Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 7 – Arco 3

Capítulo 77: Confronto

— Cuidado, senhor Jaisen. O Tigre Branco consegue se camuflar na névoa e criar ilusões. Não se precipite com sons ou vozes.

— Pode deixá.

Eliza e Jaisen, em posições de combate, sacaram seus armamentos e colocaram-se em alerta. Conforme as paredes brancas se espalhavam por seu campo de visão, mais e mais a cidade era preenchida pelas nuvens de névoa que varreram casas e prédios. Por um segundo, a curandeira quase sentiu como se tivesse voltado ao combate na floresta. Os arredores foram preenchidos e a sensação de espaço de se foi. Uma vez que o cenário foi alterado, era perceptível que a natureza daquela névoa não era comum. Ela era usada não apenas para camuflagem da criatura chamada de espírito, mas também para fazer os alvos se sentirem presos e isolados do resto do mundo.

Com Lótus em uma das mãos, a esfera azul que fora restaurada ao seu estado original brilhou. Assim, o homem ao lado com a espada poderia localizá-la em meio à branquidão.

— Hi, hi, hi, hi…

Ouviram-se risadas agudas e que soavam como infantis. Suor escorreu pelas têmporas de Eliza, os olhos âmbar dançando de um lado para o outro em busca de sua origem. Era necessário localizar o alvo principal, o par de olhos com uma listra vertical no centro, e garantir a vitória. Enfrentar algo além disso seria apenas perda de tempo e exaustivo.

As risadas continuavam a soar em seus ouvidos. A dupla, que se colocou de costas um para o outro, permaneceu parada e em silêncio. Saber lidar com a situação não era o mesmo que lidar com ela. Cautela nunca eram demais.

Foi nesse instante que uma sensação desagradável atravessou seus corpos. E então, Eliza sentiu uma mão gelada segurar sua panturrilha. Ela sabia que não poderia feri-la, optando apenas por ignorá-la.

— … Ah!

A curandeira soltou um grito de surpresa quando aquela palma apertou-se ainda mais, machucando-a. E, de repente, começou a puxá-la na direção da névoa. Eliza tombou e caiu, derrubando seu cajado.

— Há! — exclamou Jaisen, brandindo sua espada e cortando o braço transparente.

Aquela extensão de névoa se desfez e sumiu, unindo-se ao ambiente. 

— Você tá bem?!

— Estou, obrigada. — ainda meio assustada, se colocou de pé — Mas o que está havendo? Essas sensações de toques não deveriam ser reais…

— Cuidado!

Enquanto refletia, Eliza não notou quando um grupo de mãos lançou-se na direção dela pela lateral. Percebendo que era o alvo mais fácil, tentariam pegá-la por primeiro. Ao ouvir o grito de Jaisen, a curandeira imediatamente se abaixou, permitindo que o espadachim avançasse com a arma em mãos, dançando sua lâmina pelos ares. Os cortes desferidos imediatamente fizeram, mais uma vez, a formação de névoa desaparecer.

— Parece que essa coisa não tá lutando igual antes — falou Jaisen, olhando para a menina — Será que dá pra confiar mesmo que esses arrepios que tamo sentindo são falsos?

Essa era uma dúvida em comum que possuíam, mas que seria respondida logo em seguida.

— Hi, hi, hi, hi, hi, hi, hi…!

As risadas começaram a soar mais alto e de forma um pouco ríspida. Com ela, outra mudança aconteceu. 

— Argh!

— S-Senhor Jaisen!

Os dois exclamaram quando um corte violento rasgou o braço direito do homem. Como garras de um tigre que arranharam de cima a baixo, uma marca foi deixada em todo o seu antebraço. Sangue jorrou e manchou o chão.

— Eu tô bem! Não se preocupa comigo e tenta pensá em um plano pra gente lidar com esse bicho!

Ignorando o ferimento, Jaisen apenas focou-se no combate e em defender a garota. Apesar de Eliza não ter lhe dito a respeito de sua incapacidade ofensiva, pareceu claro para o espadachim que ela seria de grande ajuda na base do suporte, como sempre. Mas também, obviamente, em criar uma rota de fuga ou uma forma de vencerem aquele embate.

Vendo essa determinação em seus olhos e ações, a garota assentiu.

— Certo. Tome cuidado com essas garras, elas são invisíveis a olho nu assim como as mãos. 

Com a postura dele, Eliza temia que algo pior pudesse acontecer. Enquanto aguardavam o movimento do inimigo, ela bateu a base de Lótus contra o solo e fez nascer um selo acima do machucado no braço do espadachim, curando-o instantaneamente. 

— Valeu! — exclamou ele, abrindo um sorriso que mostrava os dentes — Tu é dez!

Eliza mostrou um sorriso sem graça para o agradecimento dele, mas aceitou o sentimento mesmo assim. Ela gostava da força que havia na mentalidade e ações de Jaisen. Ainda que o conhecesse há pouco tempo e tivesse interações casuais demais, os dois haviam compartilhado um singelo laço desde que se encontraram na capital. Considerando as circunstâncias, ele parecia estranhamente bem. Se isso era resultado de sua presença, a deixava feliz.

— Iá!

Os golpes desferidos por Jaisen rasgam o ar tanto quanto as garras. Como era impossível enxergar sua origem, ele apenas se mantinha atento aos sons. Dessa forma, era capaz de se defender, nem que minimamente, dos cortes. Alguns ainda foram capazes de machucá-lo, criando cortes em várias partes de seu braço. Entretanto, conforme o tempo passou, pareceu que ele se acostumava aos ataques. Eventualmente, sua defesa se tornou quase perfeita.

— Tu não me engana com esses rasguinhos, não! Cê tu quer brincar de esconde-esconde, a gente brinca! Mas depois não vai sair chorando!

Com essas provocações baratas, ele lutava com um sorriso. Era diferente de Sora e Kanami, que demonstraram prazer no ato. Jaisen enfrentava seu adversário, defendendo-se das garras invisíveis e cortando mãos de névoa com divertimento. Parecia gostar da sensação do perigo, de como podia desvendar os padrões de ataque e, eventualmente, entender o ponto fraco de seu adversário.

Enquanto aquele embate ocorria, a curandeira se concentrou. Para derrotar o Tigre Branco, era necessário selá-lo mais uma vez. Entretanto, ela duvidava que seria capaz de fazer isso neste momento. Afinal, duas possibilidades estavam em jogo: Ou Lysa, que havia roubado o Cristal da Ilusão, o destruiu e libertou o espírito; ou ele apenas estava sendo projetado para o combate, ainda permanecendo selado dentro da relíquia.

As duas opções eram bastante viáveis, mas a segunda em especial era complicada de se lidar. Se Eliza não fosse capaz de selá-lo, as opções que levariam os dois a saírem vitoriosos eram poucas. E, é claro, especialmente perigosas. 

Se selar não for uma opção, precisaremos derrotá-lo de uma forma que não possa se regenerar. Ou seja, precisamos fazê-lo retornar ao cristal.

Era um plano bastante simples. Precisavam resgatar e fazer o espírito gastar toda a sua energia para, então, permitir que mostre seu verdadeiro corpo. Dessa forma, poderiam vencê-lo e obrigá-lo a retornar para o cristal. Caso essa última parte não ocorra, Eliza ganharia tempo o bastante para que pudesse buscar um cristal para selá-lo novamente.

— Senhor Jaisen!

Eliza chamou o nome do homem que lutava sozinho, fazendo-o se virar na direção dela.

— Precisamos fazê-lo gastar todo o seu chi. Apenas dessa forma ele poderá revelar sua forma verdadeira.

— Tá certo! Só fazê ele se cansar, né? Facin, facin!

O espadachim riu e bradou sua espada novamente, continuando com sua sequência de ataques e defesas. Enquanto isso, Eliza empunhou Lótus.

Não sou capaz de causar estragos no Tigre Branco. Entretanto, posso ser capaz de fazê-lo se esforçar mais.

Quando enfrentaram o espírito pela primeira vez na floresta, não eram apenas Sora e Ryota que estavam envolvidos. Havia, também, Kanami e Eliza pelas redondezas. Uma vez que mais pessoas estivessem envolvidas, naturalmente, mais poder seria necessário para poder lidar com tamanha quantidade de adversários.

Como um espírito, ele não é realmente muito inteligente. Entretanto, vai perceber se eu estiver fazendo algo propositalmente. Preciso tomar cuidado com minhas ações.

Em níveis de comparação, os espíritos naturais eram bem mais espertos que os artificiais. E, obviamente, possuíam um instinto de sobrevivência muito mais amplo do que os mors, que apenas desejavam matar e se alimentar. Dito isso, o objetivo principal não era consumir os dois que foram envolvidos pela névoa, mas cansá-los ao ponto de não poderem resistir aos efeitos dela.

Na realidade, ainda que Jaisen estivesse ocupado com o combate, Eliza ainda era capaz de sentir. Os arrepios em sua pele, a sensação de estar sendo observada de algum lugar inalcançável. O medo de avançar através das paredes brancas e jamais conseguir retornar, como se fosse apenas um espaço infinito. 

Não podemos perder a consciência, aqui. Caso ocorra, seremos raptados para o mundo dos sonhos e teremos nosso chi sugados por ele, podendo queimar nossos corpos.

Era o que havia ocorrido com ela há um mês atrás. Ao se separa de Kanami graças a um mar de névoa que se concentrou, Eliza perdeu a consciência e precisou lidar com seus próprios problemas. O espírito foi capaz de averiguar seus sentimentos e conflitos interiores, explorando-os de tal forma que mantessem o espectador dentro de sua própria mente o máximo possível. 

Uma jogada de mestre, com certeza.

Se o alvo fosse alguém com mente fraca, que cedesse facilmente à provocações, essa pessoa certamente morreria dentro de sua própria mente. Não sentiria seu chi sendo sugado ou a queimação invadindo seu próprio corpo. Seria uma partida pacífica, mas não muito encantadora ou digna.

Se for apenas isso, será fácil.

Fechando os olhos, Eliza segurou Lótus e bateu a base contra o solo, fazendo-o ressoar.

No instante seguinte, algo inimaginável aconteceu. Como se uma torrente de vento, como uma barreira, varresse os arredores, toda a névoa que estava em um raio de até dez metros se esvaiu. O espaço que se abriu assustou até mesmo Jaisen, que rasgou o nada com a espada. Conforme as paredes brancas se afastaram, um som profundo invadiu seus ouvidos. Era quase como um apito altíssimo que atingia diretamente seu cérebro, fazendo a cabeça doer.

— O quê-... Guria! O que tu fez?! Cê tá bem?

Jaisen olhou para a curandeira e, notando que ela se apoiava no cajado como uma bengala, correu em sua direção. Com suor no rosto, Eliza sorriu e endireitou a postura, ignorando as pontadas de dor que atingiam sua mente.

— … Estou bem. Eu apenas usei algo que me cansou um pouco.

A garota suspirou e tentou respirar profundamente. 

— Usei um selo para criar uma barreira com poder instantâneo, afastando a névoa.

— Pra quê? Elas estão se aproximando de novo.

Jaisen fez uma observação clara. Aos poucos, as paredes brancas novamente se aproximavam para fechar sua visão.

— Meu objetivo não era apenas afastá-los, mas forçar o espírito a usar mais de seu poder para conjurar névoa.

Apenas não esperava que fosse doer tanto…

Eliza colocou a mão acima da testa e inspirou fundo. A descarga de poder utilizada havia-a machucado internamente e gasto uma quantidade exorbitante de chi. Ela já não estava em suas melhores condições, entretanto, sabia que aquele poder que afastou — ou melhor, obliterou — a névoa ao redor obrigou o espírito a criar ainda mais. 

Espíritos possuíam muito chi, isso era fato. Entretanto, se ele estivesse usando essa quantidade exorbitante não apenas para criar, mas também manter este poder funcionando enquanto os atacava, era algo a se considerar. Uma vez que o forçasse a dobrar ou triplicar seu esforço, ele eventualmente precisaria usar seu próprio corpo para o combate.

Gastar todo o seu chi era o mesmo que cometer suicídio — afinal, espíritos eram inteiramente feitos de chi. Eles se tornaram partículas e sumiriam na natureza caso isso acontecesse. Então, assim como os seres humanos, quando usado tal poder em alta escala, precisavam descansar para recuperá-lo. A curandeira estava certa de que a barreira momentânea, mas imbuída em poder, foi o bastante para poder assustá-lo.

E estava correta. Afinal, quando as paredes brancas os envolveram novamente…

— Parece que essa névoa ficou mais densa — observou Jaisen, franzindo a testa.

— Esse era meu objetivo. 

Eliza, a passos pesados, se aproximou do espadachim. O homem a olhou com preocupação, porém, logo quando as risadas infantis voltaram a soar em seus ouvidos, colocou uma expressão concentrada no rosto.

— Hi, hi, hi, hi, hi, hi, hi…! 

A este soar, que pareceu reverberar por seus corpos devido ao estridente volume, a terra rangeu. Ela tremeu como se algo grande se aproximasse. E, quando os dois olhos azuis, maiores que sua cabeça, surgiram diante de si, Eliza teve certeza absoluta de que seu plano havia funcionado.

O grande Tibre Branco rosnou e, em seguida, soltou um rugido que balançou todo o espaço ao seu redor.

A verdadeira batalha havia finalmente começado.

***

Enquanto Hera mergulhava em um grande embate, Miura observou as fumaças e explosões se erguerem pelos vários pontos. Um pouco antes das lutas da corte e seus guardiões acontecerem, o assassino observava à distância como os sons de destruição varriam a cidade. Não havia qualquer expressão em sua face normalmente neutra. Os olhos vermelhos, sem brilho, vagavam pelas casas e prédios, observando as nuvens de fumaça se erguerem e as construções racharem, se desfazendo em escombros. Os sons de tudo ruindo chegava aos seus ouvidos, a audição, assim como qualquer um de seus sentidos, sendo especialmente afiados. 

O palácio, tal como ordenado, foi perfeitamente evacuado. Nos corredores em que vagava a passos calmos, seus passos eram o único som. Nenhuma alma viva permaneceu no local. As portas de todos os cômodos, sem exceção, foram abertas e averiguaram a existência de convidados ou servos que poderiam ter se escondido. No fim, todos foram capazes de escapar antes que algo pudesse lhes acontecer.

Como um Akai, ele sentia que estava sendo chamado. A mente, que normalmente era preenchida apenas pelos próprios pensamentos e um grande vazio, por vezes recebia choques elétricos que o faziam entender que estavam tentando dialogar com o assassino. Era como se uma segunda e terceira vozes tentassem entrar em contato, invadindo seu espaço privado. 

Em relação a aquela sensação que apenas o incomodava, Miura fechou os olhos e, sem demonstrar qualquer sentimento, apenas selou completamente os chamados. Ignorou-os como se fossem apenas espectros e brincadeiras de sua própria mente.  Da mesma forma que se afastava um inseto que permeava ao redor de seus ouvidos, interferindo em sua vida.

Endireitou a postura e colocou as mãos atrás das costas quando parou. Estava em um corredor largo o bastante para que uma multidão de pessoas pudessem ser enfileiradas. Também havia, ali, uma escadaria que descia em direção a outra ala. O chão fora coberto com uma tapeçaria da mais alta qualidade, vermelho como a capa de Sua Majestade. As paredes eram claras, mas as janelas foram manchadas pelas fumaças negras que subiam no horizonte. 

— Lhe parabenizo por sua determinação em alcançar este lugar — disse ele, de repente, para a figura que surgiu diante dele, na parte inferior da escadaria.

E então, Miura sorriu.

***

Saltando pelas casas e telhados, Sora avançou em direção ao castelo. Ele não virou o rosto para trás e sequer demonstrou qualquer preocupação com os sons que invadiam seus ouvidos. Ainda era possível escutar vozes e gritos disfarçados por trás das nuvens de poeira, fumaça e sons altos de combates vindos de todos os lados. Como uma pessoa que apenas seguia ordens, manteve-se dedicado na missão de descobrir o paradeiro de Miura.

Como fora dito, ele havia permanecido no palácio real desde que a invasão começou. Não saiu ou se envolveu diretamente com nenhum conflito. Porém, mais estranho ainda era o fator da comunicação entre os Akai estar sendo impedida por ele. Após falar com Shin e Kanami, o rapaz, com uma expressão pensativa, prosseguiu na direção da grande construção.

O palácio real, estando no meio de todo aquele caos, não ficou intacto. Paredes estavam rachadas e ameaçavam desabar; vidros foram quebrados; pessoas fugiam por portas secretas e se esgueirava pelos becos na direção dos bunkers; os portões foram abertos e não mais fechados; pedaços do palácio quebraram e despencaram de altas alturas, fazendo sons altos atingirem seus ouvidos. Os escombros começavam a se acumular na cidade, erguendo uma nuvem de sujeira em seu nariz tão forte que quase o fez espirrar.

Ignorando aquela sensação que fazia suas narinas coçar, ele saltou pelo meio fio e alcançou a entrada do castelo. Estava completamente vazia, mas ele ainda conseguia ouvir o som de passos soando de algum local por perto. Pelo número e deselegância nos passos, ele presumiu que fossem convidados e empregados que fugiam. Não era possível vê-los de onde estava, mas a noção de sua presença permitiu que ele adentrasse no castelo sem pensar duas vezes.

Considerando que a evacuação, provavelmente realizada pela guarda real, fora bem sucedida, ele não precisaria se segurar contra futuros inimigos. Lutar se contendo devido ao local ou a presença de reféns era difícil, e Sora definitivamente não queria se preocupar com nada além de matar em seus combates. Dito isso, o rapaz apenas começou a correr pelos corredores do palácio, o som de seus passos eram límpidos aos ouvidos.

Prosseguiu daquela forma durante alguns instantes. Ao contrário do exterior, o interior não havia mudado em nada. Era quase como se a destruição do lado de fora participasse de um mundo apenas dele, e o palácio fosse uma espécie de templo intocável. Porém, era esperado que aquilo começasse lentamente a se desfazer. Um terremoto vindo à distância balançou o solo, fazendo com que escombros caíssem ao seu lado. Sora não se moveu, apenas observando o movimento das paredes e do teto que ameaçava rachar e ceder.

Quando seus passos cessaram e apenas o silêncio pós-terremoto permaneceu, um arrepio percorreu sua espinha. Ele não demonstrou qualquer reação quando um som agudo explodiu em seus ouvidos, assim como as janelas ao redor. Vidros voaram em sua direção, como uma chuva de lâminas, e caíram. Seus olhos vermelhos ergueram-se para aquilo que causou tamanha destruição e inclinou a cabeça.

— Estranho… Eu tinha certeza de que todos foram devidamente eliminados.

Sora assim falou, sem qualquer emoção na voz, para o grupo de figuras com aparência idêntica e conhecida. Eram pessoas que não poderiam ser reconhecidas pelo sexo. Pela forma que se moveram para invadir, eram como sombras. Roupas pretas com um capuz impedia reconhecimento, mas a máscara teatral que cobria seus rostos estava se tornando realmente memorável para o assassino. 

— … Aprosopos — entoou Sora com firmeza, lembrando-se do termo explicado por Eliza anteriormente.

— Exato.

O guardião, ao ouvir uma voz dirigir-se a ele, arregalou os olhos. Porém, as palavras não vieram de nenhum dos indivíduos que o cercaram, mas sim de uma pessoa que se aproximava à sua frente. Ao contrário dos indivíduos de roupas escuras, não tais vestimentas monocolores. Na realidade, tudo nele era tão chamativo que chegava a ser desproporcional. 

Quem se aproximou foi um homem adulto mais alto e consideravelmente musculoso. O porte de uma pessoa que possivelmente foi treinada para o campo de batalha devido a forma de andar. Mesmo sua voz, um grave quase rouco, soava bastante imponente — porém, tal sentimento não alcançou Sora, que apenas aguardou a chegada do adversário.

— Tal qual seu nome, um aprosopo não possui rosto ou individualidade. Portanto, não há necessidade de nomes, gênero ou identificação. Ao abandonar tais características, forma-se um único núcleo de seres que sequer podem ser chamados de humanos. Mas, ainda mais práticos de serem comandados, com o devido treinamento, tornam-se o exército perfeito. 

Apesar das palavras cruéis, o guardião não reagiu. Ele também não se importou com os cabelos loiros que caiam como uma juba ao redor de seu rosto, ou com a máscara teatral, porém diferente, que aquela pessoa usava. Ao contrário daquela que os Aprosopos portavam, ela era completamente pintada — porém, em tons apenas pretos e vermelhos. Dividida ao meio, como se um degradê separasse as cores, respingos das cores espalhavam-se pela máscara que pareciam ter sido tingida com sangue. 

O homem que usava uma roupa quase formal, podendo ser dita que era até elegante, parou. E então, sem cerimônias, levou a mão até o rosto, revelando-o completamente para o guardião. A máscara em sua mão permaneceu próxima ao peitoral quando o homem de olhos rosas o encarou.

Nenhum deles sorriu ou optou por trocar cumprimentos.



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