Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 6 – Arco 3

Capítulo 57: Ofertas e Respostas

Ainda que as cortinas cobrissem a luz que lentamente começava a adentrar o cômodo pelas janelas, Zero acordou logo quando o sol começou a dar as caras no céu. Seus olhos se abriram e o silêncio daquele local, sendo interrompido apenas pelo som baixo das respirações, o manteve tão calmo que foi realmente estranho. Não que suas noites de sonos fossem ruins, muito pelo contrário.

Porém, quando comparado ao sentimento de acordar ao lado de outra pessoa, permitindo que pudesse observá-la dormindo ao som de seu coração e respiração serena, era simplesmente agradável demais para parecer real. Zero apenas se lembrou de onde estava quando, ao virar-se, deu de cara com uma garota que dormia profundamente. Ao contrário das outras vezes em que dormiram juntos — ou melhor, que ele a fazia dormir em seu ombro ou colo —, Ryota parecia realmente descansar.

Normalmente, eram apenas cochilos atrapalhados e que davam dor nas costas, ou cenas em que o rapaz percebia a garota fazer caretas de dor, como se sonhasse algo horrível, e então lágrimas se acumulassem em seus cílios com as pálpebras ainda fechadas. Nessas situações, ele afagava seus cabelos e dizia baixinho que estava ali. Ou, então, segurava suas mãos firmemente fechadas, até que seus dedos começassem a perder a força e Ryota conseguisse passar por aquele pesadelo terrível.

Estava ciente de que a garota não conseguia dormir bem com frequência, por vezes sendo assolada por sonhos e pesadelos terríveis. Isso quando apenas não conseguia fechar os olhos, a ansiedade percorrendo seu corpo. Apesar dela jamais ter contado a ele com detalhes a respeito, Zero conseguia dizer apenas observando-a. Não era à toa que eram amigos de infância, afinal. Ao mesmo tempo, seria injusto da parte dele ser presunçoso quanto a isso, pois às vezes passava pelo mesmo, porém com uma frequência bem menor.

A verdade era que Zero não sonhava. Por vezes, apenas fechava os olhos e os abria em seguida, o sol da manhã o recepcionando. Ele bem que gostava daquilo, pois o impedia de acordar agitado ou incomodado. Entretanto, parte dele se sentia um pouco vazio por não poder desfrutar dos sonhos. 

Mas, para aqueles dois, a noite anterior havia sido bem diferente. 

Logo quando entrelaçaram os dedos das mãos e caíram no sono, ambos descansaram de forma adequada. Ryota, assim que dormiu, não acordou ou pareceu sonhar pesado. Em contrapartida, Zero sentiu que sonhou, mas não foi desconfortável. Em realidade, foi como se apenas relembrasse o passado, mas de forma clara ao ponto de sentir e tocar nas pessoas presentes. 

Ao despertar, uma sensação que fazia apertar o coração fez com que seus olhos se enchessem de água, mas rapidamente os limpou. A saudade e a nostalgia ainda invadiam seu corpo enquanto observava Ryota dormir, sem dar qualquer sinal de que acordaria também. Zero desconfiava que ainda fosse bem cedo, e por terem ido para a cama tão tarde — e, é claro, por ela estar exausta física e mentalmente —, o rapaz não quis interromper seu sono. Por isso, afastando um fio de cabelo para trás de sua orelha, tocando sua pele quente, apenas permaneceu daquela forma por um tempo. 

Então, quando sentiu que era hora de rumar ao seu próprio mundo de novo, Zero apenas se aproximou o bastante para dar um beijo na testa de Ryota antes de silenciosamente se colocar de pé, arrumar-se e sair do quarto. Logo ao virar a maçaneta, surpreendeu-se ao perceber que não estava sozinho. 

Ele engasgou ao perceber que uma pessoa erguia a mão em forma de concha para bater na porta, parando imediatamente ao ver que alguém saia do cômodo. Zero e Edward trocaram olhares confusos, piscando um para o outro.

— … Alteza — resmungou Zero, parando então para dar um sorriso debochado — Precisa de algo?

Normalmente, o rapaz jamais provocaria o futuro rei da nação daquela forma. Porém, ao ver que Edward paralisou, em choque, a mente processando mil e uma informações e possibilidades do que aconteceu da noite passada até aquela manhã, Zero não se conteve. E, ao fazer aquela pergunta tão direta, a mente do príncipe apenas pifou como se queimasse, saindo fumaça pelas orelhas.

— Ah, não fale baixo. A donzela ainda está dormindo. Foi uma looonga noite, sabe? — Zero continuou aos sussurros, erguendo o dedo indicador perante os lábios sorridentes.

— … Ah… Hã… Oh… Hã? Ah… Ah, claro, eu entendo. Digo, acho que sim.

Era adorável ver um rapaz inexperiente em relações como Edward interpretar situações como aquela de forma errada, então Zero não se dispôs a tentar explicar para o príncipe com o rosto vermelho o que havia acontecido de verdade.

— Pretendia acordá-la?

— … Se ela está precisando de um dia de descanso, não vejo problema algum em deixá-la como está.

Os dois espiaram por uma fresta da porta, vendo a garota dormindo de costas para os dois.

— Agradeço por tê-la trazido até seus aposentos. Acabei permanecendo no salão durante algum tempo, então fico feliz em saber que a Ryota está descansando um pouco.

Edward comentou assim que fecharam a porta e se afastaram um pouco, caminhando pelos corredores. As cortinas abertas faziam a luz solar adentrar preguiçosamente, e Zero percebeu que ainda muitos quartos estavam escuros, possivelmente com seus hóspedes dormindo. 

— Não precisa me agradecer.

— Nos últimos dias, ela passou por alguns momentos difíceis. Estive preocupado que poderia tê-la magoado ou tê-la feito se cansar de mim, mas… Quando a vi se esforçar tanto na última noite, senti como se devesse corresponder a esse esforço.

— “Momentos difíceis”, não é?

Seria fácil para Zero apenas concordar com suas palavras — isso, caso não tivesse ouvido Ryota se desfazer em lágrimas na noite passada, desejando com todo o seu coração apenas deixar tudo para trás. Ver Edward acreditar tanto no esforço da garota era um conflito direto com o desespero dela, que jamais poderia demonstrar diretamente ao homem ao qual certamente devia algo. 

Ele não estava ciente das razões ou objetivos pessoais de cada um, e ainda estava bastante preocupado com a marca que estava no pescoço da garota. Não houve tempo para perguntar o que era, e certamente estaria sendo intrometido se tentasse descobrir tudo agora. Parte dele apenas desejava tomar essa ação sem pensar duas vezes, mas a parte mais racional dizia que seria problemático tanto para Edward, quanto para Ryota e principalmente para ele, que precisava saber conseguir informações e dialogar com a alta classe sem parecer tão desesperado. Havia tentado aprender um pouco sobre isso nos últimos dias, mas ainda era difícil lutar contra seus próprios instintos e velhos hábitos.

— Você quer saber?

— O quê?

Zero se assustou um pouco quando Edward repentinamente parou, olhando-o como se o lesse perfeitamente.

— A razão pela qual a Ryota se tornou minha guardiã.

— … Por que acha que quero saber?

— Me perdoe por ser tão direto, Zero, mas consigo perceber que está realmente curioso para saber. Ainda que se esforce para não demonstrar, você ainda não consegue ocultar seus próprios sentimentos. Nesse sentido, ela sempre foi muito superior a você.

Zero ficou levemente constrangido e recuou, desviando os olhos. 

— Ouvi falar que está buscando recuperar seu título como nobre.

— Sim, exatamente.

— Acho bastante honrado de sua parte se esforçar tanto por esse objetivo. Se bem me recordo, precisa da aprovação de todos da nobreza… Inclusive a minha.

Repentinamente, Edward mudou seu comportamento. Aquele que estava diante dele era o príncipe de Hera, o futuro rei de Thaleia que seria coroado dali a apenas dois dias. Enquanto aquele simples e inocente rapaz desaparecia, Zero sentiu que o clima entre eles também mudou. Ao invés de Zero e Edward, aqueles que dialogavam eram pessoas da nobreza que precisavam se estabelecer na sociedade.

O príncipe arrumou a postura.

— Me responda uma coisa.

— É claro.

— Por que decidiu recuperar seu título? Sinto que falar sobre rumores não é digno de alguém como eu, porém não posso deixar de me perguntar a razão de ter abandonado tudo e repentinamente retornar. Você tinha a liberdade de escolha, por mais que uma parte de você fosse manchada por isso. Poderia ter tido a vida que quisesse. Então, o que o fez mudar de ideia e retornar à nobreza?

Parecia que a pergunta feita por Edward, além de sua curiosidade, era também fruto de algo muito maior. Como se parte dele refletisse a respeito dessa possibilidade e quisesse entender a razão de alguém tomar uma decisão daquelas quando tudo havia desmoronado e sido perdido no tempo.

Entretanto, ainda que as peças tivessem caído, não era como se não pudesse ser reconstruído.

— Por longos dez anos, eu fugi de mim mesmo.

Zero começou a respondê-lo se virando para a janela, olhando para o glorioso jardim.

— Fechei os olhos para o que não queria ver, tapei meus ouvidos para o que não queria escutar e selei meu coração para nunca mais relembrar. Sentia que, ainda que uma parte de mim, aquela que ainda se lembrava do orgulho da nobreza, subisse à minha cabeça, eu realmente perderia tudo. 

Ser levado pela vontade de reconstruir algo que havia sido destruído era poderoso, digno de até mesmo ser aplaudido quando conquistado. Entretanto, quando era tudo o que importava em sua vida, qual era o verdadeiro significado desse sentimento além de orgulho e avareza? Sequer poderiam ser considerados emoções suas. Era uma semente plantada em sua mente desde a infância, para que os descendentes sempre continuassem a linhagem contando com as leis básicas da nobreza. 

Por isso, Zero, que havia tentado abandonar tudo, mesmo depois de ter se isolado ao ponto de esquecer de quem era, ainda se lembrava disso. Ainda que perdesse o sentido de viver, que não houvesse qualquer pessoa importante para amar ou ser amado, ainda que a trilha de seu caminho fosse como um grande deserto… O nobre em seu coração jamais se esqueceria. Apenas aguardava o momento correto para tomar conta de seu ser.

— Eu não queria voltar a ser um Furoto. Mas, ao mesmo tempo, nunca desejei esquecer minha família. Era uma luta interna constante. Se eu voltasse e recuperasse o que era meu de direito, de que adiantaria? Aonde minha vida chegaria? Eu estaria satisfeito comigo mesmo, ou era apenas mais um sentimento que não me pertencia, mas ao meu sangue? Eu poderia viver sem isso? Mas como lidar com esse sentimento que queima em meu peito? Então, quando percebi que tinha medo da resposta para todas aquelas perguntas, eu continuei a fugir sem olhar para trás.

Edward observava-o com os olhos semicerrados, notando como o rapaz segurou o tecido da roupa acima do coração.

— Foi então que eu percebi que estava sendo um grande tolo. Por que eu precisava escolher um? Eu poderia apenas abraçar os dois. Quando algumas coisas aconteceram, mudando a minha rotina mais uma vez, eu me perguntei se tudo deveria continuar daquela forma. Se me agarrar aos mesmos dias, mesmos pensamentos… Me fariam chegar a algum lugar. Eu tinha medo da mudança e do futuro. Mas, então, quando as pessoas e o mundo começou a caminhar para longe, mudando sem mim… Entendi que não poderia mais continuar fugindo, parado no lugar. Eu precisava tomar uma decisão. Não pelos outros, mas por mim mesmo.

O que deveria fazer? Abandonar a vida e recomeçar? Retornar às origens? Por que todas as vezes que considerava as possibilidades, jamais conseguia conectar as duas coisas que desejava? Por que era tão incapaz de aceitar os dois Zeros? Por que ele ainda continuava fugindo dele mesmo? Por que continuava negando seus desejos, seus sentimentos e lembranças? Por que não apenas abraçar os dois e vivê-los ao máximo?

— Fugi durante dez anos da minha vida, e foi então que percebi que foram longos dez anos dentro de meu próprio casulo. Mas quando uma pequena luz adentrou em minha vida, me mostrando um caminho diferente, eu entendi que essa era uma escolha minha, mas que poderia ser tomada ao lado das novas pessoas que eram importantes para mim. E foi por isso — Zero trocou olhares com Edward, parecendo bem consigo mesmo — Que decidi retomar meu título.

— … Por você mesmo?

O príncipe soltou um sussurro, pensativo.

— Não é o mesmo com o senhor?

— Hm?

— Nunca desejou algo com o coração? Algo inteiramente seu, e apenas seu? Vossa Alteza sempre desejou a coroa?

Dessa vez, foi Edward quem desviou os olhos para o jardim. Por um segundo, não soube responder. 

— A coroa não é algo para ser desejado, senhor Furoto. Como futuro rei, é apenas uma responsabilidade que devo assumir e carregar pelo resto de minha vida. Não importa se deseja ou não, seu destino permanece o mesmo — Edward soltou um suspiro pesado, baixando os ombros — No passado, apenas considerava um fardo estar destinado a algo. Mas, recentemente, descobri que essa é uma responsabilidade que não pode ser carregada por uma única pessoa.

O príncipe olhou para Zero e engoliu em seco, a expressão séria e determinada em seu rosto.

— Sou diferente do meu pai. Ele pode ter tido uma mentalidade admirável, mas seu coração sempre falou mais alto. E, assim como você, Zero, desejo poder reconstruir o reino com minhas próprias mãos, mudando a história para melhor. Desejo ser capaz de trazer o melhor para as pessoas de todos os cantos do país… Mas, como disse, não posso fazer isso sozinho. E você também não pode reconstruir o legado dos Furoto sozinho, não é?

Um arrepio gelado percorreu as costas do rapaz, que era encarado pelo par de belas íris violetas com aro dourado nas pupilas. Após inspirar fundo, Edward concluiu:

— … Eu decidi pedir a mão da Ryota em casamento.

Por um instante, o mundo congelou. Os ouvidos de Zero quase ensurdeceram ao zumbirem e seus olhos se arregalaram. Foi tão repentino, e de uma forma tão direta, que foi incapaz de responder.

— Percebi que, ainda que ela não desejasse continuar sendo minha guardiã, gostaria de que permanecesse ao meu lado — Edward deu um sorriso tímido, olhando para baixo — Porém, estaria apenas sendo egoísta. Antes de meus sentimentos, meu maior desejo é que ela fosse feliz. E foi então que percebi que havia apenas uma única pessoa capaz de cumprir com esse papel.

O susto passou imediatamente. A voz determinada de Edward lentamente se tornou baixa, e o brilho de suas íris falharam. Ele apertou as pálpebras, como se lutasse para se concentrar, e continuou a falar ao abri-las novamente:

— Sinto muito, não queria assustá-lo. Apenas senti que deveria ser sincero quanto aos meus sentimentos… E espero que seja capaz de fazer o mesmo. 

— Muito obrigado por me dizer — respondeu Zero, dando um sorriso fraco. Edward o retribuiu.

Não havia muito o que ser dito. O clima entre eles era de compreensão mútua, como duas pessoas que passaram por muito, mas a primeira pessoa a lhes estender a mão foi aquela que conseguiu roubar seus corações. Entretanto, mais do que qualquer sentimento de carinho por essa pessoa, havia respeito entre os dois homens. Portanto, ainda que pudesse ser uma conversa normalmente estranha, eles não se sentiram constrangidos.

— De toda forma, senhor Furoto — Edward se virou, retornando a caminhada ao lado de Zero, que sorriu um pouco mais ao ser chamado novamente pelo sobrenome  — O dia de hoje para descansar após o baile de ontem, então peço que aproveite a estadia antes da coroação.

Ainda que não tivessem passado nem perto do salão de baile, Zero podia imaginar que os empregados ainda estavam ocupados limpando e organizando o local. A nobreza acabou a festa apenas durante a madrugada, tendo se esgotado completamente com as risadas, danças e comidas. Foi certamente um grande evento antes da coroação, porém, seria impossível exigir algo de qualquer um agora, portanto, era esperado que houvesse um único dia de descanso antes disso.

— Para ser honesto, ainda estou um pouco nervoso — continuou o príncipe, sorrindo — Mas espero ser capaz de ganhar coragem para fazer aquilo que desejo, assim como você.

— Tenho certeza de que conseguirá.

Por um segundo, Zero quase viu o sorriso de Fanes no rosto de Edward. Havia a mesma gentileza na forma de falar, embora as personalidades fossem diferentes.  

— Bom dia, Alteza. É um prazer vê-lo nesta manhã.

 Repentinamente, quando cruzaram um corredor, encontraram-se com uma figura não muito agradável ao rapaz de cabelos violeta. Porém, ainda desconfortável, Zero decidiu permanecer em silêncio quando Juan Over se aproximou fazendo uma reverência.

— Bom dia, senhor Over. Dormiu bem nesta manhã.

— Com certeza. 

Juan havia saído tão cedo quanto Ryota ou Fuyuki, então era esperado que tivesse dormido o mínimo possível para estar com uma expressão tão boa. Seus olhos deslizaram na direção de Zero, se apertando.

— Estive tendo uma conversa agradável com o senhor Furoto — disse o príncipe, ao notar uma tensão entre  os dois — Gostaria de unir-se à nós?

A proposta era bastante tentadora para Zero, que, até então, não fora capaz de se aproximar adequadamente do homem. Juan, ao contrário de todos os outros, e ainda mais difícil de lidar do que Shin, era claramente contra a presença do rapaz. Ver Edward fazer a proposta o fez imediatamente fechar a expressão.

— Não — a resposta foi curta e grossa — De toda forma, Alteza, recordei-me de que ainda não pude presenteá-lo com meu cimélio. Poderia me acompanhar?

— Oh, é verdade.

Desde o Debute, muitos eventos aconteceram, então Juan foi o único a não ter tido a oportunidade de oferecer um presente ao príncipe. Ao notar isso, Edward se virou para Zero com um sorriso como que pedindo desculpas.

— Acompanharei o senhor Juan. Nos encontramos para continuarmos nossa conversa em outro momento, sim?

— É claro, Alteza. Com sua licença. 

Zero fez uma reverência e saudou Juan com a cabeça, se afastando ao vê-lo fuzilar com os olhos. Ignorando-o, o rapaz apenas se afastou na direção contrária, com ambos passando por corredores diferentes. 

— Alteza, este anel é…?

De repente, Juan parou e observou aquilo que estava em um dos dedos da mão direita do príncipe. Edward o ergueu perante os olhos.

— Sim, foi o presente de dona Sofia no Debute. Na verdade, ele é… Muito mais importante do que parece.

Edward sorriu para o anel, incapaz de contar que era de sua falecida mãe. Mas apenas o sorriso emocionado dele parecia dizer que havia uma história por trás do item, então Juan apenas pigarreou, mudando de assunto enquanto andavam.

Isso me lembra que faz dias desde que vi Diz ou Sasaki pela última vez… 

Enquanto se dirigia ao andar onde ficavam os aposentos da corte, Zero assim refletiu mentalmente. 

De toda forma, não posso pedir a ajuda deles novamente. Espero poder me encontrar com Shin nesta manhã e conversar adequadamente com-

— Infelizmente, ele não está.

De repente, enquanto ainda se dirigia na direção do quarto do patriarca da família Akai, Zero teve seus pensamentos interrompidos por uma voz que soava como música. Parando, ele se virou para trocar olhares com uma bela moça que se recostava contra a porta do próprio quarto.

— Acordou cedo nesta manhã, dona Sofia.

— Eu tenho um sono leve — respondeu ela, cruzando os braços com um sorriso no rosto — E, aparentemente, você também.

Sofia riu internamente, analisando-o com o belo par de íris azuis quase verdes. Zero não gostava nem um pouco quando a moça fazia aquilo, parecendo lê-lo perfeitamente como um livro. 

— Dona Sofia, Sasaki e Diz são seus guardiões, certo?

— Mudando de assunto tão diretamente?

— Eles ainda estão no palácio?

— Hm. Sim, Sasaki é meu guardião, mas ele está ocupado com assuntos mais importantes. Quanto a Diz… Estou surpresa que tenha tido contato com ele.

Os dois novamente trocaram olhares, silenciosos. Estavam sozinhos no corredor que era idêntico ao dos quartos dos guardiões. E, assim como os deles, a maioria dos cômodos pareciam escuros, como se a corte ainda estivesse dormindo.

— … Entendo. 

— Então? Pretendia conversar com Shin?

— Você disse que ele não estava, não é?

Zero olhou para a porta e reparou que seu cômodo estava claro do lado de dentro.

— Sim. Ele saiu cedo para um compromisso.

— Mais compromissos importantes… 

— Não fique tão irritado. Ainda que hoje seja um dia para descansar, a corte jamais interrompe suas atividades de verdade.

Zero decidiu ignorá-la e andar para longe, apenas para receber ainda mais provocações vindas da mulher. 

— Deseja saber onde ele está?

O rapaz parou.

— Ou, então, deseja que eu o auxilie novamente? 

— Qual será o pagamento dessa vez?

— Ora, mas que garoto astuto — Sofia riu, passando os dedos pelos próprios lábios — Que tal mais um convite para tomar chá? 

— Por que se importa tanto? Por que continua tentando me ajudar? Qual o seu objetivo?

Quando recebeu uma metralhadora de perguntas, Sofia apenas alargou o sorriso. Então, se desencostando da porta, ela caminhou lentamente até o rapaz, erguendo seu queixo.

— Porque é divertido. E, também, porque gosto de conversas casuais acompanhadas de um bom chá.

Sofia passou por ele, caminhando ainda na mesma velocidade. Zero permaneceu parado, olhando sua figura se distanciar.

— … Ou será que devo fazer uma proposta melhor? — perguntou ela, como se sussurrasse uma tentação.

— O quê?

— E se eu lhe contasse a respeito de seu irmão mais novo?

Mais uma vez, o corpo de Zero congelou no lugar. Mas, dessa vez, ao invés de apenas surpresa, o sangue em seu corpo começou a ferver.

— Por que… Você sabe sobre…?

— Esqueceu-se de quem sou? — riu ela, adorando sua expressão — Mulheres bonitas precisam de cartas na manga. Será que deveria lhe contar mais sobre ele? Ou, talvez, deseje saber mais sobre o que aconteceu com os Furoto há dez anos? 

Sofia se virou, agora a uma distância considerável, inclinou a cabeça e abriu um sorriso mostrando os dentes. Era como um demônio que revelava a mais pura tentação, sem hesitar.

— E então? O que fará, Zero Furoto?

A única resposta que o rapaz conseguiu dar a ela foi engolir saliva em seco e se aproximar dela a passos duros.



Comentários