Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 6 – Arco 3

Capítulo 63: Em Busca de Respostas

O primeiro dia de descanso pós baile se encerrou relativamente tranquilo. A noite caia do lado de fora, o frio tendo se agravado um pouco mais desde a tarde em que o sol ainda dava as caras. Ao contrário do dia anterior, o céu estava repleto de estrelas, mas a lua não era tão aparente do ângulo que estavam. 

No quarto razoavelmente gelado, as janelas estavam fechadas. O cômodo era iluminado pela luz fosca das lâmpadas, mas poucas estavam acesas. De pé para algumas pessoas, estava Zero. O rapaz ergueu o queixo e engoliu em seco quando uma moça de cabelos brancos e olhos verdes se aproximou, dando um sorriso respeitável. 

— Muito bem. Então, podemos começar?

Ela fez a pergunta que daria início ao motivo da reunião noturna. Zero assentiu, meio nervoso, antes de colocar as mãos atrás das costas e retirar duas facas de combate, estendendo-as como uma oferta na direção da duquesa. Em seguida, se ajoelhou, gesto que todos os outros presentes imitaram, como se fizessem uma roda ao redor de Fuyuki.

A mão esquerda da moça foi ao coração, enquanto a direita se estendeu com a palma aberta acima das duas facas, sem tocá-las. Fechou os olhos e se concentrou, dizendo as seguintes palavras:

— Em nome da matriarca da família Minami, eu, Fuyuki Minami, renuncio este guardião que honrou seus deveres com lealdade e dedicação. 

Apesar de nenhuma espécie de kiai ou técnica especial estar sendo utilizada, algo diferente aconteceu. A marca da família Minami — o floco de neve — marcado com selos nos cabos da faca piscaram e se desfizeram como esferas de luz no ar, se misturando ao ambiente. 

Fuyuki soltou os braços ao lado do corpo e abriu os olhos.

— Pronto. Agora você, Zero Furoto, não é mais meu guardião, mas um igual. Orgulho-me de chamá-lo de companheiro.

A duquesa saudou o companheiro da nobreza com uma tonalidade forte e estendeu a mão na direção do rapaz que abriu os olhos prateados, segurando a palma estendida para se colocar de pé. Os guardiões ao redor ainda se mantinham agachados, saudando as duas pessoas que estavam acima deles. Sora, Kanami e Eliza ergueram o rosto e olharam para o rapaz quando respondeu:

— Muito obrigado, Fuyuki.

Falar o nome de uma companheira tão diretamente, sem colocar o “mestre” na frente, era um pouco estranho. Porém, agora, era apenas mais uma formalidade que poderiam seguir. A troca de olhares brilhantes era em respeito ao tempo que passaram juntos. Foi pouco comparado a muitos outros guardiões com seus mestres, mas o bastante para firmarem um laço.

— Muito obrigado por sua estadia e tempo dedicados a mim — Zero continuou, após uma pausa — Espero poder me dedicar ainda mais como parte da nobreza e da corte ao seu lado.

Fuyuki acenou suavemente com a cabeça para os agradecimentos.

— Estou certa de que conseguirá — ela se virou um pouco, de forma que pudesse falar com todos os presentes — Ainda que dois de nossos companheiros da corte ainda não o aceitem ou respeitem sua posição, você vem se provando dedicado em seu objetivo. 

Todos ouviam a duquesa falar em silêncio, prestando atenção. A moça fez uma pausa, fechando os olhos.

— Tive a oportunidade de conhecer seus pais no passado, mas não me recordo plenamente do ocorrido — comentou de repente, fazendo o rapaz arregalar um pouco os olhos — Entretanto, das histórias que ouço falar a respeito de seus atos, estou certa de que você poderá segui-los e superá-los em sua trajetória. Eu vejo em você o coração de ouro da nobreza e a mente determinada de um lorde. Ainda que esteja sozinho e seja difícil no começo, saiba que sempre poderá contar comigo para apoiá-lo.

Fuyuki falou aquilo com um sorriso que demonstrava empatia. Ambos perderam suas famílias em situações catastróficas e foram afetados de todas as formas possíveis por isso. Mas nada seria mais difícil de lidar do que a pressão psicológica dos outros e de si mesmo sobre aquilo que desejavam e deviam fazer. Por isso, ciente de que possivelmente o rapaz passaria pelo mesmo, ela desejou ser capaz de confortá-lo sempre que possível.

Zero entendeu a origem de suas palavras e as íris brilharam com admiração. A moça — não, a mulher — diante dele era, como sempre, um pilar de resistência e poder. A juventude e os obstáculos não fizeram-na perder o seu brilho, mas a poliram para se destacar ainda mais dentre a corte real. E Zero não conseguia deixar de admirá-la por isso. Foram apenas dois anos desde sua perda, mas isso a fez crescer e se tornar a pessoa que é. 

Os olhos se encheram de água e brilharam de felicidade ao saber que estava rodeado por pessoas tão maravilhosas, e, para conter as lágrimas, Zero se curvou profundamente à duquesa de forma que tivesse tempo para se recuperar.

— … Muito obrigado — tornou a repetir os agradecimentos, desta vez com a voz embargada.

Quando endireitou a postura, retomando uma expressão séria, os guardiões na sala se colocaram de pé. Então, o primeiro a se posicionar foi Sora, colocando uma mão na cintura.

— Ainda que agora seja parte da nobreza, continuará demonstrando cenas tão constrangedoras quanto essa? Que vergonha.

Zero franziu a testa para a provocação barata, sorrindo.

— Pelo menos estou feliz de não ter que trabalhar ao lado de um insuportável, como você.

— Que falta de educação — resmungou o Akai em resposta — Quem deveria estar honrado por jamais trabalhar ao seu lado sou eu.

Sora tentou se desvencilhar das provocações, mas falhou miseravelmente, perdendo a compostura quando Zero se aproximou e lhe estendeu a mão para cumprimentá-lo. Soltando um suspiro pesado, ergueu um pouco o canto dos lábios antes de apertar-lhe a palma com firmeza.

Foi apenas uma saudação respeitosa, ao qual o Furoto não gostaria de tê-lo feito através de juramentos ou colocando aquelas pessoas que antigamente foram seus companheiros para se ajoelharem. Ainda que os patamares tivessem mudado, eles ainda eram queridos e deveriam ser tratados com a devida atenção.

— Meus parabéns por sua reivindicação.

— Ainda falta um longo caminho, mas obrigado, Kanami.

Kanami se aproximou dos dois e também deu um sorriso suave. Sora logo se afastou para perto dela quando a garota e o nobre trocaram apertos de mãos rapidamente. Zero teria ficado surpreso se, no passado, tivesse visto aqueles dois agirem daquela forma com ele, tão amigavelmente e abertos a puxarem assunto. Porém, agora, ele ficou feliz em ver que se aproximaram de tal forma que isso fosse possível. Ele não sabia se aquilo poderia ser denominado como amizade, mas saber que os gêmeos não mais o desprezavam ou o ignoravam como antes tinha sido um grande passo dado.

— Espero que não se empolgue demais com a nova vida e se esqueça dos favores da mestre — falou Sora, apontando o dedo para Zero.

Essa parecia ser a forma de Sora dizer para não se esquecerem deles, o que fez o rapaz rir.

— Não se preocupe, jamais esquecerei dos dois anos trabalhando na Elite Galáxia.

— Hm.

Sora riu com o nariz para a resposta, parecendo satisfeito, mas não se dando ao trabalho de mostrar isso com palavras ou uma expressão agradável.

— Isso significa que você… Digo! Que o senhor precisará formar uma nova família e contratar guardiões para formar sua própria Elite, certo?

Eliza se aproximou e timidamente falou, gaguejando no meio quando todos a olharam de repente. 

— Sim — Zero estendeu a mão e os dois trocaram cumprimentos, embora o aperto da garota fosse bastante suave — Não posso esquecer de agradecê-la por todo o seu trabalho nos últimos anos também, madame Eliza. Muito obrigado por tudo, principalmente por seus cuidados à minha família.

O Furoto relembrou dos favores prestados pela garota à Jaisen e Ryota e sorriu, fazendo Eliza retribuir a expressão com ânimo e carinho.

— Não há de quê.

Após esse momento, o grupo continuou conversando durante algum tempo noite adentro. Fuyuki convidou Zero para beber com ela e seus guardiões, em homenagem — e comemoração, segundo Sora — por sua saída como guardião. 

Porém, ainda que a reunião noturna prosseguisse agradável, o Furoto não conseguiu esconder que sua mente estava um pouco longe. Mais especificamente, em uma cena que assistiu durante a tarde daquele dia.

Após o chá entre a corte, que terminou de forma terrível, o tempo passou consideravelmente devagar até um determinado momento que Zero vagou pelos corredores do palácio, indo na direção do quarto de Ryota. Ele queria saber se ela teria acordado e estaria bem, mas acabou tendo sua atenção chamada por outra cena que ocorria.

— Parece que as coisas estão indo como deseja.

— Não sei a que se refere.

As duas pessoas que conversavam próximas a uma janela eram Sofia e Albert Megalos. Ambos eram dois membros da nobreza que compartilhavam o sobrenome, mas nunca foram vistos juntos ou conversando de forma próxima como família. Entretanto, lá estavam eles. Para Zero, também era a primeira vez que tinha a oportunidade de vê-los. Mas, especialmente, ficou interessado na forma com que o velho se dirigia à moça, que se fez de boba para a pergunta.

O Furoto, por um segundo, recordou-se daquilo que foi dito por Ryota. Que Albert a havia rejeitado. Seu sangue ferveu, mas se conteve onde estava para ouvir melhor a discussão entre ambos.

— Eu sou apenas uma conselheira — continuou Sofia, enroscando um fio de cabelo verde nos dedos e piscando de forma bastante delicada para Albert, que mantinha o corpo ereto e o semblante sério — Esse sempre foi, e sempre será, o meu trabalho.

— Uma conselheira não deveria se intrometer na vida pessoal dos outros.

— Ora, mas eu não estou — retrucou a moça, rindo — Apenas estou guiando a juventude para a glória, assim como me ensinou.

Sofia apertou os olhos para Albert, colocando a culpa nele. O velho não reagiu, mas soltou um suspiro pesado e enrijeceu o corpo quando deu um passo para trás e se virou de lado.

— Não deveria espreitar a conversa particular de alguém.

Zero se encolheu ao perceber que havia sido notado. Então, inspirando fundo, saiu de trás da parede e se aproximou a passos lentos na direção da dupla. Sofia abriu um sorriso para o rapaz.

— A que devo sua presença?

Sofia perguntou como se estivessem em seu ambiente particular e Zero apenas fosse um convidado que interrompeu sua discussão. O rapaz piscou e virou o pescoço para Albert, que estava com os braços atrás do corpo e os olhos dourados direcionados em sua direção. Não houve um único sinal de emoção passando por seu rosto ou íris afiadas.  

— Então, era verdade.

— O quê? — perguntou o velho.

— Você realmente nos esqueceu.

Ao contrário de Ryota, que avançou tentando desesperadamente fazê-lo se arrepender dos próprios pensamentos e decisões, Zero decidiu colocar as cartas na mesa sem pensar duas vezes. Assim como Jaisen, eles não possuíam necessidade de tentar encontrar desculpas para o que aconteceu no passado e confrontariam o ocorrido diretamente.

Albert apertou os olhos e soltou um suspiro pesado.

— … Vocês todos resolveram vir até mim de uma vez? — resmungou ele, baixo.

— O quê?

— Esqueça — sacudiu a cabeça levemente.

— Me responda, Albert. 

— O que quer que eu responda? Minha presença não é o bastante para você entender?

Zero arregalou um pouco os olhos para a grosseria, surpreso que o homem que um dia foi tão próximo a ele o tratasse daquela forma sem pensar. Albert percebeu que foi longe demais e pigarreou.

— Perdão, não quis ser grosseiro.

O pedido de desculpas soou sincero, e o rapaz entendeu que ele deveria estar tendo um dia difícil o bastante para encher sua cabeça. 

— Vamos, responda-o — incentivou Sofia, parecendo se divertir com o conflito — Responda a razão de seu desaparecimento.

Zero deu um olhar lateral para a moça, um pouco sem entender o motivo dela saber a origem de toda a discussão e parecer apenas interessada na conclusão daquilo. 

— Quem está me perguntando isso não é você, não é?

Zero franziu a testa para as palavras de Albert.

— … Foi ela quem perguntou?

A tonalidade indicava perfeitamente a pessoa que ambos estavam pensando, e não precisavam dizer seu nome em voz alta.

— Não. Estou perguntando por mim mesmo.

Ainda que Zero estivesse irritado por Albert ter feito Ryota chorar, por alguma razão, ele sentia que o velho não estava inteiramente ciente dos fatos. Ele falava como se referisse a alguém distante, que não fazia parte daquele plano. Por isso, a conclusão a que o Furoto chegou foi que Albert e Ryota não se encontraram pessoalmente e conversaram adequadamente, por isso as indiretas.

Entretanto, o apontamento feito pelo nobre não estava completamente errado. No passado, Zero provavelmente teria ido até Albert apenas por conta da garota, sim. Mas, agora, era diferente. Ele estava interessado em saber da verdade, queria entender suas ações. Não apenas pelas pessoas de Aurora, mas também por ele mesmo, que foi salvo e apenas conseguiu encontrar um novo caminho para seguir por conta de Albert.

Foi ele quem o apresentou a Aurora e a todos do vilarejo, há mais de dez anos.

Então, ele apenas queria ser capaz de entender seus motivos.

— Entendo — as íris douradas se suavizaram, analisando o perfil do rapaz — Você mudou bastante… Parece que amadureceu bem. Ouvi dizer que está tentando reivindicar seu posto como herdeiro Furoto.

— Sim — Zero não queria mudar de assunto, mas não viu razões para apenas ser grosseiro com Albert, que mesmo tentando ser indiferente, parecia não conseguir fugir dos próprios pensamentos — Algumas coisas aconteceram e, como pode ver, estou aqui.

— … Fico feliz que tenha encontrado uma nova razão para viver.

O sorriso casual dado por Albert fez o coração de Zero dar um salto. Era a mesma expressão de empatia e carinho que via quando pequeno, quando o velho se propôs a ajudá-lo após a perda de sua família. Por um segundo, ele entendeu como Ryota se sentia. A necessidade de tentar entender a razão de ter feito tanto para apenas descartar tudo de um dia para o outro era frustrante e revoltante. Os sentimentos e raízes dos laços não poderiam ser cortados tão facilmente, não quando não houve qualquer conversa ou finalização a respeito antes.

Eles dois… Não, todos em Aurora não poderiam aceitar uma resposta tão egoísta quanto aquela. Era apenas uma fuga da realidade pelo próprio bem.

Recuperando a compostura, Zero falou:

— Sim, eu encontrei, graças a você, à Ryota e a todos em Aurora.

Albert se calou.

— Por que não voltou para o vilarejo depois que a Stella morreu?

Zero, mais uma vez, foi direto ao ponto e aguardou uma resposta. Quando ela não veio, ele insistiu, dando um passo a frente.

— Por que você deixou todos para trás, sem explicar nada para ninguém?

Sem resposta.

— Por que deixou a Ryota esperando por dez anos, se você decidiu que nunca mais voltaria?

Albert desviou os olhos e cerrou os punhos, mas não respondeu.

— … Apenas me diga o porquê.

Estavam perto um do outro, a menos de um palmo de distância. Zero trocou olhares com Albert, prateado e dourado se encontrando. Eram cores complementares, mas inteiramente contrárias. No prata, havia a pureza e a insistência de uma chama branca em adquirir conhecimento. Naquele que brilhava como o sol e ouro, a negligência e a necessidade de resistência.

O velho inspirou fundo e arrumou a postura, erguendo o queixo.

— Eu decidi deixar o passado para trás. 

— E, com ele, as pessoas?

— Sim.

Era uma resposta dura e direta, mas ao menos era alguma coisa.

— Por quê?

— Porque é assim que deveria ser. E nenhum de nós deveria se envolver um com o outro novamente, se formos apenas relembrar do passado.

Zero uniu as sobrancelhas e interpretou aquelas palavras como uma forma de dizer que eles não deveriam ficar presos a algo que já passou. Porém, apesar de dizer aquilo…

— Quanto tempo pretende continuar fugindo do seu passado?

Zero exclamou quando Albert lhe deu as costas e caminhou para longe. Porém, parou assim que ouviu a pergunta.

— … Fugindo? Não, eu-

— Isso é apenas uma desculpa! — exclamou o Furoto mais uma vez, fazendo a voz ecoar pelo corredor vazio — Como pode dizer para eu esquecer o que aconteceu, quando aquele que mais pensa nisso é você mesmo?

Zero acusou Albert sem hesitação. Sofia estava em silêncio, de braços cruzados e expressão neutra. Albert permaneceu de costas.

— Eu sei do que estou dizendo. Reconheço o rosto de alguém que quer fugir do passado perfeitamente, porque… 

… Porque eu mesmo fiz isso por dez anos. Mas por quanto tempo será que Albert fez o mesmo ao longo de toda a sua vida?

Engoliu em seco o pensamento.

— Parece que não pretende mudar de ideia sobre sua decisão — continuou o rapaz — Então, pelo menos, tenta pensar um pouco a respeito de como todos se sentiram. E como você se sente sobre isso. Não sobre o certo ou o errado, mas sobre o que você realmente quer fazer.

Assim que se calou, Albert permaneceu parado, como que refletindo as palavras, e apenas voltou a andar, desaparecendo na curva do corredor. Quando isso aconteceu, Zero se encolheu, agachado, e abraçou o próprio corpo, inspirando fundo para conter a turbulência de sentimentos que ameaçavam imergir de si. Em contrapartida a isso, Sofia apenas soltou um suspiro leve.

— Que idiota. Continua sendo maldoso até os dias de hoje.

***

— MIL PERDÕES!!!!

A garota prostrou-se no chão, estendendo os braços de forma exagerada. Diante de si, havia um jovem de cabelos loiros com as mãos paradas no ar, em choque.

— Me desculpa por ter ficado fora o dia todo! Eu não consegui ir te encontrar cedo, e ainda por cima aconteceram tantas coisas durante o dia…! Me perdoa! — Ryota bateu a testa no solo e implorou com os olhos cheios de lágrimas.

— Ah! Erga a cabeça, não precisa se desculpar desse jeito! Eh… Ah… Aqui, vamos, limpe o rosto.

Edward, ao ver aquelas atitudes, imediatamente ficou sem graça e correu para tentar auxiliá-la. Ryota foi exagerada no pedido de desculpas, mas ele rapidamente a perdoou. Após endireitar a postura, os dois se sentaram no sofá para conversar. Era o início da noite e estavam no quarto do príncipe. Como a garota ficou o dia todo lidando com alguns acontecimentos, ela só teve tempo para comer alguma coisa antes de correr para se encontrar com Edward.

Para sua sorte, ela descobriu que aquele era um dia de descanso no palácio, então ninguém trabalharia ou a forçaria a fazer algo apenas por ser uma guardiã. Então, relaxou os ombros e músculos tensos. Começaram a conversar sobre o dia, com Ryota ficando hesitante em dizer a respeito de como foi até a cidade, o que viu e com quem se encontrou. 

Havia vontade em falar sobre Marie e seu desejo de encontrá-lo, mas, para respeitar os sentimentos da garota, Ryota não mencionou nada. Apesar de saber como seria a reação do príncipe, queria ser capaz de ajudar a menina a se reconciliar com o irmão de forma apropriada. E, mais do que isso, para garantir sua segurança, não falaria nada no palácio sem pensar duas vezes. Nunca se sabia quem poderia estar ouvindo.

— Então, a coroação é em dois dias, não é?

— Sim.

— Você parece nervoso. 

— S-Sério? 

Edward colocou as mãos na face e cutucou a pele, olhando para o espelho ao lado vendo se não havia rugas. Ryota riu daquele lado preocupado do príncipe, lembrando-se que fazia algum tempo desde que puderam conversar tranquilamente daquela forma. 

— Não se preocupe. Um pouco de maquiagem e um suco de maracujá resolve.

— Não acho que apenas isso seria o bastante… — Edward parecia realmente preocupado — Espero não desapontar meu pai. Não posso demonstrar qualquer sentimento que comprometa a minha ou a sua reputação. 

Ryota franziu a testa ao ver que mesmo ele tinha prioridades, embora parte delas estivessem ligadas a Fanes e seu orgulho como príncipe.

— Vamos lá, respira fundo. Inspira, expira. Mais uma vez. Viu, só? Agora relaxa, ainda tem um bom tempo até a coroação começar. Até lá, tenho certeza de que estará preparado.

— … Certo, obrigado.

Edward deu um sorriso confortável para Ryota, e ela devolveu. Então, vendo-a daquela forma, o príncipe inspirou fundo outra vez antes de se recostar contra a almofada da poltrona.

— Sabe, eu estive pensando…

— Em quê?

— Você conseguiu salvar Marie e conversou com Albert, não é?

Mencionar o avô da garota despertou algo dentro dela, mas Ryota não deixou isso transparecer.

— Sim. E isso significa que a sua parte do acordo foi completa.

Ainda que os resultados não fossem os desejados, não havia como negar que Edward havia feito aquilo que prometeu. 

— E, em breve, serei coroado como o novo rei. E, então, você poderá ser livre novamente. O que quer fazer depois disso?

Edward inclinou a cabeça e a olhou, mas a garota apenas encolheu os ombros.

— … Eu… 

O que vou fazer depois daqui?

— … Provavelmente vou voltar para a mansão onde meu tio está e conversar com ele. Talvez… 

Era curioso como Ryota, ainda que tivesse decidido o que fazer, ficasse tão facilmente influenciada pelos ocorridos recentes ao ponto de sua mente ficar em branco. A determinação em reconstruir o que foi perdido ainda existia, mas saber que uma pessoa essencial faltaria era difícil de aceitar. Como não teve tempo para refletir sobre, engoliu em seco e hesitou.

— Se ainda não tem certeza… — o príncipe endireitou a postura e pegou uma das mãos da garota — Por que não fica aqui, comigo?

Ela piscou, sem entender.

— O quê?

Edward alargou o sorriso.

— Se não sabe o que fazer ou não tem um lugar para voltar, não gostaria de trabalhar para mim como guardiã? 

— Mas… Eu já estou fazendo isso…

— Sim, mas eu gostaria que fizesse isso ainda depois da coroação.

— Depois? — após entender o que ele queria dizer, Ryota apertou os lábios e expirou — Me desculpe. Eu acho que não nasci para esse tipo de trabalho. Na verdade, já recusei uma oferta parecida antes.

— Eu imaginei que essa seria a sua resposta, mas dói ouvir mesmo assim.

Vendo-o abaixar a cabeça dando um sorriso de derrota, Ryota riu meio sem graça. Para ela, era meio assustador que duas pessoas tão grandiosas a quisessem como sua companheira e guardiã, mesmo quando não havia nada nela de especial para ser chamativo. Entretanto, não podia deixar de se sentir honrada pelos pedidos. 

— Então, vamos fazer algo diferente.

— Diferente?

— Sim — ele ergueu a cabeça, ainda sorrindo e sem soltar sua mão — Eu quero que me enfrente amanhã, de manhã. Um duelo de espadas.

— O quê?! Por quê?!

— Apenas estou com vontade de me exercitar — Edward se afastou e deu de ombros para a garota sem entender nada — E, além disso, acho que será bom para perder um pouco do nervosismo.

— Mas por que contra mim? Eu nem sei usar uma espada direito…

Ryota aprendeu o básico com Miura, mas nada realmente digno para receber o título de espadachim. De toda forma, ela aprendeu e sequer teve a oportunidade de usar uma. 

— Porque eu quero.

A resposta de Edward foi egoísta e quase infantil, mas Ryota apenas riu da expressão convencida e relaxada dele. Ela realmente gostava daquele lado do príncipe, como se apenas pudessem conversar como amigos. Não que seu lado sério e comprometido fosse ruim, mas comparado com a forma que interagiam no começo, era bem mais agradável.

Por isso, vendo-o tão determinado a enfrentá-la, Ryota apenas concordou, sem ter chance alguma de negar seu pedido.



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