Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 6 – Arco 3

Capítulo 53: Ser Forte

Dentro do cômodo frio, havia certo conforto. Ao contrário dos corredores e até dos quartos que reverberavam ao som da música tocada no salão de baile, aquele local era especialmente isolado. Era algo esperado, imaginou Marie, pois o espaço de paredes e chão claros deveria remeter a paz e tranquilidade, não podendo as pessoas ali dentro serem importunadas por nada do exterior. Isso valia tanto para aqueles que trabalhavam quanto para os que recebiam tratamento, descansando nas macas não muito confortáveis dispostas do outro lado do cômodo.

A garota que estava sentada em uma das macas franziu a testa, atenta aos sons dos arredores. Ainda que não pudesse reconhecer a sala, apenas pelo clima frio, o silêncio e os sons de ferramentas sendo batidas umas contra as outras enquanto uma mão vasculhava por elas era o bastante para reconhecer a instalação. 

— Você está com frio? Aqui, pode usar essa manta — Eliza se aproximou delicadamente e assim perguntou, envolvendo com cuidado a garota com um cobertor fino ao perceber que ela tremia um pouco — Por que está vestindo roupas tão leves nesse frio? Kanami, pode, por favor, aumentar a temperatura do ar-condicionado?

Do outro lado da sala, sentada em uma poltrona, a guardiã assentiu e se colocou a caminhar até uma mesa, pegando o controle em cima dele para apertar alguns botões que soaram aos ouvidos de Marie.

— … Ar… O quê?

— Hm? Ah, ar-condicionado é um sistema que pode esfriar ou esquentar ambientes fechados. Com ele ligado, não vai mais sentir tanto frio.

A curandeira respondeu à pergunta silenciosa de Marie com um sorriso gentil. Ela parecia estar se dedicando bastante a não assustá-la de forma alguma, garantindo sempre estar a uma distância segura e falando antes de tocá-la. Para Kanami, que assistia à distância, era como uma jovem cuidando de um filhote ferido. Eliza tinha ciência de que o machucado nos olhos da garota havia sido feito de alguma forma horrível e, observando a idade dela, conseguiu imaginar que não deveria ser nada fácil.

Depois de ouvir Eliza falar, Marie apenas assentiu. 

— Meu nome é Eliza, só Eliza, mesmo. A moça que te salvou antes se chama Kanami Akai, ela está sentada logo à sua esquerda.

As apresentações deram início com a jovem de cabelos azuis colocando a mão em seu peito e então estendendo a mão na direção de onde a guardiã estava, ainda ciente de que Marie não podia ver. Porém, acima da visão, estava a sensação de movimento, calor e som, então ela propositalmente indicou com as mãos. Além disso, percebeu que, antes de poder perguntar algo à garota, precisava deixá-la segura quanto a onde estava, e isso começava com as duas se apresentando.

— E qual o seu nome?

— … Marie.

— Marie… É um belo nome. Soa como uma melodia, não acha?

Eliza repetiu o nome que escutou e sorriu. Marie, ouvindo aquelas palavras e ficando um pouco surpresa, também timidamente ergueu a ponta dos lábios. 

— Eu… Estou em uma clínica?

— Na verdade, em minha sala de serviço. Eu sou uma curandeira, então você pode definir ela dessa forma, também.

— … Hm.

— Marie, você precisa de alguma coisa, agora? Como um copo de água, ou algo para comer…?

— … Eu preciso encontrar o Luccas.

— Luccas?

Eliza piscou ao ouvir um nome desconhecido e olhou para Kanami, que se prontificou a responder:

— É o rapaz que estava conosco no resgate. Aquele que tem olhos de cores diferentes.

— Então, Kanami. Poderia procurar por ele e trazê-lo até aqui, por favor? 

No passado, ela jamais teria coragem o bastante para falar com a assassina daquela forma. Primeiro, por conta de seu medo. Segundo, pela sua timidez. Agora, depois que haviam conseguido se aproximar mais um pouco e demonstrado respeito uns pelos outros, Eliza se sentia confortável em pedir favores e falar dessa forma com Kanami. E a garota, em resposta, jamais reclamava de nada. Ela sabia que se a guardiã não gostasse de algo diria diretamente, então não se preocupou quando a jovem de cabelos negros se ergueu, fez uma reverência rápida e estava prestes a sair pela porta quando uma voz a impediu:

— Espera, moça… K-Kanami.

Era Marie, que se virou para a esquerda. Ainda agora, os passos dela eram inaudíveis, mas era possível sentir a presença de outra pessoa naquela direção. Assim que foi chamada, a guardiã parou, ainda de costas. Eliza olhou surpresa para a garotinha que repentinamente havia demonstrado uma emoção mais forte do que a timidez, 

— Obrigada… Por ter me ajudado antes. 

Marie ficou um pouco sem jeito ao falar, mas as palavras de gratidão em seu coração foram transmitidas. Após ouvi-las, ainda de costas, Kanami apertou os lábios num sorriso discreto antes de sair e fechar a porta.

Parece que ela ainda consegue falar normalmente, então…

Eliza pensou assim por um segundo antes de voltar a se concentrar na garotinha encolhida na maca. Um silêncio gelado permaneceu entre elas por um instante antes da curandeira estender a mão para abrir um pequeno pote de vidro e retirar uma bala.

— Você gosta de doces, Marie?

A garota escutou o som do plástico e suas orelhas pareceram se mexer como as de um cachorro.

— Aqui, tenho uma bala. Pode comer pra tirar o gosto amargo da boca.

Eliza, mais uma vez, segurou delicadamente as mãos da garotinha e entregou o doce. Marie passou algum tempo sentindo o plástico em seus dedos antes de retirá-lo e comer a bala. Por um segundo, o gosto de frutas irradiou por sua garganta e perfluiu em seu cérebro. Era um sabor maravilhoso, que nem sempre podia ter o luxo de sentir. Não porque os doces eram algo da nobreza, mas porque ela e Luccas dificilmente tinham dinheiro para comprá-los com tanta frequência quanto gostariam. E, como uma criança, mesmo Marie não podia deixar de lado sua vontade de provar aqueles doces sabores. Agora que sua visão foi perdida, parecia que os demais sentidos se tornaram mais fortes e intensos do que nunca. 

O som da bala dançando por sua língua e batendo em seus dentes chegou aos seus ouvidos.

— Me diga uma coisa, Marie: O que estava fazendo andando pelos corredores sozinha? 

A pergunta que não queria calar finalmente foi dita e a menina ergueu o queixo, como se a olhasse. 

— … Eu estava procurando pelo Luccas. 

— Entendo. 

Eliza percebeu de imediato a hesitação, portanto, não insistiu em uma resposta mais adequada. 

— Quantos anos você tem, Marie?

— … Treze.

A expressão gentil se transformou imediatamente numa de horror. Marie era apenas um ano mais nova do que ela, mas havia passado por algo tão terrível quanto a perca dos sentidos. Eliza conseguia ver pelo comportamento e pela forma que as faixas estavam colocadas em seus olhos que o que a garota passou não foi pouca coisa — ainda mais reparando que ainda haviam cicatrizes do abuso e tortura sofridos em seu próprio rosto.

Engoliu em seco quando a surpresa prendeu sua garganta, a impedindo de falar prontamente. Então, após pigarrear, perguntou, lentamente:

— Posso… Ver seus ferimentos? 

Marie se encolheu imediatamente.

— Não precisa se não quiser… Mas talvez eu possa fazer algo para te ajudar, ao menos um pouco. Não gostaria que eu cuidasse dos seus cortes e arranhões? Assim, poderá dormir e andar melhor. 

Eliza fez uma oferta tentadora e Marie finalmente reagiu de forma diferente, parecendo considerar a possibilidade. Antes, tinha se encolhido, mas agora lentamente relaxou os ombros ao considerar a ideia.

— … Seria bom. 

— Muito bem.

A curandeira colocou novamente um sorriso no rosto e se levantou, indo buscar a caixa pequena em que suas ferramentas seriam úteis. Ao retornar com um vidrinho que cheirava a álcool, Marie pareceu se encolher novamente. Parecia que o som dos pequenos itens chacoalhando a faziam se lembrar de algo ruim. Ao perceber isso, Eliza piscou algumas vezes, pensando no que deveria fazer a respeito.

Sua ideia, a princípio, seria usar suas próprias habilidades como curandeira para lidar com os ferimentos da garotinha, porém, ao perceber que precisavam apenas serem devidamente limpados e fechados para que pudessem sarar, percebeu que não seria necessário tal esforço de sua parte. Eliza não tinha uma quantidade exorbitante de chi para que pudesse usar sem pensar duas vezes, porém, ao perceber que havia uma delicadeza maior em Marie além de suas prioridades pessoais, decidiu fazer diferente.

— Minha mão pode estar um pouco gelada, então me desculpe por isso.

— Tudo bem.

Eliza largou a caixinha com suas ferramentas de trabalho e se ajoelhou diante de Marie. Suas mãos suaves tocaram a pele machucada e seca da menina. Analisou os cortes que não mais sangravam, mas ainda marcavam a pele. Os arranhões e marcas de aperto que ainda permaneciam. E, por fim, a área acima de seu nariz. Conforme tocava e analisava com seus olhos âmbar, os ferimentos instantaneamente se curaram. Foi um processo que durou menos de alguns minutos para se concluir, mas que passaram inteiramente em silêncio.

Os lábios de Marie tremeram um pouco quando os machucados passaram a se curar.

— O que foi? Está doendo?

— Não — sacudiu a cabeça — É que… Coça um pouco.

— Bem, quando feridas estão se curando, elas costumam coçar um pouquinho. Mas logo vai terminar — Quando terminou de falar e se colocou de pé, abaixou o tom de voz — Se me permite, posso cuidar daqui, também?

— Uhum.

— Então, com sua licença…

Os dedos de Eliza tocaram as faixas e desfizeram o nó, Revelou-se então uma visão bastante desagradável. Afinal, um rosto jovem e ainda em fase de crescimento havia sido manchado e marcado. Haviam poucas cicatrizes e marcas de cortes sutis feitos ao redor dos olhos e bochecha, provavelmente do responsável ter errado ao usar a lâmina. Eliza não quis pressupor muita coisa apenas olhando dessa forma, então se concentrou no próprio trabalho.

Tocou novamente em sua pele, mas em uma área mais baixa. Os machucados novamente se curaram e sumiram. As pálpebras se restauraram como novas. Era como se a garotinha estivesse somente de olhos fechados…

— … Senhora curandeira?

— Apenas Eliza é o bastante, querida.

— Então… Eliza, acha que eu ainda… Poderia voltar a enxergar?

A pergunta foi feita lenta e dolorosamente, com um claro temor e ansiedade na voz. Como se uma vaga esperança ainda existisse em seu coração.

Eliza apertou os olhos e inspirou fundo. Seus dedos subiram para as bochechas, para as maçãs do rosto e, por fim, tocaram e região ao redor dos olhos. Assim como antes enquanto curava os cortes, um pequeno brilho azul pulsou da ponta de seus dedos.

— Sinto muito.

Foram apenas duas palavras, mas era o bastante para qualquer um compreender o significado. Marie as ouviu e permaneceu igualmente parada, sem reagir.

— Eu gostaria de poder lhe dar uma resposta mais otimista, porém, estaria apenas lhe enganando — houve um momento de pausa — Para ser honesta, eu poderia ter sido capaz disso… Se tivessem me trazido você apenas um pouco mais cedo. Se eu soubesse a respeito e tivesse curado pelo menos algumas horas depois do que aconteceu, eu poderia ter sido capaz de restaurar sua visão. 

Eliza era capaz de curar quase todos os tipos de coisas. Restaurava membros cortados de volta aos seus corpos. Regenerou um dos olhos de Ryota, no passado, quando Sora o perfurou. Foi capaz de trazer, quase que literalmente, alguém de volta da morte. Mas tudo dependia de quando, como e onde estava. Quando um tempo considerável de ferimento passava, ela não era capaz de recuperá-lo. 

A vida se esvaía e a possibilidade de cura diminuía a cada instante assim que um ferimento nascia. Se fôssemos descrever de outra forma, Eliza possuía um tempo limite para curar pessoas. Foi por isso que adaptaram seu estilo de trabalho com os selos, que permitiam fazer um serviço enquanto cuidava de outro. Ou mais de um. Os selos podiam ser feitos infinitamente dependendo da quantidade de chi que uma pessoa possuía.

E quando o assunto era quantidade de chi, Eliza estava na média. Porém, sua genialidade digna de nota não residia em quanto poder tinha, mas no quão bem exercia esse mesmo poder. Foi por isso que recebeu o título de Maga Celeste.

Mas os Magos não faziam milagres. Até eles possuíam seus próprios limites, e por mais que doesse o coração de Eliza dar uma notícia daquelas a uma menina tão nova que ainda semeava em seu coração um pouco de esperança, não havia nada a ser feito.

— Eu entendo. Obrigada por me dizer.

Marie, então, respondeu Eliza com um tom rígido como se lutasse contra os próprios sentimentos. Mas ela não choramingou ou se encolheu, apenas assentiu e aceitou a realidade. Vendo isso, Eliza colocou uma das mãos nos cabelos loiros dela.

— Você é uma garota forte, sabia? Devia ter orgulho disso.

— Não posso concordar mais com sua fala, Eliza.

De repente, uma terceira voz soou na sala. As duas garotas se viraram na direção de onde veio, e a curandeira foi a primeira a reagir com nítida surpresa.

— S-Senhorita Fuyuki?

A duquesa, que entrou na sala de braços cruzados, estava com um semblante sério. Então, ao receber a atenção delas, deu um sorriso suave.

— Não precisa ficar tão surpresa.

— Por que a senhorita…? Achei que estivesse no baile.

Quando Fuyuki se aproximou, ainda usando seu vestido de festa, porém sem sua máscara, Eliza fez uma pergunta bastante óbvia. Marie apenas escutou a conversa e o som dos passos que pararam logo ao lado da maca.

— Sim, estava até um tempo atrás, mas aquele lugar começou a me cansar. Além disso, não havia como me concentrar em qualquer conversa com a nobreza quando estavam todos preocupados com as movimentações no palácio.

— Movimentações? — perguntou a curandeira.

— O baile pode ter sido feito com a intenção de tranquilizar a corte, mas as pessoas não são idiotas para não perceberem quando algo está acontecendo bem debaixo de seus narizes. Se eu percebi que tanto Sua Majestade quanto seu filho pareciam agitados, certamente o restante também notou. 

Eliza não fazia ideia do que a duquesa estava falando, mas compreendeu que a situação não parecia boa. Era como se eles estivessem desconfiados de algo, e possivelmente isso estava conectado com a garota ferida diante de si. 

— Me perdoe por ter interrompido seu trabalho. Permita-me apresentar corretamente dessa vez, senhorita Marie.

Fuyuki finalmente se direcionou à garotinha silenciosa, que ergueu o queixo quando foi chamada pela voz feminina que emitia confiança.

— Me chamo Fuyuki Minami, sou mestre de Eliza e Kanami, aquelas duas moças que lhe ajudaram mais cedo e alguns dias atrás, também. Estou contente em te ver viva e bem… Dito isso, me sinto um pouco mal por ter desconfiado das palavras de Ryota.

— … Da Ryota? — Marie finalmente falou, surpresa ao ouvir o nome da garota.

— Sim. Afinal, ela me disse que você foi muito corajosa. Percebo agora que ela não mentiu, de forma alguma.

Ouvir aquela mulher de aparência desconhecida, porém com um ar tão seguro de si, falar daquela forma fez o coração de Marie palpitar mais rápido e se aquecer. Um sorriso trêmulo surgiu em seu rosto, então uma das mãos foi até seu peito segurar o botão dourado de seu colar.

— De toda forma, me informaram que estavam buscando um certo rapaz, então foi bastante conveniente quando eu e meus guardiões cruzamos com ele enquanto retornávamos aos nossos aposentos.

Assim que falou, Marie escutou mais uma vez a porta se abrir e três pessoas entrarem. Duas delas tinham passos silenciosos, enquanto a terceira era apenas um pouco mais alta.

— Nenhum outro nobre nos seguiu até aqui.

— Garantimos a segurança e a discrição de nossos convidados.

Assim disseram uma voz masculina e uma feminina em sequência. Sora e Kanami mais uma vez se comunicavam com seu tom neutro, recebendo a aprovação de sua mestre com um aceno de cabeça.

— Aqui, senhor Luccas. Marie está sob os cuidados de minha curandeira, então não precisa mais se preocupar com sua segurança.

— Marie…!

— … Luccas?

Ao ouvir a menção de seu nome e, logo em seguida, sua voz, a garotinha de cabelos loiros imediatamente reagiu, estendendo uma das mãos na direção da porta. Fuyuki deu um passo para trás, permitindo que Luccas chegasse a passos velozes até a maca e se sentasse nela, dando-lhe um abraço apertado.

Eliza e Fuyuki trocaram sorrisos.

— Obrigado mais uma vez por cuidarem dela por mim, senhorita Minami. Não sei como posso agradecê-la… Ou melhor, como posso agradecê-los de forma apropriada…

— Não se preocupe quanto a isso. Estava em débito com uma amiga, mas agora estamos devidamente quites. Além disso, não fiz isso apenas porque ela pediu.

Fuyuki respondeu aos agradecimentos exagerados de Luccas acenando com a mão, finalmente tirando o sorriso do rosto e ficando de frente para Luccas e Marie, que ainda estavam abraçados.

— Estou certa de que ainda estão no palácio por uma razão importante, certo?

— Sim, senhora.

— Poderiam me dizer qual é? 

Luccas soltou um suspiro.

— Era justamente isso que desejava dizer à Ryota, antes — Ao ver que todos demonstraram uma expressão de confusão, o rapaz continuou — A verdade é que eu e Marie ainda não saimos do castelo porque havia algo importante que deveríamos contar à ela, mas não tivemos tempo para conversar apropriadamente.

— Imagino que Sua Majestade e seu guardião tenham interrompido… Como imaginei.

Ao ver que Luccas concordou prontamente, Fuyuki deu um suspiro pesado. Ela estava mais do que cansada de ver Miura se intrometendo aonde não era chamado, mas perceber que até mesmo o rei parecia envolvido nessa situação a fez refletir um pouco.

Ao notar que o homem de olhos bicolores ficou em silêncio, a duquesa o tranquilizou:

— Não se preocupe. Meus guardiões são sigilosos o bastante para não contarem nada do que ouvirem a ninguém. Você tem a minha palavra.

Apesar do temor, Luccas respirou fundo quando ouviu aquilo. Ele sabia que os nobres, em especial famílias como os Minami, sempre seguiam à risca todas as regras e tradições antigas, e a lealdade era uma delas. Trair alguém era o mesmo que pecar contra seu próprio nome como parte da nobreza mais antiga, podendo ser até mesmo alvo de julgamento dentro da própria família.

Nesse caso, ao perceber que havia seriedade em todos os presentes, que fizeram uma expressão séria, Luccas olhou para Marie e acariciou seu cabelo loiro um pouco sujo. A garota estava encostada contra seu peito, parecendo relaxada. Sua mão ainda segurava com firmeza o botão preso como colar, passando calor para suas mãos.

Os gêmeos Sora e Kanami estavam diante da porta, a postos caso ouvissem qualquer movimentação do lado de fora. Agora, era certeza de que ninguém jamais poderia ouvi-los do lado de fora ou espreitar a sala. Com isso em mente, Luccas fechou os olhos e começou a falar:

— Essa é uma história que aconteceu há mais de uma década atrás… 

***

O quarto era aquecido pelo fogo da lareira, que queimava em seus últimos sinais de vida. Tendo retirado suas roupas usadas no baile e a máscara que estava depositada acima de uma mesa, o rei vestia seu pijama para dormir. As vestes se arrastavam pelo chão enquanto andava na direção da janela logo ao lado da cama, as cortinas abertas revelando um céu estrelado lindo. Logo a manhã chegaria, e todo aquele explendor desapareceria. 

Fanes adorava observar as estrelas antes de dormir. Era como um passatempo solitário que tinha depois de ter passado a viver completamente sozinho. A expressão em seu rosto, que normalmente era boba ou sorridente, parecia melancólica. Era mais pensativa, como se sua mente vagasse para um lugar muito distante. Ele se sentou em sua cama macia, descendo os olhos do céu para um quadro que estava logo ao lado de sua cama. Nele, havia uma bela moça de cabelos castanhos preenchidos e olhos azuis com um aro dourado circulando as pupilas.

Sua mão imediatamente pegou o quadro para que pudesse observar mais de perto. A mulher não era especialmente chamativa, com exceção de suas íris. Porém, havia um grande sorriso em seu rosto, denunciando o quão alegre eram seus dias naquela época. 

Fanes estreitou os olhos e os ergueu de volta para o céu, agora diretamente refletindo sobre o passado.



Comentários