Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 7 – Arco 3

Capítulo 70: Massacre Sangrento

— Parece que não tem o que fazer… — murmurou Ryota, observando a situação.

As criaturas que eram feitas de carne, músculos e com sangue escorrendo de suas bocas continuavam a rosnar em sua direção. O tremer de suas gargantas lhe trazia arrepios que faziam tremer as entranhas. Porém, ainda que as pernas amolecessem de medo ao ser cercada por todas aquelas bestas de tamanhos diferentes, a garota percebeu que, entre apostar uma corrida que poderia lhe custar uma perna ou a vida da criança em seus braços… Ela preferia fazer o possível para mantê-los seguros.

Então, andou para trás até suas costas encontrassem a parede de tijolos. Ainda havia uma distância relativamente segura entre eles e as criaturas. Ryota agachou-se no chão, colocando o garoto sentado com o filhote que gemia de medo em seu colo. Deu pequenos tapinhas em seu rosto para acordá-lo novamente. Embora fosse uma ação cruel considerando o estado de sua perna, era melhor do que deixá-lo à própria sorte, inconsciente.

— … Hm?

— Desculpa te acordar, mas preciso que fique aqui comigo um pouco, está bem?

Ryota deu um sorriso melancólico para o menino que, logo após piscar, fez uma careta de dor. 

— Ainda está doendo, eu sei. Mas aguente um pouco, por favor. 

— … O que… Ah? — o garoto grunhiu com a voz rouca quando seus olhos dourados, assim como os de Albert, se apertaram. Seus cabelos áureos estavam manchados e sujos, um verdadeiro caos. O corpo dele tremeu ao ver o cenário em que se encontravam — Espera… O que você vai-

— Não se preocupe. Eu vou cuidar dessas coisas… E enquanto eu faço isso, caso eu não consiga fugir a tempo, eu quero que você faça isso sozinho, tá bom?

— Hã? E-Espera… Isso é loucura… Argh, minha perna… N-Não, vai…!

A voz do garoto, ainda que fosse rouca e baixa, era fraca por natureza, como se raramente a usasse. Ryota se colocou de pé e começou a andar, mas parou ao ouvi-lo protestar.

— Ei, qual o seu nome?

— Hã?

— Eu tô perguntando o seu nome, sabe? — ela sorriu para ele, virando o rosto.

— … Dio. Só Dio — sussurrou ele, apertando o cachorrinho nos braços — … Ao menos, esse foi o nome que me deram.

— Entendi. Então, Dio, assim que ver a oportunidade, eu quero que fuja daqui. Seja um bom menino e faça isso por mim.

— M-Mas…

As criaturas avançavam lentamente, passo após passo. Os rosnados cada vez mais altos e violentos vibrando em seus ouvidos.

— Se seguir pelo beco, vai conseguir chegar a uma rua do centro da cidade. Sei que poderá encontrar alguém para te ajudar… Mas, antes que faça isso sozinho, eu não pretendo morrer aqui.

A garota estalou o dedos e o pescoço. O som atiçou os músculos das criaturas, e algumas latiram sons grotescos. Ela retirou o casaquinho branco da vestimenta cerimonial, enrolando-a no braço esquerdo.

— Parece que essas coisas são atraídas, primeiro, pelo olfato… — falou ela, recordando-se da visão terrível da outra criança que teve um destino que havia maculado seus ouvidos —  … Então, se eu fizer isso aqui, elas não vão ir atrás de você antes de acabarem comigo.

— … Hã?

Dio grunhiu em choque quando Ryota, de repente, mordeu sua mão com força o bastante para fazê-la sangrar. Como que numa hipnose, o cheiro daquele líquido vermelho que lhe escorreu pelo braço e pingou no chão fez as criaturas rosnar ainda mais alto, partindo para o ataque. 

— … Não! — gritou o garoto ao ver que três delas, do tamanho de um cachorro adulto, saltaram em sua direção.

A boca de uma delas surgiu na frente dos olhos da garota que estendia o braço com sangue para frente. E, logo antes dos dentes abocanharem a carne, Ryota trocou o braço e fez com que a criatura mordesse a jaqueta firmemente presa. A dor foi diminuída e houve tempo de reação o bastante para que pudesse contê-la. 

Enquanto aquela se concentrava em perfurá-la, as outras duas que partiram para o ataque ainda vinham em sua direção. Ryota, então, balançou o braço esquerdo contra uma das bestas, lançando as duas para longe com tamanha força que as fez voar para além das demais. A última criatura errou o golpe ao seu movimento, e a garota conseguiu chutá-la na lateral da cabeça, fazendo-a quicar pelo chão como uma bola de futebol. O corpo, sem vida, caiu no chão. Ele ainda dava espasmos, mas logo paralisou completamente.

Ao ver a cena, Dio parou de tremer e congelou, chocado. A visão de alguém enfrentar diretamente criaturas tão horrendas com uma força física grandiosa e tais reflexos deixou sua mente branca. Tudo o que o garoto pôde fazer era assistir a cena de luta que passou a se desenrolar. Afinal, quando as três bestas foram derrotadas em poucos segundos, as demais decidiram avançar, também.

O combate que se desenrolou foi um verdadeiro massacre. Presas e corpos voavam. Rosnados e berros das criaturas ao terem suas cabeças ou corpos esmagados por punhos e pés eram ouvidos. Sangue voou e se esparramou pelo chão. Mas a garota, como esperado, não saiu ilesa. Ainda que fosse capaz de lançá-las para longe, ganhando tempo, algumas delas fincaram os dentes em sua panturrilha, antebraço e ombro, fazendo-os sangrar quando um pedaço foi arrancado. O grito de sua garganta foi liberado enquanto matava as criaturas uma a uma.

Ryota tinha um físico resistente e reflexos consideráveis. Porém, era inevitável que, pela diferença de números e o uso de uma roupa desconfortável e que limitava os movimentos, estivesse em desvantagem. E foi essa situação que permitiu que o bando se agrupasse ao seu redor para atacá-la, garantindo-lhe mordidas e rasgos na pele. A roupa foi lentamente destruída. O tecido branco manchado em vermelho. Mas, como esperado, nenhuma delas foi para cima do garoto indefeso, pois estavam hipnotizadas pelo cheiro de sangue. 

Aquela mão, certa vez, recebeu uma mordida de potência o bastante para abrir ainda mais o ferimento. As presas afundaram-se na pele e Ryota soltou um grito de dor horrível. Mas, em seguida, lançou a criatura contra outra que atacava, fazendo-a ser morta pelas presas de uma companheira.

E, enquanto esse embate se desenrolava…

— Dio!

— Finalmente te encontramos!

— … Hã? Oliver? John? Vocês estão… 

Quando duas novas vozes surgiram, o menino de cabelos áureos virou-na direção das crianças. Os dois rapazes que se aproximaram portavam uma faca e um pedaço de madeira com pregos. Eram armas ameaçadoras de sua própria forma.

— Onde está o Will? Ele estava com você, não era?

— … O Will.. Ele… — os olhos de Dio se encheram de lágrimas, abraçando ainda mais forte o filhote nos braços.

Oliver bateu o pé contra o solo.

— Merda! — o garoto deslizou seus olhos na direção da luta que continuava acontecendo — Precisamos sair daqui, agora!

— Mas… 

— Não temos tempo, seu idiota!

Os dois garotos gritaram com Dio por sua teimosia. E, uma vez que essas vozes alcançaram os ouvidos das criaturas, uma delas se virou na direção deles. E então outra. Os rosnados se tornaram novamente latidos altos e grotescos que se aproximaram do trio. 

— Ah, não! Eles estão vindo!

— Eu cuido deles! — Oliver se prontificou, sacando sua faca e apontando para as criaturas — Eu matei uma delas no caminho pra cá.

— … Matou? Ah, o sangue… — Dio olhou para as roupas dele, notando então as manchas vermelhas — E-Espera! Não faz isso! Eles são atraídos pelo sangue!

O aviso chegou atrasado. Em um instante, a faca que estava na mão do rapaz que avançou se cravou no corpo de uma das bestas, arrancando-lhe um grunhido de dor. A outra, porém, aproveitou-se na distração para perfurá-lo no braço que portava a arma. Foi um ato inteligente, pois Oliver imediatamente largou a faca quando a dor lhe dilacerou o cérebro. 

— Essa não! — finalmente, Ryota notou o grito da criança atrás de si.

Mandando uma besta para longe, ela chutou o chão com força o bastante para rachá-lo. Esse golpe fez o solo tremer por um segundo, desestabilizando as bestas. Mais uma vez ganhando tempo, a garota se virou a tempo de ver o braço de Oliver quebrar-se e rasgar, sendo arrancado a mordidas. O menino caiu no chão, gritando. A besta que foi esfaqueada, nitidamente irada por ter sido ferida, mordeu violentamente seu pé. E, então, fez algo assustador.

— OLIVER!!!

Os dois meninos gritaram quando a dupla de criaturas arrastou o corpo dele numa velocidade assustadora. Atravessaram o bando, deixando uma trilha de sangue para trás. Algumas delas, sentindo um cheiro fresco de sangue, correram atrás das companheiras, se escondendo em um beco pequeno escuro demais para ser visto.

— Saiam da minha frente!

Ryota deu um berro enquanto mandava as criaturas para longe a chutes, mas eram muitas. Ela não conseguiu se aproximar a tempo de Oliver ser arrastado e gritou em revolta. Uma veia de raiva saltava de sua testa.

— Aaaah! Não se a-aproxime! Sai!

Porém, seus passos que iam atrás do garoto que foi levado foram interrompidos quando John começou a falar com outra dupla de bestas que rosnava para eles. Como Oliver, o menino sacou o pedaço de madeira, tremendo os pequenos e fracos braços ao brandir a arma no ar. 

Merda! Que situação horrível! O que eu faço?!

De um lado, Oliver foi arrastado e agora estava rodeado por bestas. Do outro, Dio e John estavam encurralados, prestes a serem atacados. A mente de Ryota queimou e pipocou, sem saber para onde ir. E, então, engolindo em seco para o som de estalos de algo sendo quebrado, a garota deu meia volta e correu para chutar o corpo de uma das criaturas. Imediatamente, um buraco se abriu nele e os restos voaram. A outra, que havia saltado, recebeu um soco com a mão ensanguentada com força o bastante para voar longe, sem vida.

— Ei! O-O Oliver! E-Ele foi…!

— … Eu sei.

Ryota murmurou, rouca e frustrada, para as palavras de John. Ambos os meninos tremiam, com lágrimas de medo nos olhos. A garota, então, inspirou fundo. Enquanto lutava contra a dupla de bestas, o restante fugiu na direção da caça que havia sido pega com sucesso. E, provavelmente, ela foi a única a escutar os sons do que acontecia no beco escuro.

— … Ei, moça. 

— Eu estou bem.

Ryota respondeu, fechando os olhos com força para conter a raiva. Inspirou fundo, o coração disparado. Mais uma criança havia sido morta sem que pudesse fazer nada. O som daqueles ossos sendo quebrados a mordidas, da carne dilacerada e dos gritos de dor de Oliver não seriam esquecidos por ela. Aquilo reverberou em sua mente por um segundo, apagando sua consciência do resto do mundo, mas foi chamada à realidade por Dio.

— Vamos sair daqui — a garota rapidamente pegou o garoto no colo, o filhote ainda envolvido em seus braços.

— Mas e o Oliver?! Ele foi-

— Vamos.

A voz com força dela fez John paralisar. E, só então, processar o que havia acontecido. Seus olhos perderam o brilho e o braço que segurava o pedaço de madeira pendeu, fraco.

— Não fraqueje agora. Vamos fugir — Ryota deu tapinhas no rosto pálido de John — Eu vou levá-los para a Eliza.

O rapaz a encarou e, então, apenas assentiu. Percebendo que talvez ele fosse incapaz de correr pelo seu estado mental, a garota o segurou pela mão da melhor forma que conseguiu e disparou pelos becos. Porém, ainda que seguissem pelas ruelas vazias e frias, com medo de fazerem barulho demais ou chamarem atenção pelo cheiro de sangue, Ryota percebeu que John ainda seguia devagar.

Foi então que ela percebeu.

— O que é esse machucado?

— Uma daquelas coisas me mordeu… — respondeu John, aos sussurros. Ele manchava, tendo sido ferido na canela — E, desde então, venho me sentindo meio fraco.

— Fraco?

Ela uniu as sobrancelhas, preocupada. E foi só então que reparou que ela mesma estava, lentamente, sentindo o mesmo. A queimação em seu pescoço ainda prosseguia, mas os ferimentos não eram apenas machucados que sangravam terrivelmente. As mordidas causadas pelas criaturas, da mesma forma que a marca do voto, queimava. Era uma sensação semelhante a de levar a mão próximo ao fogo, bem devagar. A cada minuto que passava, ficava cada vez mais e mais quente. O calor não afetava apenas o local, mas se espalhava, causando fraqueza e espasmos de dores.

… Será que essas criaturas… E essa marca… Estão sugando nosso chi?

Era a única explicação para a falta de energia e exaustão que ameaçava derrubá-la. Porém, talvez por Ryota ser mais resistente do que o garoto, ela conseguiu manter em mente seu objetivo de salvá-los e não cedeu. Continuou a carregar Dio, que a olhava abalado, e a puxar John. 

Por favor, Liz! Que você esteja por perto! Precisamos de você!

***

— Eu sabia que a situação deveria ser terrível, mas não tanto — reclamou Fuyuki quando destruir um bando de criaturas sozinha.

As bestas que a rondaram não eram apenas animais com o corpo de carne e sangue sendo derramado de seus dentes. Os buracos profundos em seus olhos eram assustadores, como abismos. O mais assustador era o fato de que suas formas não variavam entre apenas gatos e cachorros, mas apareceram até mesmo aqueles que voavam, como aves, tentando bicá-la, e cavalos que relinchavam. Os sons deveriam se assemelhar aos de animais comuns, porém, era como se a voz fosse distorcida e a garganta destruída, mudando completamente a tonalidade do que era ouvido.

A duquesa olhou com horror para as bestas que matou, os corpos destroçados por lançar de gelo se contorcendo.

— Será que elas são mortos-vivos? 

— Não sei!

— Me pergunto se eles vão se levantar quando formos embora.

— Não sei!

As respostas de Al-Hadid certamente não ajudavam, mas Fuyuki não poderia fazer nada. O nobre a auxiliava no combate, mas ela era plenamente capaz de lidar com eles sozinha. Uma vez que possuia um controle perfeito de chi, poderia conjurar inúmeras flechas de gelo e armas para combate. Era poderosa o bastante para fazer isso o dia todo. Porém, Omar, com sua sede por combate, não ficou parado e a auxiliou… De alguma forma. Ainda estava sorrindo com sua personalidade conturbada, mas a duquesa apenas decidiu não comentar a respeito.

— Mas esses bichos são bizarros! Alguns deles tem até máscaras!

— O quê?

Fuyuki se aproximou, o corpo enrijecendo. Al-Hadid apontava com o queixo para o cadáver de uma espécie de lobo que tivera seu corpo dilacerado. E, de fato, havia uma mascara em seu rosto. Se analisasse, não era exatamente uma feita com tecido, de verdade. Era mais como uma espécie de crânio que ganhava tal formato, se adaptando a cada tipo de besta. Com ela, o visual da criatura ficava ainda mais estranho, dando arrepios em seu corpo.

— Mas o que são essas coisas…? — perguntou para si mesma.

Dessa vez, Al-Hadid não respondeu.

***

— E eu achando que esse lugar estava bizarro o bastante.

Zero falou aos murmúrios, os olhos fixados em algo a sua frente. Ao seu lado, Shin e Juan também encaravam com seriedade a mesma coisa. Ao redor deles, inúmeros corpos de criaturas com formas de animais estavam caídos. Alguns se contorciam… Outros, possuíam crânios brancos sendo expostos em seus rostos, como máscaras.

Haviam dos mais diversos formatos e tipos. Mas, sem dúvidas, nenhum deles era pior do que as duas criaturas que surgiram diante deles. Não possuiam o formato de animais ou rosnava como um. Na realidade, sua postura e tamanho eram dignos de serem comparados com os de humanos.

Isso se não fosse suas posturas tortas como a de quem havia quebrado a coluna. Pescoços se torciam, pendendo em um ângulo de 90º. Garras saiam de suas mãos — se é que poderiam ser chamadas assim. Dois grandes buracos no lugar dos olhos, assim como os das bestas mortas, eram visíveis. Mas, ao contrário daqueles que se pareciam animais, aqueles dois tinham pontos brancos no fundo dos buracos, como se fossem, de fato, pequenos olhos que os observavam. 

Longos e bizarros sorrisos se alargavam em seus rostos bizarros.

— Espero que estes, pelo menos, possam me divertir — Shin abriu um sorriso, os olhos vermelhos brilhando com seu Instinto Assassino ativado. Ele ergueu sua espada, sua odachi, tendo se transformado de sua bengala, e bateu a grandiosa lâmina contra o ombro.

Juan, do outro lado, soltou um suspiro. Ele, portando um sabre em cada mão com sangue em suas lâminas, parecia realmente digno do porte de um guerreiro. Suas roupas cerimoniais estavam limpas, ao contrário das de Zero e Shin, que foram manchados pelo combate.

Porém, ainda que as éticas fossem diferentes, o trio estava preparado para enfrentar a dupla de criaturas ainda mais estranhas que apareceu diante deles. Afinal, quando Koalem e Anoiem se aproximavam e suas auras bizarras ficavam à mostra, era impossível ignorá-los.



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