Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 6 – Arco 3

Capítulo 64: Agradecimentos

A véspera da coroação do novo rei de Thaleia começou. Ao contrário do dia anterior, em que todos do palácio haviam tirado um tempo para descansar após a longa festa do baile, a movimentação e os preparativos para o grande evento começaram cedo. Sons de empregados correndo para lá e para cá poderiam ser ouvidos logo antes do sol nascer. Passos e mais passos eram dados pelos corredores, pessoas carregando tecidos e papéis enquanto conversavam e apontavam para todos os lados, indicando para onde iam tais materiais era simplesmente a coisa mais comum de se ver por ali.

A guarda real, apesar de não estar diretamente envolvida, se mantinha atenta e ensaiava uma apresentação. Marcha e cantoria podiam ser ouvidos da ala próxima ao palácio, onde uma grande fanfarra se preparava ansiosamente para o dia seguinte. 

Mais e mais enfeites eram colocados nos corredores e salões. A nobreza, tendo descansado, agora estava cheia de energia. Andavam frenéticos, comentando suas opiniões a respeito do grande evento. Na cidade, a barulheira da comemoração apenas aumentou o ritmo. Música e povo andavam de mãos dadas, divertindo-se como loucos enquanto aguardavam que o grande dia chegasse.

E, apesar de não parecer, as pessoas mais ocupadas eram, certamente, a família real. Enquanto a corte apoiava no desenvolvimento do evento garantindo a segurança, os preparativos gerais e as etapas da coroação, garantindo que tudo estaria no lugar e na hora exata, Fanes e Edward estavam simplesmente atarefados demais para se preocuparem com qualquer problema interno.

Ainda que o baile e tantos outros eventos ao longo da semana tivessem tido seus conflitos não resolvidos, eles não conseguiram tirar tempo para pensar em nada que não fosse a coroação. Ambos, apesar de não terem se falado desde então, estavam determinados a dar seu melhor naquele dia tão importante.

Por isso, no dia seguinte, quando o príncipe finalmente conseguiu escapar de seus deveres para poder passar um tempo com sua guardiã, havia sido perto do almoço. Afinal, acordar durante a madrugada era o mesmo que regrar o horário em que iria começar a trabalhar, precisando conter a empolgação dos estilistas que organizavam loucamente as ideias e vontades de Edward para sua roupa especial. 

Ele deslizou pelos corredores lotados sem chamar a atenção até a ala de treinamento, onde uma pessoa já o aguardava. A luz da manhã adentrava pelas janelas e o recepcionou imediatamente, assim como o sorriso da garota logo quando fechou a porta atrás de si.

— Nossa, esse lugar está uma loucura! — exclamou ela, embora aquele devesse ser um apontamento dele.

— É verdade… Ah, quase achei que não conseguiria sair de meu quarto.

— Haviam tantas pessoas assim?

— Quando se está a menos de vinte e quatro horas de se tornar rei, é difícil imaginar que os outros fiquem menos ansiosos do que eu.

Edward falou isso com um sorriso nervoso, coçando a nuca. Assim como havia dito na noite passada, ele parecia realmente conflitante com o grande dia que estava por vir. Ryota havia aceitado sua oferta, mas ainda duvidava se aquilo seria realmente o bastante para fazê-lo esquecer ou lidar com sua ansiedade. 

De toda forma, como não havia pensado em nada diferente para contrariá-lo ou dar uma ideia melhor, apenas aceitou.

— Aqui.

Ela lançou uma espada de madeira na direção dele, e o príncipe a pegou sem hesitação.

— Isso me lembrou algo que tinha pensado antes, mas você realmente aprendeu a manejar uma espada, não é?

Essa era uma pergunta que havia pipocado na mente da garota ao vê-lo segurar uma arma tão bem. Edward tinha um porte físico decente, mas nunca o vira praticar nenhum esporte ou fazer nada que demonstrasse a origem disso. 

Ryota retirou sua jaqueta vermelha e a colocou de lado, permanecendo com sua regata preta e calça. O príncipe permaneceu como estava, girando a espada de madeira leve nas mãos fazendo acrobacias graciosas. Isso a lembrou da primeira vez que foi até aquele local para enfrentar Miura, que a ensinou na marra a portar uma arma afiada.

Não foi uma experiência agradável, diga-se de passagem. Entretanto, ela não poderia dizer que não havia sido um aprendizado bastante útil, que poderia vir a calhar em algum momento.

— Sim — respondeu o príncipe — Eu aprendi a arte da espada desde muito jovem. Considerando a posição de meu pai, não poderia esperar menos.

— Como assim? — Ryota uniu as sobrancelhas.

— Estou certo de que reparou que a guarda real, ao contrário de muitos países, não porta armas de fogo.

— Sim, eu vi isso.

A prática de usar armas de fogo era bastante comum em outros lugares, principalmente na guerra. Ainda que houvessem a chance de usar seus poderes, controlando seu chi e formulando kiais, para uso em combate, alguns soldados não eram tão habilidosos assim. Então, optar pelo uso de alguma ferramenta que compensasse isso era apenas o natural. Ainda era possível ver homens que eram muito bem dotados em ambos os lados, sendo poderosos com suas técnicas elementais e manejando perfeitamente uma arma. Assim, nasciam pessoas que podiam usar os dois e combinar arma com chi.

Era algo semelhante ao que Kanami e Sora faziam, usando os elementos huo e tu, combinando suas armas brancas com o controle de chi, dando-lhes um maior poder de combate. É claro que, unido ao Instinto Assassino, isto os tornava quase invencíveis e verdadeiras máquinas de matar. Entretanto, eram poucos aqueles que não eram nascidos da nobreza que herdaram tanta técnica ou a adquiriam através de treinamento. Pessoas assim eram realmente admiradas — ou muito invejadas. 

— Uma das práticas da realeza que passou a ser obrigatória dentro da guarda real e do próprio exército é a capacidade de todos saberem manejar uma espada. Pode não ser espetacular com ela, mas se souber o bastante para poder ir à guerra portando-a, que seja.

— Entendi… Acho que nunca li sobre isso, antes.

Ryota não poderia dizer muita coisa além de ficar realmente surpresa. Afinal, como alguém que viveu completamente isolada da sociedade moderna, seu único meio de comunicação com o mundo exterior eram rádios e televisões — que, diga-se de passagem, ela nunca foi realmente fã. Sua paixão por livros a manteve presa dentro deles por muito tempo, não importava qual fosse o gênero que estivesse lendo.

Dito isso, sua resposta poderia ser interpretada apenas como honesta. Por isso, Edward não riu ou a julgou por sua ignorância.

— Eu aprendi a usar uma espada desde novo, e sigo praticando-a desde então. Entretanto, não é meu hobby favorito, então apenas faço o exercício necessário toda semana — o príncipe deu de ombros — Porém, essa tradição foi passada de geração em geração desde o fundador de Thaleia.

— … O primeiro rei.

Ryota sussurrou, olhando para a espada de madeira que segurava. Os dois haviam se aproximado enquanto conversavam, adentrando o campo de treinamento para se aquecer.

— Mas de onde surgiu essa prática, afinal? Na teoria, usar armas de fogo é muito melhor do que espadas ou qualquer arma branca.

Considerando a quantidade de pessoas que eram capazes de usar kiais e uma espada perfeitamente, podia-se dizer que, como um todo, isso nada mais era do que uma desvantagem. Diante de um inimigo, ainda que você porte uma outra arma branca, como facas, machados ou semelhantes, não haviam garantia de vitória contra um exército que usavam armas de longo alcance. Era simplesmente suicídio lutar desse jeito.

— Com certeza você está certa. Porém, já ouviu falar da Graça da Espada?

— Graça? 

Ryota inclinou a cabeça confusa ao ouvir um termo desconhecido.

— As Graças são bênçãos dadas pelo Pequeno Sol para algumas pessoas ou famílias. Algumas delas são exclusivas de um indivíduo, enquanto outras são passadas de geração em geração. A Graça da Espada foi concedida pelo Pequeno Sol aos Fiore na antiguidade, ao primeiro rei. E, desde então, todos os descendentes primogênitos foram capazes de usá-la.

— Isso é incrível! Então… Como funciona? — a garota exclamou ao ouvir a explicação, porém, logo entrou em dúvida novamente fazendo uma careta.

— Talvez seja melhor eu demonstrar.

Edward abriu um sorriso confiante e se colocou em posição de combate, partindo para cima sem esperá-la. Ryota se assustou e prontamente ergueu a espada contra o rosto, protegendo-se do golpe vindo na horizontal. O choque de madeiras fez um som agradável aos ouvidos, mas os braços da garota lutaram para se manterem firmes. 

Entretanto, o príncipe sequer pareceu suar com o movimento. Ele não forçava os braços contra ela, segurando-a perfeitamente naquela posição de defesa.

— Nossa, nem pra esperar eu me aprontar, né?!

— Mas, dessa forma, não teria graça alguma.

— Ah, é?

Ryota abriu um sorriso para a fala desafiadora dele e, aproveitando-se da força utilizada contra seu corpo, agachou-se ao ponto de desviar do golpe que vinha em sua direção, lançando-se para o lado e desviando. Ergueu-se no ar poeira quando a espada de Edward bateu contra o solo, e a garota, ao seu lado, lançou-se para cima dele para devolver o favor.

Porém, tão rapidamente quanto ela, o príncipe desviou do ataque. Os dois trocaram golpes de espadas que faziam soar sons de “toc, toc”. 

— Seus movimentos estão desleixados, Ryota.

— Pelo menos estou conseguindo me defender, não é?!

Continuaram a trocar ataques e defesas, porém, estava claro que a garota estava em desvantagem pela falta de experiência e habilidade. Andava de costas conforme Edward avançava, sem se esforçar nem um pouco. Aquilo ferveu dentro dela uma vontade grandiosa de tentar forçá-lo a isso, de tentar fazê-lo se esforçar ao menos um pouco para vencê-la. 

— O que acha disso, então?

Sabendo que não poderia derrotá-lo usando a habilidade na espada, Ryota optou por usar aquilo que era melhor: o combate corpo a corpo. Então, mais uma vez deslizando a espada para o lado, fincou a base do cabo de sua espada contra o pulso dele, tentando fazê-lo soltar a arma. Edward soltou um gemido de dor pela força, mas não suavizou a força impunha na mão.

— Que golpe baixo!

— Quem é você pra falar, hein?

Enquanto o via tentar se recuperar do ataque, Ryota avançou para atacá-lo com a espada de madeira, porém, rapidamente o príncipe se protegeu. E, agora, era a garota quem estava na vantagem, usando sua força e agilidade como protagonistas do combate ao invés da experiência e habilidade.

Não demorou muito para que Edward começasse a devolver os cumprimentos, mas ela estava preparada para isso desde o começo. Portanto, quando o jogo novamente começou a virar contra Ryota, a garota apenas deu-lhe uma rasteira, o fazendo cair de costas.

— E ai? — disse ela, então, com um sorriso confiante enquanto apontava a ponta da espada contra o pescoço dele — Venci?

— É claro que não.

— Ah!

Sem pensar duas vezes, ignorando o pequeno corte que foi feito em seu pescoço, o príncipe bateu com sua própria arma contra a dela, lançando-a para o lado antes de se colocar de pé. Ryota, ainda desequilibrada, desviou por pouco de um golpe direto contra seu rosto, e então os dois voltaram a trocar ataques com a espada fazendo um barulho agradável. O som de seus passos velozes e dos cortes feitos no ar era a única coisa em seus ouvidos.

— A Graça da Espada não me permite apenas usar uma espada perfeitamente — o príncipe falou enquanto novamente a prendia com os golpes, a fazendo recuar e segurar o cabo da arma contra o peito — Mas, independentemente do que aconteça, elas sempre estarão ao meu favor.

— O quê?! Ai, ai!

Ryota exclamou sem entender ao certo o que ouvia e, de repente, tropeçou para trás. Neste segundo, a espada de Edward bateu contra a dela, fazendo-a voar para longe e fincar-se no chão, dando-lhe uma sensação de dejavu. Porém, para sua infelicidade, estava prestes a cair de costas contra o parapeito de concreto que rodeava a área de combate, batendo a cabeça dolorosamente.

— Opa. Acho que venci.

Porém, Edward a segurou delicadamente pelas costas, colocando a espada de madeira entre eles na diagonal, contra o pescoço da garota de olhos arregalados. O príncipe, notando sua surpresa e choque ao final da luta, deu um sorriso caloroso para sua expressão antes de soltá-la, permitindo que firmasse os pés no chão.

— Aaaah… Não tem como, mesmo. Sou uma negação com a espada.

— Não é verdade. Você foi astuta em tentar usar suas habilidades corporais para vencer. Porém, apenas não foi o bastante.

— Hm.

Ryota cruzou os braços e fez bico, indo buscar a espada que voara longe. Infelizmente, mais uma vez, foi incapaz de vencer uma luta de espadas, mas isso era apenas o esperado. 

— E então? 

— Hã? O quê? — perguntou ela, sem entender a razão da indagação.

Edward apontou para ela com o queixo.

— Conseguiu ficar um pouco menos tensa?

— Hã? Mas eu não… 

— Depois dos dias que passamos, e comparando os poucos momentos em que lhe vi plenamente bem, posso deduzir quando está ou não incomodada com alguma coisa.

Ryota congelou no lugar.

— Ainda é um pouco difícil para mim, mas estou feliz de poder conhecer um pouco mais sobre você — ele se aproximou calmamente.

As engrenagens giraram na mente dela, e Ryota abaixou os ombros.

— Então, isso tudo foi…

— Eu também estava um pouco nervoso desde o baile, não vou mentir. Mas, quando percebi que alguma coisa estava te incomodando, pensei que talvez mexer um pouco o corpo ajudasse a espairecer os pensamentos — ele parou logo ao seu lado, a uma distância receptível — Estou certo?

Os olhos azuis da garota tremeram um pouco e foram ao chão. Finalmente, ela havia compreendido a razão do pedido tão repentino de Edward. Apesar das boas intenções, ela se assustou ao ver que o príncipe havia aprendido a ler o jeito que se portava tão rapidamente. Ryota se perguntou se, talvez, inconscientemente, estivesse ficando confortável demais ao lado dele para demonstrar isso tão diretamente.

A garota ficou em silêncio, pensativa. Seu brilho desapareceu, dando lugar a um rosto inexpressivo. Edward desfez o sorriso e suspirou.

— Sinto muito, não quis te ofender.

— Não, está tudo bem — respondeu ela, baixinho — Eu agradeço pela preocupação.

Ainda era estranho para ela se abrir demais sobre seus sentimentos — principalmente os que tentava esconder — para alguém que não fosse Zero. Havia medo e insegurança, ainda que fossem inconscientes e incapazes de serem controlados remotamente. Ryota ficou feliz pelo ato do príncipe, mas acabou não reagindo da forma que ele provavelmente esperava. Mas não conseguiu dizer nada a mais depois disso, sentindo um bolo na garganta tão forte que poderia enforcá-la.

Edward observou seu semblante e, então, pegou sutilmente a espada de madeira dela, se dirigindo em silêncio para guardá-las. Em seguida, sentou-se no parapeito de concreto, bem ao seu lado. A garota permaneceu de pé, olhando para o lado, sem se mexer.

— Eu gostaria de saber o que lhe incomoda. Desde o baile, eu senti que algo mudou. Poderia me contar o que é?

— … Não se preocupe, são problemas meus. Prometo que não vai interferir no meu trabalho como guardiã hoje ou amanhã.

Ao ouvir a pergunta preocupada, Ryota apenas respondeu dando de ombros, sorrindo. Era um sorriso que poderia ser interpretado como amigável, ou, para aqueles que a conheciam um pouco melhor, como um alargar de lábios melancólico. Se tornou mais fácil esconder seus verdadeiros sentimentos transmitidos através das palavras e expressões, mas ainda era difícil fazer o mesmo com aqueles que eram observadores demais.

— Não estou perguntando isso como seu mestre, mas como seu amigo.

Ela sentiu uma mão em seu ombro, como que comprovando a presença dele. Que as palavras de Edward não eram apenas uma miragem de sua mente. Como uma voz de sua cabeça que acariciava seu ego. Parecia que o príncipe entendia perfeitamente como era a sensação de tentar esconder seus verdadeiros desejos do mundo, então, demonstrou essa vontade de ouvi-la através do tato.

Edward tinha uma teoria do que poderia tê-la deixado abalada, mas não ousou interferir em seu tempo de reflexão. Ryota demorou algum tempo para que pudesse ter força o bastante para falar:

— Como eu disse, não foi nada demais. Apenas me encontrei com meu avô e nos entendemos. 

— Se entenderam?

— Uhum. 

— Se é assim, por que você parece tão…

— Como eu disse, a gente se entendeu — Ryota cortou a hesitação de Edward, incomodada com o fato dele insistir em saber seus sentimentos além do que era capaz de contar ou desejava demonstrar. Ela se afastou de seu toque andando para frente, de costas para ele. Porém, os punhos cerrados com força o bastante para as unhas perfurarem a pele demonstraram sua luta interna — Apenas… Não foi do jeito que eu esperava. Mas, bem, eu devia ter imaginado que minhas expectativas seriam apenas um sonho idiota de criança… Eu devia ter ouvido o Zero e o tio Jaisen desde o começo.

Ryota falou, justificando-se ao erguer o tom de voz, mas baixou-o rapidamente logo na última frase. Após inspirar fundo algumas vezes, piscando para conter as lágrimas de frustração e a dor de seu coração acelerado, ela se virou para o príncipe. Não havia um único resquício das emoções contidas em seu rosto. 

— Mas, de toda forma, muito obrigada pela sua preocupação. Treinar um pouco me ajudou a deixar a mente mais leve… E espero que tenha te ajudado, também.

Ela sorriu, mudando o tópico do assunto com uma maestria admirável. Edward suspirou, saltou do parapeito e se aproximou dela.

— Sim, acho que sim.

— Ah, olha a hora. Parece que a hora do almoço acabou — Ryota notou que o relógio marcava o início das uma da tarde — Vamos indo, ou vai acabar ficando lotado de trabalho até a madrugada.

A garota brincou e estendeu o braço para que ele pudesse segurá-lo, pronta para voltar ao corredor do palácio. Era a forma perfeita de encerrarem aquele assunto e com uma desculpa decente para se separarem logo depois. Em silêncio, o príncipe acatou sua vontade e a segurou, caminhando para que pudessem pegar sua jaqueta vermelha antes de saírem da sala de treinamento.

Os dois andaram em um silêncio levemente desconfortável. Ainda que o som ambiente preenchesse seus ouvidos, trazendo-os de volta à realidade, ainda era difícil o bastante para que mesmo Ryota, que normalmente achava assuntos fáceis para distração, achasse tal tarefa extremamente difícil. Não demorou muito para que chegassem ao local onde se separariam, pois o príncipe precisaria retornar aos seus aposentos e ser acompanhado por um grupo de pessoas espalhafatosas.

Mas, antes que pudessem subir as escadas…

— Sabe, nos últimos dias, eu percebi que sempre fui fraco.

… Edward começou a falar, interrompendo os passos lentos. 

— Antes de te conhecer, achei que poderia ser capaz de enfrentar meu pai e mostrar meu valor. Provar que não precisava de seu apoio quando me tornasse rei. Eu poderia escolher meu futuro, meu guardião e governar como bem quisesse. Mas isso nada mais era que um pensamento infantil.

O príncipe desenlaçou o braço e ficou de frente para a garota, encarando-a.

— Eu percebi que estava sendo arrogante e um grande idiota, apenas pensando em mim mesmo. Nunca cheguei a tentar olhar pelo ponto de vista de outra pessoa, como alguém se sentia em relação ao que eu dizia ou fazia que não fosse uma grande brincadeira de atuação. Eu achava que nós… Que eu, um príncipe, apenas deveria entrar nesse grande jogo. 

Edward apertou as íris violetas.

— Mas, então, eu conheci você. E então, entendi que haviam pessoas que realmente se esforçavam por aquilo que desejavam, dando sangue e suor por isso. Eu vi você se esforçar pelo nosso voto, para manter nosso relacionamento agradável e ajudar todos que estavam ao seu alcance… E finalmente entendi porque há tantas pessoas ao seu redor que amam e confiam em você.

Ryota piscou as íris azuis, observando quando ele pegou suas mãos e as segurou.

— Eu invejei isso em você. Mas, mais do que isso, admirei essa força. E, agora, eu quero ser capaz de fazer o mesmo. Assim como fez por mim, quero ser capaz de conhecer, entender e ajudar os outros. Quero me tornar um rei digno disso, que possa fazer a diferença e ajudar meu povo. Não apenas por meu próprio orgulho e prazer, mas pelo bem dessa nação. E é por isso — Edward apertou um pouco as mãos dela — Que começarei essa mudança aqui dentro desse castelo, por mim e por minha família. Conversarei com meu pai, cara a cara, e como dois homens de verdade, assim como você, antes, me incentivou a fazer.

A garota, sem conseguir dizer nada em retorno às palavras dele, apenas observou em choque o príncipe depositou um beijo singelo na costa de sua mão.

— Você vai ficar bem? — perguntou ela, baixinho.

— Sim. Muito obrigado por tudo.

Os dois encontraram os olhos violetas e azuis novamente. E, então, sorriam um para o outro. 

— Estou atrapalhando alguma coisa?

Foi então que uma terceira voz, não muito feliz, se intrometeu. Zero, com um sorriso teatral, se aproximou dando passos largos. Edward, percebendo que ele provavelmente interpretou errado a situação, rapidamente se afastou da garota e largou suas mãos. 

— N-Não é o que está pensando…!

— Pensando o quê? — Ryota olhou de um para o outro, sem entender.

Zero deslizou seus olhos prateados do príncipe para ela, e lhe deu um peteleco na testa, a fazendo soltar um grito de surpresa e dor.

— Ai! Por que fez isso?

— Porque você é uma idiota.

— O quê? Ai! Solta meu nariz! Não consigo respirar desse jeito! — Ryota lutou contra Zero, reclamando com uma voz nasal.

Edward trocou olhares com Zero, preocupado, mas ele apenas riu com o nariz, reação que fez o príncipe relaxar. 

— Eu preciso conversar com a Ryota.

— Tudo bem, eu já precisava ir embora, de toda forma.

Edward deu de ombros e sorriu para os dois, acenando enquanto andava de costas antes de subir as escadas na direção de seu quarto. Logo quando ele sumiu, a garota finalmente teve seu nariz solto para que pudesse respirar normalmente.

— O que foi isso, afinal?! Tá de mau humor, Beterraba? Ai!

— Faz tempo que não ouço esse nome… — resmungou ele, dando outro peteleco na testa dela — Espero não ter interrompido nada importante.

— Hã? Não, acho que não. 

Pela reação avoada, Zero percebeu que Edward não havia feito nada que pudesse ter manchado sua mente inocente, cumprindo com sua palavra. Porém, o jeito com que aqueles dois eram próximos ainda o deixava incomodado, possivelmente porque eles mesmos passaram pouco tempo juntos nos últimos dias.

— Você tá com uma carranca, hoje. Tá de mal humor? — Ryota riu da expressão torta de Zero, sem saber o que realmente passava por sua mente.

— Aaaah, estou, sim — resmungou ele, bagunçando o próprio cabelo.

— Ah, é? E por quê? Assustou o coitado do Edward com seu olhar feio, sabia?

— É que eu não gosto quando mexem com as minhas coisas.

— O quê? Mexeram com alguma coisa sua?

— … Esquece.

Zero não teve a intenção de flertar, porém, não conseguiu se conter devido ao seu humor. Mas, por sorte, a garota não entendeu o significado da frase, permitindo que ele apenas mudasse de assunto.

— Enfim… Eu vim te encontrar por que precisava falar com você.

— Ah, claro. E o que seria?

— … É sobre o Albert.

Ryota fechou a expressão instantaneamente.

— Parece que ele desapareceu desde a tarde passada.

— O quê?

— Ele não compareceu para o jantar, para o café da manhã ou para o almoço. Ninguém o viu entrar ou sair do palácio, também. 

Será que ele saiu de novo para encontrar o Jaisen? Não, mas ainda assim ele precisaria passar por algum lugar vigiado pela guarda…

Como Zero não sabia que ela esteve presente na conversa entre Jaisen e Albert, não falou sobre a possibilidade em voz alta.

— Ele parecia estranhamente de mal humor ontem.

— Igual você? — brincou ela.

— Um pouco menos — brincou ele de volta, sorrindo de lado antes de ficar sério novamente — Ele se afastou e, posteriormente, ninguém mais o viu…

— Tá, mas… Por que veio me dizer isso, afinal? Você tá falando como se soubesse de alguma coisa.

Ele apertou os olhos, inspirando fundo. Então, olhou-a nas íris.

— Precisamos conversar sobre ele… Agora.



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