Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 6 – Arco 3

Capítulo 55: Entre Coroas e Algemas

Luccas não costumava estar presente o tempo todo no palácio, porém, sempre que batia seus olhos ou se encontrava pelos corredores com Teresa, suas íris se arregalavam. Parecia que, mesmo conforme o tempo passava, ela continuava a ficar ainda mais bonita. Então, quando a rainha de repente cruzou seu caminho com o dele, as duas mãos abraçando sua barriga que lentamente começava a ficar cada vez maior, o capitão não conseguiu deixar de ficar espantado.

— Bom dia, senhor Luccas.

— Majestade — ele imediatamente fez uma reverência longa, descendo então os olhos bicolores — Minha nossa, está enorme. 

Ao ouvi-lo dizer aquilo sem pensar, a dama sorriu com gosto, divertida ao ver o capitão tentar se corrigir, constrangido por ter se deixado levar pela surpresa. Teresa apenas abanou uma das mãos no ar.

— Sim, está crescendo rápido. 

Passaram-se apenas alguns poucos meses desde que o anúncio de seu primeiro filho fora feito oficialmente, mas todos comentavam com ansiedade a respeito do principe que nasceria em breve. No palácio, todos saudavam Teresa com um sorriso largo de felicidade, como se fossem de sua própria família. Mesmo Luccas, sempre que cruzava com a moça, era preenchido por um sentimento inexplicável de carinho, como se ela fosse uma irmã ou uma prima que cresceu junto desde a infância. 

A razão de todos pensarem assim sobre ela vinha provavelmente de seu carisma e gentileza. A rainha era uma mulher que, inconscientemente, foi capaz de mudar todo um reino em menos tempo do que muitos conselheiros da nobreza em décadas de esforço. Olhar para o rosto, agora um pouco mais rechonchudo, de Teresa, que sempre abria um sorriso largo, era quase como olhar para sua própria mãe. Havia um calor, um clima tão agradável ao redor daquela mulher que fazia qualquer um ter vontade de estar sempre ao seu lado.

Embora Luccas jamais tivesse se apaixonado antes, ele conseguia entender porque Roger teve seu coração roubado por ela. A rainha, mesmo com seus serviços rotineiros, continuava a mesma dama de antes. Era gentil com servos e guardas, auxiliava os enfermeiros e médico Fanes no trabalho com gosto, tocava sua flauta todas as noites e manhãs… Era inexplicável como uma pessoa podia se parecer tanto com a própria luz.

Às vezes parecia difícil até mesmo olhar para seu rosto sem desviar o olhar.

— Acredito que nascerá um garoto forte e saudável… Espero que seja forte como seu pai, também.

Teresa continuou falando com um olhar sonhador para a própria barriga, acariciando-a com delicadeza.

— Então, será um menino?

— Ah, é verdade. O senhor não costuma ficar pelo palácio, não é?

— Sim, Majestade — Luccas respondeu meio constrangido, mas Teresa apenas o olhava com um carinho tão grande que ele poderia chorar ali mesmo — Acredito sua Sua Majestade Roger ficou muito feliz com a notícia.

— Com certeza — riu ela — Para a realeza… Digo, para qualquer um da nobreza, ter o primeiro filho homem é como uma honra. 

Ela disse aquilo com ternura, mas suas palavras ficaram baixas com o tempo, como se refletisse sobre algo. Então, Teresa ergueu o par de olhos azuis que possuíam um aro dourado ao redor das pupilas e focou-se no rosto do capitão.

— Para ser honesta, eu não gosto nem um pouco disso. Digo, dessa idealização tradicional da nobreza sobre os gêneros. Eu gostaria… Eu gostaria que, não importando o sexo do bebê, ele pudesse decidir seu futuro sozinho, mas eu não deveria esperar algo diferente quando me casei com um rei, não é?

Luccas ficou em silêncio quando a rainha começou a pensar sozinha, sussurrando. Ela não parecia incomodada, apenas um pouco triste pelo o que reservou com antecedência para sua criança.

— Mas, mesmo que ele tenha muitas responsabilidades no futuro, quero ser capaz de ser uma boa mãe. O senhor tem filhos?

— Ah, não. Eu não… Não.

Ele ficou imediatamente sem-graça quando recebeu uma pergunta tão direta, mas Teresa apenas riu docemente, os olhos se apertando um pouco.

— … Sabe, se adaptar a este lugar é um pouco difícil. Honestamente, eu sempre quis ter uma família, mas jamais esperei que pudesse dar tanto luxo à ela. Minha eu do passado ficaria realmente impressionada se eu contasse a ela que me casei com um rei e posso vestir esses lindos vestidos — Teresa riu baixinho — Mas, acima de qualquer bem material… Eu quero ao menos ser capaz de criar minhas crianças com tanto amor quanto me criaram. Quero ser capaz de passar ensinamentos a eles, contar sobre seus avós maternos, mostrar o mundo a eles… 

Os olhos da rainha deslizaram para a janela, se perdendo em pensamentos novamente. Luccas finalmente percebeu que Teresa parecia constantemente presa aos próprios pensamentos, como se houvesse um mundo próprio apenas dela. Talvez fosse por isso que, mesmo durante os momentos difíceis, ela fosse capaz de lidar com as dificuldades com tanta paciência e cuidado.

Mas, de repente, seu sorriso se desfez.

— … Majestade? 

— Ah. Sinto muito, acabei indo longe demais. Preciso ir, agora. Tenha um bom dia, senhor Luccas.

Quando foi chamada, Teresa se assustou e sorriu de forma constrangida para o capitão, cumprimentando-o com a cabeça antes de andar em disparada. Ela sequer se virou, mas ele podia sentir perfeitamente que sua expressão havia se desmanchado novamente em uma de preocupação.

— Naquela época, eu não tive coragem o bastante para perguntar a origem de seus medos. Para ser honesto, quando a vi daquela forma pela primeira vez, meu primeiro instinto foi pensar que era apenas insegurança quanto ao parto. Afinal, era seu primeiro filho.

Luccas continuou a contar a história, agora com um semblante triste, quase arrependido.

— Mas hoje vejo que havia muito mais em sua mente do que eu sequer poderia ter imaginado… 

Fechou os olhos para refletir por um instante, e ninguém da sala se atreveu a interromper o que se passava por seus pensamentos.

— E então, eu não vi mais a rainha até o dia que o primogênito nasceu… Porém, por alguma razão, desde que Edward nasceu, as coisas começaram a mudar.

— Mudar, como? — perguntou Fuyuki, agora sentada ao lado de Eliza na maca ao lado.

— … Como se os tempos tivessem mudado, ou alguém tivesse mudado, de repente.

Quando o primeiro príncipe nasceu, houve uma grande festança em Hera. Assim como no dia de seu casamento, todos estavam imensamente felizes, comemorando durante um dia inteiro. Entretanto, era apenas do lado de fora que havia festa, pois o interior do palácio não estava nem um pouco animado.

É claro que, assim que o bebê chegou aos braços de Teresa, que estava deitada em sua cama, olhando para o pequeno bebê completamente encolhido e que chorava nos braços do médico — de Fanes —, os empregados e toda a guarda comemorou, felizes com a vitória da rainha de ter conseguido dar à luz. Entretanto, eles desconheciam completamente a realidade.

Assim como o próprio Luccas, que mesmo estando lá no dia, jamais ousou imaginar que a rainha, na realidade, era extremamente fraca. Você poderia dizer que o tanto de força mental e espiritual que ela possuia era equivalente a sua fraqueza física. O capitão jamais teria imaginado algo do tipo, uma vez que sempre via a dama caminhando pelos corredores ou no jardim. Porém, quando pensava assim, fazia sentido. Ele jamais a viu fazendo tarefas exigentes ou ficando até tarde demais em festas. Nunca a viu consumir álcool — algo que, na época, julgou por ser parte de seu caráter — ou se perguntou porque sua pele, ainda que estivesse constantemente sob o sol, continuava branca como papel. 

A verdade sobre a condição física de Teresa chegou aos ouvidos de todos, porém, estavam felizes que ela fora forte o bastante para dar a luz de forma saudável a Edward Fiore. O bebê, que era pequeno até para seus padrões, não pôde ser segurado pela rainha, que estava exausta o bastante para desmaiar logo depois de seu parto encerrar. Entretanto, quando Fanes, o médico responsável por seu parto, aproximou-se de sua cama com a criança nos braços e o deitou logo ao lado de seu rosto, a moça imediatamente acordou com os sons de choro do bebê. 

Lágrimas escorreram por seu rosto que estava cansado demais para esboçar qualquer outra reação além de um singelo sorriso. Apesar de sua condição, era perceptível pelo brilho forte nos olhos da rainha que ela estava orgulhosa e mais feliz do que nunca de seu feito.

Edward Fiore era uma criança que parecia uma garota. Desde cedo, seus cabelos loiros cresceram rapidamente, assim como o de seu pai, porém, se tornaram macios e graciosos como os da mãe. Os olhos violetas eram uma mistura perfeita das duas íris, porém, a pupila com aro dourado se destacava. Ele era elogiado por todas as damas da nobreza e suas filhas, cortejado para terem sua mão desde cedo — algo que Teresa jamais permitiu. Ela desejou que o garoto pudesse aproveitar sua infância da melhor forma possível, e assim se esforçou para dar a ele toda a diversão e presença quanto era possível.

Porém, a rotina da rainha mudou.

Desde o parto de seu filho, ela passou a andar menos pelos corredores, ao ponto de parar quase que completamente. Ainda era possível encontrá-la frequentemente no jardim, entretanto, permanecer debaixo do sol por tanto tempo parecia fazer mal à ela. Mas, apesar de todas as dificuldades, Teresa jamais perdeu seu amor pela natureza e principalmente pela música, fazendo questão de tocar sua flauta ao menos todas as noites, uma vez que as madrugadas pareciam realmente difíceis para ela.

E assim, pouco mais de quatro anos se passaram. Neste período, Luccas esteve especialmente presente no palácio, porém, não demais a ponto de descobrir a razão dos acontecimentos que viriam. Isso porque, de repente, houveram rumores de que Roger estava maltratando sua esposa. O termo usado parecia bastante cruel quando Luccas se recordava dos dias em que ambos passavam juntos. Era quase uma ofensa ao relacionamento daquele casal que parecia tão feliz. Entretanto, desde o parto de Edward, as coisas mudaram.

Eles não mais se encontravam no jardim para conversar, ou pareciam se relacionar tão bem quanto antes. Pressupõe-se que a razão era preocupação com a saúde da rainha, que a cada dia parecia um pouco mais debilitada, afetando novamente seu humor, tornando-o tão rabugento e recluso quanto no passado. Suspeitava-se que o mesmo comportamento era direcionado à Teresa, mas, assim como no passado, nada jamais foi confirmado.

Porém, para a surpresa de todos, houve o anúncio de que a rainha daria à luz a uma segunda criança. O povo, que desconhecia a real situação, novamente comemorou pela notícia. Entretanto, assim como Luccas, aqueles que estavam no palácio imediatamente desconfiaram do que estava acontecendo. Como Roger e Teresa poderiam ter decidido ter outro filho logo depois da dificuldade com Edward? Porém, ninguém podia se intrometer em seus assuntos, então nada jamais foi comentado.

— Como esperado, Teresa teve uma dificuldade ainda maior para o parto da segunda criança. As expectativas eram baixas, mas… As coisas apenas pareciam piorar a cada semana.

Eventualmente, Luccas não mais viu a rainha nos jardins ou nos corredores. Ou nas reuniões, ou no salão de baile, ou sequer na sala de jantar. Ela passou a permanecer em seu quarto, fraca demais para andar. Ele nunca esteve por dentro de todos os detalhes, porém, soube pelas cozinheiras que a rainha era capaz de apenas comer pratos leves e beber muita água, embora seus desejos de gravidez continuassem estranhos e o enjôo fosse como uma constante tortura.

Não demorou muito para que as más línguas da nobreza novamente viessem à tona, colocando a culpa em sua genética fraca e patética. Culparam-na de dar luz a um filho defeituoso, que não desejava segurar uma espada ou estudar devidamente, passando mais tempo brincando do que se preparando para ser rei. E, por fim, acusaram-na de desejar abortar a segunda criança… Mas isso nunca aconteceu. Não importava o quão duro fosse, Teresa se esforçou até o fim para que pudesse salvar o segundo bebê.

Luccas não ouvia mais o toque da flauta nas manhãs ou ao anoitecer. Os dias se tornaram cinzentos e preocupantes. Era quase como no passado, porém, de forma ainda pior, pois o humor de todos se tornou sensível e instável. Havia a pressão da nobreza e o medo das pessoas de que Teresa não fosse capaz de suportar os nove meses de gravidez. Luccas jamais foi visitá-la em seus aposentos, mas ouviu falar que, apesar de estar constantemente deitada, passando mal e comendo pouco, o sorriso da rainha ainda permanecia, assim como sua gentileza.

Os dias se arrastaram. Luccas se recordava de que a rainha, antes mesmo de ficar de cama, gostava de sair para caminhar. Não apenas pelos corredores ou pelo jardim, mas saindo do próprio palácio até o centro de Hera. Ainda acompanhada da guarda, a dama, ao lado de seu filho, andava pelas ruas e falava com as pessoas. Brincava com as crianças e cumprimentava os idosos, sempre com um sorriso na face. Era impossível que o povo não amasse Teresa pelo seu esforço e gosto em se aproximar deles, seja interagindo diretamente ou auxiliando-os como rainha.

Portanto, quando a notícia de que o segundo parto começaria chegou aos ouvidos de Luccas, um arrepio de preocupação percorreu sua espinha e ele se viu correndo na direção de onde os gritos vinham. Obviamente, não foi permitido que entrasse, mas ele percebeu que, se apenas desse as costas agora, como fizera uma vez, se arrependeria para o resto de sua vida. Por isso, permaneceu do lado de fora, apenas ouvindo o som de passos, de vozes conversando e dos berros abafados da rainha.

— E então… O parto foi um sucesso.

Fuyuki enrijeceu. Ao seu lado, Eliza apertou os olhos e os lábios, sentindo que algo terrível estava por vir.

Sora e Kanami ainda estavam parados na porta, inexpressivos. Porém, seus ouvidos estavam atentos à história, e nem mesmo eles foram capazes de ignorar o que Luccas contou a seguir.

— A princesa nasceu perfeitamente saudável… Mas, infelizmente, a rainha acabou falecendo logo depois.

Eliza soltou um som de surpresa, como se estivesse prendendo a respiração havia tempo. Fuyuki fechou os punhos, um pouco nervosa ao perceber que havia não apenas tristeza nos olhos bicolores, mas sim uma espécie de raiva.

— A verdade sobre aquela noite jamais veio à tona. Eu me recordo perfeitamente de ter escutado Fanes gritar em desespero, e então muitos barulhos. Vi com meus olhos quando Roger entrou correndo no quarto, e um silêncio ensurdecedor começou… E, então, uma discussão horrível. Roger e Fanes começaram a brigar. 

Luccas segurou o tecido de suas roupas com força, olhando para o chão, quase como se conseguisse ouvir perfeitamente as palavras que escutou naquele dia. Marie, sentindo-o enrijecer o corpo, abraçou-o um pouco mais forte. 

— Escutei Roger quando ficou em silêncio, em choque. Então, passos pesados… E o som de alguém caindo no chão. Acho que Fanes havia levado um soco de Roger, pois ele começou a gritar e acusá-lo de ter matado a rainha de propósito. Quando me aproximei da porta, vi perfeitamente que havia sangue escorrendo do nariz de Fanes, e ele tentava apaziguar a situação, mas o rei havia enlouquecido completamente.

Luccas lembrou-se de ver Roger partir para cima de Fanes, que se afastou assustado ao ver o rei sendo segurado por guardas que tentavam acalmá-lo. Vozes se sobrepuseram, várias delas… Mas nada doeu mais no capitão do que ver que enxergar à distância as mãos caídas de Teresa do lado da cama, sem força ou vida.

Lágrimas começaram a escorrer por seus olhos — pelos de Luccas no passado e no presente.

— Fanes estava aterrorizado. Eu me lembro de que, mais do que chocado por Roger acusá-lo daquela forma, ele parecia terrivelmente abatido. Como se não acreditasse que foi incapaz de salvar Teresa de sua morte. Nos braços de uma enfermeira, eu vi a princesa recém-nascida começar a chorar alto, apenas atiçando ainda mais a fúria de Roger. Ele apontou para a mulher e falou tão grosseiramente com ela… Disse para sumir com aquele bebê de uma vez por todas. Era como se realmente odiasse do fundo de seu coração aquela garota que mal havia chegado ao mundo.

Ele se lembrava perfeitamente daquela cena. De como o ambiente repentinamente ficou sério e quente, com Fanes saindo do choque ao ser segurado pela gola novamente, com Roger decidido a descontar toda a sua fúria nele. 

Luccas enxugou suas lágrimas e inspirou fundo, fazendo uma pausa.

— … As notícias que chegaram ao mundo eram que tanto a rainha quanto a segunda princesa morreram naquela mesma noite. O caso entre Fanes e Roger jamais saiu daquela sala, e nos fizeram jurar que jamais contaríamos o que vimos ali. Mas, mesmo estando presente, jamais fui capaz de entender a verdade. Por que Teresa morreu? Por que Roger enlouqueceu? Por que o rei tinha tanta confiança ao chamar Fanes de traidor da coroa? Por que Fanes não foi capaz de salvá-la, mesmo tendo se esforçado tanto? Por que a rainha falava como se sempre soubesse que esse dia chegaria? Por que ela jamais deixou de sorrir? Por que Roger cometeria tamanha crueldade com sua mulher e filhos? Eu nunca soube a resposta para nenhuma dessas perguntas.

— Ele deve ter ficado muito abalado com a paranóia de perder sua esposa — falou Eliza, baixinho, enxugando as próprias lágrimas — Talvez tenha convertido esses sentimentos em uma raiva incontrolável. Da forma como você descreveu, ele parecia tão incapaz de desabafar sobre seus próprios sentimentos com alguém ou de alguma forma que isso o enlouqueceu.

— É possível — Luccas respondeu, baixinho — A verdade é que ninguém nunca descobriu nada, e jamais deixariam o povo saber que seu rei enlouqueceu. Assim como os casos de abusos e maus tratos foram abafados, o caso do rei ocultou-se quando as notícias de que a rainha e a princesa faleceram. Na época, relataram que Roger ficou tão abalado com seu luto que se isolou completamente… Mas, na realidade, a nobreza entrou em consenso de que deveriam prendê-lo até que suas paranóias passassem. Afinal, nunca houve qualquer prova, e todos sabiam a respeito dos rumores maldosos com Teresa após sua gravidez. Mesmo a nobreza não foi capaz de protegê-lo daquele escândalo. 

Luccas se lembrava de ter feito o voto de silêncio, sendo responsável por escoltar Roger para a prisão, para as celas dentro do palácio. Algemaram-no completamente sozinho, deixando-o aos próprios gritos e explosões de emoções. 

— Alguns dias se passaram, e nós ficamos responsáveis por levar comida para Roger. Em algum ponto, ele simplesmente parou de comer ou nos responder, fechando-se em sua própria casca. As palavras que chegaram ao povo era que o rei faleceu de desgosto, mas a verdade é que… Um dia, ele simplesmente desapareceu. Sem deixar rastros ou qualquer sinal. Suas algemas foram deixadas para trás, intactas, assim como seu prato de comida. Ele simplesmente… Se foi. E, desde então, ele jamais retornou ou descobrimos o que aconteceu.

Fuyuki e os demais faziam uma expressão pensativa, mas Eliza ergueu as sobrancelhas, um pouco surpresa. Ela se lembrou imediatamente de algo — ou melhor, de alguém — mas ficou em silêncio.

— Como vocês devem saber, o caso foi abafado e eventualmente tudo isso foi oculto e esquecido. Nos dias de hoje, é possível que poucos se lembrem dessa história, e até aqueles que não vivem em Hera desconhecem a verdade… Mas o maior problema de todos era o que seria feito quanto a Edward. 

Afinal de contas, não era possível deixar uma criança pequena tomar o trono. Existia a possibilidade de passar a coroa de rei para ele, porém, ainda seria um grande problema para se lidar sozinhos. A corte não desejava repassar a coroa para parentes distantes de Roger, pois grande parte deles eram mulheres viúvas da Era Sombria — e, como esperado da tradição, uma mulher se tornar rainha não era considerado.

— Foi então que, de repente, a ideia de repassarem a coroa para Fanes surgiu. Não estive envolvido na discussão, mas ouvi falar que, de alguma forma, a corte e a nobreza se convenceram de que o médico era parente de Teresa e, apenas por ser homem, estando diretamente conectado com a falecida rainha e possuindo uma fama tão boa quanto ela, poderia ser facilmente capaz de atuar como um rei substituto até a chegada da maioridade de Edward. Desde então, um conselho real criado a dedo por Fanes surgiu, a nobreza aprovando sua decisão e, por fim, anunciando ao povo que o “irmão” de Teresa ocuparia o seu lugar por um pequeno período até que o primogênito finalmente pudesse ser devidamente coroado.

Fanes foi coroado como rei, atuando como o pai de Edward Fiore e tomando a dianteira das decisões feitas pelo seu conselho e corte real, que envolviam apenas a mais pura nobreza. O conselho estava recheado com pessoas cientes da verdade sobre o passado, que buscavam a todo custo ocultar a verdade sobre o rei e a rainha. Entretanto, nem mesmo a corte real, que atuava ao lado de Fanes, deveria estar ciente disso. 

— Apesar da desconfiança no início, o povo acabou se surpreendendo com o trabalho de Fanes como monarca. Ainda sendo um substituto em fase de aprendizado, ele rapidamente se mostrou um homem esperto e muito capacitado para tomar decisões. Ao contrário de Roger, Fanes ganhou o coração das pessoas com seu carisma. Até hoje, ele segue agindo dessa forma, mantendo, por mais incrível que pareça, a estabilidade do reino.

Apesar das suspeitas envolvendo Fanes, nenhum deles poderia discordar dos apontamentos de Luccas. Fanes poderia ser bastante suspeito, tendo uma personalidade tão animada ao ponto de se tornar irritante, mas que você jamais poderia subestimá-lo apenas por isso.

— Mas, ainda que as coisas tenham seguido esse rumo, ainda me pego perguntando se havia uma razão por trás das ações de Roger. Se, talvez, por trás de sua loucura e fúria, houvesse uma ponta de verdade nas suas palavras…

Luccas falou assim enquanto piscava com força ao ponto de fazer os cílios tremerem. E, então, ele ergueu o queixo, olhando diretamente para Fuyuki e Eliza enquanto iniciava a contagem do final de sua história.



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