Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 7 – Arco 3

Capítulo 76: Espíritos Artificiais

— Não se esforce mais, duquesa. Você, o senhor Shin e o lorde Al-Hadid perderam muito sangue, precisam repousar até que uma das curandeiras cheguem até aqui.

Fuyuki afinou os olhos para a repreensão de Juan, que a olhava de cima. Ela havia se sentado contra alguns escombros, deixando o braço que fora decepado ao seu lado. O membro, por sorte, não fora consumido, então ainda era possível recuperá-lo. Em contrapartida, Shin e Omar estavam em um estado igualmente preocupante. Afinal, seus corpos foram perfurados e sofreram ferimentos graves. 

Mas apesar disso, nenhum dos três gemiam de dor em voz alta. O trio suava e fazia expressões tortas de desconforto, porém, mantiveram-se em silêncio ao sentarem-se para descansar. O sangue que escorria foi estancado rapidamente com faixas e tecidos improvisados, mas nada realmente adequado. 

— Como está o seu pé? — perguntou Fuyuki à Al-Hadid. 

O lorde abriu um sorriso.

— Ainda dói um pouco, mas vou ficar bem. Não se preocupe! — ele ergueu um dos braços e mostrou os músculos, como se fosse um sinal de força.

— Preocupe-se consigo mesma — murmurou Shin, do lado esquerdo da duquesa. O assassino estava de olhos fechados, os braços cruzados acima do corpo que fora enfaixado.

A duquesa apertou os lábios, em silêncio. O gelo no braço decepado ainda permanecia ali, firme e forte. Porém, as pontadas de dores atingiam seu cérebro como se o socasse. Ela não podia se deixar levar pela sensação horrível que a assolava, entretanto, a fraqueza pelo uso de chi e a exaustão apenas contribuíam para aquela situação. 

Shin estava correto. Ela não estava em posição de esforçar-se mais do que o necessário. Afinal de contas, isso apenas acabaria deixando-a ainda pior e incomodaria os demais. Ela nada mais poderia fazer do que aguardar a chegada de alguém para ajudá-los.

Porém, era preocupante.

Os sinais da Eliza estão fracos. Estou mandando minha localização, mas parece que ela não está por perto.

Fuyuki soltou um suspiro. Parece que não poderiam contar com sua curandeira. 

— Não há necessidade de se preocupar com a Maga Celeste — falou Shin de repente, depois de abrir os olhos vermelhos sem vida — Informaram-me de que ela está bem, porém, ocupada. 

— … Entendo.

A duquesa abriu um sorriso sutil para as palavras do assassino que mostrava uma expressão amarga. Sabia que era a forma de Shin demonstrar que se importava com seu estado — independentemente de qual sentimento estivesse oculto sob sua face. 

— Encaminharam outra pessoa para nossa localização — continuou o patriarca, cruzando os braços. Ele se movia tão tranquilamente que nem parecia ter tido o corpo perfurado — Chegará em instantes.

— Poderia ser aquela pessoa? — perguntou Juan, apontando com o queixo para a silhueta que apareceu através das sombras de um beco.

Era uma mulher com cabelos negros short bob que cobriam levemente o seu rosto. Ela precisou passar a mão por eles para arrumá-los, revelando uma pele clara e olhos também profundamente negros. Eram tão sem vida quanto as íris de um Akai — talvez até mais, podendo ser comparados às crateras nos olhos das criaturas que haviam matado. A moça, que Fuyuki reconheceu como a curandeira parceira de Eliza, chamada de Gê, vinha caminhando a passos regulares.

A Maga Veridiana, a maior curandeira de Urânia, se aproximava fazendo sons de estalo com as botas baixas brancas. O jaleco também branco era idêntico ao de laboratórios. Entretanto, por baixo dele, a moça usava um tecido preto que lhe cobria os seios e uma calça preta. Era uma combinação de cores completamente baseada nos dois extremos, com a única exceção sendo o cachecol roxo que lhe pendia do pescoço.

Gê caminhou até o grupo, puxando de seus lábios o cigarro que fumava. Ela nem parecia estar preocupada com seus estados ou com a circunstância em que se encontravam. De certa forma, era algo bom para uma pessoa que trabalhava com vidas, pois sua calmaria ajudava também os pacientes. Mesmo sua aura, fria e distante, parecia agradável.

A curandeira, retirando a mão do bolso do jaleco, tragou o cigarro mais uma vez e soltou um suspiro.

— Vocês estão terríveis — disse ela, sua voz era baixa e rouca como se tivesse acabado de acordar — Mas acabaram com as criaturas.

Ela se virou e analisou o ambiente. Ao redor deles, havia uma pilha de cadáveres de criaturas mortas. E, é claro, as duas bestas maiores que gerou o maior e mais difícil combate até então. Os olhos negros de Gê pousaram neles por um tempo mais longo do que o normal antes de se voltarem para o trio que estava sentado contra os escombros.

— Elas estavam em maior quantidade — falou Fuyuki, mostrando uma careta de dor com a pontada no braço. Os olhos de Gê desceram até ela — Mas conseguimos contê-los, por enquanto.

Após um silêncio, a sola da bota branca de Gê bateu contra o solo. Um som abafado soou em seus ouvidos, como algo que crescia debaixo da terra. Enquanto aquela coisa se aproximava, a curandeira tragou o próprio cigarro mais uma vez. Entretanto, ela preencheu seus pulmões com a fumaça antes de soltá-la nos ares, sem se incomodar em virar o rosto para que não fosse na direção dos feridos. Então, com os restos do cigarro, ela deu alguns toques nele, bem diante da corte, e derrubou as cinzas no chão.

Os grão caíram e, de repente, algo nasceu. Ou melhor, cresceu através das estreitas rachaduras. Como se fosse o alimento necessário para fazê-las surgir, os nobres observaram quando raízes atravessaram o chão e cresceram magicamente diante de seus olhos. Eles se estenderam e enrolaram como espirais, enrolando em suas pernas, braços e corpos. Juan olhou com espanto quando uma delas entornou como uma cobra uma das pernas de Al-Hadid, fazendo nascer algumas folhas.

Observou também quando o mesmo ocorreu consigo, porém, elas gentilmente enrolaram-se em seu braço, alcançando seu torso. Era como uma espécie de abraço da natureza.

— Não se movam. Vou começar o tratamento — disse a curandeira, jogando o resto do cigarro no chão, pisando nele. Ao retirar seu pé, ele havia se desintegrado em mais cinzas que foram consumidas pelas plantas como uma espécie de fertilizante.

Fuyuki arregalou os olhos verdes para o pequeno jardim de raízes que cresceu ao redor do grupo. Mesmo Juan e Zero, que sequer estavam plenamente machucados, tiveram as plantas envolvidas ao redor de seus corpos. Os olhos prateados do Furoto, que até então estava calado, se arregalaram.

— Estou me sentindo recuperado… — murmurou.

— Ainda que não estejam seriamente feridos, reabastecerei seus chis. Dessa forma, poderão se recuperar mais rápido — falou Gê, sacando outro cigarro e acendendo-o — Os demais precisarão repousar um pouco e aguardar até que o sangue em seus corpos volte ao normal. Especialmente a senhorita.

Fuyuki mostrou uma expressão de culpa quando a curandeira se ajoelhou perante ela, descendo as íris profundamente negras na direção do braço decepado. Ao seu lado, estava o que havia sido arrancado, tendo sido pego pela própria duquesa antes de pararem para descansar.

— Com licença — murmurou Gê, pegando o braço arrancado e frio da duquesa. E então, bateu mais cinzas de seu cigarro acima do gelo que estancava o sangue, fazendo-o imediatamente derreter. Fuyuki conteve o gemido de dor mordendo os lábios, mas seu corpo se remexeu em agonia — Aguente.

Quando o gelo estava quase completamente derretido e o sangue novamente começou a vazar, com um único movimento, Gê encaixou quase que brutalmente o braço no lugar de onde ele fora arrancado. Fuyuki soltou uma tosse e engoliu outro grunhido. Segurando-o por um tempo daquela forma, a curandeira aguardou até que uma raiz se enrolasse perfeitamente em toda a extensão do braço, mantendo-o fixo no lugar.

Gê colocou-se de pé.

— Não o toque e não se mova a menos que queira vê-lo cair novamente — alertou a curandeira ao ver Fuyuki observar o processo. Era bem menos gracioso que o de Eliza — Mais um pouco e esse braço teria perdido completamente seu chi, então restaurá-lo seria mais difícil.

— Obrigada — disse a duquesa com um sorriso. Suor escorria por seu rosto, indicando sua exaustão.

A curandeira apenas piscou e se virou na direção de Al-Hadid. Fuyuki encostou a cabeça contra os escombros e fechou os olhos, exausta. Sentia-se fraca demais para continuar conversando ou permanecer acordada. Havia perdido sangue demais.

— Seus ferimentos se curarão rápido — comentou a curandeira para o lorde que tinha toda a perna direita enroscada em raízes com pequenas folhas nascendo — Permaneça em repouso.

— Aaaaaaah, não! Não posso ficar aqui parado! Assim que terminar a cura, preciso continuar a lutar!

— Continuar a se mover apenas o deixará ainda mais exausto e estender seu tratamento — explicou a curandeira com paciência e até certo tédio, virando-se para Shin. Os buracos em seu corpo haviam se fechado e agora cicatrizaram. Ao contrário de Al-Hadid, ele fechou os olhos e descansava como deveria — Enfrentarem os mors neste estado é suicídio.

Zero endireitou a postura.

— Mors?

Gê se virou para o rapaz, e então percebeu que todos os membros da corte a olhavam com curiosidade e certa surpresa. Ela apenas soltou um suspiro entediado, tragando seu cigarro.

— Os mors são essas criaturas feitas de carne e sangue — apontou ela com o queixo para a pilha de cadáveres.

— Você as conhece? — perguntou Juan com suspeita clara na expressão e voz. Ele estava sentando em um dos escombros, de braços cruzados. 

— Sim — respondeu a curandeira, sem qualquer indício de medo ou culpa. — Afinal de contas, eu sou a responsável por estudá-los. Faz parte do meu trabalho. Da mesma forma que a Maga Celeste estuda os efeitos da Insanidade e o caso da adormecida, eu pesquiso sobre os experimentos feitos pela Ritus Valorem.

Gê olhou de escanteio para Fuyuki, que sabia a que ela se referia.

— Ritus Valorem… — murmurou Zero, colocando-se de pé — Se bem me lembro, esse era o nome de uma seita que se revelou há muitos anos no passado, certo?

— Sim — respondeu Fuyuki, então, surpreendendo a todos — A Ritus é uma organização formada por seguidores que praticam a fé às Entidades. Como uma seita, eles vagam pelo país unindo novos seguidores e espalhando a sua palavra… Ao menos, isso é tudo o que sabemos. Afinal, jamais encontramos nenhum deles.

— Como uma seita que será perseguida por seus valores, é natural que os fiéis se misturem entre as pessoas e jamais revelem quem são — falou Gê, apoiando as palavras da duquesa — Por conta disso, ninguém nunca foi capaz de interagir diretamente com um seguidor da Ritus ou sequer compreender a origem de seus cultos.

— Vocês duas falam como se soubessem muito bem sobre eles — afirmou Juan, algo que todos ali certamente haviam pensado — Mesmo sendo uma organização secreta, parece que as informações sobre eles não são assim tão vagas.

Ambas ficaram em silêncio por um instante. Até que, por fim, a duquesa soltou um suspiro e voltou seu olhar exausto para Juan:

— Desde que a Insanidade invadiu a casa principal dos Minami há dois anos, eu vim pesquisando a respeito das Entidades. No fim, acabei descobrindo ainda mais a respeito da Ritus Valorem e passei a estudar seus padrões de comportamento.

Tudo em prol de sua vingança. No fim das contas, após um ano, ainda que não tivesse sido necessariamente por seus esforços, a jovem conseguiu cumprir com aquilo que desejava. O atentado ao vilarejo mais próximo do oceano, Aurora, e seus sobreviventes terem sido salvos e levados até uma de suas mansões foi nada mais que uma coincidência. Entretanto, foi justamente esse acaso que tornou possível para a duquesa experimentar usar aqueles remanescentes ao seu favor.

— Esta não é a primeira vez em que encontro os mors — falou Gê, tragando seu cigarro e olhando para os arredores. Ela franziu a testa — Essas criaturas vêm aparecendo cada vez mais e com uma quantidade exorbitantemente maior. 

— Então, eles haviam aparecido em outros locais, também? — perguntou Zero.

— Sim — concordou Fuyuki — Mas eu nunca havia visto um, antes. As descrições, parando para pensar, realmente batem com o que vejo agora.

— Os mors são apenas cadáveres de animais que foram usados em experimentos. Eles utilizam seus corpos para revivê-los e criar um exército de mortos vivos. Podem não ser muito inteligentes, mas sabem como caçar. 

O grupo continuou em silêncio, escutando-a explicar. Eles haviam enfrentando alguns bandos de criaturas antes, e sabiam que suas palavras eram verdadeiras. Ainda era uma surpresa saber que alguém como Gê, uma curandeira, precisava estudar aquelas monstruosidades, mas considerando alguns trabalhos que a própria Eliza fazia, para Fuyuki, não deveria ter sido uma surpresa.

A duquesa olhou para seu braço e notou que a marca de corte havia sumido, mas uma queimação ainda permanecia no local. Aparentemente, os membros haviam se unido novamente, mas a fraqueza continuava. Demoraria algum tempo até que seu chi se restaurasse perfeitamente.

— Como fazem isso? — perguntou Zero para Gê.

Ela sacudiu a cabeça.

— Não faço ideia. 

— Há quanto tempo esses experimentos estão acontecendo? — perguntou Juan.

— Não sabemos. Entretanto, descobri que os mors começaram a ser usados não muito recentemente nos atentados da Entidade da Insanidade. Ainda que não houvessem sobreviventes para contar, descobrimos através das marcas de mordidas e rasgões nas vítimas, bem diferente do padrão de mortes causados pela própria Insanidade ou pelos efeitos de seus poderes.

Normalmente, uma pessoa afetada pela Insanidade acabava se mutilando e cometendo suicídio, enlouquecendo no processo. Fuyuki havia presenciado aquilo várias vezes. O fato de Jaisen, uma das vítimas, ter sobrevivido mesmo depois daquilo ainda era um mistério. A duquesa acreditava que grande parte foi por conta do tratamento instantâneo dado por Sasaki; e, também, pela própria força de vontade do homem. Era quase absurdo pensar que um indivíduo comum foi capaz de sobreviver a tais feitos apenas com sua própria capacidade.

O caso de Ryota era diferente. Ela não havia sido atingida pelos efeitos da Insanidade e sequer demonstrou quaisquer alterações em seu estado psicológico ou em seu cérebro — ao menos, segundo Eliza. As razões para isso ainda eram um caso sem solução, mas muito se atribuía à própria natureza da pessoa.

— Na verdade, chamá-los de mortos-vivos não é um termo exatamente correto. Afinal, eles podem ser cadáveres que voltaram à vida, mas uma vez destruídos da forma correta, não podem mais se regenerar. Eles são atraídos por presas fáceis, o cheiro de sangue e pessoas com uma quantidade de chi chamativa para se alimentarem. Antes, costumavam andar sozinhos, mas vê-los em bandos e atacando como animais quase racionais é algo que nunca vi antes.

Gê explicava a respeito enquanto andava, seus olhos profundamente negros encarando as pilhas de corpos das criaturas. Uma vez que foram mutiladas, despedaçadas ou devidamente mortas, não voltariam à vida. 

— Porém, alguns deles podem ser mais difíceis de matar. Afinal, quanto mais consomem, mais fortes ficam. Por consequência, eles podem realizar mutação.

— Mutação?! — exclamou Omar, arregalando os olhos.

— Isso me lembra… Acho que vimos alguns mors com duas cabeças e mais patas que um animal comum… — falou Fuyuki, olhando para o lorde.

— Considerando estes fatores, ao invés de mortos vivos, eu os nomearia como espíritos artificiais. 

— Espíritos? — Zero balançou a cabeça — Mas eles são diferentes de outros que vimos antes. 

— Viram antes? — perguntou Juan, olhando para o rapaz.

— Durante o embate à Insanidade, além de enfrentarmos ela e o Fatiador Mascarado, acabamos lidando com um espírito.

Fuyuki engoliu em seco.

— O Tigre Branco do Oeste.

— O Tigre Branco é um espírito da natureza — falou Gê, tragando o restante de seu cigarro e batendo as cinzas no chão — Como tal, ele não possui sangue ou se alimenta. Mas pelos relatos que ouvi, ele se tornou estranhamente violento quando foi capturado. De alguma forma, conseguiram manipulá-lo para que se voltassem contra vocês.

Fuyuki e Zero franziram a testa.

— A Maga Celeste o selou, e isso deveria ter resolvido a questão de sua ameaça, porém… — a curandeira olhou para o céu e inspirou fundo — … De toda forma, os mors são criações inspiradas nos espíritos. Estou certa de que não capturaram aqueles da natureza apenas para serem controlados, mas também para conduzirem os experimentos. Temo dizer que os mors sequer são a fase final dele.

— E quanto a estes outros dois? — perguntou Juan, apontando para as duas criaturas que foram destruídas pelo grupo — Não parecem que são experimentos feitos com animais, como os mors.

— … Não, eles não são. 

Dessa vez, Gê mostrou uma expressão melancólica e distante. Ela analisou os cadáveres de Anoiem e Koalem antes de soltar um suspiro, abaixando os ombros.

— São seres humanos.

— … O quê?! — exclamou Fuyuki, congelando no lugar.

— O que isso significa?! Estão conduzindo pesquisas com pessoas?! — Al-Hadid exclamou, arregalando os olhos.

— Exatamente o que ela disse — resmungou Shin, ainda de olhos fechados.

— Quando a invasão à Fortaleza ocorreu, relataram o encontro com duas criaturas muito semelhantes a estas. A princípio, levaram seus corpos, que permaneceram intactos, como estes dois — Gê bateu o pé no chão — Entretanto, algum tempo mais tarde, notaram que eles acabaram apodrecendo e se desfazendo, tornando-se nada mais do que um acúmulo de carne e cinzas. Foi como se seus corpos tivessem sido carbonizados naturalmente, impedindo que qualquer um pudesse investigá-los.

A curandeira se virou para eles.

— Eu mesma apenas consegui uma pequena amostra de seus sangues, mas não fui muito longe. O líquido podre secou e evaporou, também — ela inclinou a cabeça — O mesmo acontecerá com estes dois e, eventualmente, com os cadáveres dos mors. Vão carbonizar lentamente e sumir como cinzas ao vento, como se nunca tivessem existido.

— Parece um método adequado para impedirem pesquisadores — pensou Juan em voz alta.

Gê apenas concordou com a cabeça.

— Isso me recorda dos invasores da Cerimônia de Benesse — disse Fuyuki, afinando o olhar — Eram pessoas, mas que não agiam como uma. Não podíamos conversar ou tirar qualquer informação relevante deles. E, quando tentávamos explorá-los um pouco mais, cometiam suicídio.

— É como se a Ritus estivesse sempre preparada para algo assim acontecer — murmurou Al-Hadid, e então, de repente, piscou como se tivesse se lembrado de algo — Vocês derrotaram a Insanidade e seu parceiro, certo? O que aconteceu com seus corpos?

A duquesa abaixou o olhar.

— O Fatiador Mascarado afundou no oceano congelado. Mania, entretanto, foi morta na floresta, mas seu cadáver desapareceu quando fomos procurá-lo mais tarde. Não, na verdade, é mais como se… — Fuyuki ergueu o olhar para Gê — Como se ele tivesse envelhecido muito em pouco tempo, se tornando apenas ossos com insetos necrófagos sob eles.

Foi uma visão assustadora. Quando Ryota e Zero retornaram, dizendo que haviam derrotado a Entidade, Fuyuki ficou aliviada. Entretanto, depois, quando ela e seus guardiões foram averiguar o estado do corpo de Mania, ele não estava mais lá. Foi como se, em um piscar de olhos, tivesse apenas desaparecido. Os ossos restantes eram humanos como qualquer outro, sem nenhum indício de algo sobrenatural neles. Segundo Eliza, não havia nada demais. E, com certeza, não houve uma pessoa atravessando a barreira para trocar os dois corpos. De fato, foi confirmado que aqueles ossos deveriam ter pertencido à Insanidade.

A Maga Veridiana não demonstrou surpresa. Ela deveria estar a par do assunto, como parceira de Eliza.

— Os experimentos humanos se chamam alogias. Ao contrário dos mors, eles possuem aparências e personalidades distintas, embora sua sede de sangue e destruição sejam os mesmos. Notei como estes dois, em especial, são idênticos aos que foram encontrados na Fortaleza, e presumo que tenham sido feitos através do mesmo experimento, mas com outros seres humanos — Gê se aproximou de um dos cadáveres, observando-o de cima com uma expressão tediosa — Estou certa de que todos estes tenham o mesmo fim.

— Parece que usar seres humanos resultou em criaturas mais fortes — observou Zero.

— Talvez estejam pesquisando há mais tempo? — sugeriu Juan, colocando a mão no queixo.

— Eu duvido — respondeu Al-Hadid — Não sei como funciona exatamente, mas acredito que experimentos sempre comecem por animais antes de serem passados para os seres humanos. Não importa qual seja o tipo de teste, ao menos, quando falamos de remédios, por exemplo, esse é o caso.

— Está correto — Gê falou, cruzando os braços — Os mors vieram antes dos alogias. Entretanto, os segundos experimentos deram resultados melhores. Suponho que isso esteja relacionado ao fator de diferença entre nossas espécies. Mas, principalmente, a algo bastante individual quanto a personalidade e o chi de cada um. Se observarem bem, cada uma dessas alogias possuem uma característica especialmente perturbadora.

— … Aquela parecia uma aranha — disse Al-Hadid, fazendo uma careta — Horripilante!

— O outro parecia usar uma espécie de maquiagem — disse Fuyuki.

— Se assemelhava muito ao rosto de um palhaço — complementou Zero — Isso está relacionado à fonte de seu poder?

— Sim. As alogias não são apenas experimentos humanos que são mais poderosos do que o comum. Eles, também, parecem representar os nossos maiores medos.

Shin abriu as íris e afinou os olhos.

— Aracnofobia e Coulrofobia.

Quando se analisava dessa forma, a sensação de medo e horror que sentiam ao olhá-los fazia mais sentido. Parecia que a presença das criaturas afetava de forma diferente a cada uma das pessoas. Haviam aqueles que se sentiram mais intimidados por sua aparência, outros, nem tanto. Isso diferenciava de acordo com o quanto de medo uma pessoa possuía por determinada alogia e a fobia que se relacionam.

Gê, ao notar o silêncio pesado que se instalou, soltou um suspiro e passou a mãos pelos cabelos negros short bob.

— Enfim, não precisam se preocupar com esses cadáveres — disse, e então as raízes que envolviam o grupo começou a recuar para dentro do solo novamente — Preciso retornar aos bunkers e garantir a segurança dos civis. Não exagerem.

Fuyuki, ao ver a raíz se desenrolar de seu braço, segurou o membro que havia sido arrancado e ficou surpresa ao ver que ele estava perfeitamente colado ao seu corpo novamente. Testou os movimentos de seus dedos e a sensação de dor, notando que parecia como nova. Como se nunca o tivesse perdido.

Quando ergueu o rosto para agradecer a curandeira novamente, percebeu que suas costas haviam desaparecido no breu no beco novamente, assim como as raízes que recuaram para o chão e fecharam as rachaduras, escondendo-se perfeitamente. 

Da Maga Veridiana, restou apenas um único cigarro fumado até o final que lentamente se tornou cinzas ao ar.



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