Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 7 – Arco 3

Capítulo 83: Jaisen

Quando Jaisen ainda era um guerreiro, uma parte dele sempre se perguntou qual seria a verdadeira razão para sua existência. 

Parecia o tipo de reflexão feita por um adolescente ou uma criança que estava descobrindo sua própria vida, caminhando aos poucos. Porém, essa era uma pergunta constantemente repetida por ele quando ainda era jovem. 

Se o homem fosse capaz de dizer, agora, se alcançou uma conclusão para essa indagação constante, ele diria que não. 

Afinal de contas, qual era o objetivo de vida de um assassino? De um homem frio e sem coração como ele? Em que momento aquele jovem rapaz que desejava lutar por seu país se tornou aquilo?

Como um guerreiro aposentado, após ter participado de uma guerra que dividiria completamente os dois países de Polímia e Urânia, Jaisen se tornou um grande destaque no campo de batalha. Sendo não apenas um espadachim experiente, mas também um dos principais lutadores, ele protegeu seus país com sangue e dentes. Brandia sua grande espada, decepando adversários no meio e fazendo a terra tremer quando seus passos eram ouvidos.

Apesar de ser um homem que se divertia com desafios, a Guerra Ardente não foi uma experiência agradável. Ao contrário de conflitos pequenos, que lutas difíceis aconteciam, aquela era uma circunstância completamente nova. E isso não era resultado dos guerreiros de Urânia, seus adversários, serem fracos. Era porque, pela primeira vez, ele percebeu que seu papel como espadachim não era nada mais do que tirar vidas humanas.

Era algo natural. Um homem que empunha uma espada deve estar preparado para ceifar almas e mandá-las para o além. Permitir que seus últimos suspiros fossem sentidos através de suas lâminas era o esperado. Entretanto, quantas pessoas que foram mortas por suas mãos eram realmente ruins? Quantos daqueles jovens guerreiros treinados foram realmente mandados para lá por desejo, e não obrigação? Se o coração de um guerreiro fraquejasse e sentisse empatia por seus inimigos, qual seria a razão para empunhar a sua espada?

Quando os sentimentos dos outros se tornavam mais importantes, inevitavelmente se tornava impossível não refletir a respeito daqueles que estavam do outro lado. Eles eram humanos também, certo? Portanto, também deveriam ter uma vida, um sonho, uma família aguardando o seu retorno… Assim como Jaisen possuía. 

Se assim eram as coisas, por que ele estava ali? Por que estava segurando tão firmemente o cabo de sua espada? Por que havia sangue manchando suas roupas e mãos? Por que o calor da batalha o deixava tão feliz, o fazia se sentir vivo, quando na verdade estava tirando tudo isso de outros? No fim, isso não o tornava uma pessoa horrível? Ainda mais horrível do que qualquer outra coisa que já tenha sentido e feito?

Jaisen era um homem de princípios simples. Para resumir, ele era alguém que sempre vivia ao máximo fazendo aquilo que queria. Estava afim de beber uma cerveja de manhã? Certo. Estava com vontade de lutar contra algum companheiro? Ele sacava sua espada. Queria se divertir em um bordel? Ia imediatamente. 

Alguns poderiam dizer que era uma forma admirável de viver, ignorando completamente o seu próprio futuro. Outros diriam que era apenas inconsequente, sendo uma pessoa incapaz de produzir nada de bom para os outros. De certa forma, os dois lados estavam corretos. 

A verdade era que Jaisen aproveitava sua vida para que não precisasse pensar no que viria depois. Uma vez que satisfizesse sua própria e única vontade com o presente, o que importaria no futuro? Ele estava muito bem como estava agora, e não havia necessidade de se preocupar com arrependimentos caso viesse a morrer dali um dia ou dois. Para ele, era uma preocupação tola, mas que ao mesmo tempo o aterrorizava.

Se pensasse demais no futuro, o medo o consumiria. E era por isso que ele apenas não pensava.

Era bem mais fácil fugir dos próprios medos que enfrentá-los diretamente.

Mas isso também se aplicava aos seus próprios pecados, ocultos por desculpas convenientes e que o impediram de refletir corretamente a respeito do que fizera.

Como um guerreiro de Polímia, Jaisen era exímio. Como ser humano, ele era o pior de todos. Não se importava com os sentimentos dos outros e fazia o que queria. Perdia a paciência facilmente e discutia com seus companheiros de batalha. Brandia sua força contra qualquer um que se colocasse em seu caminho, inclusive amigos — os poucos que possuía, o abandonaram um a um.

Ele se tornou um homem solitário que se contentava com o presente para não se desesperar com o futuro. Haveria uma vida mais triste do que aquela?

Por isso, quando uma guerra entre Polímia e Urânia estourou devido à expansão de território e o extrato de minérios ilícito, Jaisen ficou feliz. Ele percebeu que poderia dar seu melhor naquilo que era bom, poderia lutar sem pensar em nada e morrer da mesma forma que sempre viveu.

Dito isso, apesar de suas convicções soarem estúpidas, ele lutou para nunca dar atenção aos pensamentos lúcidos. Porém, conforme o tempo passou e a ascensão da guerra esquentou, o homem que apenas pensava em si mesmo acabou descobrindo algo novo.

— Sinto muito! Não era minha intenção!

A voz suave e baixa que vinha de uma mulher coberta até a cabeça soou ao seu lado. Jaisen, tendo saído do bordel que costumava frequentar, teve seus passos interrompidos quando uma figura menor bateu ao seu lado e caiu sentada, derrubando tecidos e fios. Ele baixou a vista, com uma expressão naturalmente ameaçadora, e encarou a mulher que se encolheu de medo.

Jaisen era uma pessoa naturalmente alta e forte, então aquela moça parecia como um coelho aos seus olhos. Ao contrário das moças do bordel, usava roupas largas e que cobriam toda a sua pele clara. Era esperado que o tom fosse tão claro quando escondia a pele do sol forte que sempre batia naquele local. De onde estava, apenas foi capaz de enxergar um pouco os seus olhos castanhos claros, quase mel. Eles eram especialmente bonitos. 

Parecia que, por trás da burca, havia uma jovem bastante bonita. Desajeitadamente, ela recolheu os tecidos e fios que derrubou, os dedos trêmulos no processo a fazendo derrubar tudo de novo. Era quase como se ela estivesse nervosa demais.

Jaisen a observou por alguns minutos antes de soltar um ar pesado com a boca.

— Que saco. Só recolhe essas porcarias de uma vez — disse ele, agachando-se também antes de jogar tudo de uma única vez nos braços dela.

— A-Ah! Obrigada…

Jaisen ignorou os agradecimentos e se colocou de pé. Foi nesse instante que a mulher soltou um som de surpresa.

— S-Sua mão… — murmurou ela para o sangue que escorria de seus dedos — Está ferida.

— É claro. Acabei de espancar um cara lá dentro — respondeu ele rispidamente, como se fosse algo óbvio — E eu venci.

Ao contrário do que esperava, a moça, que antes parecia ansiosa, repentinamente se acalmou e segurou a mão ferida. Imediatamente, o espadachim recuou e mostrou uma expressão nervosa.

— O que é?! 

— Precisamos tratar dessa ferida.

— E daí? Eu já tenho um monte delas, isso não importa! Uma a mais não faz diferença! Saia de perto, mulher!

Erguendo o tom de voz e passando por ela, batendo em seu braço estendido, ele fez menção de ir embora a passos firmes. Porém, a mulher o parou novamente.

— Me solte! Agora!

Com a paciência do tamanho de uma ervilha, Jaisen imediatamente recuou e, ao invés de manter a atitude anterior e apenas puxar seu braço, ele desferiu um tapa no rosto dela, lançando-a de costas para o chão. Mais uma vez, os itens foram derrubados. 

O espadachim deu meia volta e, sem olhar para trás, desapareceu na multidão que começou a observá-los.

Apesar de frequentar bordéis não ser exatamente um hobby, para um guerreiro como Jaisen, ir até um local daqueles com amigos — ou melhor, companheiros de combate — era bastante divertido. E foi naquele mesmo dia que, enquanto olhava para as moças que dançavam e eram apresentadas, prontas para serem escolhidas como acompanhantes, ele trocou olhares com uma jovem. 

Era a mesma moça do outro dia. Ao contrário das demais, aquela meretriz parecia estranhamente familiar pela forma com que seu corpo se encolhia e olhos cor de mel iam de um lado para o outro. Ao invés de confortável com o ambiente, era como se estivesse ali pela primeira vez. Ao invés da burca, seu rosto foi revelado como o de uma pele clara e macia, sem qualquer mancha. Os cabelos, também na tonalidade castanha clara próxima ao mel, caiam como cachoeiras encaracoladas em suas costas. Estava claro para qualquer um que aquela era uma iniciante, e lutava para se manter tranquila em meio a todo o caos daquele ambiente.

Como uma jovem inexperiente, porém plenamente pura, era esperado que vários homens a rodeassem para escolhê-la. Eles não possuíam o direito de tocá-la até que fosse oficialmente comprada por alguém, mas parecia que eles não estavam pacientes o suficiente para se conterem. Jaisen observou, à distância, os homens as circularem e falarem uns por cima dos outros.

— Já escolheu, cara? — perguntou um de seus companheiros, ao seu lado, sentado com um braço passando na cintura de uma meretriz loira.

— … Já — sussurrou, e então se colocou de pé — Ei, saiam da minha frente.

O aviso não durou nem meio segundo para que pudesse ser processado, pois o punho de Jaisen voou contra o nariz do primeiro que se virou, fazendo-o cair no chão, sangrando. Os demais, precisando olhar para cima para encararem-no, arregalaram os olhos ao perceberem quem era.

— É ele!

— Saiam da frente.

— É o Sanguinário Espadachim!

Quando todos eles recuaram, mais uma vez, Jaisen e a moça se encararam. Ela parecia tão frágil quanto da primeira vez que se viram.

— Qual o seu nome?

— … Zaya.

Sem pensar duas vezes, o espadachim estendeu a mão e a ergueu pelo braço, puxando-a para longe. Em geral, quando se comprava o tempo de uma meretriz, permanecia-se nos sofás dispostos, onde podiam beber e conversar antes que o clima esquentasse. Entretanto, atravessando as cortinas do local, encontrava-se corredores que levavam a quartos particulares à prova de som. 

Quando os dois entraram em um e fecharam a porta, Jaisen parou e se encostou contra parede, cruzando os braços. Zaya, percebendo isso, engoliu em seco e levou as mãos para perto do coração.

— O-Obrigada.

— Não te tirei de lá por isso, você sabe.

Ela engoliu em seco com a resposta dele.

— E-Eu… Não sei como fazer isso, senhor. Eu nunca-

— Tá na cara que você é virgem, não precisa esconder.

O rosto de Zaya se tornou vermelho como um tomate.

— N-Não precisava dizer assim!

Jaisen ergueu as sobrancelhas ao vê-la demonstrar resistência pela primeira vez.

— E então? O que quer que eu faça?

— Você é uma estilista, não é?

Zayaa arregalou as íris de mel.

— Como o senhor-

— Tava na cara pra mim desde o começo — respondeu, seco. A mulher compreendeu imediatamente a que ele se referia quando apontou para suas mãos unidas perto do peito — Apesar de ser virgem, suas mãos são delicadas, mas os dedos estão cheios de calos. Isso mostra que você não trabalha no bordel com limpeza ou cozinha, e estar carregando aquelas coisas do outro dia deixou tudo bem óbvio, também.

— … Sim, eu sou a estilista desse bordel — Zaya falou, erguendo os olhos com receio — Por que a pergunta?

— Você vai fazer um lenço reforçado para limpar a minha espada.

— … O quê?

— Tá surda, mulher?

— Meu nome é Zaya!

— Tanto faz — o espadachim sacou de sua bainha a espada, que estava no tamanho reduzido — Preciso que costure para mim um lenço produzido com tecido especial. Eu vou consegui-lo para você.

Zaya pareceu chocada com o pedido dele.

— O senhor comprou meu tempo para isso?

— Não quer? Será que prefere ir dar para aqueles homens, então?

— O-Olha a boca!

Zaya corou novamente, completamente deslocada. Ela respirou fundo e então baixou os ombros.

— … Está bem.

Ela ainda não entendia direito a razão do pedido ter sido feito exclusivamente a ela, e não a uma costureira comum, mas percebeu que perguntar isso seria um pouco estranho. Ao mesmo tempo, o jeito com que aquele espadachim agia era um pouco curioso. Zaya sentiu que, apesar de estarem em uma situação constrangedora, algo dentro dela a fazia ter vontade de saber mais sobre aquele homem.

— … E qual o seu nome? — perguntou ela, baixinho — Uma meretriz precisa saber o nome de seus clientes, não é?

— Jaisen.

— Certo, senhor Jaisen. Farei seu lenço, mas não posso lhe garantir quando estará pronto. Além disso, eu nunca fiz um lenço especial para limpar lâminas… 

— Se o seu trabalho estiver de acordo com as roupas que as outras meretrizes usam, sei que fará algo decente. 

Aquela era a forma dele de elogiar seu trabalho?

— Certo… Mas tenho uma condição.

O espadachim franziu a testa.

Zaya estendeu a mão para tocar o pulso de Jaisen.

— Me deixe cuidar de sua mão, dessa vez. Por favor.

O instinto de se afastar foi forte, mas Zaya o segurou no lugar. Ela não seria capaz de mantê-lo ali com seus pequenos braços, mas a intensidade de seu olhar foi o bastante para fazê-lo ceder dando um suspiro.

— Que seja.

Zaya, após sua permissão, abriu um sorriso tímido. Ela os sentou na cama e começou a tratar da área que fora manchada pelo soco desferido um tempo atrás. Enquanto assim fazia, a dama observou as cicatrizes cinzentas que marcaram a pele escura e ficou em silêncio.

— O que foi? — perguntou ele, ríspido.

— … Nada, é que… Eu nunca tinha visto tantas cicatrizes de batalha, antes.

— Elas te assustam?

Foi uma pergunta feita sem pensar, e Jaisen se surpreendeu quando sua voz saiu mais macia do que o esperado. Zaya negou com a cabeça.

— Por alguma razão, gosto delas. São bonitas.

Jaisen sentiu seu corpo enrijecer com aquelas palavras. Não houve uma reação diferente em sua expressão, que apenas se tornou mais sombria e distante. Mas o coração dele, por alguma razão, se apertou. 

E, a partir daquele momento, Zaya e Jaisen continuaram a se encontrar. E, todas as vezes, ele comprava o tempo da jovem. A moça, que não era uma meretriz de verdade, vez ou outra precisava ficar à disposição para suprir a falta de mulheres, mas o espadachim sempre fazia questão de pagar por todas as horas possíveis. Eles jamais fizeram nada, e alguns até se perguntaram o que exatamente acontecia no quarto que sempre era alugado.

Lá dentro, enquanto Jaisen tirava um tempo para descansar a mente ou beber sozinho, ele observava Zaya costurar. Seus dedos esguios, mas repletos de caos e furos criaram o item requerido por ele. Por vezes, a moça insistia para ajudá-lo a curar de seus ferimentos causados por brigas dentro ou fora do bordel. E, de repente, o medo da moça foi substituído por uma personalidade reservada e gentil, que por vezes revelava uma força esplêndida.

Para Jaisen, aquele tempo se tornou estranhamente agradável. Como jamais chegou a criar um laço de amizade, não foi capaz de entender o relacionamento que tinham. Enquanto o espadachim se debatia para entender aquela situação, Zaya mais e mais começou a se sentir feliz perto daquele homem que compartilhou uma amizade. 

E, de repente, ela se viu apaixonada por ele.

Foram longos três meses até que o lenço tivesse ficado pronto. Nesse período, a guerra entre Polímia e Urânia estava prestes a começar, e todos os guerreiros estavam ansiosos e nervosos para o conflito. Eventualmente, Jaisen precisaria partir — e, com ele, levaria aquele lenço.

— O que achou? 

— Está ótimo — respondeu ele para Zaya, que aguardava uma avaliação do seu trabalho — Acho que durará tempo o bastante.

— Não ouse rasgá-lo! E nem perdê-lo!

— … Tá, tá. Não enche.

Mesmo ouvindo aquelas palavras rudes, Zaya abriu um sorriso adorável. Mas aquela expressão murchou apenas um pouco depois.

— O que foi?

— … Você partirá em breve, não é?

— … Sim.

Um silêncio desagradável nasceu, e os dois não souberam o que dizer.

— De toda forma, nossos encontros acabarão por aqui — anunciou Jaisen, de repente, dando-lhe as costas — Você foi uma companheira decente, e talvez consiga se tornar uma boa meretriz se se esforçar. Por isso-

— Isso é um adeus?

Zaya interrompeu suas palavras e segurou a camiseta dele por trás, impedindo-o de sair.

— … Eu não quero. Não quero que você vá!

— … Me solte.

— Não! Não quero que você morra, Jaisen!

Zaya se lançou num abraço, envolvendo-o por trás. 

Jaisen sentiu as lágrimas dela, quentes, molharem-no.

— Eu… Não quero perder mais ninguém. Eu… Não quero que vá pra guerra, Jaisen. Eu… Eu… — soluçando, a estilista inspirou fundo, encostando a testa nas costas dele — Eu perdi o meu irmão e meu pai na guerra. Eles… Eles foram lutar por Polímia, e nunca mais voltaram… Apenas mandaram pra mim, que estava em casa, o anel de noivado que meu pai usava…!

Jaisen não precisou perguntar para entender que, provavelmente, Zaya não tinha mais sua mãe para estar ao seu lado.

— … Eu… Perdi tudo. Perdi minha família, nossa casa… E, depois, eu me perdi. Mas, graças a você, eu encontrei um propósito pra continuar vivendo. 

O espadachim continuou em silêncio.

— Há três meses, quando nos conhecemos, eu… Eu estava prestes a desistir. Eu não suportaria trabalhar como prostituta e perder a única coisa que me restava como mulher. Eu implorei para continuar a ser apenas uma estilista, prometi que trabalharia dia e noite para fazer lindos vestidos e roupas para as meretrizes, mas… Não deu certo. E eu… Eu estava tão perto de… Apenas desistir… De apenas desistir da vida com minhas próprias mãos… Mas, então, encontrei você.

Zaya, ainda chorando, segurou o pulso dele.

— E percebi que eu ainda poderia viver ao lado de outra pessoa. Que, talvez, eu ainda fosse capaz de mudar minha vida, mesmo que fosse tão difícil e doloroso… Mas eu só conseguiria continuar a viver se fosse ao seu lado! — ela gritou, com todo o seu coração — Eu que, talvez, seja nojento. Uma estilista… Uma mera meretriz como eu querer ficar ao lado de um guerreiro honrado de Polímia… Mas eu… Não posso… Não consegui te deixar ir…! Eu… Eu…

Lentamente, as forças dela se esvaíram e Zaya soltou Jaisen. 

— … Eu te amo — revelou ela, colocando-se na ponta dos pés para virar o rosto do espadachim, e então dando-lhe um selinho nos lábios — E quero ficar ao seu lado no futuro.

— … Futuro?

Ele sequer percebeu que tinha começado a chorar, também.

Zaya assentiu.

— Sim.

— … Mas eu sou vazio.

Zaya balançou a cabeça.

— Não é verdade. Você é gentil.

— Eu mato pessoas… Todos os dias.

— Eu não me importo.

— Zaya, eu estou dizendo que sou apenas um homem que tira vidas!

— E você foi o homem que me deu uma nova razão para viver — a moça limpou as lágrimas dele — Não preciso de mais nada além disso. Não preciso de mais nada a não ser você, aqui, bem ao meu lado.

Jaisen ficou em silêncio e engoliu os sentimentos que bagunçaram sua mente.

— Eu não tenho futuro.

— Sozinhos, não temos — afirmou ela, baixinho — Mas, juntos, podemos criar um.

Zaya uniu os dedos das mãos e sentiu o calor dele. 

— Me ajude a viver, e eu prometo que lhe darei o melhor futuro que você poderia desejar.

Jaisen apertou os olhos e os abriu novamente:

— Então, case comigo.

— Sim! — respondeu ela, sem hesitar, agora dando-lhe um beijo de verdade.

Aquele foi o momento em que tudo começou.

Jaisen e Zaya trocaram alianças e prometeram se casar quando a guerra acabasse. Foi um juramento para que o espadachim jamais esquecesse de que não apenas uma, mas possíveis duas pessoas o aguardavam dali a alguns anos. E, com isso em mente, ele partiu para a guerra.

E, então, mais uma vez ele se viu perdido. Quando tudo ao seu redor não passavam de pilhas de cadáveres, quando o sangue e o medo começaram a aturdi-lo, Jaisen se lembrava de Zaya. E, chorando, brandia sua espada. Usava seu lenço para limpar sua lâmina e se erguer novamente, como se aquele tecido fosse o responsável por lavar sua alma do desespero. 

Um longo ano se passou. E, quando as coisas pareciam prestes a mudar…

— É para você — anunciou o general, que estendeu para Jaisen uma pequena caixa. Dentro dela, havia apenas uma dourada aliança manchada de sangue — Infelizmente, a cidade de Alas, foi… Sinto muito.

O que aconteceu depois daquilo, Jaisen não saberia dizer. Ele se lembrava do mundo se tornar escuro, do corpo ficar frio e seu coração doer tanto que poderia sangrar. Lembrava-se de que estava chorando quando brandiu sua espada contra os inimigos, berrando com toda a força que tinha. Ele ceifou, cortou, matou, destruiu e causou todo o mal possível. Disparou todo o seu ódio contra os inimigos, e todos os pensamentos se foram.

Jaisen deu à si mesmo a razão de matar para sobreviver — não, para se livrar daquele sentimento que queimava até a alma.

E, quando os corpos ao seu redor se empilharam, quando sua voz se esgotou, quando as lágrimas secaram e tudo que lhe restou foi o mar de sangue, se perguntou:

— … Por que estou vivo?

Até agora, ele jamais foi capaz de responder aquela pergunta.

***

Anos se passaram. Experiências vieram e se foram. Ele conheceu pessoas, vivenciou momentos e mudou-se. Mas jamais foi capaz de desejar amar novamente. Jamais foi capaz de tentar recomeçar.

— Eu posso lhe dar isso.

Foi o que ouviu de um velho, uma vez. Na verdade, ele não era tão mais velho do que ele, mas seus cabelos brancos e olhos dourados indicavam uma experiência notável. Jaisen olhou para Albert, que dava-lhe um sorriso empático.

— Você deseja recomeçar?

— … Não.

— Então, o que você realmente quer?

— … Eu quero… Esquecer de tudo.

Até aquele instante, sua alma era afligida pela dor e culpa.

— Então, quer esquecer os seus pecados?

— Sim. Eu… Mereço uma punição por tudo o que fiz, mas não há nada neste mundo que seja capaz de me satisfazer. 

Que tipo de punição deveria ser dada a um homem que desistiu de si e do mundo duas vezes?

— Então, se deseja esquecer de sua antiga vida e recomeçar, nem que seja por um curto período, posso lhe apresentar um lugar.

Quando Albert lhe estendeu a mão, Jaisen a segurou timidamente. E, desde a vez que Zaya cuidara de seus ferimentos, aquela foi a primeira vez que um toque pareceu tão gentil ao ponto de fazê-lo querer chorar.



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