele, meio tímida, e então começaram a andar. Não demorou muito para que parassem diante de uma contrução — ou o que restou dela.

Ao contrário das demais na capital, que acabaram tendo um triste fim graças aos combates e explosões criadas ao longo das últimas horas, aquela parecia ter sido destruída em um período bem anterior àquele. Ryota olhou para a grande casa e para Zero, ainda bastante cabisbaixa, e o viu sinalizar com a cabeça para que pudessem entrar.

Apesar de vários pedaços da construção terem desabado em escombros, ainda era possível adentrar — e foi o que fizeram. Silenciosamente, os dois, de mãos dadas, entraram no cômodo com a parede estourada e subiram as escadas para o segundo andar, A luz do sol, agora fria adentrava pelos buracos, chegando até seus corpos e rostos. 

Ryota levou a mão livre diante do rosto para poupar os olhos da luminosidade quando chegaram ao andar em questão, entrando em um quarto de porta fechada. O cômodo estava vazio, mas apenas um pouco mais inteiro que os demais. Com a janela aberta, eles se aproximaram dela e observaram a cidade diante deles. Não era uma visão completa, mas parecia bastante bonita daquele ângulo e horário.

— Eu costumava assistir o pôr-do-sol do meu quarto todos os dias — disse Zero, devagar. Os dois ainda sentiam o clima terrível pairando entre eles, as íris tendo perdido um pouco de brilho se voltaram para a garota — Era a minha visão favorita.

Ainda que seu tom de voz fosse distante, parecia que não soava mais tão melancólico. Era quase como se pudesse voltar em suas memórias, falando sobre seu passado com suavidade.

— Observando desta janela, eu era capaz de ver quando meu pai chegava do trabalho. Escutava o som de seu carro entrando na garagem. Eu também podia ouvir quando meu irmãozinho chorava, no quarto ao lado, então podia ir cuidar dele nas madrugadas em que meus pais estavam cansados. Quando era ainda mais novo, sentia perfeitamente o cheiro do café-da-manhã que vinha pelas escadas… E, também, do jantar.

Zero apertou um pouco mais os dedos dela, e Ryota ergueu os olhos para o rosto dele, iluminado parcialmente pela luz laranja do sol.

— Eu… Costumava me sentir sozinho. Ainda que minha mãe passasse o dia inteiro em casa, cuidando do meu irmão, ou que nossa família se reunisse durante a noite para comer juntos… Ainda que meu pai me levasse para treinar todas as manhãs ou que pudesse vê-los pela casa com meu irmão… Era como se algo faltasse dentro de mim.

Com a mão direita, a livre, ele segurou o tecido de sua roupa, bem acima do peito.

— Por que está me contando tudo isso?

Ryota, finalmente, fez a pergunta que a incomodava. Zero baixou suas íris prateadas para ela, observando sua feição bonita. Os olhos azuis, agora escuros pelas emoções conturbadas, não mais brilhavam. Seu rosto estava manchado e amassado de tanto chorar. O tom de sua voz, normalmente alegre, era baixo e distante. Mas, mesmo com todas aquelas mudanças, o calor de sua mão ainda era o mesmo.

— Você havia dito isso antes, não lembra?

A garota franziu a testa, o que o fez rir com o nariz.

— Você mesma me disse para eu tentar me abrir um pouco mais. Expressar meus sentimentos para você quando me sentisse confortável, da mesma forma que faz comigo… 

Ryota baixou o queixo, lembrando-se perfeitamente do momento em que pedira aquilo a ele. Mesmo sendo há pouco mais de uma semana, parecia ter sido uma conversa com mais de um ano de diferença.

— Por que agora?

A expressão dele murchou um pouco.

— Porque eu senti que, se não lhe dissesse agora, talvez não pudesse fazer isso nunca mais.

Ryota imediatamente o olhou de novo, e percebeu que foi uma forma dele chamar sua atenção. Em partes, se sentiu traída e apertou os lábios, sendo um ato bem maldoso de sua parte; entretanto, um outro lado dela sentiu um aperto tão grande em seu coração que poderia tê-la matado no mesmo instante.

— Não fale desse jeito — censurou-o, apertando com força a mão de forma que Zero se encolheu, sentindo dor — Eu… Só… Não sei o que fazer.

Zero piscou na direção dela.

— Foi por isso que veio atrás de mim, não? Pra saber… O que aconteceu com…

— Sim… Em partes.

Ela franziu a testa.

— Como assim, “em partes”?

Ele abriu um sorriso delicado.

— Estou curioso para saber o que aconteceu… E… É claro, bastante triste — ele olhou para as mãos unidas, e passou o polegar sobre a dela — Mas eu estava preocupado com você.

Normalmente, ela faria uma piada como “e quando não está?”, mas não havia humor para esse tipo de coisa, então Ryota apenas virou o rosto para a janela de novo.

— Você quer saber?

— … Conseguiria me contar?

Uma brisa acariciou o rosto da garota.

— Por alguma razão, neste momento, eu… Não sinto nada — ela, assim como ele, levou a mão ao coração, agarrando o tecido da regata — Isso é assustador.

Ela não sabia se era porque havia chorado tanto quanto podia, se era porque sua mente ainda estava um breu completo, porque estava conturbada demais com todos os acontecimentos ou porque ainda não sabia como lidar com suas próprias emoções.

— Porque não sentir nada… É como não estar viva — revelou ela, baixinho — Eu lembro de passar pelo mesmo, quando… A mamãe partiu.

Recordava-se de permanecer por meses daquela forma, como um completo vazio. 

— A comida não tinha sabor, o arco-íris no céu não tinha cores, as flores não tinham cheiro… O mundo se tornou completamente cinza para mim. Eu… Fiquei tanto tempo daquele jeito, que quando despertei… Quando fui capaz de ter forças para tentar me reerguer… Me assustei em como o mundo mudou… Em como eu mudei. E, agora, percebi que estou sentindo o mesmo daquela época, de dez anos atrás… Eu não sei se é pior do que os pensamentos que me incomodavam durante as noites, ou não.

Ela deu uma risada seca, dura demais para ser chamada de sorriso.

— Acho que, se contasse a você agora, não haveria problema — ela, então, tocou com a mão livre no pescoço, acima de onde, no passado, estava a marca do voto — Não existem mais restrições, e eu… Não acho que sentirei qualquer coisa se falar, de toda forma.

Na realidade, achava que era um estado temporário. E se aquele era o melhor momento para expressar os acontecimentos, então que fosse. Ryota estava disposta a fazer isso, mesmo que fosse difícil relembrar. Parecia mais fácil do que sentir tanta dor física devido ao sofrimento que precisava vomitar, que perdia o ar e chorava, pedindo para aquilo parar.

Ah… Então, eu vou precisar passar pela maldição de novo?

Ryota achou que havia superado aquela fase, mas relembrar dos sintomas a fez, imediatamente, desmanchar qualquer emoção de sua face.

E, por fim, ela contou tudo. Sobre a chegada à capital, sobre seu encontro com Marie e Luccas, sobre o que aconteceu nas celas, o voto com o príncipe, o Debute, a Cerimônia de Benesse, a tortura com Miura — obviamente, resumindo acontecimentos e evitando tocar em cenas muito dolorosas —, e tudo o que acontecera desde então. A garota explicou os acontecimentos e, por fim, percebeu que não fora tão difícil assim — uma vez que excluíra seus sentimentos sobre os eventos, contar como se não tivesse acontecido com ela parecia muito mais fácil.

Ela teria rido de si mesma naquele momento se Zero, ao ouvi-la, não tivesse começado a falar logo depois:

— Eu… Consegui recuperar meu título de lorde.

Ela ergueu as sobrancelhas, e então o rapaz sorriu.

— Na verdade, ainda não consegui a bênção de todos, mas estou certo que poderão reconhecer meu trabalho durante essa tarde como parte de minhas competências… Ao menos, acredito que Juan e Shin não me olharão mais com hostilidade.

— … Isso é bom.

Ela fez um comentário tão frio que ficou com vontade de se jogar daquele andar. Não fora de propósito, mas um pedaço dela se sentiu um pouco excluída daquela situação. Mesmo que fosse uma conquista pessoal dele, por que se sentia tão vazia? Por que não conseguia, pelo menos, ficar feliz por ele?

Teria Zero se sentido da mesma forma ao vê-la correr atrás dos próprios sonhos, deixando-o para trás na mansão de Fuyuki?

— Sim… Era uma meta pequena a ser alcançada.

Ela franziu a testa e percebeu que Zero ergueu as mãos unidas deles com um olhar caloroso. Ele pegou a outra mão dela e uniu às dele, segurando-as com a delicadeza de sempre. Ryota quase se afastou ao perceber que elas estavam machucadas e cheias de sangue, mas o rapaz não se importou nem um pouco.

— Eu não sou mais um guardião da Fuyuki… Agora, posso restaurar os direitos de minha família e suas riquezas, o que me permitirá reconstruir tudo aquilo que, um dia, deixei para trás. 

Ryota sabia que, mesmo desconhecendo a verdadeira história, aquela era a forma de Zero tentar lhe contar sobre seu passado. Uma forma de expressar sua confiança e, é claro, seu sentimento de conforto. 

— Como o único remanescente, esses direitos passarão todos para o meu nome…

Ele estreitou a visão e olhou-a com um sorriso doce. Ryota sentiu que, de um momento ao outro, o ambiente frio tornou-se quente novamente, e a sensação de vazio sumiu por um milésimo de segundo quando as palavras seguintes saíram dos lábios dele:

— … E para o seu.

— … O quê?

— Quando eu lhe disse que queria reconstruir aquilo que abandonei, não me referia apenas ao título e às riquezas. Eu desejava… Eu desejo reconstruir a minha família, mas não apenas através de bens materiais.

As bochechas dele finalmente coraram quando o rapaz a encarou no fundo de seus olhos.

— Ryota, eu amo você… 

Ele se ajoelhou bem devagar com uma das pernas, encostando o joelho no chão cheio de poeira. 

— … Durante todos esses anos, eu amei você. Desde o dia em que nos conhecemos, em que você estendeu a mão para mim quando entrei na mais profunda escuridão, você se tornou o meu sol. A minha vida…

Segurando sua mão direita, ele sacou de seu bolso uma pequena caixinha de veludo intacta.

— … E, desde que saímos de Aurora… Eu percebi que não conseguiria viver sem estar ao seu lado. E, agora que fui capaz de resgatar aquilo que perdi, mas estando apenas dando o primeiro passo na direção de meu sonho, eu… Quero que esteja ao meu lado. Não apenas como minha melhor amiga, mas como minha esposa.

Abrindo a caixa de veludo, surgiu diante dos olhos azuis uma aliança dourada.

— Case comigo.



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