Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 7 – Arco 3

Capítulo 71: Colisão entre Espadas e Garras

Um rugido que sacudiu céus e terra foi ouvido quando a criatura aterrorizante avançou para o combate. O som agudo que parecia fazer rasgar a garganta era propositalmente incômodo para desestabilizar aqueles que eram seus inimigos. Portanto, quando Anoiem repentinamente correu para cima deles, com garras no lugar dos dedos voando contra seus rostos, o trio precisou imediatamente desviar. 

A criatura com longos cabelos negros que cobriam o rosto de pele descascada, como se tivesse sofrido uma espécie de queimadura até os ossos, ficou irada ao ver que seu golpe foi inútil. Os pontos brancos no fundo dos buracos que antes deveriam ser seus olhos se estreitaram. Ela deveria estar acostumada a acabar com seres humanos com apenas um ataque para ficar tão surpresa. 

— Mas que criatura deselegante! Nos atacando pelas costas! — exclamou Shin com um sorriso divertido nos lábios, os olhos vermelhos brilhantes enquanto defendia-se com tranquilidade das garras da criatura com sua espada.

A grande odachi, que possuía uma lâmina comprida o bastante, foi capaz de se defender e, de certa forma, devolver a força do golpe. Lâmina se chocou, fazendo soar um som desagradável. Porém, ainda que a sessão de golpes de Anoiem viesse em uma velocidade sobrehumana, era ainda mais assustador ver um senhor de idade como Shin defender-se tão rapidamente quanto.

Choques de coisas afiadas geravam atrito no ar, balançando-o como ondas elétricas. O sorriso da criatura se abriu e ela pareceu enfurecida com as defesas do adversário. Porém, é claro, ele não estava a enfrentando sozinha.

Um Juan surgiu pelas costas de Anoiem a passos rápidos e firmes, sem ser afetado pelo balanço do ar. Portando os dois sabres nas mãos, avançou em seu ponto cego. Ao contrário de Shin, o nobre possuía um estilo de combate focado na resistência e força, não na velocidade. 

— E se tentarmos desequilibra-la?

 Com esse pensamento, os dois sabres deslizaram pelos ares em um corte na forma de “x”. Porém, logo quando as lâminas se chocaram com as coisas que se assemelhavam a patas de aranha, o poder investido voltou contra seus braços e os fez tremer.

— Eles são resistentes! Parece que tão fortes quanto suas garras! — exclamou Juan para Shin, que ainda distraia Anoiem.

A sequência de troca de golpes continuava de um jeito assustador. Nenhum dos dois lados parecia disposto a perder ou a se cansar. Era como uma disputa de resistência, para ver quem cederia primeiro.

— Se não podemos derrubá-la, temos que incapacitá-la! Jin!

À distância para não atrapalhar a dupla espadachim que havia avançado, Zero assim exclamou. Então, unindo dedo indicador e do meio em ambas as mãos, saltou para lançar rasgos de vento no ar, que dispararam na direção da criatura. Uma vez que Shin a ocupava pela frente e Juan pelo lado, o rapaz precisou golpeá-la por cima.

— Raaaaargh! — berrou Anoiem, erguendo uma das suas patas para se proteger. Ela bateu de frente com os cortes e os desfez, protegendo o corpo.

— Tsc. Nem mesmo um arranhão… — praguejou Zero, pousando no solo.

— Há!

Antes que tivesse a oportunidade de atacar Anoiem novamente de outro ângulo, dando suporte a Juan e Shin, ouviu-se outro grito vindo de seu lado. E, então, Zero saltou, dando uma estrela para o lado e agachando-se. O ataque que viera da outra criatura fez afundar o solo. As garras de Koalem se uniram em uma só, formando uma espécie de ferrão improvisado. Assim como Anoiem, ele também conseguia transformar os braços e mãos humanas.

Tamanho estrago foi causado apenas com uma investida da criatura que, estranhamente, era bem mais “humana” quando comparada à Anoiem. Koalem andava sob os dois pés, tinha uma pele que era branca ao ponto de ser comparada com papel e havia uma especie de maquiagem desenhada em seu rosto. Buracos no lugar dos olhos e um sorriso que parecia ter sido feito às pressas, como que rasgado por uma faca, eram características idênticas às de Anoiem. Porém, de certa forma, ele era tão bizarro quanto.

— Você parece ter saído dos meus piores pesadelos… — murmurou Zero para a criatura que vestia, ainda, uma roupa semelhante à de um palhaço.

De fato, uma pessoa com Coulrofobia enlouqueceria se visse a criatura. Em contrapartida, Anoiem seria realmente assustadora para um indivíduo com aracnofobia. Afinal, ainda que visualmente se parecesse com uma, o som de seus dentes batendo uns nos outros, soando de uma forma bastante semelhante ao grasnido de aranhas, era o bastante para fazer os pêlos se arrepiarem.

Isso, sem 

— Há? — inclinou Koalem a cabeça, como que tentando entendê-lo.

Os movimentos de ambas as criaturas eram desengonçados e caóticos. Porém, ao contrário do bando de monstros com carne e sangue expostos, eles eram claramente muito mais inteligentes. Zero não sabia se isso estava ligado ao fato de parecerem humanos ou serem estranhamente tão fortes quanto qualquer um deles.

— Sinto muito aí, carinha — disse o garoto de olhos prateados, estendendo a palma aberta virada para baixo — Mas eu preciso correr para ajudar meus companheiros.

E, então, fez um movimento com a mão para baixo. No mesmo segundo, uma pressão abismal criou-se sob o corpo de Koalem, que, sem entender a razão da gravidade repentinamente ficar mais poderosa do que nunca, afundou contra o chão. O ato foi tão grotesco de se ver quanto de ouvir. Afinal, não era realmente agradável presenciar um corpo humano afundar o rosto contra o chão. Por fazer força contra o poder de Zero, a estrutura de seu corpo estalou e se quebrou, como ossos que cediam.

— Não resista. Apenas doerá mais. Certo, então agora… — Zero virou sua atenção para a luta entre Shin e Juan com a outra criatura — Vou tentar atacá-la mais uma vez pelas costas! Tomem cuidado!

Sem esperar por uma resposta, Zero levou o braço direito contra o peito e o abriu novamente rapidamente, como que cortando o ar com ele. Porém, mais uma vez, ainda de costas para ele, uma das patas em forma de garra se ergueu para defender a área cega, fazendo-o sem qualquer esforço.

— Então é isso! As garras não podem ser destruídas, mas parece que seu ponto fraco é o corpo principal. Precisamos usar isso a nosso favor!

— Nós já entendemos, pirralho! — exclamou Juan, um pouco irritado. Suor escorria por sua testa depois de ter trocado de lugar com Shin, agora sendo ele aquele que trocava golpes e se defendia de Anoiem.

A criatura, diga-se de passagem, parecia se divertir com o fato de estar enfrentando três adversários resistentes ao mesmo tempo. Parecia realmente uma experiência nova para ela.

Juan defendeu-se de mais um golpe e se afastou.

— Disse que é impossível destruir suas garras…? Ah, não poderia discordar mais.

O homem abriu um sorriso que mostrava os dentes. Suas presas eram um pouco mais salientes, como se também fossem tão pontiagudas e afiadas quanto suas espadas.

— Eu vou destruir as garras dela — afirmou Juan, com convicção. Então, olhou para Shin — Ô velhote, está preparado para desfigurar uns corpos?

Os dois sorriam bizarramente um para o outro.

— Gosto da sua mentalidade, jovem — falou Shin, batendo com a mão livre no ombro de Juan — Desmembrar corpos e desfigurá-los é a minha especialidade.

— E então, rapaz… Contamos com o seu sinal.

— … O quê?

Zero arregalou os olhos para os dois homens, sem entender aonde queriam chegar.

— Você vai derrubar a criatura para que possamos finalizá-la, não é óbvio? — perguntou Shin, agora encarando-o com suas firmes íris brilhantes.

— Mas, ainda tem essa outra… — o rapaz olhou para Koalem, que agora estava praticamente de pé novamente.

— Há? Há, há? — grasnia, virando o pescoço em noventa graus para os dois lados.

— Eles dois cuidarão dele.

— Hã?

Foi nesse segundo que uma ventania fria balançou o ambiente e desestabilizou as duas criaturas. O chão se tornou gelo, e tanto Anoiem quanto Koalem perderam o equilíbrio, quase caindo. As pernas da primeira criatura, em especial, congelaram até a metade, impedindo-a de se mover. Em seguida, no céu, algo fez o sol sumir. Quando Zero olhou para cima, apertando a vista, percebeu que era algo giratório. Era como um círculo de fogo que se formou, voando tão alto que parou logo acima da luz. E, só então, quando acertou perfeitamente uma meia lua na nuca de Anoiem, fazendo-o afundar novamente contra o solo que Zero reconheceu Al-Hadid.

O homem, que tinha suas pernas flamejantes, afundou a criatura com um único golpe novamente. Sons de estalos foram ouvidos, assim como os gemidos da besta. Ela não estava morta, mas, mais uma vez, foi impedida de atacar. Omar saltou para o lado, dando uma risada alta.

— E então, mocinha?! Eu não fui incrível?! Hã, hã?

— … Sim. O senhor foi esplêndido — suspirou Fuyuki ao se aproximar a passos lentos, dando um sorriso para o rapaz que ficou em choque com a chegada deles dois — Vamos cuidar deste aqui. 

— Arrasa, garoto! — Omar, ainda sorrindo orgulhoso dele mesmo, mostrou um “jóia” com os dedos para Zero, que arqueou as sobrancelhas, assentindo com a cabeça.

Trio e dupla pararam diante de seus adversários. As criaturas, após se colocarem novamente em posição de combate, como que conectadas, rugiram. Foi um grito muito maior e mais ameaçador do que o anterior. Anoiem e Koalem sincronizaram as vozes, e tamanha foi a potência de seus berros que janelas ao redor estouraram, fazendo cacos de vidro voarem como confetes. 

Os dois estavam furiosos.

Anoiem, por sentir-se aborrecida. A luta foi interessante, porém, ela desejava sangue e chi. Ela precisava atravessar a carne e sugar o poder dele para ela. Precisava ficar mais e mais forte. Apenas dessa forma seria recompensada pela invocadora e sentiria prazer em seus instintos animais e assassinos. Arrancaria suas peles e uniria-os ao de seu próprio rosto. Não havia razão ou compreensão na criatura, apenas a vontade de matar.

Koalem, por sentir-se humilhado. Não houve luta, e sequer a oportunidade de analisar seu oponente. Eles não hesitaram em tentar imobilizá-lo duas vezes, e aquilo seria uma grande vergonha para sua invocadora. Precisava vingar-se. Rasgaria e despedaçaria seus corpos. Divertiria-se com a chacina, riria dos sons de ossos quebrados e gozaria dos gritos de desespero. Ansiava por tingir sua pele branca em vermelho sangue. Não havia razão ou compreensão na criatura, apenas a vontade de destruir.

Fuyuki conjurou lanças de gelo. Em silêncio, as estalactites começaram a soltar sons de estalos.

Al-Hadid estalou os dedos e alongou as pernas. O riso em seu rosto nunca desapareceu.

Huo — disse ele, e, dando saltos, suas pernas inflamaram novamente.

Shin passou o dedo por sua odachi, como se a admirasse. Porém, uma linha fina de sangue escorreu pela lâmina e manchou-a. E, então, a espada que antes tinha a lâmina prateada se tornou preta com uma grossa linha vermelha que constantemente pingava sangue.

Tu — entoou o velho — Vamos picar esse monstro, Carmim. 

Ouvindo Shin entoar o nome de sua odachi, Juan apertou o punho em seus dois sabres.

— Vocês dois devem ser o bastante para o serviço, Fátuo — Os olhos do homem se estreitaram para Zero — É bom que consiga derrubá-la a tempo, Furoto.

— Deixa comigo.

Os dois se encararam e assentiram um para o outro. 

Zero se virou para Anoiem, que estremecia o corpo, e deu um passo à frente. Foi justamente nesse instante que o clima ambíguo se quebrou, e as duas criaturas voaram para cima de seus adversários.

Em um movimento veloz, Fuyuki e Al-Hadid desviaram das garras que se uniram como um ferrão. O golpe de meia lua dado pelas pernas flamejantes do homem acertaram em cheio o braço, porém, nenhum efeito foi causado. O gelo criado pela duquesa para interromper seus passos foi, mais de uma vez, destruído pela grande força da criatura. Não era mais um recurso útil.

Duas garras de Anoiem voaram contra o rosto de Zero, que estava diante de Juan e Shin. Porém, foram justamente esses dois homens, portando suas espadas, que o defenderam. Acontece que o Furoto concentrava chi em seus pés para que pudesse aumentar sua velocidade. Dessa forma, quando seus joelhos se dobraram e ele avançou, o rapaz começou a correr ao redor da criatura com velocidade o bastante para criar um pequeno furacão. Enquanto a besta se concentrava em atacar os dois homens perante ela, o rapaz sacou suas facas e imbuir chi de vento nelas.

— Não desvie o olhar de seu oponente! Sou eu quem vai enfrentar! — exclamou Juan, determinado a chamar a atenção de Anoiem para ele, e não para Zero. 

Os sabres produziam cortes em formatos de “x”, batendo contra as garras. O som de lâmina se encontrando com os ataques pontiagudos eriçava seus pêlos. Ela estava mais forte do que antes, e isso era visível pois o nobre agora tinha certa dificuldade em defender-se. Seus pés eram levados para trás ou se afundavam no solo. Shin, em contrapartida, ousou atacá-la por trás, dessa vez invertendo os papéis. Porém, como esperado, uma das pernas dela se ergueu para defender-se do corte.

— Vamos, vamos! O que é toda essa lentidão?! Venha me pegar, criatura horrenda! — provocou Al-Hadid, com um grito que poderia ter ecoado por todo o bairro.

— Háááááááá?!

Imediatamente, Koalem rosnou de volta. Os dois trocaram gritos, como se fossem animais rugindo um para o outro. Neste período, as lanças de gelo voaram na direção de seu corpo. Quando uma delas atravessou seu ombro, a besta enfureceu-se e se virou. As garras se separaram e rasgaram o céu, desfazendo todos os demais golpes. Uma chuva de pedras de gelo caiu sobre a dupla.

— Perfeito! 

Fuyuki exclamou, conjurando uma espada de gelo e aproximando-se para cortar um dos braços da criatura. Ela, porém, com um reflexo assustador, protegeu-se imediatamente, encarando a duquesa com seu par de buracos profundos. O sorriso largo era amedrontador, assim como os sons de risada que saiam de sua garganta.

— Hááá! Hááá! Hááááá!

— Ugh!

A espada, que era forçada contra as garras, rachou-se e quebrou. Os estilhaços voaram contra o rosto da moça, que deu um mortal para trás antes que fosse atingida por outro golpe que rasgou o ar com tamanha ferocidade que a lançou um pouco mais para trás. 

— Isso é tudo o que tem?!

Juan, trocando golpes com as garras, olhou para a criatura e berrou com vontade. Assim como Al-Hadid, tinha a intenção de provocá-la. E, aparentemente, essa era uma estratégia fácil de ser executada. 

— Aaaaaaargh?! — gritou Anoiem, lançando, agora, três de suas garras contra Juan.

A dificuldade alcançou um patamar em que pequenos cortes agora arranharam seu rosto, braços e pernas. A ardência dos ferimentos não impedia seus movimentos de continuarem, mas atiçaram ainda mais sua vontade de lutar. 

Agora que apenas uma única garra a mantinha de pé, a odachi de Shin estava na linha perfeita de ataque. O assassino, com as íris brilhando em vermelho, saltou sobre a perna que não poderia se mexer e preparou-se para o ataque. 

— Rá!

Shin rasgou o ar contra o pescoço de Anoiem.

— O quê?!

Mas não esperava que os próprios cabelos negros, longos e oleosos, parecendo algas, tivessem força e vida para segurar seu pulso. E, com isso, o golpe foi imediatamente dado como falho.

Não demorou para que, com a ventania ficando cada vez mais e mais forte, Anoiem ficasse incomodada e lançasse golpes distraídos de lá para cá, na intenção de atacar Zero. O rapaz, no entanto, era veloz o bastante para desviar sem piscar. Dito isso, as investidas da criatura apenas acertavam o chão, para sua frustração.

— Hááááá!

— Uopa?!

Ao novo chute de Omar, que foi bloqueado, a criatura abriu as garras, imediatamente segurando seu tornozelo. Um corte profundo foi realizado, e, assim, enquanto o nobre gemia com a dor, a criatura ignorou as chamas que ameaçavam subir por seu braço e fez um movimento impensado. Koalem soltou um berro e girou no lugar, levando consigo o próprio Omar, que soltou um grito. Fuyuki, que via à distância, observou quando os membros da besta pareceram se tornar maiores do que o normal, como se esticasse e virassem borracha, antes de lançarem o lorde para longe. O braço que o lançou para longe havia, repentinamente, se alongado como uma mola, e tamanha foi a força que o homem apenas voou para longe contra um prédio. Seu corpo bateu contra o edifício e uma parte dele cedeu.

— Há?

— Há!

Fuyuki conjurou outra espada de gelo e, ciente de que ela imediatamente se quebraria ao bater contra Koalem, investiu mesmo assim. O choque das duas partes causou um estalo, e a moça desviou de também ser agarrada com uma abertura de pernas, batendo a bunda contra o chão como uma bailarina. Tamanha elasticidade no corpo a permitiu rolar, conjurando outra espada de gelo na mão.

— Receba isso!

Dessa vez, o ataque foi desferido no momento certo. E, afinal de contas, qual seria o resultado de uma lâmina gelada como aquela perfurar o corpo de Koalem, que berrou em dor? Sangue escuro e podre jorrou, escorrendo pela mão da duquesa, pendendo até o seu cotovelo.

— … Hã?

Mas era estranho. Afinal, quando olhou para seu braço, uma parte dele havia ficado para trás. E foi dessa forma que Fuyuki, com o braço arrancado até a metade, soltou um grito de dor quando seu sangue começou a escorrer e se esparramar. As garras responsáveis pelo ferimento estavam acima dela, prontas para dilacerarem seu corpo.



Comentários