Volume 7 – Arco 3
Capítulo 67: O Grande Dia
O som de sinos ressoaram altos quando a hora chegou. Então, em uma fila perfeita, assim como fizeram da primeira vez em que se reuniram no início da semana, o grupo composto por cinco pessoas andou em marcha na direção da luz pelo corredor, saindo à vista das pessoas. Assim que o rosto de Fuyuki foi atingido pelo sol da manhã, seus olhos se apertaram para se acostumar com a visão. Um som explodiu em seus ouvidos, e palmas ricocheteiam pelas caixas de som conforme a corte real se dirigia até suas cadeiras bem posicionadas. Eram as mesmas de quando haviam recebido o príncipe Edward em primeira mão. Sentaram-se na mesma ordem, em silêncio, ouvindo as pessoas comemorarem e uma fanfarra anunciar sua chegada.
Um grupo de pessoas começou a dançar logo abaixo deles. Haviam musicistas, dançarinas e rapazes da guarda que marchavam ao som das batidas. Era uma cena épica que fazia seu próprio coração saltar. O povo aclamava loucamente aquela apresentação, ansiosos para que a coroação oficialmente começasse.
A duquesa observou aquela cena com um ar ansioso. O clima estava perfeito, nem muito quente, nem muito frio. Chuvas de confetes e balões voando aqui e ali podiam ser vistos. Era uma felicidade tão poderosa que faria qualquer um ser envolvido por ela.
— Está com uma expressão nervosa — observou Sofia, colocando um dos fios de seu cabelo para trás da orelha — Algo a incomoda?
— Não, estou bem — respondeu Fuyuki, quase rispidamente.
— Por acaso, está preocupada com seus guardiões?
A Megalos abriu um sorriso largo enquanto a fanfarra encerrava sua apresentação, recebendo outra salva de palmas das pessoas. O povo se amontoava e, de onde estavam, eram quase como pequenas formigas coloridas. Lentamente, então, o grupo saiu de cena e a guarda real marchou a passos firmes, fazendo um som alto. Na frente, o capitão real, Tom, guiava a equipe.
— Por que me preocuparia?
— Eles não vieram lhe ver nesta manhã — observou Sofia — Estou ciente pois Amane também está ausente desde a noite passada.
Ouviu-se uma marcha forte antes das batidas cessarem. Então, a guarda sacou suas espadas e ergueram-nas para o céu, fazendo a luz do sol reluzir contra suas lâminas. Em seguida, dando um soco no próprio peito, eles levaram a mão em punho ao lado do coração, dando um grito de guerra. Mais uma vez, uma salva de palmas soou alta pelas caixas de som.
Fuyuki se remexeu no lugar.
— Estou ciente de que Sora e Kanami estão cumprindo com seus deveres familiares, então não devo interrompê-los ou questioná-los em demasia — as íris verdes deslizaram na direção de Shin Akai, que observava as apresentações com falta de interesse.
Ainda que a duquesa fosse parte da nobreza, jamais deveria se esquecer que os gêmeos aos quais era mestre também eram. Os Akai, apesar de não constituírem de uma boa fama, eram a família que mais seguia rigorosamente as tradições antigas e as respeitavam, o que era algo digno de ser respeitado. Entretanto, suas atitudes em relação ao treinamento de seus descendentes e estilo de vida eram bastante duvidosos — embora ninguém conseguisse censurá-los por isso.
Era uma situação complicada de se lidar. Fuyuki estava, sim, preocupada com Sora e Kanami, mas sabia que eles poderiam se virar. O vínculo de confiança forjado entre eles era forte a esse ponto. Não era como se a duquesa apenas pudesse se erguer e encarar Shin sem pensar nas consequências disso — tanto para ela, uma matriarca inexperiente, quanto para os gêmeos.
Por isso, seu posicionamento era compreensível. E Sofia, que a ouviu, apenas fez um grunhido de satisfação com a garganta, desviando seus olhos azuis d’água na direção da guarda real, que agora marchava para fora do seu campo de visão. Após guiá-los pelas escadas, Tom subiu novamente e se direcionou até o altar, onde o microfone estava ligado. O homem tocou com o dedo duas vezes acima dele, testando-o, antes de começar a falar:
— Graça e penhor ao Pequeno Sol.
— Hosana.
A saudação foi dita por Tom e o público respondeu em tom respeitoso. As câmeras se viravam em sua direção, focando perfeitamente em seu rosto.
— Mais uma vez, agradeço pela presença de todos que aqui acompanham tamanho evento. Afinal, no dia de hoje, mais uma vez, a história será mudada. É uma honra para mim, como o capitão da guarda, recepcioná-los após uma longa semana de comemoração. Mas, finalmente, o grande dia chegou.
Da mesma forma que da primeira vez em que falou perante o público, Tom falou com uma dicção perfeita. Não era à toa que inspirava e era respeitado pelas pessoas que conduzia. O povo se calou completamente, ouvindo-o.
— E, agora, vamos receber nosso grande rei: Fanes Fiore de Thaleia!
Finalmente, a multidão estourou com aplausos e gritarias. O barulho reverberou por todos os cantos da cidade quando o capitão abriu os braços para a entrada escura logo atrás de si, de onde saiu duas pessoas. A primeira era um homem conhecido com um rosto delicado e cabelos de cor claros. Seus olhos brilhavam de emoção ao receber a saudação, a postura e expressão corporal perfeitas. Ao seu lado, acompanhando-o, vinha um homem de aparência singela que não combinava nem um pouco com as vestimentas brancas. Fanes e Miura, uma dupla chamativa, se aproximou de Tom a passos lentos para que pudessem apreciar a recepção das pessoas.
Um sorriso brotou no rosto de Tom ao reverenciar o rei, então o monarca o saudou de volta… Com um abraço. Foi uma cena inédita que deixou todos surpresos, mas Fanes, mais uma vez, pareceu não dar importância a isso. Mesmo Miura, que deveria ter ficado irritado com a falta de modos de seu rei, não reagiu àquele ato. O capitão trocou palavras inaudíveis com Fanes, dando um sorriso lisonjeado antes de se retirar do altar.
Fuyuki, observando o monarca se aproximar do microfone, apertou os olhos. Ainda estava preocupada com Sora e Kanami. Porém, não devendo sair de seu posto ou falar mais do que o desejado, se remexeu no lugar, deslizando os olhos pelos arredores. Estava tudo vazio. Não parecia haver ninguém por perto.
A duquesa sabia que havia dito para eles aproveitarem a coroação, mas algo nas palavras de Sofia a incomodavam. Então, usando a ligação de chi entre eles, fechou os olhos para tentar sentir a presença dos irmãos através de suas armas. Nelas, haviam um selo com a marca de sua família — o desenho de um floco de neve. Ele não apenas indicava a que família um guardião pertencia, mas permitia que o mestre soubesse sua localização.
Porém, para sua surpresa, sua busca não trouxe qualquer retorno. Fuyuki não sentiu o chi de nenhum dos Akai ao redor, então abriu os olhos dando um suspiro.
Onde vocês estão?
Enquanto pensava em uma forma de lidar com sua crescente preocupação, Fuyuki tentou se concentrar nas palavras ditas por Fanes, sem notar que Shin a observava com um sorriso maldoso.
— E, mais uma vez, nosso Pequeno Sol nos agraciou com um belo dia! Estive ansioso me perguntando o que seria da coroação com a chuva de ontem, porém estou feliz que o andamento deste grande evento está perfeito como deveria ser — o monarca começou a falar, abrindo os braços. Suas roupas claras se moveram, balançando tecido — Tal como o cavalheiro Tom disse, somos muito abençoados com a oportunidade de presenciar a história sendo feita com nossos próprios olhos. Foram sete longos dias ininterruptos de festa, então imagino que estejam mais do que ansiosos para o que este dia nos aguarda.
Fanes abriu um sorriso gentil e assim falou olhando para a câmera. Era engraçado ver que ele havia conseguido lidar — ao menos um pouco — com seu medo através dos ensaios. Pelo menos, ele não estava mais hesitando ou gaguejando. Miura soltou um suspiro de alívio com isso.
— Quando me coroaram como rei provisório, uma parte de mim se perguntou se eu seria capaz de cumprir com uma obrigação tão importante. Depois de presenciar a queda do antigo monarca e o caos desencadeado por suas decisões inexplicáveis, decidi me dedicar ao máximo para garantir a todos o bem estar que Thaleia merecia.
O rei baixou o tom de voz, falando calmamente.
— Abri os braços para todos que precisavam de apoio. Assinamos um tratado de paz quando a Entidade corrompeu nosso mundo, deixando para trás apenas nosso país com remanescentes. Desejei garantir não apenas a segurança de todos imigrantes, mas também uma boa vida e convivência. Foi difícil, mas estou feliz que hoje, graças a presença desta corte — Fanes estendeu a mão na direção do grupo sentado — tudo se tornou possível. Afinal de contas, vocês que estão aqui e agora não são apenas o povo de Thaleia… São também a minha família. E eu amo a todos como um pai amaria seus filhos… Assim como eu amo meu filho, que neste dia receberá em suas mãos aquilo que merece. Como um verdadeiro rei e descendente da família Fiore.
Nas câmeras que focavam no rosto sorridente de Fanes, sua expressão de carinho foi transmitida. Aqueles que o assistiam não conseguiam não se comover com suas palavras. Alguns choravam escandalosamente, outros continham suas emoções brindando em bares. Haviam aqueles que estavam ansiosos para comemorarem novamente, e outros que lágrimas escorriam lentamente por seus rostos. Crianças brincavam correndo para lá e para cá nas ruas. Algumas delas, que estavam em becos, apenas assistiam o telão de algum local ao longe com uma expressão desgostosa e preocupada. Um grupo específico se assustou ao ver que um dos garotos, que levava consigo um filhote de cachorro, não estava mais lá.
Em um canto das ruas, onde pessoas assistiam ao discurso do rei, Eliza corria a passos velozes descendo uma avenida cheia. Ela quase tropeçou e caiu quando diminuiu o ritmo, sendo segurada nos ombros como uma boneca por Jaisen.
— … Ah! M-Muito obrigada! A-Ah… E-Eu estou… Sem… Ar…!
— Ô, ô, calma aí, menina! Vai acabar infartando!
Jaisen parou a garota e fez ar com as mãos, abanando-as na frente de seu rosto. Foi quase uma verdadeira ventania para a pequena garota, mas permitiu que a curandeira se estabilizasse.
— Minha nossa! Seu rosto tá todo destruído!
— … Ah… É?
— Num vai me dizê que passou a noite inteira acordada trabalhando?
Eliza ignorou o apontamento do homem e desviou os olhos que ardiam. Então, botou a mão na bolsa, sacando uma aliança.
— Aqui. Eu terminei seu pedido.
— … Valeu.
Jaisen pegou o acessório e o colocou na mão direita.
— Mas, se me permite a pergunta, senhor… Por que fez um pedido desses tão de repente?
— … Eu…
Enquanto os dois conversavam, outra dupla também estava atenta ao som do discurso. Enquanto Fanes falava, Luccas abraçou ainda mais Marie por trás. A menina estava em silêncio, de cabeça baixa, segurando o colar em seu pescoço com as duas mãos pequenas.
— … Hã?
— Finalmente nos encontramos — sorriu Luccas para Tom, que havia repentinamente os encontrado passando por um dos becos logo ao lado do palácio. A guarda real estava em um pátio, entretidos demais para notarem o que acontecia às escondidas.
— … Luccas, é você?
— Quem mais poderia ser, velho amigo? — deu um sorriso, sem se mover.
— E… Essa é…
— Sim, é ela.
O choque na voz de Tom foi abafado pelo do volume de uma televisão, e o discurso de Fanes continuou a repercutir.
Mesmo acima dos telhados aquela voz era ouvida. Mas Kanami, Sora e Amane, que se esgueirava separadamente por eles, os olhos vermelhos velozes deslizavam como luzes para os lados. Por vezes, as íris escarlates se encontravam, e mensagens silenciosas eram trocadas, sem qualquer necessidade de movimentação de seus rostos ou mãos.
A assassina mais velha, que tinha uma franja longa cobrindo um dos olhos, ativou seu Instinto Assassino quando um arrepio percorreu sua espinha. Os pelos se eriçaram e, quase que num instante, como se todos tivessem sentido o mesmo, Sora e Kanami estavam ao seu lado.
Fuyuki ainda estava com a mente perdida. Shin parecia nervoso na cadeira. Al-Hadid estava de braços cruzados, surpreendentemente em silêncio. Juan cruzou as pernas. Sofia apenas alargou o sorriso, inclinando a cabeça.
— Saudemos, agora, o futuro rei de Thaleia… O príncipe Edward Fiore!
Um estrondo de aplausos, assobios e gritos alcançou os ouvidos de todos. A comoção se espalhou de uma forma assustadora, e Edward, acompanhado de Ryota, se aproximaram a passos lentos. Como seu pai, o rapaz estava com uma pose perfeita, sorrindo graciosamente para as câmeras. Sua longa capa vermelha se arrastava logo atrás de seus passos.
Fanes trocou olhares com o filho e o abraçou. A cena provocou ainda mais barulho, com confetes estourando e balões sobrevoando os céus. O foco de todos agora eram direcionados ao príncipe de olhos violeta, que inspirou fundo antes de se prostrar de frente para o microfone. O altar era alto o bastante para que pudesse ver todas as pessoas agrupadas, lá embaixo. Ryota se posicionou ao lado de Miura, em silêncio.
— O que foi? — sussurrou ela, ao percebê-lo virar o rosto para o horizonte.
— … Tem algo errado — os olhos do assassino brilhavam ao ativarem a habilidade especial.
Ryota torceu o rosto e olhou para as costas de Edward.
O príncipe assistiu quando o microfone foi retirado por alguns guardas e a mesa que o segurava se abaixou de forma que as pessoas e câmeras pudessem ver todo o seu corpo. Fanes subiu ao seu lado, olhando para trás quando um casal de coroinhas se ajoelhou, estendendo uma única almofada vermelha com dourado. Pousada nela, havia uma bela coroa dourada adornada em jóias. Não era a mesma usada por Fanes — o modelo era maior e muito mais pesado, claramente feito exclusivamente para um verdadeiro rei.
Fanes sorriu para o casal de crianças que vestiam um traje cerimonial e pegou a coroa, virando-se para o filho. Edward apertou os olhos e ajoelhou-se com uma das pernas, abaixando a cabeça. O coração de todos disparou, parando na garganta.
Fanes, então, estendeu a peça na direção dos cabelos do príncipe.
Foi quando a terra tremeu e gritos soaram.
Na cidade, o chão onde as pessoas estavam rasgou-se brutalmente com um estrondo. A terra balançou e alguns caíram, perdendo o equilíbrio. A coroa na mão do rei tombou e caiu, rolando para longe. Vozes abafadas e desesperadas começaram a surgir quando um grande caos se iniciou.