Volume 6 – Arco 3
Capítulo 66: Preocupações
— É um pouco estranho, não é?
— O quê?
— Estarmos apenas em três, agora.
Eliza sorriu timidamente ao comentário que fez e viu seus companheiros refletirem a respeito. Os guardiões estavam reunidos na noite de véspera da coroação no quarto de sua mestre. O clima estava agradável, pois a chuva da tarde deu espaço para que um frio sorrateiro se esgueirasse até o palácio. O céu ainda estava fechado com nuvens, porém, lentamente, eles se abririam para dar espaço para a chegada do novo dia. Eram passados das onze da noite quando começaram a conversar.
— Sinto que é um pouco nostálgico — falou Kanami, baixinho.
— E bem mais agradável — continuou Sora, cruzando os braços com um sorriso que deixou Eliza chocada.
— Eu gostava da companhia do Zero. Ele era sempre tão confiável e gentil.
— Ao contrário de certas pessoas — olhou Kanami para o irmão, repentinamente o censurando por suas atitudes e palavras.
Percebendo que as duas estavam ao lado do rapaz que sequer estava presente, o assassino revirou os olhos.
— Com certeza, Zero foi um bom guardião — de repente, a voz de Fuyuki interrompeu a conversa, saindo do provador com um vestido casual para dormir. Era longo e verde, alcançando seus pés. Seus cabelos foram trançados e caiam sobre os ombros — Sinto muito por chamá-los quando deveriam estar descansando, mas gostaria apenas de lhes dar uma palavrinha.
Os guardiões olharam atentamente para sua mestre, aguardando que continuasse.
— Como sabem, estarei participando da coroação ao lado de meus companheiros da corte, assim como na cerimônia de abertura. Entretanto, não precisam permanecer ao meu lado. Gostaria que aproveitam o último dia como desejassem. Especialmente você, Eliza.
Ao ser mencionada, a curandeira ergueu os ombros.
— E-Eu?
— Ao contrário daquela cabeça oca, a madame Eliza não esconde a fadiga — apontou Sora, erguendo uma das mãos.
Kanami, então, tocou na área abaixo dos olhos para Eliza, explicando silenciosamente que era possível ver as marcas de exaustão. De fato, haviam linhas pretas relativamente visíveis em seu rosto, resultado da falta de sono e descanso. A curandeira sentiu o rosto aquecer-se e abaixou as íris douradas.
— Estou ciente de que está bastante atarefada ultimamente, e depois do ocorrido na Fortaleza, não consegui deixar de notar que está se esforçando em demasia. Gostaria que tirasse o dia de amanhã para celebrar a coroação, está bem?
— S-Sim, senhorita.
Apesar de vê-la daquela forma, a duquesa estava ciente de que Eliza não pararia de trabalhar naquela noite. Portanto, soltou um suspiro.
— Estão dispensados.
Fuyuki encerrou a conversa e, como imaginava, Eliza prontamente se colocou de pé.
— Então, com sua licença…
— Não fique acordada até muito tarde — alertou a duquesa, fazendo a curandeira sorrir constrangida ao sair do cômodo — Eu admiro esse lado dela, mas estou preocupada com o que pode acontecer se esse seu ritmo não diminuir.
Fuyuki sentou-se em sua poltrona e assim falou em voz alta para a dupla que havia permanecido onde estava.
— A senhorita não deveria lhe dar uma folga? — sugeriu Kanami.
— Ainda que eu fizesse isso, tenho certeza de que Eliza continuaria a trabalhar sem o meu consentimento. Ela é esse tipo de pessoa. Quando a coroação terminar, precisarei conversar seriamente com ela sobre o assunto.
Com uma dose de preocupação, a moça de cabelos brancos cruzou os braços e encostou as costas contra a poltrona. Ainda que uma expressão séria estivesse em seu rosto, era perceptível que seu grande coração falava mais alto do que qualquer outra coisa. Vendo isso, Kanami, a mais sentimental entre os gêmeos, abriu um sorriso delicado.
— Então, com sua licença, eu e minha irmã vamos nos retirar — disse Sora, descruzando os braços.
— Certo. Tenham uma boa noite.
Fuyuki assentiu com a cabeça para dupla e os viu sair de seu quarto silenciosamente como gatos. Então, continuou a relaxar por alguns minutos no silêncio antes que finalmente sentisse sono.
***
Nos corredores vazios que eram iluminados pela luz agradável das lamparinas foscas, Sora sentou-se contra o parapeito de uma varanda, apoiando o braço sobre o joelho dobrado. Seus olhos vermelhos deslizaram para o cenário da noite, agora acostumados com a escuridão e o silêncio. Era exatamente o ambiente ideal para ele relaxar.
— … O que foi?
— Preciso falar com você.
Porém, Kanami, que permaneceu parada ao seu lado, não o permitiu manter-se daquela forma por tanto tempo. A assassina repentinamente falou com uma tonalidade séria e forte, fazendo-o ficar levemente surpreso. Ele abaixou as sobrancelhas, apertando os olhos na direção dela. As íris de ambos não possuiam qualquer brilho de emoção, porém, ainda assim, ele conseguia sentir que algo havia mudado.
Desde o mês passado, em que enfrentaram a Entidade e conheceram Ryota, cada um deles mudou um pouco. Zero finalmente ganhou coragem, Eliza começou a se dedicar mais do que nunca em seus trabalhos, Fuyuki enfrentou seu passado e agora buscava melhorar como pessoa a cada dia. Sora e Kanami foram impactados de alguma forma também. Para o gêmeo, ele não havia mudado nada em especial. Mas sua irmã era perceptível a diferença. Afinal, agora ela não mais tinha medo ou vergonha de iniciar conversar com os outros, e parecia mais à vontade com o grupo. Dava pequenos sorrisos aqui e ali, falava sobre o que lentamente estava lendo — geralmente recomendações de Ryota — e demonstrava mais os seus sentimentos.
Kanami sempre foi muito mais sensível do que ele para coisas casuais como aquela, ao qual Sora jamais se deu ao trabalho de tentar entender ou se envolver. Porém, como irmão, também nunca a julgaria por ter mudado seus costumes de forma que a deixasse mais feliz. Para ele, o importante era que a gêmea estivesse bem e saudável. Não havia nada mais precioso.
Por isso, quando ela repentinamente o chamou para conversar com aquela expressão, ele sabia que uma discussão difícil começaria.
— Ainda está irritada comigo por ter tentado te manter na mansão no começo da semana?
— Um pouco.
Sora bufou.
— Não tivemos tempo para conversar adequadamente sobre isso, irmão — Kanami se aproximou um pouco — E eu não quero mais guardar isso para mim.
— Guardar o quê?
— … Essa frustração.
Os olhos do assassino se arregalaram um pouco ao ver que a garota ao lado havia apertado os olhos, lutando contra algumas lágrimas. Foi chocante o bastante para fazer seu corpo paralisar, sem saber como reagir. Mas antes que pudesse fazer algo a respeito, Kanami rapidamente piscou para conter as emoções.
— Você lembra do que me disse, não é?
Sora se calou, desviando os olhos dela.
— Você disse que eu deveria ter ficado na mansão e não me envolver com a coroação porque seria perigoso para mim. Mas eu sei, Sora… Eu sei que você acha que está tentando me proteger da nossa família. Mas me magoa quando me exclui desse jeito. Eu… Odeio quando tenta fazer as coisas sozinho.
Apesar das palavras que foram desferidas como lâminas, o coração do gêmeo não pareceu se abalar. Sora permaneceu quieto, os olhos no ambiente externo. Uma brisa fria acariciou seus rostos.
— Eu sei que ainda sou inexperiente e um pouco… Sensível. E que isso provavelmente te irrita — continuou ela, quase aos sussurros — Mas eu me recuso a continuar fugindo das minhas obrigações como uma Akai.
— E você pensou em fazer isso depois de enfrentar o Miura? — perguntou Sora, finalmente, também baixo. Não havia qualquer emoção em suas palavras.
Kanami apertou o olhar.
— … Sim.
— Como falei antes, você não deve se envolver com eles.
— Mas-
— Não importa o que façamos, nunca seremos bons o bastante! Você não entende?!
Sora ergueu o tom de voz e ergueu os olhos que brilhavam. Kanami não se assustou ou reagiu a essa explosão, mas reparou quando o irmão se encolheu ao ter se deixado levar.
— … Não. Não importa o quanto eu me esforce, nunca serei boa o bastante — concluiu Kanami, baixinho, contendo as lágrimas novamente — Mas eu não me importo.
Então, de repente, a gêmea se aproximou e segurou o rosto do irmão, erguendo-o de forma que pudessem se olhar. Nesse segundo, Sora percebeu que não conseguiria mais rejeitar sua determinação. Não importava o quanto evitasse olhar ou ignorasse, as mudanças no coração de Kanami continuariam a acontecer. E, agora, as íris que antes eram frias e afiadas como uma lâminas brilhavam como estrelas.
— Sabe, quando a mestre me enviou para a missão de resgate nas celas, eu enfrentei nosso pai — Sora fechou a expressão — Eu sabia que não era capaz de derrotá-lo… Mas essa experiência me permitiu conhecer novas pessoas. E você viu o quão fortes são aqueles que lutam por quem amam, não é? Você sabe disso mais do que eu.
Kanami apertou um pouco mais as mãos que seguravam o rosto de Sora, como que esperando uma reação.
— Graças a essa missão, eu descobri que posso ser capaz de ajudar os outros se quiser. Posso ser capaz de inspirar alguém. Graças à mestre, eu entendi que minhas habilidades podem ser usadas para proteger, e não apenas para tirar vidas. Graças à Ryota, eu entendi que havia muito mais no mundo do que apenas aquilo que nossos pais e avós nos ensinaram em casa. Eu aprendi que existem pessoas que lêem por prazer, que a comida é mais saborosa quando apreciada com aqueles que criamos laços… E que está tudo bem sorrir de vez em quando.
Os dedos calejados de Kanami acariciaram a pele do rosto de Sora. As lágrimas escorreram pelo rosto dela, pingando nas bochechas dele. A assassina abriu um sorriso trêmulo.
— E eu aprendi e me inspirei em você para ficar mais forte. E, agora, assim como você sempre me protegeu, eu quero te proteger. Não me importo com tradições, nem com a nossa família… Eu só quero ser capaz de viver ao seu lado, meu irmão.
Kanami derramou lágrimas e lutou contra os soluços, chorando em silêncio. A noite silenciosa foi preenchida pelos sons da garota que tentava engolir os próprios sentimentos, mas se esforçava para transmiti-los ao gêmeo mais velho. Ele, em resposta a essa demonstração de afeto, apertou os lábios e segurou o rosto da irmã, limpando seu rosto molhado.
Suas sobrancelhas se torceram.
— Eu sinto muito por tê-la magoado.
— Uhum — murmurou ela, fungando.
— Muito obrigado por se importar tanto comigo.
— Seu bobo — ela riu, mostrando os dentes bonitos — Eu sou sua irmã, é claro que me importaria com você.
Dessa vez, foi Sora quem abriu um sorriso discreto ao se colocar pé para abraçá-la, enterrando seu rosto contra seu peito. Os dois permaneceram naquela posição por alguns minutos antes que seus corações, que batiam rápido, diminuíssem de ritmo. As marcas de choro ainda estavam nos olhos da gêmea, mas o rosto havia sido limpo o bastante para se tornar apresentável.
Para espairecer a mente, os irmãos voltaram a andar pelos corredores vazios, apreciando o silêncio e o frio da noite… Quando se encontraram com uma dupla inesperada.
— Estão atrasados — ameaçou Miura, afiando o olhar para os irmãos.
Ao seu lado, encostada contra a parede, estava Amane, a guardiã de Sofia. Ela deslizou seu único olho na direção da dupla, mas não os cumprimentou ou reagiu à sua aproximação. Sora e Kanami, que agora voltaram às suas expressões frias casuais, apenas piscaram para os dois.
— O avô está em seu quarto? — perguntou Sora, tomando a dianteira da conversa ao ver que Miura analisava o rosto da irmã. Porém, Kanami não recuou ou abaixou o queixo.
— Sim, estávamos apenas esperando por vocês para iniciar a reunião.
Os irmãos apenas assentiram com a cabeça e, então, ao verem seu pai abrir a porta, conduzindo-os cômodo adentro, apenas seguiram o fluxo com Miura e Amane logo atrás. A porta se fechou e novamente o silêncio conduziu-se nos corredores do palácio.
***
A noite e a madrugada passaram tão rapidamente que quando Ryota acordou, podia jurar que havia apenas fechado os olhos antes que a luz do sol entrasse através das cortinas. Ela foi acordada logo cedo pela manhã com algumas empregadas lhe batendo na porta, pedindo permissão para arrumarem os cômodos e deixarem tudo impecável. Elas limparam e arrumaram a cama enquanto a garota tomava banho e tomava café em seu quarto. Foi um horário confortável o bastante para que comesse e descansasse um pouco antes que pudesse começar a se vestir sem pressa, porém, com um nervosismo êxtasiante percorrendo suas veias.
Ryota, mais uma vez, deixou as mulheres lhe ajudarem a se vestir. Ainda era desconfortável, porém, não mais tão estranho quanto na primeira vez. Trajaram-na com um vestido de gola alta e mangas compridas branco com detalhes dourados. Botas da mesma cor foram vestidas. Dessa vez, seus cabelos se mantiveram soltos e não foram mexidos, além de passarem por uma boa escova.
Era estranho usar roupas tão claras, mas ela não podia dizer nada. Afinal, era um traje cerimonial. Por isso, quando terminou de se vestir e viu as moças saírem, Ryota deslizou o olhar para a pessoa que bateu em sua porta, dando um passo à frente. O homem trajava uma roupa cerimonial idêntica à sua, com exceção de que não era um vestido, mas algo bastante semelhante a um terno.
Branco e amarelo definitivamente não combinavam nem um pouco com Miura.
— Bom dia — cumprimentou a garota, dando um sorriso.
Ryota decidiu que continuaria portando a máscara de boa pessoa e guardiã a ele, não importava o quanto tentasse quebrar seu espírito ou força de vontade. Mas, ao contrário do que esperava, o homem apenas a cumprimentou de volta, quebrando o contato visual.
— Bom dia.
— Não estou atrasada, não é?
— Estamos adiantados o bastante.
Miura respondeu dando de ombros, os olhos vermelhos sempre frios e ilegíveis. Como Ryota estava pronta, não havia razão para continuarem enrolando, então ela apenas o acompanhou para o corredor e seguiram andando lado a lado. Os passos soavam altos, mas não ao ponto de parecer que estavam sozinhos. Assim como ontem, pessoas corriam ansiosas de um lado para o outro, conferindo os preparativos. Era possível ouvir uma música ambiente vindo de algum lugar, indicando que possivelmente o palco para toda a cena estava preparado ou prestes a estar.
— Eu odeio como essas roupas são desconfortáveis — reclamou a garota, de repente, fazendo careta — É terrível pra me mexer.
Ryota estava acostumada a trajar roupas leves e casuais, então mesmo vestidos e saias podiam soar estranhas. Combinado ao tecido puramente feito para ser bonito e não fácil de portar, era simplesmente estar coberta por algo pinicante e que a fazia querer rasgá-lo com os dentes.
— Aguente um pouco. A cerimônia durará apenas uma hora.
— Uma hora inteira com essa roupa é o bastante para eu querer sair correndo.
Miura não riu de suas piadinhas, mas Ryota não esperava algo diferente. Ao contrário de Sora, o guardião jamais seria convenientemente simpático com ela se não fosse à força. No começo, talvez ela tivesse se esforçado para ser legal, mas agora as máscaras estavam sempre tão bem trajadas que era difícil dizer se estava sendo apenas sincera com ele ou fingindo muito bem. O mesmo poderia ser dito de Miura, que estava estranhamente afastado — o que era bom, pois Ryota desejava ao máximo evitar contato com ele.
— Mas afinal de contas, poderemos ver Ed-... Digo, poderemos ver Sua Alteza antes da cerimônia começar?
— Apenas para acompanhá-lo ao pódio.
— Hm.
Ryota soltou um resmungo. Ela não estava particularmente nervosa, uma vez que seu trabalho deveria ser apenas andar e permanecer parada o tempo todo. Porém, estava preocupada com o estado de Edward. Ainda que ele tivesse dito no dia anterior que perdeu um pouco da ansiedade pelo evento, uma parte dela sentia que deveria estar ao lado dele para apoiá-lo.
Possivelmente por ser a única a conhecer o seu lado mais sensível, ou porque estavam diretamente conectados pelo voto, um formigamento se espalhava por suas mãos e pernas, ameaçando amolecê-las. O suor parecia fazer querer coçar sua pele ainda mais com aquela roupa, e Ryota se viu passando as unhas nervosamente pelo pescoço, especialmente acima da marca oculta pela gola e cabelos.
— Senhor Miura! — de repente, um guarda se aproximou fazendo reverência — Senhora Ryota!
— O que houve?
— Sinto muito, mas é que Sua Alteza deseja encontrar-se com a sua guardiã imediatamente.
Um arrepio de alívio percorreu seu corpo, e Ryota abriu um sorriso naturalmente. Ela assentiu para os dois.
— Bem, estou indo. Obrigada por me avisar, retorno assim que possível.
Então, sem se importar se Miura diria algo ou não, a garota disparou correndo — ou quase isso — na direção das escadas para o andar em que o quarto de Edward estava. Porém, o esforço foi demais ao ponto de se cansar. Então, quando bateu na porta e ela foi aberta imediatamente de dentro para fora, Ryota estava arfando como se tivesse corrido uma maratona.
— Me desculpa! É que essa roupa é simplesmente terrível! Que porcaria! Não estamos no verão, mas esse treco pinica horrores! Aaaaaah!
Ryota entrou no cômodo simplesmente reclamando alto com o príncipe, que a havia recebido com uma expressão de confusão. E foi só então que, quando ela se virou para ele ainda fazendo birra, reparou que o rapaz também estava trajado com uma roupa cerimonial. Ao contrário da dos guardiões, que era branca com detalhes dourados, a vestimenta do príncipe invertia os tons e dava destaque especialmente para a capa vermelha que cobria seus ombros e ia até o chão.
— Nossa, mas você tá ainda pior do que eu.
— Essa é sua forma de me elogiar? — brincou Edward de volta ao perceber que ela estava mais preocupada com o peso da capa do que com a beleza do conjunto em si.
— Mais ou menos. Mas, até que você fica bem de vermelho.
Ryota sorriu e inclinou a cabeça, cruzando os braços.
— Obrigado. E… Eu precisava conversar com você pois ainda não descobrimos o paradeiro de Albert. Esse problema se estendeu por tempo demais.
— Sim, eu sei. Temos que encontrá-lo antes que as coisas piorem.
— Espere um segundo… Você também tem sentido isso?
Edward arregalou os olhos violeta e apontou para ela quando a garota esfregou a mão contra o pescoço, especificamente do lado esquerdo. Ryota, então, congelou no lugar, parando o movimento.
— Eu achei que era só uma coceira por conta da roupa…
— Não, eu também comecei a sentir isso logo de manhã, mas… Agora parece que está piorando.
O príncipe imitou seu movimento e também tocou seu próprio pescoço, porém, com uma expressão de dor.
— Espera, não me diga que-
— Estou sentindo um calor muito forte nessa região, quase como lentamente estivesse me queimando.
— O quê?! Mas… Mas eu não estou sentindo nada tão forte. Por que só você…?
Ryota se aproximou assustada ao ver que ele não parecia muito bem, então o incentivou a se sentar em uma poltrona próxima. A garota afastou seus cabelos dourados e a gola da roupa para analisar a marca do voto. Seus olhos azuis se arregalaram ao perceber que o símbolo em formato de um trevo de quatro folhas estava vermelho, como se a pele estivesse irritada.
— Você andou se coçando, também?
— Não, apenas toquei de vez em quando para sentir a temperatura, mas está piorando… Mas não precisa se preocupar, conseguirei seguir com a cerimônia de coroação como ensaiamos.
Edward deu um sorriso confortável para a garota que repentinamente sentiu um suor frio escorrer pelas costas. Era uma expressão que demonstrava tranquilidade, mas ela sabia que seria um grande problema se aquilo continuasse.
— Eu acho… Que é culpa minha. Eu não conversei do jeito certo com o vovô, e agora você tá recebendo a punição por não ter cumprido com sua parte do trato, não é? É por isso que só estou sentindo um calor suave agora? Ai, minha nossa. O que a gente faz? E o Albert ainda tá desaparecido… Não toca na marca! Ela tá toda vermelha, e eu acho que quanto mais tempo passar, mais vai piorar… Espera um segundo. Aqui tem pomada ou algo que eu possa passar pra te ajudar?
Empalidecida, Ryota rapidamente disparou pelo quarto em busca de algo que pudesse atrasar o efeito que machucava Edward. Não demorou muito para que ela encontrasse o que procurava e retornasse às pressas até ele, passando desastradamente a pomada gelada contra o pescoço do rapaz.
— Aqui. Isso deve ajudar, um pouco. Hã… Ah… O que eu faço agora?
— Fique calma.
— Como posso ficar calma com você passando mal por minha culpa?! — exclamou ela de repente, tremendo as mãos — Ok, ok. Eu preciso pensar. A cerimônia vai começar em pouco menos de uma hora. Não dá tempo de eu ir atrás do Albert. Droga, droga, droga. O que eu faço? O que eu faço, o que eu faço?
Ryota começou a sussurrar e falar sozinha, repentinamente muito nervosa. Aquele foi um cenário diferente do que o príncipe estava acostumado a ver, pois a garota jamais demonstrou tamanha preocupação antes. Normalmente, ela guardaria tudo para si e permitiria se manter calma. Porém, como foi um erro dela e outra pessoa passou por algo ruim, Ryota automaticamente entrou em choque e começou a lutar consigo mesma, tentando pensar em uma solução rápida. O medo, a angústia e, principalmente, a culpa pressionaram sua mente e coração ao ponto de fazê-la perder completamente a compostura.
— Ei, se acalme. Eu estou bem, viu? — Edward parou a garota que andava de um lado para o outro e a segurou — A pomada ajudou, obrigado. Agora, preciso que respire fundo e não se estresse por isso. Posso lidar com uma dor dessas por uma hora. E tenho certeza de que o Albert aparecerá para a coroação.
— Como pode ter tanta certeza?
— Ele precisa aparecer.
Era uma resposta bastante especulativa, e por isso Ryota imediatamente voltou a ficar nervosa. Porém, o príncipe continuou a segurá-la firmemente no lugar.
— Veja, apenas eu precisarei lidar com um pouco mais de dor. Porém, você também vai sentir lentamente os efeitos do voto. Até o fim do dia, encontraremos Albert e daremos um jeito nisso, está bem? Por enquanto, vamos nos concentrar no que é mais importante.
— … Mas você também é importante, Edward. Eu não posso só deixar você passar por isso por minha culpa. Eu não…
— Vai ficar tudo bem. Daremos um jeito nessa situação.
Depois de afirmar mais uma vez e sorrir, Ryota engoliu as palavras de rejeição. Seu corpo parou de tremer, mas sua expressão deixava claro que ainda se preocuparia com ele.
— … Beleza. Estou calma.
— Jura que não sairá correndo por aí?
— … Juro.
Ryota fez uma expressão engraçada que fez o rapaz rir, e ele a soltou. Então, o príncipe ficou sério novamente, se colocando de pé.
— Por enquanto, vamos seguir como ensaiamos.
Nesse instante, duas batidas na porta soaram e os guardas que estavam do lado de fora colocaram a cabeça para dentro do cômodo.
— Alteza, está na hora.
— Obrigado, estamos indo — e estendeu o braço curvado na direção dela — Vamos?
Ryota passou um segundo analisando-o, contendo o nervosismo dentro de si. Então, engoliu em seco aquelas emoções conflitantes e resolveu fazer como ele pediu. Seu braço foi até o dele e se cruzaram, permitindo que andassem lado a lado para fora do quarto e, posteriormente, rumaram na direção de onde ocorreria o grande evento.