Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 5 – Arco 3

Capítulo 47: Sentimentos e Nostalgia

A mão que havia segurado-a no ombro lentamente recuou, como se tivesse levado um choque. Os olhos violetas se arregalaram um pouco, o aro dourado cintilando ao perceber que estavam em uma situação delicada. Ao redor, as pessoas lentamente se acumulavam contra as paredes e mesas do salão, os olhos vidrados no centro, onde uma dezena de pares de homens e mulheres se uniam para começarem a dançar. 

Com o baile tendo finalmente dado início e todos se distraindo com a beleza da iluminação, dos passos e da música clássica, ninguém pareceu realmente perceber uma garota que chorava sozinha em um canto próximo à mesa de aperitivos. Porém, Edward, o único a ver, congelou completamente no lugar.

O primeiro instinto dele ao vê-la assim foi se afastar, temeroso que poderia magoá-la ou feri-la. Ele não sabia o que fazer em momentos como aquele, Na verdade, era a primeira vez que presenciava uma garota chorando na sua frente, então, naturalmente, o príncipe ficou completamente confuso, a mente plenamente branca. 

Ryota, quando percebeu a presença de Edward, demorou um pouco para perceber o que estava fazendo. Quando a tristeza e o constrangimento invadiram seu coração, as lágrimas prontamente subiram-lhe aos olhos, escorrendo. Ela sequer havia percebido que estava demonstrando aquilo em meio a uma multidão, quanto mais que havia esquecido completamente de esconder o rosto — como normalmente fazia. 

Estava tão cansada. Tão, tão cansada. Ela sentiu que poderia desabar ali mesmo, suas pernas amolecidas desejando ceder ao sentimento de derrota. Maquiagem manchava seu rosto, podendo ser vista apenas de perto devido a máscara escondê-la. Os ombros estavam baixos, a expressão de exaustão era nítida a qualquer um que a visse. Ryota queria desaparecer, cair em um buraco e sumir. Ela havia perdido a razão para estar ali, em primeiro lugar. Suas forças para continuar lutando naquele castelo se desfizeram em um instante como pó. Se não estivesse tão fraca, poderia ter andado para fora daquele salão.

— … Por aqui.

Dito isso, quando Edward timidamente a segurou pelo cotovelo, ficando diante dela como que a escondendo da visão dos outros, e a puxou delicadamente para perto de uma das paredes, não houve resistência. 

— … Ah. Aqui, deixe-me limpar isso.

Edward hesitou em tentar perguntar o que havia acontecido, então, pigarreou e retirou de seu bolso um lenço branco. Ele o passou por suas bochechas e queixo, secando as lágrimas. Fez o mesmo de forma ainda mais cuidadosa por cima da máscara, tomando cuidado para não tocar seus olhos. 

Após um instante em silêncio, preenchido apenas pelo som dos passos e pelo violino que cantava em seus ouvidos, o príncipe tomou coragem para falar.

— Você está bem?

Ryota negou com a cabeça.

Ela estava cansada demais até mesmo para conversar.

Sua mente foi desgastada tantas e tantas vezes em tão poucos dias. Ainda que lutasse para se recuperar, não houve tempo o bastante para isso. Pensar e desejar que as coisas tivessem sido diferentes era inútil, ela sabia, mas teria sido tão bom poder desabafar com alguém sem se preocupar com o que poderia acontecer. Apenas fugir daquilo que a aflingia, mais uma vez, e fingir que era completamente alheia aos problemas. Apontar o dedo para alguém, passando-lhe a culpa pela situação, e tapar os próprios ouvidos para as palavras de que a culpa era sua vindas de sua própria mente. 

Era o bastante. 

Com a resposta sendo apenas mais silêncio e um desviar de olhar para o chão, Edward inspirou fundo e expirou. Seu coração batia em descompasso, preocupado. Antes, provavelmente, ele teria apenas dito a ela para aguentar mais um pouco. Talvez até a tivesse mandado ir embora prontamente, para que não fosse vista por outras pessoas. Houve um tempo… Não, há apenas alguns dias atrás, ele teria se desfeito da necessidade de entender o que se passava no coração de qualquer um ao seu redor, permitindo que fizessem o que quisessem ou o que estivesse de acordo com sua própria necessidade. Teria dado as costas, seu pensamento focado em como deveria parecer confiante e apropriado para o título de rei, não devendo se aprofundar demais nos problemas pessoais dos outros.

Foi assim que lhe fora ensinado. Se você se aprofundasse demais, poderia saber demais e até sentir demais. Esse não era o papel de um rei. Um monarca deveria, sim, ouvir os problemas de seu povo, mas nunca senti-los na pele. Se compadecer verdadeiramente poderia fazê-lo ser facilmente enganado, levando-o a tomar decisões com o coração e não com a razão. Era algo natural, lógico.

— Me concederia a honra de uma dança?

Por isso, quando ele se viu curvando o próprio corpo, estendendo a mão na direção da garota presa aos próprios pensamentos, sentiu-se como um tolo.

Ryota, demorando a perceber que estava falando com ela, olhou lateralmente para ele.

— … Por quê?

— Não posso convidar uma dama para dançar?

— Eu… — Ryota suspirou, lutando contra a vontade de ser grosseira sem razão — … Já disse que não sei dançar. Vou te envergonhar se-

— Não precisa se preocupar. Apenas confie em mim e tudo ficará bem. O que me diz?

Edward estendeu a mão mais uma vez, agora com o corpo ereto. Havia um sorriso confortável em seu rosto, como se desejasse realmente recepcioná-la. Ryota franziu a testa, seus olhos azuis descendo de seu rosto para a mão aguardando uma resposta.

Vai ficar tudo bem…? Há quanto tempo não escuto essas palavras…

Era um pensamento que, tendo aprendido com Eliza, acabou usando-o em diversos momentos para se acalmar. Porém, ali, agora, quando seus objetivos e qualquer vontade de pensar com calma se desfizeram, ela quase se recusou a escutá-lo. Ryota apertou os lábios, fechou os punhos com força… E então relaxou os dedos.

— … Depois não diga que eu não te avisei — disse ela, baixinho, enquanto aceitava o convite dele.

Ryota piscou, com vergonha, enquanto era guiada com confiança pelo meio da multidão na direção do centro do salão, onde os holofotes estavam. Nervosismo e medo invadiram suas veias e paralisaram seu cérebro, a impedindo de se concentrar. Os olhos de todos os presentes deslizaram para o principe imediatamente quando ele surgiu acompanhado de uma senhorita desconhecida, Murmúrios começaram a se espalhar, e eles invadiram os ouvidos de Ryota. Não havia música, não havia calma. Seus olhos desesperados e nublados apenas piscavam, nervosos, sem saber para onde olhar.

— Aqui. Não precisa ter medo. 

Então, a voz calma de Edward a chamou. Ryota, com temor, focou-se nele. O príncipe a aproximou delicadamente, segurando-a pela cintura e guiando sua mão pela dele. 

— Segure-me no ombro. Com a outra mão, apenas siga o fluxo. Um para lá, dois para cá. 

— … Eu não consigo.

— Consegue, sim. Afinal de contas, você é a Ryota, não é? Se conseguiu encarar tantas coisas essa semana, uma simples dança não será uma criatura de sete cabeças — Edward riu sozinho, confortando-a — Não tema. Vamos começar devagar e você pegará o ritmo. Deixe que a música entre em sua cabeça… E eu conduzi-la. Olhe apenas para mim.

Quando Ryota percebeu que, do seu próprio jeito, Edward tentava acalmá-la… Uma parte dela desejou se esforçar um pouco por isso. Assim, quando começaram a se mover, os olhos dela desceram para os seus pés desajeitados. 

— Erga a cabeça. Apenas se deixe levar um pouco.

Temerosa de que suas palavras fossem verdade ou não, ela o obedeceu. Lentamente, os passos dela se igualaram aos dele. No começo, estava concentrada o bastante neles para ignorar a música, porém, quando o clímax começou, com o violino e as teclas do piano ficando cada vez mais altas, a melodia encantou a mente da garota. Por um instante, as preocupações desapareceram. Ryota esqueceu Albert, da tortura de Miura, das preocupações de parecer boa o bastante, de temer o que viria no futuro… Tudo o que havia eram suas pernas se movendo sem parar ao ritmo da música e a presença do príncipe. 

Ele a guiou devagar e com cuidado no começo, porém, percebendo que eventualmente ela pegaria o jeito, permitiu que a garota também tomasse a iniciativa. Não demorou muito para que eles estivessem completamente engajados na dança, e Ryota percebeu que era realmente divertido. Quando movia seu corpo, concentrada apenas em se distrair o bastante para esquecer do mundo, sentiu uma nostalgia marcante. Era uma sensação semelhante a quando se exercitava sozinha antigamente, porém, muito melhor. A música permitia que sua imaginação vagasse para longe, para dias em que o vento do interior batia em sua pele e o sorriso das pessoas que amava eram voltados a ela. Ao contrário das vezes em que lembrava de Aurora, Ryota não viu tudo aquilo se desmanchar em sangue e fogo. 

Ela viu e sentiu o cheiro das flores amarelas como o sol. Lembrou-se de como era um lugar quente e agradável. De como adorava a barulheira do restaurante de Jaisen e o som das risadas de todos. De ansiar pelos fins de semana, de divertir-se com Zero e sonhar acordada. De dormir em seu colo, finalmente podendo descansar apropriadamente depois de tantos dias incomodada. Mergulhando em nostalgia, em felicidade e saudade, nas cores que faziam sua alma brilhar, Ryota sorriu.

A garota abriu os olhos brilhantes para Edward, que pareceu perceber sua mudança. Ele arqueou uma sobrancelha quando girou-a no lugar, Ryota segurando a saia do vestido para fazê-lo abrir-se completamente no espaço que estavam. O tecido rosa brilhou contra a luz, chamando a atenção dos que estavam por perto. O contraste do dourado com o rosa era belíssimo de ver. E, mais do que apenas os tons que se complementavam, era o clima sereno e agradável entre eles, como se estivessem no próprio mundo. Os sorrisos eram doces o bastante para fazerem as jovens que antes estavam com inveja de Ryota sorrirem também, encantadas demais para se preocuparem com qualquer outra coisa.

— Parece que o plano de tentá-la fazer passar vergonha foi por água baixo.

— O quê? — Ryota perguntou, sem entender, quando voltaram a dançar normalmente.

— Aparentemente, o seu sequestro não foi apenas para perturbá-la, mas também para evitar que pudesse praticar para o baile. Deveriam esperar que estivesse presente e se envolvesse com a dança, mas, também, que nos envergonhasse em público — Edward respondeu aos sussurros, sem demonstrar qualquer sinal de que conversavam algo tão sério — Uma pena que eles te conheçam tão pouco para perceberem sua capacidade de fisgar qualquer situação rapidamente. 

Ryota piscou, entendendo o que ele queria dizer. Como a garota era uma autodidata e alguém capaz de aprender qualquer coisa com relativa facilidade — embora isso não significasse que fosse capaz de aperfeiçoar tal habilidade —, era esperado que aqueles que a desconheciam ou não passaram tempo o bastante com ela se surpreendessem com a visão. 

— Me desculpa por isso. E por antes, também — as bochechas dela coraram com um pouco de vergonha, percebendo que deveria ter agido de forma bastante infantil — Eu não estava com a cabeça no lugar, porque… Bom…

— Não precisa me contar. Eu entendo. 

— Achei que insistiria mais em saber.

— Não posso negar que estou curioso, mas se isso a deixa desconfortável, então não precisa se forçar. 

Ryota se recordava de ter ouvido palavras semelhantes de Zero antes e então sorriu timidamente.

— Eu devo desculpas também — ele a girou mais uma vez — Recentemente, enquanto esteve fora, mas principalmente quando retornou, percebi que a coloquei em uma situação complicada demais. Não deveria tê-la envolvido… Digo, não deveria ter envolvido qualquer outra pessoa em meus problemas pessoais. Conversar com você e com meu pai me fez perceber que estive agindo como uma criança — dessa vez, foi a vez de Edward corar de vergonha por revelar tais sentimentos em voz alta — Eu gostaria de não tê-la envolvido.

A clara preocupação, mas também culpa, que o príncipe sentia era transmitida em palavras e expressões. Ryota havia visto poucas vezes aquelas expressões mais sentimentais de Edward, mas era a primeira vez que o via ficar constrangido. Antes, vê-lo tão feliz e abrindo lentamente seu coração a deixou contente. Mas, agora, algo dentro dela a fez pensar que o mesmo deveria ter acontecido com ela. Se Ryota foi capaz de chorar e demonstrar tantas emoções, foi porque deveria confiar nele a tal ponto, também.

Era estranho pensar que haviam se conhecido há tão pouco tempo, fechando um contrato perigoso que poderia tê-los levado a um caminho muito pior. Porém, aos poucos, talvez justamente por terem tido uma primeira impressão errada um do outro, e terem sido capazes de provar que estavam errados, tenham se aproximado tanto. 

— Obrigada por suas palavras… Mas a culpa não é toda sua. Eu também fui teimosa, sonhando alto demais com coisas que já me avisaram antes para ter cuidado e desistir. 

Não apenas Jaisen e Zero, mas até mesmo Fuyuki e Sora, no início, se mostraram contrários à ideia de Ryota ir atrás de Albert. Ainda que os dois últimos desconhecessem plenamente a história, mas eventualmente descobrissem, ambos a alertaram dos perigos que encontraria no caminho. E, se estava ali agora, não era apenas culpa de Edward por ter sido presunçoso.

— Mas eu não acho que você ter tentado ser reconhecido por seus próprios méritos pela corte e por seu pai seja agir como criança — Ryota sorriu para ele, lentamente desfazendo a expressão — Embora, no meu caso, eu tenha tido esperança demais em ser correspondida por algo que estava na cara o tempo todo. Estive me iludindo por uma fé fútil… Acho que, entre nós, eu fui a única que estive agindo como uma grande idiota.

— Eu discordo — Edward prontamente respondeu, puxando-a para mais perto, acompanhando a coreografia dos outros casais — Ainda que fosse uma esperança que parecesse fútil, você confiou nela até o final. Isso apenas mostra o quão leal e forte seu coração é. Deveria ser algo a ser admirado, não sentir vergonha. Você me mostrou… Que eu posso confiar nas pessoas pelo jeito que sou. Eu posso tentar ser mais que a máscara que estive usando… Que posso tentar me aproximar dos outros sem temer, porque isso não me torna fraco ou frágil. Te torna forte e corajoso. E se tivéssemos que colocar a culpa em alguém por terem machucado seu coração é na pessoa que, pra começo de conversa, a traiu antes e agora.

Em algum momento enquanto dançavam, em que Edward respondia aos seus sentimentos com tanta certeza, Ryota voltou a chorar. Foram lágrimas lentas e dolorosas, mas não desesperadas e agonizantes como as anteriores. Eram apenas a demonstração da felicidade que sentia ao ouvir aquelas palavras de conforto, de ter sido capaz de abrir seu coração tão prontamente a outra pessoa sem ter medo de ser julgada por isso ou ser um fardo.

O sorriso se entortou e tremeu, prestes a ceder. Ryota mordeu o lábio inferior, lutando contra isso. Então, apoiou a testa contra o peito do príncipe. A dança voltou a ser lenta e agradável. A música clássica circundava e rodopiava em sua mente, calma e romântica. Quando Ryota finalmente falou baixinho, dando um suspiro engasgado, a bola que se apertava em sua garganta desapareceu.

— Obrigada, Edward.



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