Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 6 – Arco 3

Capítulo 49: Intensa Conversa no Corredor

Quando o som dos passos chegou aos seus ouvidos e a expressão de Luccas imediatamente mudou de seriedade para tensão, o homem rapidamente puxou a pequena garota de cabelos loiros para trás de seu corpo, escondendo-a. Enquanto isso, Ryota, lentamente, virou sua cabeça em noventa graus, batendo os olhos contra as duas pessoas que haviam atravessado a porta dos fundos. 

Como o salão de baile estava por perto, não deveriam ter se surpreendido com a presença de outras pessoas. Talvez um convidado ou outro andando perdido por aí, procurando por algum banheiro ou seu próprio quarto, agora completamente bêbados da festa. Talvez alguma empregada ou mordomo se retirando com pratos sujos e lixo para descarte. Porém, ver a expressão de surpresa e, então, puro terror estampada no rosto normalmente sereno de Luccas deixou Ryota imediatamente paralisada.

A primeira pessoa que chamou a atenção de Ryota assim que se virou era o rei Fanes Fiore. Ele caminhava a passos ligeiros e confiantes com um sorriso no rosto. Era possível ver que estava conversando com seu guardião Miura Akai que, estranhamente, também estava sorrindo. Porém, era do tipo mais polido e discreto. Parecia realmente uma raridade vê-los dessa forma. 

— Ora, olha só quem encontramos por aqui.

Fanes piscou, parecendo percebê-los, e abriu ainda mais o sorriso. Sua recepção clara poderia ser agradável se não fosse a situação complicada em que se encontravam. Ryota engoliu em seco sentindo suor frio escorrer por suas costas e têmporas.

— Majestade… — a garota soltou um suspiro em saudação, sem saber exatamente o que dizer depois de fazer uma reverência dura — Estão fazendo uma pausa do baile?

Apesar do corpo ter reagido de forma suspeita, sua voz ainda se mantinha decente o bastante para falar. Portanto, quando chamou a atenção para si, o rei imediatamente a olhou com a mesma gentileza de sempre. Fanes parou próximo à garota com Miura logo atrás de si, de olhos semicerrados e sérios. 

— Digamos que meus pés estavam suplicando por um descanso — Fanes sorriu abertamente, fazendo uma expressão de dor — Além disso, precisava tomar um ar antes de voltar para o clímax do baile. Imagino que vieram fazer o mesmo, não é?

— Acertou em cheio, Majestade.

Ryota estava ciente de que estava sendo bastante formal, ao contrário do que ele havia pedido para fazer durante sua última conversa, mas não se importou com isso. 

— Saí para tomar um ar fresco em um corredor um pouco afastado — Ryota apontou com a cabeça para o lado, para as cortinas meio abertas e com janelas que faziam adentrar uma brisa confortável — Mas não esperava que mais alguém fosse pensar exatamente o mesmo que eu.

Miura percebeu o tom afiado na frase final e a fitou, mas a garota não recuou. Apenas piscou, lutando para se manter firme enquanto o estômago se revirava de nervoso, e deixou no ar uma pergunta disfarçada de afirmação.

Fanes bateu palminhas de forma frenética, risonho.

— Você é realmente um doce, garota! — porém, o rei continuou com aquela sua personalidade distraída, não parecendo ter percebido algo de errado — Eu afirmei isso antes, mas realmente possuímos muito em comum. Gostaria de ter tirado um tempo para dançar contigo e conversar um pouco, mas… Agora que meus pés doem pode ser impossível. Além disso, minhas roupas de festa estão me incomodando seriamente…

— Majestade, não deveria mover os braços dessa forma.

— Mas… Miura, você não fica agoniado quando usa essa máscara? Ela literalmente cola nos nossos rostos! É desconfortável! Depois de dançar, quando suamos, é simplesmente-

— Majestade, não deveria dizer essas coisas em voz alta. E, por gentileza, não tente arrancar a máscara com as próprias mãos.

Fanes começou a fazer escândalo como uma criança que usava uma roupa para sair e Miura imediatamente veio interferir, impedindo-o com uma expressão de cansaço. Embora as reclamações não fossem dignas de serem ditas por alguém do patamar de rei diante de outras pessoas da nobreza, o monarca pareceu ter se contido durante um bom tempo até aquele momento, onde poderia apenas espairecer suas reclamações em voz alta.

— Na realidade, Sua Majestade estava preocupada com o desaparecimento da guardiã de Sua Alteza, então pediu para que fôssemos procurá-la — o guardião, de repente, assim falou. 

Ryota engoliu em seco com o pequeno puxão de orelha, mas nada disse ou reagiu. 

— O príncipe Edward, assim que terminou de dançar com a última dama, pareceu preocupado com sua ausência — alfinetou Miura, continuando a falar enquanto olhava de forma sombriamente séria para ele — Acredito que deveria manter em mente as regras básicas de um guardião, ou será que acabou se esquecendo completamente? Por acaso está tentando nos envergonhar perante a corte?

— … Sinto muito. Retornarei ao meu posto imediatamente.

Ryota se encolheu um pouco perante as ameaças que ficavam cada vez mais desagradáveis, mas Fanes interveio dando palmadinhas no ombro do seu guardião.

— Ora, ora, vamos lá. Não precisa ser tão rígido com ela. Soube que não esteve bem nestes últimos dias, então não podemos culpá-la por ainda não conseguir fazer tanta coisa de uma vez. Ah? Perdão pela minha falta de educação, meu rapaz — então, de repente, o monarca voltou sua atenção para Luccas, que piscou nervosamente quando foi incluído na conversa.

Luccas havia tentado fingir que não estava ali, mantendo os olhos na janela, mas logo foi notado por Fanes. Ryota, percebendo que ele possivelmente acabaria ficando nervoso demais para dar uma resposta adequada — e, possivelmente, denunciando-o como alguém suspeito por estar agindo dessa forma —, estendeu a mão no ar para tentar chamar a atenção do assunto para si.

— A-Ah… Eu estive conversando com ele desde que saí. É um cavalheiro muito simpático — os olhos azuis da garota desceram para as costas de Luccas, completamente vazias. Um suspiro de alívio escapou por seus lábios ao perceber que Marie havia desaparecido, provavelmente usando a técnica de teleporte que usou para trazê-la até ali. 

Quando seus ombros baixaram, Miura franziu a testa para este comportamento.

— É um prazer conhecê-lo pessoalmente, Majestade — após um instante dado por Ryota para recuperar a compostura, Luccas se virou com um sorriso carismático. Seus olhos bicolores imediatamente chamaram a atenção do monarca, que piscou, surpreso.

— Espere um pouco… Esses olhos…?

— Hm? Ah, sim, meus olhos são de cores diferentes-

— Não, não! — Fanes se aproximou o bastante para agarrar os braços de Luccas com força, ainda observando-o de perto. O rapaz, nervoso, se inclinou para trás — Eu conheço você! Luccas, não é?! Por que não me disse logo seu nome! Poxa vida!

Ryota imediatamente estranhou o comportamento bastante intimo de Fanes com Luccas que, ainda que tenha sido reconhecido imediatamente sem se apresentar, não parecia muito contente com isso. O guardião Akai parecia tão confuso quanto a garota e, então, prontamente perguntou:

— Os senhores se conhecem?

— Oh, é claro, Miura! Veja, o rapaz aqui esteve trabalhando comigo há alguns anos atrás!

O monarca assim explicou, rindo, enquanto passava um braço ao redor das costas do homem de olhos bicolores que se encolhia. Ryota piscou, surpresa.

— Trabalhou com Vossa Majestade? 

— … Sim — finalmente, o próprio Luccas respondeu com seriedade — Alguns anos atrás, eu trabalhei na guarda real.

— Não seja modesto! O Luccas foi o antigo capitão da guarda real, e um ótimo capitão diga-se de passagem.

— Ex-capitão da guarda real…? Entendo. Então, o senhor Luccas era realmente alguém de muito prestígio.

Ryota deu um sorriso refinado, olhando para Luccas. Ela não gostaria de julgá-lo por aquela informação sem qualquer contexto, embora uma parte dela tenha ficado magoada por o rapaz jamais ter contado aquilo antes. Poderia ter impedido que muitas dificuldades ocorressem… Percebendo que sua mente vagava para longe, a garota apertou os olhos com força para se recuperar.

— Com certeza! O senhor Luccas trabalhou no palácio durante muitos anos antes de se aposentar, apenas um tempo depois de minha esposa falecer… — Fanes falou, baixando o tom quando mencionou a rainha. 

— Isso mesmo. 

Apesar de estar sendo constantemente elogiado pelo monarca, algo que provavelmente teria deixado qualquer outra pessoa muito feliz por tal reconhecimento, Ainda mais por, mesmo depois de ter se aposentado, ser lembrado por seus bons momentos como profissional. Entretanto, o que Luccas demonstrava era tudo menos honra ou felicidade. Ele parecia realmente tenso com essa situação. Mesmo o abraço de Fanes não parecia agradável de se ver.

Imediatamente, Ryota se perguntou a razão para isso. Se havia alguma história por trás entre eles, ou talvez algo mais. Provavelmente não estava relacionado apenas ao caso de Marie, pois ele provavelmente teria demonstrado ira ao invés de preocupação em ser reconhecido.

— Mas, enfim! — liberando para longe as memórias ruins, o monarca imediatamente voltou a dar seu característico sorriso, batendo amigavelmente nas costas de Luccas — Me conte as novidades! Como foi sua vida desde então? Continuou trabalhando como soldado? Vamos, eu ficaria honrado em saber mais!

— Bem… — sendo alvejado com olhos tão brilhantes, ele se encolheu — Muita coisa aconteceu desde então. Porém, logo depois de minha retirada, tirei um tempo para mim mesmo. Desejei relaxar minha mente após meu serviço e viajei por toda Thaleia, passando em várias cidades e vilarejos. Foi bastante difícil, confesso. Porém, nós… Digo, eu consegui me virar conforme pude. Retornei para a capital, para Hera, para comemorar a coroação de Sua Alteza. 

Apesar de Ryota, e possivelmente Miura, terem notado o receio de começar a contar sobre sua vida desde então, foi perceptível que Luccas não mentiu nos relatos. Embora tenha claramente ocultado informações cruciais — dentre eles, Marie —, parecia que o homem não teve problemas em contar a verdade sobre o que passou desde então.

Fanes sorriu, ainda dando batidinhas amigáveis nas costas de Luccas.

— Entendo, entendo. Você sempre foi um homem de poucas palavras, bastante reservado e que gostava de ficar estável, não é? Me deixa curioso saber o que lhe fez ter interesse em viajar pelo país dessa forma após sua aposentadoria… Me sinto triste por não termos mantido contato por todo este tempo.

— É verdade…

Luccas não parecia confortável em se aprofundar no assunto, porém, para Fanes, não havia como alguém lhe dizer um “não” quando continuava a insistir e irritar as pessoas. Ryota não sabia se ele fazia isso de propósito, ciente de que dificilmente lhe negariam algo por não apenas ser o monarca, mas também por ser alguém sempre de braços abertos a qualquer um.

Conforme conversavam, o clima que antes havia se tornado intenso e perigoso começava a se tornar linearmente gelado. Como se as possibilidades de suspeitas tivessem se dispersado por completo quando Fanes reconheceu Luccas tão rapidamente, tratando-o com tanta gentileza. Mesmo Miura, que desconhecia a relação entre os dois, pareceu recuar perante o humor de seu rei. Não era como se seu guardião possuísse autoridade ao ponto de interferir de tal forma na vida de seu mestre. Seu trabalho era proteger e auxiliar. 

O mesmo se aplicava à Ryota. Agora, ela ainda era a guardiã de Edward Fiore, que possivelmente aguardava seu retorno no salão de baile. Dito isso, ela esperava ser capaz de desenrolar aquela situação o mais rapidamente possível, de forma que pudesse contar o que aconteceu ao príncipe e fazer Luccas fugir imediatamente. Se sentia mal por não poder ouvi-lo dizer aquilo que veio lhe contar, porém, ela precisaria conter sua curiosidade até o momento certo.

Inspirando profundamente enquanto via Luccas desenrolar uma conversa lenta com Fanes, ela mesma chamou a atenção imitando o monarca ao bater palminhas. Esse gesto pareceu enfurecer Miura, mas a garota o ignorou completamente.

— Bem, agora que tomei um ar, me retirarei. Vou retornar ao salão de baile… Mas gostaria de acompanhar o senhor Luccas mais um pouco, se possível. Gostaria de trocar uma palavrinha com ele.

— Oh, é claro! Vamos todos juntos, então! — Fanes sorriu, batendo palmas ao ritmo dela como uma criança entusiasmada.

— Então, se me permite acompanhá-lo — Ryota foi até Luccas e lhe estendeu o braço, piscando para ele de forma que seguisse sua atuação. Como suas palavras e expressão foram perfeitas em mascarar sua necessidade de escapar imediatamente, o homem de olhos bicolores relaxou. Parecia que ter alguém tomando controle da situação era exatamente o que ele precisava, parecendo soltar um longo suspiro de alívio quando apoiou-se na garota — Muito bem, então. Nós vamos na frente. Com sua licença, Majestade.

Ryota inclinou a cabeça e Luccas a imitou. Seu silêncio disfarçado de um sorriso tímido era o estado claro de que ainda estava bastante nervoso com as possibilidades de rumo daquela situação, mas manter-se apoiado na interpretação perfeita da garota mascarada parecia deixá-lo mais confiante.

Após terem feito uma rápida reverência, ignorando o que Miura provavelmente diria, a dupla começou a andar e, rapidamente, apressaram o passo em retorno ao salão. Ryota piscou, tensa, quando o som dos pés do monarca e seu guardião começaram a segui-los por trás, lentamente, parecendo deixá-los à sós como pediram, mas também observá-los atenciosamente. Ryota conhecia a sensação do arrepio frio de estar sendo analisada pelos olhos brutais de um Akai para entender isso. 

Apenas esperava que Fanes não estivesse fazendo o mesmo neste momento. 

Ela realmente gostaria de confiar nele até o final.

— O que faremos? — sussurrou ele, o maxilar enrijecido.

— Vamos retornar ao salão de baile — respondeu ela, no mesmo tom — Os dois nos seguirão, mas à distância. Estou certa de que conseguiremos despistá-los no meio da multidão, bem a tempo de você se esgueirar por uma das portas e fugir. Mas estou preocupada com Marie.

— Não se preocupe com ela.

Era difícil não se preocupar com uma garota cega que vagava sozinha por um palácio enorme como uma presa fácil. Ryota imaginou-a tateando pelas paredes, atenta aos seus arredores, porém fraca e incapaz de se defender caso um grupo de pessoas tentasse imobilizá-la. Suas pernas fraquejavam apenas de pensar nessa possibilidade.

Luccas deu alguns tapinhas de conforto no braço dela.

— Acalme-se. Marie pode não ser forte, mas é esperta o bastante para sobreviver sozinha… Mesmo sem poder enxergar.

Eu realmente espero que sim.

— De toda forma — ela voltou a falar baixo quando chegaram até a porta e a abriram, ainda sentindo a presença de Fanes e Miura atrás deles — Não importa o que aconteça, apenas se desloque no meio das pessoas. Pode tentar se esconder até conseguir sair de fininho. 

— E quanto a você?

— Vou tentar distraí-los — Ryota afirmou, mas temia que talvez não fosse capaz de conter a ansiedade de Fanes e os nervos de ferro de Miura, então engoliu em seco, lutando para não deixar transparecer seu nervosismo — Não se preocupe comigo e apenas fuja com a Marie daqui. E agora.

Os olhos de cores diferentes voltaram a se fixar na garota, preocupados. Porém, Luccas assentiu para ela. Assim que adentraram o salão e se deslocaram pelas laterais do salão, passando por grupos reunidos, Ryota olhou mais uma vez para trás. Apesar da distância, ainda estavam sob o alvo dos olhos de Fanes e Miura.

Especialmente do guardião, que parecia levar suas íris até os dois como um ímã. Ao se voltar para a frente, inspirou profundamente.

— Não vamos conseguir escapar desse jeito. Precisamos distraí-los de um jeito diferente-

Foi neste instante que seus pensamentos se desfizeram. Quando uma mão firme segurou seu ombro, impedindo-a de se mover, como se a congelasse no lugar com apenas aquele ato, Ryota parou seus passos. Seus ouvidos zumbiram e a mente girou em voltas e voltas. Seu estômago parecia uma máquina se debatendo de nervosismo ao ter certeza de que Miura deveria estar logo atrás dela.



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