Volume 7 – Arco 3
Capítulo 81: Prosseguimento dos Conflitos
Olhando a figura com aura assassina de baixo para cima, Luccas sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Conforme a presença daquela pessoa se tornava cada vez mais ameaçadora para os dois espadachins, que seguraram suas espadas ainda mais firmemente com as mãos, sua testa se enrugou e ele começou a pensar.
O que deveria fazer? Como vencer uma pessoa daquelas? Qual era o ponto de virada que lhes garantiria a vitória? Ele realmente seria capaz de vingar Marie desse ser? Poderia ele, um mero homem que empunha uma simples espada, brandi-la contra um assassino profissional e que se aproximava a passos lentos, descendo as escadas?
Como poderia? Suas pernas tremiam de nervoso e as mãos suavam tanto que quase era capaz de derrubar o cabo que segurava. Seus olhos lutavam para se focar e não pensar em mais nada que não fosse negativo. Porém, o medo e a ansiedade de que poderiam ser mortos em um piscar de olhos — afinal, era um Akai — não sumia.
Ao seu lado, Tom parecia estar passando pelo mesmo. Entretanto, ao contrário de Luccas, o atual capitão da guarda real ao menos demonstrava alguma coragem. Ele se esforçava para continuar com a expressão atenta, pronto para, no mínimo, se defender dos avanços do adversário. Era uma pessoa realmente admirável e que ele, como o antigo capitão, não poderia deixar de se orgulhar por tê-lo como sucessor.
Mas e quanto a Luccas? O que poderia ser feito para lidar com aquela situação criada e decidida por ele mesmo?
“Eu não gosto de desculpas!”
À sua mente, veio a voz aguda da garotinha que usava uma faixa branca nos olhos e cruzava os braços com força. Agora que a verdade fora revelada e ambos se reconciliaram, eles novamente puderam interagir como normalmente faziam. No entanto, uma vez que nenhum segredo era guardado entre eles, sua relação pareceu se estreitar ao ponto de ambos jamais hesitarem em se esforçar um pelo outro.
Marie se tornou mais forte. Ela poderia ter passado por dores e traumas terríveis, mas agora estava de pé e o batia contra ele em sua mente, trazendo-o de volta para a realidade. A garotinha surgiu como uma espécie de atenção ao perigo, como uma consciência que o impedia de querer recuar.
“Se você disse que vai fazer, então faz logo! Eu não gosto de pessoas que ficam dando desculpas e nem que recuam quando decidem fazer algo! Qualé! Essa é toda a sua força de vontade?!”
Era quase como se ele pudesse vê-la inflar as bochechas vermelhas e apontar em sua direção, irritada com sua hesitação.
“Por quem você tá fazendo isso, afinal? Esse é toda a força do seu sentimento?! Seu covarde! Fracote! Ergue essa cabeça e encara ele de volta! Você não pode mais olhar pra trás!”
Luccas abriu os olhos bicolores e soltou um suspiro trêmulo.
É mesmo. Eu estive fazendo tudo por ela, até hoje… Eu decidi estar aqui pela Marie. Mas, não apenas isso… Eu quero ser capaz de ficar mais forte para protegê-la. Eu quero me tornar uma pessoa melhor.
No passado, Luccas foi incapaz de se mover e fazer algo para mudar a situação bem diante de seus olhos. Ele viu Teresa, uma pessoa bondosa e gentil, definhar com o tempo e se retrair, mas não moveu um dedo para ajudá-la. Houve medo e hesitação. E então, em um ato de desespero, ele salvou a princesa da morte e jurou protegê-la como um ato de penitência e para compensar o que não fez antes.
Mas, agora, era diferente. Para ele, Marie era como sua própria filha. Como uma irmãzinha mais nova que foi mimada até não poder mais pelo irmão mais velho, e agora era ela quem brigava com ele ao invés do contrário. E ele sabia que era pelo seu próprio bem, pois enquanto a garota era corajosa ao ponto de ser impulsiva, o rapaz era reservado ao ponto de ser medroso. E era justamente aquela diferença que os fazia ser capazes de entender quando erravam e aceitarem os apontamentos um do outro.
Era um relacionamento diferente, mas que Luccas não poderia pedir por um melhor.
Inspirando fundo enquanto pensava na força daquela garota, ele sentiu seu próprio corpo se acalmar. Quase como se a força de Marie passasse para ele, como se o inspirasse, o rapaz apertou os olhos bicolores e endireitou a postura. Percebendo essa mudança, Tom abriu um sorriso e fez o mesmo.
E assim, quando Miura estreitou a vista e saltou na direção deles, os dois não temeram ao brandir suas espadas.
***
Marie sentiu o cheiro de sangue e som de pingos vindos daquele ambiente e franziu a testa. Ela, que apenas era capaz de usar seus quatro sentidos restantes para entender os arredores, não teve dificuldades em compreender o que estava acontecendo naquele ambiente. Havia ouvido o som de golpes causados por lâminas e cadáveres caindo. Ouviu algo espirrar pelas paredes e chão. Sentiu, também, várias presenças se locomovendo, mas elas eram fracas e sombrias ao ponto de serem detestáveis.
Nas sombras que antes foram suas inimigas, luzes e figuras começavam a se distinguir. Ao seu lado, haviam cores vermelhas profundas com manchas escuras, mas que, ao contrário daquelas numerosas, não eram assustadoras ou lhe causavam arrepios. Na realidade, eram bastante semelhantes à outra que outrora vira em Kanami. E, logo à frente, em meio aos aprosopos, havia uma figura de luz poderosa azul escura. Era um tanto assustadora por não haver hesitação em seu brilho, mas, ao mesmo tempo, lhe trazia uma sensação desagradável ao estômago.
Ela o sentiu se remexer e Marie engoliu em seco.
— Quem interrompe nosso combate? — a pergunta feita por Roger foi poderosa e assustadora.
Era quase como se a presença da garota o deixasse irritado ao ponto de espumar. Os olhos rosas dele se afiaram tanto quanto os do próprio Sora, que se surpreendeu com a mudança de emoção do homem.
— Uma terceira não deveria interferir! — afirmou ele mais uma vez, apontando sua espada para a menina. Uma veia de irritação saia de sua testa — Revele sua identidade!
Era quase como se a interrupção da luta tivesse sido aquilo que o deixasse irritado. Marie não entendeu o que ele quis dizer com aquilo, mas decidiu ignorar. A menina, que ainda tinha os braço passados ao redor do assassino, se afastou um pouco e respondeu para a figura:
— O meu nome é Marie — e, então, ela apontou o indicador na direção do mascarado, como que devolvendo a ameaça — E eu vim pra te derrotar!
Bem, pra ajudar a te derrotar, na verdade…
Ela se autocorrigiu mentalmente, mas não deixou de manter a postura. Sora observou a garota com um ar descrente e apenas franziu a testa, olhando-a de baixo a cima. Ele ainda estava ajoelhado, praticamente na altura dela, e isso era o suficiente para fazê-lo duvidar de suas palavras. Roger, em contrapartida, ao ver as palavras da menina, trocou os dentes que rangiam por um sorriso.
— Interessante. Admiro sua coragem, jovem.
Parecia que ele a havia aceitado no campo de batalha como alguém digno de lutar apenas pela sua forma de encará-lo, então sua raiva desapareceu. Ao invés disso, uma expressão divertida instalou-se ali. Sora interpretou aquela atitude como uma demonstração do quanto ele honrava batalhas. Se havia começado com duas pessoas, terminaria daquela forma. Seria uma falta de respeito se um terceiro interferisse ou desistisse no meio do caminho. Era bastante semelhante ao sentimento de honra de um espadachim ou talvez de algum guarda da realeza, que juravam lealdade e sempre se comportavam como tal.
Em relação a isso, parecia que a garota ao seu lado não ligou para sua reação. Era mais como se realmente não se importasse. Sora observou a postura atenta da menina e percebeu que ela não deveria ser tão inexperiente quanto seu ar soava. Ela foi capaz de tirá-lo do meio de um círculo fechado e o trouxe à distância antes que sofresse de um ferimento que poderia ser fatal.
Ele poderia agradecê-la, mas sua personalidade e orgulho não permitiriam isso.
Portanto, quando a garota o soltou, ele apenas se colocou de pé e cruzou os braços.
— E?
Sora a olhou de lado quando a menina ergueu a voz. Ao silêncio do assassino, ela suspirou.
— Não tem nada a dizer?
Ele piscou lentamente.
— Quem é você?
— Marie! E é senhorita Marie pra você! A gente já se encontrou antes e eu acabei de falar meu nome!
O rapaz apenas piscou.
— Não fica em silêncio desse jeito! Não sei que cara você tá fazendo, mas seu ar me irrita!
Marie bateu o pé no chão e inflou as bochechas que se tornaram vermelhas de irritação. Àquela expressividade toda, o assassino apenas piscou novamente e desviou os olhos.
— Não me ignora! — a menina desferiu um chute na canela dele, mas sequer o moveu.
A interação dos dois fora interrompida quando som de passos soaram diante deles. Marie enrijeceu o corpo e Sora deslizou as íris vermelhas na direção dos aprosopos, que novamente começavam a se aproximar.
— Para trás — disse o assassino, inclinando suas facas kukri.
— Não — rebateu ela, seguindo-o e erguendo o queixo — Lutarei ao seu lado.
Sora franziu a testa para a menina.
— Estou ocupado demais para cuidar de crianças.
— Em que momento eu disse que preciso da sua proteção?
Marie assim retrucou mais uma vez e cruzou os braços, voltando sua atenção para as figuras encapuzadas que se aproximavam como se deslizassem pelo chão.
— Além disso, você me deve uma — observou ela, sorrindo.
Sora abaixou os ombros e soltou um suspiro.
— Que seja — murmurou ele — Apenas não fique em meu caminho.
— Estou acostumada com brigas e sei me cuidar — disse ela, batendo o punho no peito — Além disso, você não poderá vencê-lo sem mim.
Sora a olhou franzindo a testa com uma pressão tão forte que qualquer um teria cedido e se afastado. E, mesmo sendo cega, ela certamente era capaz de entender seus sentimentos através de suas auras. No entanto, Marie não recuou, ainda mantendo o sorriso desafiador no rosto. O guardião não soube dizer se aquilo era sinal de coragem ou apenas falta de noção.
Independentemente do que fosse, ele percebeu que não poderia deixá-la de lado como originalmente desejou fazer. Afinal, ela estava envolvida com sua mestre e certamente a culpa recairia em seus ombros caso algo lhe acontecesse. Com isso em mente, novamente soltou um suspiro cansado.
— Faça o que quiser — murmurou ele, apontando a ponta de uma das facas na direção dela.
Marie sentiu quando ele avançou sobre ela, passando ao seu lado e atravessando o pescoço de um dos aprosopos que se aproximou. Seu corpo morto caiu ao lado deles, mas a menina não reagiu escandalosamente como ele esperava.
A dupla inconstante se virou para os encapuzados que os cercavam. E, agora, estavam prontos para retornarem à luta.
***
Na Fortaleza, havia uma movimentação intensa acontecendo. Afinal de contas, muitos homens e mulheres uniformizados escoltavam pessoas para dentro da construção, levando-os para os andares inferiores. Os prisioneiros que estavam acordados pareciam fazer expressões de dor ou de desânimo, enquanto outros ainda permaneciam inconscientes depois que os guardiões se reuniram para interromperem suas fugas.
A guarda real escoltava aquelas pessoas e cuidava da segurança, mantendo-se alertas no grande portão caso algo suspeito surgisse no horizonte. Após a antiga experiência da invasão, eles estavam prontos para erguem suas espadas contra qualquer um que se aproximasse sem permissão ou identificação.
Mas a pessoa que se aproximou era uma mulher de aparência graciosa e angelical. Como se uma aura branca emoldurar sua silhueta, ela andou a passos lentos para dentro da Fortaleza, sendo saudada pelos guardas rapidamente com um rubor no rosto. Com um sorriso sereno, ela apenas os ignorou e continuou em frente, passando pelos portões.
Sofia piscou suas íris azuis esverdeadas e franziu um pouco a testa.
— Estes são todos? — perguntou ela, olhando para Sasaki.
O curandeiro, que saia da torre, coçou a nuca ao ver a moça.
— Por enquanto, sim.
— Conseguiram resgatar a todos?
— Não exatamente. Alguns conseguiram fugir e se esconderam, os outros os demais guardiões conseguiram desmaiá-los e trazer eles até aqui.
Sofia, ouvindo o relatório, apertou os lábios.
— E onde está Diz?
Sasaki piscou, não ficando surpreso ao ver que ela sabia de sua presença. Porém, afinou os olhos negros quando a jovem perguntou a respeito do companheiro.
— O que foi?
— Naaaada — respondeu ele, meio cantarolando, cruzando os braços e desviando o olhar — Se quer tanto vê-lo, o Diz ainda está lá dentro.
A donzela, observando a expressão de ciúmes do homem que agia como um garoto, abriu um sorriso divertido e se aproximou. Ela tocou em seu rosto com a mão macia e o acariciou, passando o dedo por alguns cachos negros que caiam. Instantaneamente, um rubor suave cobriu as maçãs de seu rosto e o corpo de Sasaki tremeu.
— Obrigada, querido. Quando terminar o serviço, certifique-se de descansar bem.
— … S-Sim.
Sofia era apenas um pouco mais baixa do que o guardião, sendo uma altura considerada ideal. Ela inclinou a cabeça, observando a expressão dele como se soubesse perfeitamente o que se passava em sua mente. Então, se afastou tão sutilmente quanto se aproximou, dando-lhe as costas e rumando para dentro da Fortaleza. Os olhos negros de Sasaki a acompanharam, e ele soltou um suspiro.
— Já pode sair daí — Sasaki ergueu o tom de voz, mudando a expressão imediatamente ao voltar sua atenção para o homem que saiu das sombras do lado externo da torre — Você gosta mesmo de ficar escondidinho, né, não?
— Estou surpreso que tenha mentido para ela.
— Eu nunca minto pra Sofia. Afinal, você tava lá dentro até agora pouco, e eu poderia só não ter visto você sair, não é? — respondeu ele simplesmente, balançando os ombros. Quando Diz se aproximou e parou ao seu lado, o curandeiro abriu um sorriso — E eu também sei que você não gosta muito da companhia dela, então não vou te forçar a nada. Mas você sabe que ela tá realmente tentando se aproximar de você, não é?
Diz não respondeu. O homem com faixas ao redor do corpo e olhos dourados apenas se manteve em silêncio, como se não tivesse interesse em responder.
— Por acaso, você ainda me odeia?
A voz suave como uma pluma veio por trás e surrupiou pela orelha esquerda de Diz, que abriu os olhos devagar. Uma mão macia segurou seu ombro e ele encarou a moça que inclinou o corpo para olhá-lo. Ela se apoiava nele, parecendo querer passar calor para seu corpo preenchido por faixas. Sofia, ainda com seu sorriso sábio casual, trocou olhares com o homem.
Diz, depois de olhar para Sofia, voltou suas íris para Sasaki. Sua expressão era de incômodo pura, mas ele não parecia disposto a expressar isso em palavras.
— Não olha pra mim — imediatamente, o curandeiro ergueu as mãos e lavou as mãos do crime — Você devia saber que ela voltaria.
Sim, ele sabia. Mas mesmo assim permaneceu ali ao invés de ir embora. Foi uma ação tola.
— Descobriram como e por que libertaram os prisioneiros? — Sofia mudou de assunto, ainda apoiada nos ombros de Diz.
— Aparentemente, nem os próprios presos sabem. Foi como se as celas se abrissem voluntariamente e eles fossem induzidos a sair. Nenhum deles quis explicar melhor o que aconteceu, e não parece que ameaças funcionarão contra eles. Eles pareciam realmente abatidos.
Sasaki assim explicou para Sofia, erguendo o dedo indicador. A nobre piscou os cílios e fez um grunhido de compreensão.
— Então, eles realmente estavam tentando tomar suas vidas… — suspirou Sofia, desfazendo momentaneamente o sorriso.
Após o silêncio que se seguiu, Diz finalmente falou em voz baixa:
— E como está o senhor Albert?
— Ah, decidiu falar comigo? — provocou ela, sorrindo — Eu não sei. Estou ciente de que ele desapareceu, mas o que ele faz não é de minha conta. Apenas me preocupo com meus queridos guardiões, e você está incluso, Diz.
O homem afinou os olhos quando a mulher sedutoramente passou o dedo por sua mandíbula, mas ele não reagiu. Ao perceber que suas provocações não funcionariam novamente, ela apenas se afastou.
— Estaremos partindo.
Assim que Sofia falou, surgiu detrás dela uma mulher de cabelos negros e olhos vermelhos. Amane piscou lentamente para a mestre, que trocou olhares com ela também. As duas se comunicaram silenciosamente daquela forma por alguns segundos.
— Sasaki — chamou ela pelo homem que, mais uma vez, parecia irritado — Permaneça aqui na capital e continue ajudando os civis. Você não tem permissão para sair daqui antes da resolução deste problema. Não quero que você se envolva com questões fora de sua área de serviço… E, certamente, não quer lidar com as consequências disso, não é?
Os dois se encararam, e pareceu que um ar intimidante se instalou. Mais uma vez, guardião e mestre trocaram palavras silenciosas que não precisavam ser ditas em voz alta.
— E quanto a você… — Sofia passou a mão pela orelha de Diz, sorrindo — … Nos falaremos mais tarde.
Ele apenas a olhou e desviou sua atenção para outro lugar. Não parecendo incomodada com sua atitude, a moça apenas riu com a garganta antes de dar meia volta e sumir atrás deles ao lado de Amane. Foi em um piscar de olhos, e nem ele ou Sasaki puderam acompanhar o teleporte. Os dois apenas foram capazes de enxergar o símbolo dos Megalos — a coruja acima do círculo dourado — brilhar uma vez antes de explodir e desaparecer como partículas de luz, unindo-se à atmosfera.