Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 6 – Arco 3

Capítulo 65: Véspera da Coroação

Desde a invasão na Fortaleza, Eliza sentiu os dias passarem como loucos. Ela estava constantemente ocupada com alguma tarefa importante, e mal teve tempo para trabalhar em seus próprios projetos — principalmente naquele que envolvia diretamente sua mestre. Ficou um pouco abalada por não poder colocar suas pesquisas com Gê em dia, porém, Fuyuki não pareceu incomodada com isso e apenas pediu para que ela desse seu melhor no trabalho.

Naquele dia, na véspera da coroação, todos pareciam ansiosos. O palácio estava uma loucura, assim como a cidade, mas o nervosismo da guarda real desde o ocorrido de alguns dias atrás não deixou menos difícil de lidar o fato de que Tom e os demais foram incapazes de impedir a morte de tantas pessoas e o roubo de uma relíquia valiosa.

Analisando mais cuidadosamente, não havia nada que eles pudessem ter feito. Eles eram fracos demais comparados ao poder de uma Autoridade, e Lysa, aquela mulher mascarada, estava preparada para tudo o que haviam armado. Por isso, a responsabilidade que pesava nos ombros da curandeira ainda podia relaxar um pouco, mas não o bastante para que a impedisse de querer se dedicar quatro vezes mais em seu trabalho que o comum. Ainda que marcas negras manchassem a parte inferior dos olhos, a garota não parou de andar para lá e pra cá.

A Fortaleza foi reconstruída, porém, o orgulho ferido do capitão e seus homens não. Eles pareciam ansiosos com o que poderia acontecer dali pra frente, se havia a chance de algo maior estar sendo preparado para a coroação, quando tantas mais pessoas estariam envolvidas. E se eles não fossem capazes de protegê-los? E se tentassem invadir o local novamente? O que poderiam fazer para mudar a situação?

Eliza estava presente, firmando como louca a segurança do local. Dedicou grande parte de seu tempo a reforçar seu serviço que fora destruído tempos atrás e se concentrou ao máximo, de forma que pudesse inspirar aqueles ao seu redor para fazerem o mesmo. Ao invés de pensar nos “e se”, Eliza era do tipo que colocaria ainda mais dedicação na próxima vez — embora seu peito ainda pesasse com a culpa, ela nada poderia fazer a respeito disso a não ser se esforçar cada vez mais.

Estando trabalhando sozinha, foi uma surpresa quando uma mão grande e forte a tocou timidamente no ombro, a trazendo de volta para o mundo real. Ao virar-se, enxugando a testa suada e contorcendo os dedos das mãos formigando, a moça soltou um som de surpresa ao ver quem estava ali. Era um homem alto e de corpo musculoso. A pele negra reluzia com a luz do sol, principalmente por sua careca que chamava tanta atenção. Numa das mãos, uma grande espada era apoiada contra o ombro, dando-lhe uma postura e aura imponente.

Devido a diferença de altura, a menina olhou tanto para cima que sentiu estar encarando um prédio ao invés de uma pessoa.

— S-Senhor Jaisen?!

— Oh, bom dia, mocinha — cumprimentou ele, a voz grave e baixa — Te procurei por essas bandas um tempão, e só agora te achei.

— O que está fazendo aqui? D-Digo, estou certa de que ainda não está completamente recuperado de seu tratamento!

Eliza bateu o pé para a presença do homem e o censurou, ao que Jaisen encolheu os ombros com um suspiro.

— Pois é, mas tinha uma coisa importante pra fazê. E, isso me lembra… Eu quero te pedir algo.

— Me pedir?

— Ouvi falar que foi tu quem transformou as armas daqueles guardiões da duquesa em acessórios, né? Ou o contrário? Sei lá. Eu quero que faça o mesmo com a minha espada.

Jaisen falou e abaixou a arma na altura de seus olhos, apoiando a ponta da lâmina no chão. Ela era praticamente da altura de Eliza, que se assustou ao perceber que, além de grande, deveria ser realmente pesada de carregar.

— Ah, sim. É claro que posso fazer isso, mas… — ela apertou os olhos na direção dele, parecendo preocupada. Então, reparando nesse ato, Jaisen ergueu uma das palmas no ar, como que fazendo um gesto de rendição.

— Não se preocupa, tá? Eu vou me acertar com a Ryo depois. Por enquanto, preciso que faça esse favor pra mim, mocinha. Por favor.

Vendo-o abaixar a cabeça, Eliza soltou um suspiro nervoso. 

— Hmmmm… Certo, certo! Eu faço! Mas o acessório precisa ser algo simples de ser carregado ou algo que usa com frequência… Ah, que tal a sua aliança?

Eliza desceu os olhos para as mãos do homem e apontou para o que rodeava um de seus dedos. Jaisen, então, enrijeceu o corpo antes de olhar para o anel, em silêncio.

— … Pode ser.

— Certo! — Eliza, mesmo notando sua reação estranha, não quis insistir no assunto e logo apressou-se para mudar de assunto — Aqui, me acompanhe, por favor.

***

— O que quer falar sobre o vovô? Zero, não fica em silêncio desse jeito, me deixa preocupada.

Ryota arqueou as sobrancelhas ao ver o rapaz desviar o olhar, parecendo hesitar. 

— Sinto muito. Podemos falar em um lugar mais isolado?

— Claro.

A dupla caminhou silenciosamente para uma ala mais vazia, passando por empregados e pessoas que andavam de lá para cá loucamente. Eles se aproximaram de uma varanda, onde poderiam conversar sem chamarem a atenção. O pouco de frio que fazia era bastante agradável, mas o tom escuro do céu parecia esconder alguma coisa. Quase como se fosse um prenúncio de algo que viria a acontecer.

— E então? O que foi? — Ryota insistiu, ansiosa, cruzando os braços para se aquecer — É algo ainda pior do que o desaparecimento dele?

— Você não está preocupada com ele?

— Não é isso… É só que… — dessa vez, foi ela quem desviou o olhar, voltando-se para o jardim. Inspirou e expirou fundo — … Eu não consegui explicar as coisas direito pra você antes, me desculpa. 

Ela apertou os olhos, relembrando da noite do baile, quando se desesperou ao ponto de desejar desistir de tudo. Isso a fez apertar os dedos nos braços.

— Está tudo bem, eu sei que não deve ter sido fácil.

— … Acontece que, no baile, eu conversei com o Albert. Eu menti para o Edward, dizendo que tinha conseguido chegar a um acordo com meu avô depois de falarmos, mas… Foi como você e o tio Jaisen disseram. Talvez tenha sido um erro.

Zero observou a garota murchar a expressão, parecendo ficar pálida como a neve. Isso o fez arquear as sobrancelhas em preocupação, também, recordando-se do quanto aquilo a havia afetado. Isso, é claro, unido ao combo de emoções e coisas que precisou passar antes que pudesse finalmente ter coragem de vê-lo. O rapaz inspirou fundo, contendo as mesmas sensações fortes que ameaçavam imergir.

— Então, você se arrependeu de ter vindo até aqui?

Foi uma pergunta baixa, quase sussurrada. Após um instante de pensamento, enquanto uma brisa fria e suave balançavam seus cabelos, a garota ergueu os olhos azuis que estavam levemente nublados:

— Não. Na verdade, isso só me fez querer entendê-lo ainda mais.

Zero fez uma careta.

— O quê? Mas, ele não-

— Não conversei com ele diretamente, como Ryota. Ele não me reconheceu no baile. Mas, mesmo quando perguntei algumas coisas e ouvi suas respostas, algo dentro de mim continuou a me incomodar. Eu sinto que posso arrancar a verdade dele se insistir um pouco mais.

Apesar da resposta ser um pouco fraca e mais esperançosa do que certeira, Zero não poderia negar seus sentimentos ou palavras. Afinal, passou pelo mesmo ao tentar dialogar com ele há pouco tempo atrás.

— Eu ouvi a conversa dele com o tio Jaisen, ontem — explicou ela, para a surpresa do rapaz — O tio ficou muito, muito bravo com ele, mas o vovô não reagiu a nada do que ouviu. Não consegui escutar tudo o que conversaram, mas ficou claro para mim que, se ele foi capaz de mudar a mente do vovô, talvez eu consiga…

Ryota sabia que, mais uma vez, estava se prendendo a esperanças vazias, sem qualquer base. Porém, ela não podia deixar de orar para que as pontadas como agulhas em sua mente fossem frutos de algo verdadeiro. Albert podia esconder suas expressões e falar na natalidade que quisesse, mas ainda era humano e tinha sentimentos guardados em seu coração. Se fosse capaz de extrair isso dele…

— Pretende conversar com ele de novo, então?

— Sim. Mas, dessa vez, eu não vou fugir ou me esconder — Ryota o encarou, sustentando o olhar — Quero saber da verdade, e nada mais.

Vendo-a daquele jeito, o rapaz apertou os olhos com melancolia. 

— E se ele te rejeitar de novo?

— … Nessa hora, eu vou ter que aceitar a verdade. Vai ser difícil, mas tudo o que eu quero é ouvir da boca dele se esses sentimentos são reais ou não. Não importa pra mim se ele quer ou não explicar, vou fazê-lo ouvir nem que seja apelando!

— Apelando? Para o quê?

— Eu sei do que ele gosta de comer! Vou oferecer comida!

— … Você sabe que está falando com um homem da nobreza, e não uma criança, certo?

— Ninguém resiste ao seu prato favorito ofertado de graça, não é?

Zero riu em voz alta da expressão certeira dela, como se tivesse toda a certeza do mundo que aquele plano funcionaria. Ele sentiu falta daquele seu lado. Então, enquanto continha as lágrimas que queriam transbordar de tanto gargalhar, falou:

— Aaaah, certo. Está bem. Se é o que quer fazer, vou torcer por você.

— Eu sabia que me entenderia! Não é à toa que você é meu melhor amigo.

Ryota bateu orgulhosamente no ombro dele, rindo com o nariz. Quando se aproximou dessa forma, balançando o corpo, os cabelos dela balançaram de forma que seu pescoço ficou um pouco à mostra. As íris prateadas dele deslizaram para o lado esquerdo de seu pescoço, e uma de suas mãos o tocou, erguendo os fios negros para cima.

— Ai! Sua mão tá gelada! — exclamou ela, sem entender o que ele estava fazendo.

— … Então é isso.

— Hã? Ah.

Demorou um segundo para Ryota se lembrar, e, então, perder o brilho de sua risada, engolindo em seco. Zero observou a marca do voto, o selo dos Fiore — um trevo de quatro folhas —, cravado em sua pele. Seus olhos se encontraram com os da garota, que aguardava nervosa por algum comentário maldoso ou irritado. Porém, depois de um instante naquela posição, o rapaz apenas cobriu o pescoço de volta com os cabelos e afastou as mãos.

— … E então?

— O quê?

— Não vai dizer nada?

Ryota ficou um pouco surpresa com a falta de reação dele, como se não se importasse com o que acabou de ver. Como se a curiosidade de pouco tempo atrás tivesse sido saciada imediatamente ao olhar para o desenho.

— O que quer que eu diga? — Zero inclinou a cabeça, dando um sorriso travesso — Por acaso, esperava que eu ficasse com ciúmes do príncipe.

Bom, eu fiquei sim com ciúmes sua estúpida, feliz?

— N-Não! Não é isso, é só que… Ah, esqueça. 

Ryota se perdeu nas próprias palavras e se calou, corando um pouco com a falta de jeito. Cruzou os braços nervosa, e encolheu o pescoço entre os ombros. As orelhas e nariz estavam quentes, aumentando a temperatura de seu corpo repentinamente.

— … Eu tava esperando uma reação mais emocionante, sei lá — murmurou ela, finalmente.

— Eu conheço a marca de um voto quando vejo um.

— E como sabia que era com o Edward?

— Com quem mais seria?

Bem, ele tem um ponto.

— Hmm — ela resmungou, entredentes — Eu pensei que isso seria um problema, ou sei lá.

— Dependendo de com quem se faz um voto, de fato, é? Entretanto, não vejo malícia no príncipe, então está tudo bem.

Por enquanto.

Zero continha os pensamentos para si fazendo uma careta sarcástica que apenas deixava a garota cada vez mais sem graça.

— E, acima de tudo, eu confio em você, então sei que não faria nada sem uma boa razão. Ainda que tenha sido no impulso, sempre estarei aqui para apoiar você, entendeu?

Zero se aproximou da garota que olhava para o jardim e afastou o cabelos negros, colocando alguns fios atrás da orelha de forma que pudesse ver melhor sua face um pouco vermelha de frio e vergonha. Olhando para as íris prateadas dele, Ryota se sentiu ainda mais constrangida por alguma razão, com borboletas dançando em sua barriga. O rosto se aqueceu ainda mais e ela sentiu vontade de sair correndo, mas suas pernas haviam amolecido completamente ao ponto de não se moverem, não importava o quanto tentasse.

Os dois ficaram encarando um ao outro durante alguns bons minutos, como que estudando as emoções escondidas atrás das íris, presos em uma hipnose apenas deles. Por fim, de repente, Zero falou fazendo sair de sua boca uma fumacinha branca devido à baixa temperatura:

— Isso me lembra… Tem algo que eu gostaria de lhe dizer.

— Hm — ela resmungou, assentindo com a cabeça, nervosa demais para falar.

— Eu… Eu… Ah… — de repente, foi ele quem ficou sem graça, se afastando para colocar as mãos nos bolsos da roupa, as bochechas ganhando um tom rosado — Hmmm… Quer saber, acho que estou com fome. Está na hora do almoço, então que tal comermos juntos, hoje?

Zero rapidamente recuperou a compostura, suando internamente, enquanto fazia uma oferta tentadora. De fato, Ryota sentiu seu estômago roncar logo ao mencionar o horário, porém, percebeu que o rapaz havia desistido de falar o que queria. Isso a incomodou, porém, a garota não se sentiu confortável para perguntar o que era, então apenas acatou a sugestão dele e segurou a mão estendida para que fossem juntos até o salão.

***

Edward Fiore estava com sua mente longe durante os preparativos para a coroação. Ainda que parte do nervosismo tenha se esvaído, ele ainda estava determinado a mudar o relacionamento entre ele e seu pai. Por isso, quando Fanes foi visitá-lo em seu quarto, o príncipe se dispôs a cumprimentá-lo e também a Miura, embora um amargor subisse por sua garganta. Ambos pareceram ligeiramente surpresos, porém nada disseram, talvez pensando que fosse parte de sua animação para o grande dia.

Porém, ao invés de ganharem tempo para conversar, o rei apenas apareceu para lhe contar a respeito de um problema. Os empregados e estilistas saíram do quarto quando Fanes contou a respeito do desaparecimento de Albert, e Edward endureceu a expressão, se perguntando se era sobre isso que Zero desejava falar à sós com Ryota.

Por conta desse problema, Fanes e Miura estavam trabalhando como loucos também no palácio, e, logo após avisá-lo pessoalmente sobre esse caso, eles se foram tão rapidamente quanto entraram. No fim, ainda que Edward tivesse tentado, o tempo não lhes deu espaço o bastante para interagirem. Entretanto, o príncipe esperava ser capaz de fazer isso eventualmente.

Mas, antes de qualquer coisa, se concentraria em suas tarefas. A organização para a coroação era mais importante, assim como a busca por Albert. Uma longa tarde se passou, mas não importava o quanto todos tivessem se esforçado, não houve um único sinal de sua presença ou para onde poderia ter ido. Mesmo Sofia, que aparentemente foi a última a vê-lo, desconhecia seu paradeiro — ela não ficou em choque com seu sumiço ou preocupada, o que deixou os guardas chocados. Mas talvez fosse algo a se esperar de uma mulher como ela.

De toda forma, Edward percebeu que aquele dia seria muito, muito longo. E apenas considerar isso fazia sua nuca doer.

***

Ao contrário do que Ryota esperava quando se reuniu com todos da corte para o treinamento, Miura não se aproximou para provocá-la. Na realidade, parecia que sua atenção estava nela quase o tempo todo, mas a garota não se deu ao luxo de devolver olhares ou demonstrar qualquer reação. Quando tinha ciência de que o assassino usaria seus olhos e presença assassina para ameaçá-la, decidiu confrontar isso diretamente… Se fazendo de idiota e o ignorando.

Aquilo pareceu funcionar, pois Miura se aproximou dela na intenção de provocá-la. Ao invés da interação um pouco mais casual e “agradável” que tiveram antes, agora, o guardião parecia detestá-la mais do que tudo. Era esperado, depois do que ela precisou passar e fazer para impedir que Marie e Luccas fossem pegos. E, considerando o quão incapaz ele deveria estar se sentindo por ter tido a perna passada por ela, Ryota não pôde deixar de esbanjar um sorriso confortável de confiança ao vê-lo.

— Boa noite, Miura.

Ele apertou os olhos para o cumprimento, erguendo o queixo. Era um ato rude de superioridade ao qual resultou em zero efeito.

— Ao menos chegou no horário para o ensaio, dessa vez — disse ele, baixo.

Mais uma provocação barata para o fato da vergonha que deveria ter sido a dança dela e de Edward no baile. Afinal, não teve tempo ou disposição para ensaiar a dança, o que resultou naquela sequência não muito divertida.

— Garanto que farei isso perfeitamente daqui em diante, senhor.

Miura ficou nitidamente incomodado pela forma que foi chamado. Ryota riu internamente ao usar uma tonalidade semelhante ao de Sora quando se conheceram, referindo-se a ela com um senhorita nada agradável aos ouvidos. 

Apesar da aura assustada, o guardião era surpreendentemente fácil de se provocar quando tirado do sério. Ela não deveria ter esperado algo diferente, considerando o histórico dos gêmeos.

— Espero que sim — disse ele com força na voz — Estão nos chamando.

Miura falou logo no instante em que a porta do salão do trono se abriu, e todos puderam entrar. A corte real, que estava unida em uma sala de espera, se dirigiu em silêncio até o local designado para o ensaio. Miura fez o mesmo, e Ryota aguardou que ele fosse na frente antes de segui-lo. 

— Espera — até que Zero a impediu de passar pela porta, repentinamente a segurando pelo pulso.

— O que foi? — sussurrou ela de volta — O que aconteceu?

— Quando o ensaio… Não, quando a coroação acabar, amanhã… Eu quero te contar algo. É importante, então é melhor que venha me encontrar, entendeu?

Ryota ficou um pouco surpresa com a seriedade e tensão em suas palavras. Ela se perguntou se era aquilo que ele pretendia ter dito durante a tarde mas hesitou, então apenas decidiu concordar com o coração disparado. O rapaz, vendo-a concordar, soltou seu pulso timidamente e sussurrou um “bom” antes de correr para dentro do salão do trono, com a garota confusa logo atrás dele.

No fim das contas, o ensaio para a coroação durou menos tempo do que parecia. Foram algumas horas preparando a caminhada da corte, o trabalho das sessões da coroação, a recepção de Edward perante o povo e como gesticularia, o exercício dos guardiões de os acompanharem exatamente no momento exato. Foi o tipo de treinamento que poderia ter sido descartado facilmente pela rotina fácil de passos, porém, parecia que todos queriam que aquilo fosse feito com perfeição, então nenhuma falha seria aceita. Era o momento mais importante de Hera — não, de todo o país. Certamente seria gravado na história e marcado em gerações e mais gerações. 

Edward seguiu à risca e não falhou uma única vez. Sua máscara de seriedade e movimentos eram executados com uma perfeição digna de nota. Ele piscou para Ryota uma vez, parecendo dizer em silêncio que estava bem, o que a fez sorrir discretamente em resposta. Não podiam conversar até que aquilo tudo acabasse, então apenas seguiram o script até que o ensaio terminasse.

Fanes e Miura não pareciam estar especialmente ansiosos com algo, então Ryota não se incomodou muito com a forma gentil que o rei a tratou. Era o mesmo estilo de sempre, mas, considerando o que sabia agora sobre sua história tendo sido contada através de Marie, seu ponto de vista mudava um pouco. Ela não o tratou mal ou demonstrou insegurança, mas se esforçou para não se esquecer de que, assim como todos ali, Fanes também deveria estar vestindo uma máscara, agora. 

Ela apenas desejava estar firmemente errada quanto a suas intenções.

Quando o ensaio chegou ao fim, todos se despediram sem conversar demasiadamente e retornaram aos seus quartos. Precisavam dormir cedo para acordarem com energia e prontos para o grande dia. Edward acompanhou Ryota até seus aposentos em silêncio. Quando pararam diante de sua porta e ela segurou a maçaneta, a garota olhou para trás.

— Escuta.

— O quê? — perguntou ele, a expressão neutra.

— Edward, por acaso… Você está incomodado com alguma coisa?

Por um segundo, ele pensou que ela estava falando sobre a coroação. Porém, se esse fosse o caso, teria percebido imediatamente. Então, não havia razão para fazer uma pergunta tão aberta a interpretações. Porém, percebendo que ela aguardava uma resposta, ele suspirou:

— O desaparecimento de Albert se tornou um problema — confessou — Procuraram a tarde toda, mas não descobriram seu paradeiro. Estamos preocupados.

Ryota baixou os olhos azuis e os ergueu novamente.

— Eu estive pensando… — disse ela, de repente — E, olhando agora, acho que estou certa de uma coisa.

— O quê?

— Você tem sentido algum incômodo na marca? Como um formigamento, ou um calor?

Os dois, simultaneamente, tocaram o lado esquerdo de seus pescoços. No momento, não sentiam nada, porém, Ryota não estava falando aquilo da boca pra fora.

— Por que a pergunta?

— Eu meio que senti um calor estranho durante o dia. Não foi desagradável porque estava frio — observou ela, os olhos indo para a chuva que caia torrente do lado de fora — Mas estou preocupada que isso seja algum sinal.

— Um sinal… De que algo está errado, não é?

— Amanhã nosso contrato se encerra, e tudo deveria estar em ordem. Eu me lembrei que, quando firmamos o voto, uma marca queimou nossas peles. E, agora, sentindo esse calor nessa região… Estou preocupada que as condições não foram cumpridas.

— Você quer dizer-

— Talvez eu precise fazer algo quanto a Albert. Talvez a conversa que eu tive não foi o bastante.

Ryota refletiu, nervosa, em voz alta, erguendo seus olhos azuis assustados para o príncipe. Os dois ficaram em silêncio por um segundo.

— Só pode ser isso — continuou a garota — Por garantia, vou procurar Albert amanhã, logo depois da coroação, e terminar isso de uma vez por todas. Tenho medo do que pode acontecer a nós se esse calor continuar e algo pior acontecer.

— Eu entendo sua preocupação. Deixe comigo que pedirei aos guardas para continuarem a procura nessa noite até a madrugada.

Ryota assentiu, concordando. E então, deu meia volta para entrar em seu quarto, ainda pensativa. Inspirando fundo, com a mão acima de seu pescoço, ela foi até o banheiro limpar-se, trocou de roupa e deitou na cama. O clima frio era agradável e a chuva continuava caindo loucamente do lado de fora, mas Ryota sentia que sua mente poderia explodir a qualquer momento de preocupação.

O que vai acontecer com a gente… Não, o que pode acontecer com o Edward se a minha parte do voto não for cumprida? É possível que algo terrível aconteça com ele por minha culpa… Eu preciso resolver todos os problemas amanhã.

Ryota adormeceu desejando que o dia seguinte pudesse trazer o fim a todas as suas dúvidas e preocupações.



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