Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 7 – Arco 3

Capítulo 85: Sacrifícios

A mão de Eliza que foi estendida em direção à explosão não recuou mesmo depois que toda a fumaça se dissipou. Lentamente, a neblina desapareceu e a visão do ambiente se tornou mais clara. Estavam em uma das ruas da capital real de Thaleia, Hera. Há pouco, ocorrera um combate intenso contra o grande espírito, o Tigre Branco do Oeste. Graças ao suporte de Eliza e a força de Jaisen, ambos conseguiram lidar com seus poderes que estavam um pouco mais fracos que o normal.

Entretanto, a ameaça não fora completamente aniquilada. Afinal, assim que ele retornou ao cristal que fora selado pela própria curandeira, os dois, ainda feridos, visaram a chegada de Lysa, uma antiga inimiga. O rosto conhecido afetou Eliza de formas desproporcionais e ela perdeu o controle, e o espadachim precisou tentar protegê-la novamente. Porém, antes que ambos sequer fossem capazes de iniciar uma nova luta, um terceiro elemento chegou para ajudá-los.

A luta contra Lysa fora bem mais rápida do que o esperado. Natural, pois aparentemente o objetivo da mascarada não era enfrentá-los, mas recuperar o espírito invocado. Dito isso, quando a viram sumir tão rapidamente quanto apareceu, não foi surpresa que aturdiu suas mentes. Ela apenas havia tentado ganhar tempo para escapar.

O maior problema ocorreu um instante antes daquele fim. Quando Albert foi obrigado a escolher entre proteger Eliza e derrotar Lysa, o velho imediatamente tomou a decisão. Ele não teria como saber que a curandeira seria capaz de se regenerar, mesmo que dolorosamente, caso fosse decapitada. Não importa qual fosse a morte, ela era capaz de se curar. Entretanto, devido seu estado de choque e exaustão, aquilo demandaria muito mais tempo do que o normal. Em contrapartida, perder o suporte seria um problema. Mas Albert não pensou nela como um peão, e sim como uma pessoa que precisava da proteção de ambos. 

Ele não poderia ser julgado por seu ato.

Entretanto, largar Lysa nas mãos de Jaisen também fora um erro. O espadachim, dentre os três, era o que estava em piores condições. Sem chi, com hemorragias violentas e forçando o próprio corpo a ultrapassar qualquer limite, ele precisou, para manter a adversária parada, usar tudo o que lhe restava. Para isso, forçou-se ao máximo, criando uma espécie de distorção ao redor dos dois combatentes. Tamanha foi a força gerada apenas pelo próprio corpo que a terra e o ar vibraram. E então, quando a espada de Jaisen cortou os fios e alcançou Lysa, algo aconteceu.

Uma explosão branca eclodiu e tudo sumiu — incluindo aqueles dois.

Eliza observou a cena com lágrimas escorrendo por suas bochechas e uma expressão de desespero. Ela viu quando Jaisen deu tudo de si antes de desaparecer ao lado da mascarada. Seus dedos, que se esticaram na direção de suas costas, jamais o alcançaram. Foi incapaz de ajudá-lo ou impedi-lo. A curandeira sabia que aquele homem era forte, que era resistente e de mente preparada. Entretanto, ela também sabia que Jaisen era alguém que estava constantemente disposto a se sacrificar pelos demais.

E então, quando aquela visão aconteceu, tudo o que Eliza foi capaz de fazer foi ficar completamente em choque. Suas íris âmbar se arregalaram e ela gritou o nome dele, mas não soube dizer se sua voz o alcançou. Ainda assim, quando a explosão aconteceu e tanto a fumaça quanto a neblina se dissiparam… Nada restou.

O terreno fora destruído. Pedaços do chão foram levantados como paredes, alguns escombros se empilhavam aqui e ali. Cheiro de sangue e poeira impregnava seus narizes.

A menina que havia paralisado naquela posição, de boca aberta, enquanto sua voz lentamente morria, resfolegou. As íris arregaladas tremeram, assim como os dedos estendidos. Ela balbuciava alguma coisa sem sentido, incapaz de formular palavras. Aquilo lentamente se transformou em soluços que escorreram junto das lágrimas, caindo como uma torrente. 

Eliza, então, quando finalmente entendeu o que tinha acontecido, soltou um grito agudo.

— AAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHH!!!

Ela se encolheu e abraçou a própria cabeça, fazendo sua testa encontrar o chão. Depois de sua garganta ter chegado ao limite, ainda continuava a arfar alto, desesperada. 

— Aaaah… Aaaaah… Aaaaaahh…! — seu pequeno corpo, encolhido tremia — … Por quê?! Por quê, por quê, por quê?! Aaaaaah…!

Inconformada, desesperada e triste, a garotinha lamentou a gritos agudos. Choramingou e reclamou, tentando encontrar uma resposta para o que havia acontecido. 

Enquanto isso, Albert, que retirou suas mãos dos ombros de Eliza, franziu a testa com uma expressão igualmente desolada. Ele não chorava, mas suas íris douradas estavam trêmulas. Apesar daquele sentimento conturbado dentro de si o incomodar, um arrepio frio percorreu suas costas quando ouviu a voz da curandeira se direcionar a ele:

— … Por quê? — foi uma pergunta ríspida e dura. Após o silêncio, Eliza se sentou e, sem limpar o rosto completamente sujo, encarou Albert — … Por que não salvou?

O velho, recebendo aquele olhar profundo, apenas abaixou os próprios ombros.

— Não tínhamos escolha.

— É claro que tínhamos escolha! — gritou ela, perdendo o controle — Nós poderíamos tê-lo salvo! Se o senhor não tivesse vindo me salvar, o senhor Jaisen…!

— E lhe deixado para morrer?

— … Eu…! — ela tentou rebater, mas não conseguiu. As lágrimas continuavam a escorrer, pingando de seu rosto — Eu poderia ter me regenerado…!

— No estado em que está, seria impossível.

A conclusão de Albert não estava errada. Mesmo Eliza precisou ficar quieta após essa fala. E então, após um inspirar fundo, o velho se virou, dando-lhe as costas, e disse com um sussurro:

— Entre um guerreiro e uma das únicas curandeiras… Foi um sacrifício necessário.

Eliza sentiu seu corpo amolecer e esquentar. Viu a si mesma colocando-se de pé e, com uma brutalidade que surpreendeu até ela mesma, a menina virou o velho para encará-la. A curandeira o fitou com uma fúria tão grande que até mesmo Albert recuou. Sua expressão era pensativa, cabisbaixa. 

Ela não sabia da história entre Jaisen e Albert. Desconhecia completamente o passado deles, e não poderia afirmar nada. Entretanto, mesmo não sabendo, aquela conclusão chegada pelo velho era mais do que desumana. Ainda que fosse lógica… Ainda que fosse um sacrifício “óbvio”... 

Eliza, soltando um grunhido de raiva, deu um tapa na face dele.

Albert não resistiu ou demonstrou insatisfação.

— Não ouse falar de sacrifícios na minha frente de novo — disse ela com a voz arrastada — Enquanto eu estiver aqui, ninguém morrerá. Eu prometi isso para mim mesma, e não vou permitir que o senhor diga coisas tão horríveis que nem mesmo acredita!

Eliza apontou fatos com palavras e não desviou os olhos. Por alguma razão, a passividade de Albert a deixava extremamente irritada. A calmaria daquele velho não estava relacionada somente à sua personalidade, mas a algo muito mais profundo. Era quase como se ele quisesse ser um alvo, como se desejasse aquela punição. Como se agisse de propósito daquela forma.

E nada mais no mundo irritava Eliza do que pessoas que desistiam de si mesmas ou dos outros.

Albert ainda sentia a ardência no lugar onde recebera o golpe, mas não fora forte o bastante para feri-lo. Entretanto, as palavras machucavam bem mais do que qualquer apunhalada.

Os dois ficaram em silêncio por um instante. A menina ainda chorava de frustração e tristeza, e baixou a palma que também estava ferida pelo golpe — parecia mais vermelha que o rosto do homem. 

— Sacrifícios nunca serão necessários. A morte de alguém jamais deve ser desejada. Quando fala dessa forma, apenas desrespeita os sentimentos e as vontades que essa pessoa possui — Eliza fungou, franzindo a testa — No fundo, ninguém realmente quer morrer. E se essa pessoa não quer, quem somos nós… E é você para dizer o que ela deve ou não fazer?

Durante as guerras, milhares de pessoas morriam. Algumas eram capazes de serem salvas, outras, não. Você poderia dizer que aqueles guerreiros, aqueles soldados, que prometeram se sacrificar por seu país, por suas famílias, ou por qualquer que fosse aquilo que juraram seus corações, realmente fariam aquilo sem pestanejar. É claro, não se pode subestimar a força de vontade de alguém. Porém, isso era apenas um sentimento impulsivo. Se fosse lhe dada a chance de escolher entre viver com a pessoa amada ou morrer por ela, como alguém poderia escolher a segunda opção?

Eliza fechou os olhos e conteve a dor que assolou seu coração. O aperto doía tanto que parecia que explodiria a qualquer instante. Ela ainda chorava quando conteve o tremelicar de seus lábios.

A curandeira afinou seus olhos para Albert, que não a encarava de volta.

— O senhor Jaisen não está morto — afirmou ela — Eu não permitirei que esteja. 

Eliza jamais poderia se perdoar se estivesse.

— Não está — confirmou Albert, finalmente — Aquela moça o levou com ela.

— Como o senhor sabe?

— Houve uma explosão, então deveriam haver restos de seu cadáver se este fosse o caso — Eliza o fuzilou com o olhar novamente — Entretanto, é bastante possível que aquela luz tenha sido uma forma de esconder o meio com que escapou.

Eliza relaxou a expressão, mas não conseguiu deixar de lado o sentimento de frustração e impotência.

Se eu fosse mais forte… Se eu fosse mais rápida, mais capaz… Poderia tê-los salvo. Poderia ter curado os dois e teleportado o senhor Jaisen antes que fosse levado pela Lysa.

— Meio de escape…? — refletiu a curandeira, em voz baixa.

Ela se recordava de que Lysa havia usado um meio bastante estranho para fugir da Fortaleza. E não apenas ela… Novamente, uma sensação nostálgica e fria a invadiu, como se soubesse a resposta para essa questão.

— De toda forma, precisamos retornar para encontrar os outros — disse Albert para a menina que começou a pensar sozinha. Ele desfez sua espada e a escondeu em algum acessório que a curandeira não pode ver — A corte real pode estar precisando da senhorita, agora.

Albert fez aquele comentário para retirá-la de sua mente e olhá-lo. Estava claro que a menina parecia exausta e machucada, mas apontar isso diretamente apenas a deixaria mais magoada. Então, optar por usar aquelas palavras foi o mais inteligente — embora soasse insensível. Não havia muito o que ser feito, e Eliza, dando um último olhar para trás, passou pelo velho sem pensar duas vezes.

Eliza andava na frente, movida a uma marcha firme. Ainda que o cansaço lhe doesse os ombros e os olhos ardessem de tanto chorar, a menina não se deixou abalar. Decidiu tentar concentrar o máximo de chi que lhe restava para, assim como Albert apontou, curar a todos que estivessem ao seu alcance. Limpou o rosto com a manga do vestido e seguiu em frente, com o velho indo logo atrás dela, mas a uma distância respeitosa. 

A curandeira seguiu em silêncio, ignorando a presença do homem atrás dela. Na verdade, percebeu que apenas estava andando em qualquer direção, sem tomar o devido cuidado com as possíveis criaturas que poderiam estar espreitando os becos. Considerando o seu estado, ela seria um alvo fácil. Mas, por alguma razão, não estava realmente se importando com aquilo.

A sua cabeça doía. Seu corpo inteiro fervia. A exaustão ameaçava fazê-la desabar o tempo todo. Sua vista escurecia um pouco, mas piscava rapidamente para mantê-la focada. Era difícil andar, disfarçar o abalo mental e físico, mas não havia o que ser feito. Ela era a Maga Celeste, uma das únicas curandeiras. Precisava fazer o seu papel e nada mais.

No caminho, em algum ponto, ela apenas começou a atuar remotamente. Ao encontrar pessoas feridas ou que se escondiam, se aproximava, curava-as rapidamente e criava um selo para teleportá-las até a Fortaleza. Durava menos de um minuto. Sem conseguir disfarçar a expressão quase robótica e os movimentos repetidos, Eliza continuou fazendo seu trabalho. No caminho, ela curou, curou e curou. Então, criou selos e mais selos, teleportando a todos para o local seguro.

Repetiu o mesmo processo várias e várias vezes.

Em sua mente, era como se o nada e o tudo se abraçassem. Apenas produzia aquilo que estava acostumada a fazer, no entanto, não conseguia deixar de pensar e repensar as mesmas frases.

Eu posso fazer melhor.

Eu posso ser mais rápida.

Se minha irmã estivesse no meu lugar, ela poderia melhorar ainda mais. 

Posso me tornar mais forte. Eu preciso me tornar mais forte.

Eu preciso curá-los. Preciso deixá-los saudáveis. Preciso salvar suas vidas.

Eu preciso. Eu devo. Eu vou.

A irmã Iara foi capaz de sacrificar seu tempo e dedicou a si mesma por nossa família. Ela cuidou de nós, nos salvou. Ela aprendeu coisas difíceis, ela foi embora por nós. Ela… Se sacrificou por nós.

Eliza não parava de pensar naquilo. Ela sequer conseguia refletir direito sobre o que estava sendo dito. Apenas “engolia” como louca aquelas pílulas mentais que reforçavam seu dever e a faziam continuar a se mexer.

Não posso parar. Posso fazer melhor. Levante-se, mexa-se. E se alguém estiver morrendo agora mesmo? Eu preciso encontrar a corte. E se todos estiverem precisando de mim? Eu preciso guardar mais chi. Preciso ser mais rápida. Preciso curá-los. Assim como minha irmã fez, eu farei. Se ela foi capaz, eu também serei. Vou fazer, vou curar, vou melhorar, eu vou… Eu não posso continuar falhando. Se eu falhar, quantas pessoas vão morrer? Quantas vidas estarei deixando escapar? Se eu não chegar a tempo, se eu não tiver poder o bastante, se não-

— Liz!

Uma voz conhecida interrompeu seus pensamentos e Eliza percebeu que estava andando. Sua marcha firme seguia como se fosse ritmada, uma boneca programada. Seus olhos âmbar tinham perdido o brilho, mas agora novamente ganharam noção de tempo e espaço. A menina se virou quando um rapaz de cabelos violeta se aproximou e parou ao seu lado.

— … Zero.

Ela o chamou pelo nome, baixa e distante.

— Estou feliz que esteja bem — disse ele com um sorriso, antes de franzir a testa — Você parece cansa-

— Estou bem — cortou ela, abrindo um sorriso. 

Zero, sem entender, apenas piscou lentamente.

— … Mas…

— Estou perfeitamente bem, senhor Zero — repetiu ela, lembrando-se de usar a formalidade — Como estão todos da corte?

— Não se preocupe, eles foram curados pela Maga Veridian.

A expressão de Eliza se aliviou, mas, ao mesmo tempo, se tornou levemente sombria.

— O que aconteceu? Por que estava andando sozinha?

— … Hã?

Foi só então que ela olhou para os arredores e percebeu que, de fato, estava só.

Aturdida, a curandeira vasculhou os arredores. Preocupado, Zero segurou seu rosto e virou-o para ele.

— Liz, você precisa descansar.

— O que está dizendo, seu bobo? Estou bem.

— Eu sei dizer quando alguém está mentindo. 

Eliza afinou um pouco os olhos, mas não cedeu o sorriso.

— Sim, estou trabalhando há algum tempo, mas não posso parar. Encontrei algumas pessoas que ainda estavam escondidas na cidade, então com certeza ainda devem haver mais por aí.

Ela rapidamente encontrou uma justificativa para suas ações e se desvencilhou do toque dele. Zero, mesmo assim, não recuou.

— Então, faremos isso juntos.

— Mas e quanto àquelas criaturas? Elas não estavam rondando pela cidade?

— Os mors desapareceram.

De repente, a voz de uma mulher se aproximou. Zero se virou para Fuyuki, que cruzou os braços. Ao receber seu olhar, Eliza se encolheu.

— Mors? — perguntou a curandeira.

— Quando aquela explosão aconteceu, os cadáveres daquelas criaturas se desfizeram em cinzas — respondeu a duquesa — E, desde então, a corte se separou para conferir os arredores, mas não as encontramos mais.

— Suspeitamos que o responsável por trazê-las tenha sido derrotado ou ido embora — explicou Zero — É possível que elas tenham sido invocadas, e assim que essa pessoa que os trouxe foi embora, todas elas também se vão.

Eliza congelou no lugar.

Fuyuki franziu a testa e deu pescotapa na curandeira.

— Ah?!

— Eu lhe proíbo de continuar a ronda por Hera.

— O quê?! — exclamou a menina — Mas-

— Sem “mas”. Essa é uma ordem, e você não tem espaço para discordar dela. No mínimo, permanecerá na Fortaleza, onde alguns feridos estão. Fique ao lado deles e repouse, também.

— Mas, senhorita-

— Eliza — Fuyuki inclinou a cabeça, firmando o tom de voz — Não importa o quanto tente, você ainda é uma humana que tem fraquezas como qualquer um de nós. Até você tem seus limites.

A curandeira arregalou os olhos e baixou os ombros.

— Por hora, quero que repouse ao lado dos feridos e cuide deles. Estaremos, ao lado dos guardiões, fazendo uma última ronda por Hera para garantir o estado dos civis.

A duquesa abaixou o tom de voz e, por fim, fez um cafuné nos cabelos cheios de sangue da curandeira. Eliza não respondeu e apenas abaixou o rosto.

— … Sim, senhora.

— Ouvimos falar que a Sede dos Cavaleiros foi invadida e libertaram prisioneiros. Suspeitamos que estão levando-os para a Fortaleza, então seria ótimo se você pudesse cuidar de seus selamentos, também — disse Zero, considerando a possibilidade como quem não queria insinuar nada.

Fuyuki abriu um sorriso convidativo.

— É verdade. Eliza, siga minhas ordens — ela desceu as mãos de seus cabelos para seu rosto, fazendo-a olhar em sua direção enquanto traçava um singelo carinho com o dedão — Se precisar de você, fique tranquila que a chamarei.

Eliza encheu seus olhos de lágrimas, mas as conteve.

— … Sim, senhora.

Os dois observaram a menina, ainda um pouco hesitante, invocar Lótus e bater a base do cajado no chão. Um instante depois, a figura da curandeira desapareceu, deixando apenas os dois membros da nobreza para trás.

***

Edward subiu as escadarias fazendo um som opaco com os passos. Ele acelerava o máximo que podia, mas sentia que, por alguma razão, não estava dando o seu melhor. Era esperado que fosse o caso — afinal, seu pescoço latejava de dor.

A queimadura criada pela marca do voto ardia tanto que seu próprio corpo começou a suar. Mas, mesmo que isso o incomodasse ao ponto de suas pernas cederem, o príncipe continuou em frente. Nas costas, a mochila amarela estava pendurada. Na cintura, uma espada fora presa.

Seu objetivo era alcançar o topo do palácio. Ele sentia que, se descesse aos andares inferiores, se arrependeria. Quase era possível ouvir o som dos conflitos que aconteciam em alguns corredores, e por garantia, decidiu apenas seguir na direção que saberia que seu pai estava.

Edward subiu e subiu, passou por corredores e escadarias. Ainda que fosse uma caminhada que estava acostumado a fazer, pareceu infinitamente mais difícil devido às queimaduras. 

Foi por um instante que percebeu ter chegado ao local. Não havia mais para onde ir que não fosse seguir por aquele último corredor até uma única passagem. Através dela, oculta apenas por um par de cortinas vermelhas, Edward viu o cenário esperado. 

Era um salão com enormes janelas iluminando todo o espaço. Haviam algumas mesas com cadeiras espalhadas pelos cantos, como se fosse um local para reuniões agradáveis e isoladas do resto do mundo. Subindo um pequeno lance de escadas, ao final, havia outra passagem que revelava uma varanda aberta — e, de costas para ele, com uma postura ereta, estava Fanes.

— Pai!

— Meu filho… — murmurou ele, virando-se para ver Edward parado na entrada — … O que faz aqui?

O príncipe deu mais um passo.

— Estou aqui porque preciso de respostas.

— Respostas? — inclinou a cabeça Fanes, com seu jeito naturalmente suave.

— Você falou sobre a Ritus Valorem antes, não foi? 

O monarca ficou em silêncio.

Edward se aproximou da escadaria.

— Quem são eles? Então, esse grupo é o responsável pela invasão à capital real?

Fanes apertou um pouco os olhos antes de abri-los novamente.

— Sim.

— Então, era verdade… Por que não me contou? Se eu soubesse-

— Nada poderia ter sido feito.

— O quê?

Houve um pequeno silêncio entre os dois. E, então, as íris do monarca deslizaram para aquilo que estava preso na cintura do príncipe.

— Você a trouxe.

— É claro. Lutarei pelo meu povo, pai. Mas, antes, preciso que me conte o que está acontecendo. E… Por que está aqui em cima?

— Para observar o desenrolar das batalhas, é claro.

Foi uma resposta simples, mas acompanhada de um ar um pouco diferente do usual.

Com aquilo, Edward logo sentiu algo. E, então, essa sensação apenas se comprovou quando algo refletiu atrás do monarca.

— Não está aqui apenas para assistir… Não é, pai?

— Nestes momentos, fico realmente feliz por você ser bastante astuto, filho.

Após dizer isso, Fanes sacou a espada que estava escondida e apontou a lâmina na direção de Edward. Não houve surpresa por parte do príncipe, e o monarca desfez a expressão suave costumeira, trocando-a por uma tão neutra que Edward foi incapaz de decifrar o que se passava na mente de seu pai quando avançou em sua direção.



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