Volume 5 – Arco 3
Capítulo 46: Sobre o Passado
Olhos azuis se arregalaram ao avistarem a figura de boa postura logo ali ao lado. Houve perda de ar nos pulmões e a falta de qualquer noção de seus arredores. A mente de Ryota apenas conseguia se focar no homem de cabelos brancos em frente à mesa de aperitivos, beliscando alguns salgadinhos e doces, montando alguns em seu prato de plástico.
— Opa. Ei, toma cuidado.
Completamente focada na visão que tinha, acabou perdendo o equilíbrio e quase caiu para trás, sendo segurada por muito pouco por Sora, passando um braço ao redor de seu corpo. Apesar daquele ato, Ryota ainda estava com as íris completamente focadas em Albert.
Percebendo essa tensão em sua expressão e corpo amolecido, o rapaz suspirou.
— Por que não vai falar com ele?
Ouvindo a recomendação de Sora, Ryota piscou e finalmente acordou do choque. Seus ombros se ergueram e rosto se virou para o guardião, que estava bastante próximo. Eles trocaram olhares.
— F-F-Falar?!
— Não erga tanto a voz, idiota.
Imediatamente, Sora a largou no ar e ela balançou, quase perdendo o equilíbrio de novo. Ao movimento em que ela gritou, o guardião tapou um dos ouvidos com a palma da mão.
— Não era seu objetivo desde o começo? Reencontrar seu avô e descobrir mais sobre o incidente de sua terra natal?
— Me surpreende que saiba tanto.
— E como não saberia? Por acaso tá tirando com a minha cara?
— Não, não é isso…
Ryota torceu o rosto para o Sora que ficou incomodado com o apontamento. Ela realmente não esperava que o rapaz soubesse tanto. Não se recordava de tê-lo contado a respeito, mas suspeitava que talvez Zero ou Fuyuki tivessem. Não era realmente um problema, mas a maior surpresa estava no fato dele se lembrar perfeitamente do que desejava. Sora deveria ser mais atencioso do que realmente demonstrava. Isso a deixou feliz, por alguma razão.
Mais do que apenas lembrar, ele parecia realmente incomodado com sua falta de atitude. Deveria ser algo esperado de alguém como Sora Akai, que sempre age antes de pensar, ao contrário de sua irmã.
— Agora que chegou a oportunidade perfeita, vai hesitar? Ah. O que esperar de uma reles covarde como você? Logo quando parecia estar se tornando um ser humano decente…
— … Mas será que eu posso só chegar assim, nele? E se o vovô não me reconhecer?
— Bem, depois de dez anos e usando uma máscara dessas, tenho certeza de que ninguém te reconheceria. Que tal usar isso ao seu favor?
— Ao meu favor?
— Pense, Ryota. Pense.
Sora batucou o dedo indicador frio na testa da garota que estava nervosa.
— E-Espera.
— Tenho mais coisas para fazer, então se vira aí.
Após dar este conselho, o guardião deu meia volta e se afastou a passos discretos. Ele acenou ainda de costas e torceu por sua vitória, deixando-a à mercê da própria sorte. Engolindo em seco, Ryota se virou novamente para a mesa de aperitivos e então, segurando com ansiedade a saia do vestido, se aproximou devagar.
Albert parecia bastante concentrado em sua seleção de salgados. Seus olhos dourados como ouro, focados como se estivesse trabalhando em algo importante, iam e vinham dos pratos dispostos. Por ser o único ali, ele não tinha problemas com outras pessoas reclamando de estar tomando espaço ou fazendo fila, mas certamente seria o tipo de pessoa que demoraria uma vida para escolher tudo o que gostaria de comer. Era de uma paciência e análises impressionantes.
Ryota parou na beirada da mesa e continuou observando-o de lado. Como ela era bastante extensa, com mais de três metros, o velho não a notou. Mas, mais de perto, ela conseguia analisar melhor seu estado após uma década de diferença.
Ainda que tanto tempo tenha se passado, não houveram grandes mudanças em Albert. Ele continuava com seus cabelos e olhos de cores característicos, assim como uma pele surpreendentemente bem cuidada. Para alguém da sua idade, aquilo era o bastante para ser admirado por qualquer um. Normalmente você veria mulheres que cuidavam mais da saúde ou da beleza, sendo responsáveis por seus maridos também — isso se alguém chegasse até essa idade sem passar por qualquer problema grandioso, o que já era um milagre.
Pessoas que estiveram presente no caos de décadas atrás, quando as sombras de uma entidade selada varreram o mundo, acabavam sendo afetadas somente por chegar perto demais. Tocar era o ápice disso, mas muitas vezes inalar o mesmo ar que aquilo ou sequer olhar poderiam causar “coisas” em seu corpo — e ficava em aberto se era algo direcionado ao seu físico ou mental. Dependia bastante do caso.
Homens daquela época se uniram para salvarem as pessoas, sendo responsáveis por suas seguranças — no caso, estamos falando de soldados e guerreiros em geral de todo o mundo. Ryota suspeitava que Albert estivera presente no meio daquele campo de terror, possivelmente ajudando nas evacuações e em conter as sombras. Era um milagre que estivesse tão bem nos dias de hoje.
Os olhos azuis se suavizaram e viajaram longe. Quando olhava para o perfil de Albert, seus pensamentos insistiam em vagar para o passado, quando ainda conviviam juntos. Época em que uma Ryota de cabelos negros e compridos que batiam na cintura corria até a porta de sua casa de braços abertos para ser pega e jogada no ar pelo avô, que mantinha seus olhos dourados apenas nela, como se fosse a coisa mais importante do mundo. Ela nunca se esqueceu do carinho e atenção dados à ela. Dos momentos que brincavam de esconde-esconde, de pega-pega, de quando ele a ensinou a andar de bicicleta, de quando a mimava e ouvia sermões de Stella, de sempre elogiá-la quando tentava cozinhar no lugar de sua mãe… Tanta coisa, tantas memórias coloridas e quentinhas saltavam em seu coração. Os sorrisos dos três, a felicidade naquela casa, a ansiedade de esperá-lo todos os fins de semana e feriados para que ele viesse vê-la.
Sem perceber, aquelas lembranças apertaram seu peito e fizeram suas mãos se fecharem em punhos. Era um passado que parecia distante demais do presente. Diferente demais de sua relação agora. O tempo e as pessoas mudaram. Era impossível reviver aqueles dias… Foi isso que Ryota percebeu enquanto olhava para Albert. Stella havia morrido e seu avô a abandonou aos próprios pesadelos, nunca mais voltando para vê-la.
Ryota torceu para muitas coisas terem acontecido. Ele poderia estar ocupado. Ou, então, algo aconteceu que o prendeu na cidade, o impedindo de retornar. Coisas piores surgiram em sua imaginação. Ele poderia ter adoecido e ficado de cama… Talvez até ido para o céu com sua mãe. Ryota torcia e pensava em coisas assim quando vivia em Aurora, olhando para o horizonte, por vezes para o trem. Ela sempre esperava que ele parasse e alguém descesse de braços abertos para vê-la. Não precisava estar com presentes em mãos. Desde que viesse somente para vê-la, para tê-la em seus braços mais uma vez, para se reconciliar e pedir perdão… Ela aceitaria as desculpas. Seu coração faria isso de bom grado. Estava disposta a esquecer aqueles dez anos de abandono e esquecimento.
Mas, agora, vendo-o perfeitamente bem, frequentando festas da alta sociedade e sorrindo para a nobreza… Algo desmoronou dentro dela. Se desfez em pó e sumiu. Subiu como um calor do coração que batia em descompasso pelo pescoço até o rosto, umedecendo-lhe os olhos ao ponto de escorrerem lágrimas. Era saudade? Dor? Raiva? Remorso? Amor? Ela não sabia definir. Por trás da máscara, a garota que ainda estava presa ao passado deixou que as lágrimas escorressem por seu rosto e pingassem de seu queixo.
— Oh, pelos Deuses… A senhorita está bem?
Ryota prendeu a respiração quando alguém falou com ela. Era Albert, que se aproximou, provavelmente ainda concentrado na mesa, mas se assustando ao ver uma moça tão jovem chorando ao seu lado. Seus olhos dourados brilharam em empatia, agora completamente concentrados nela. As sobrancelhas brancas e finas da idade se torceram em preocupação.
Ah… Era assim que ele me olhava antes, não era? Quando eu caí de bicicleta pela primeira vez e ralei o joelho, ele me olhou exatamente assim…
— Senhorita, por favor. Uma dama não deveria chorar dessa forma. Aqui, pegue este lenço.
— Uh? O-Obrigada…
Sem saber exatamente como reagir, Ryota apenas aceitou o paninho branco oferecido por Albert. Ele retirou-o discretamente de seu bolso, passando para ficar mais perto dela. Ela tinha quase certeza que estava tentando esconder suas lágrimas, o que foi um gesto muito gentil.
— Ótimo. Parece que sua maquiagem não se desfez. Como está se sentindo? Precisa de alguma coisa?
— Ah… Não, obrigada, estou bem agora. O senhor é muito gentil.
— Não se preocupe com isso, senhorita. É apenas algo que um cavalheiro deveria fazer por uma jovem dama.
Albert sorriu com gentileza mais uma vez, a preocupação se desfazendo um pouco de seus olhos cor de ouro. Ryota engoliu o choro novamente e inspirou fundo, tapando o nariz vermelho com o lenço que tinha um cheiro refrescante.
— Me desculpe por isso.
— Mas o que foi que aconteceu?
— … Sinto muito. Eu apenas… Quando olhei para o senhor, apenas me lembrei de meu avô.
— Oh, entendo. Deve ter sido difícil. Meus pêsames.
Apesar da informação ter sido mal compreendida, Ryota não se preocupou com detalhes. Ela decidiu que faria assim como Sora havia sugerido, aproveitando-se da brecha perfeita para iniciar uma conversa.
— Está tudo bem, eu o perdi há alguns anos. Ainda que faça tanto tempo, ainda é difícil de suportar as boas lembranças.
— Entendo como se sente… Aqui, gostaria de um doce?
Parecendo querer desviar do assunto que trazia melancolia, Albert pegou de seu prato recheado um brigadeiro e ofereceu. Ryota abriu um sorriso de volta.
— Agradeço.
Ela decidiu que aceitaria, ainda que não sentisse fome alguma. Mordiscou o chocolate e então… De seus lábios saiu um uivo de felicidade.
— Que delícia!
— Não, é? Estive realmente esperançoso de poder experimentar de tudo até que o baile começasse apropriadamente, mas… É quase impossível poder apreciar tantas obras de arte da culinária apressadamente. Sinto que seria um desperdício pelas mãos daqueles que fizeram tantos pratos para nós.
Albert explicou a razão de ter permanecido tanto tempo diante da mesa de aperitivos e Ryota compreendeu. Ambos eram bastante… Bem, gulosos, então ela rapidamente compreendeu o dilema dele. Por mais que a preocupação de Albert fosse aproveitar de tudo antes da dança, Ryota apenas sentiu vontade de encher um prato com docinhos para se empanturrar. Uma parte dela, pequena e travessa como uma criança, desejou pegar alguns brigadeiros e esconder nos bolsos, mas se conteve.
Percebendo essa sensação curiosa, ela riu.
— O senhor realmente gosta de doces, não é? Que adorável.
— Sim, sempre gostei bastante.
Eu sabia disso. Seus doces favoritos são brigadeiros e bolos com cobertura. Você gostava de passar o dedo pela massa comigo escondido da minha mãe.
— Não me diga que essa foi uma das razões para comparecer ao baile.
— Estaria sendo desonesto se discordasse.
Ryota riu de novo.
— E quanto à coroação? O senhor foi convidado como todos os outros?
Quando o assunto passou para um tema um pouco mais expansivo, Albert piscou e ficou de lado para ela, quase ombro a ombro, olhando para a multidão de pessoas do baile. A música clássica seguia tocando, acariciando seus ouvidos.
— Sim.
A demora para responder deixou Ryota confusa, mas decidiu que insistir no assunto seria não apenas falta de educação, mas traria suspeitas. Mais do que isso, acreditou que Albert provavelmente saberia que ela era a guardiã do futuro rei, então continuaria sendo bastante respeitoso independentemente de qual assunto fosse puxado.
Ryota lembrou a si mesma que também deveria manter a máscara de guardiã. Aprofundar-se demais em assuntos cotidianos ou íntimos traria problemas.
— O que está achando da semana de festas?
— Simplesmente encantadora. Sua Majestade e Sua Alteza realmente se esforçaram para criar um ótimo ambiente. Estão todos ansiosos para o grande dia.
— É verdade. Acredito que Sua Alteza será capaz de dar uma nova luz ao povo de Hera.
Ryota começou um assunto direcionado à opinião, torcendo para que Albert não se detivesse em tentar agradá-la e apenas concordasse sem pensar duas vezes.
— O príncipe Edward ainda parece bastante inexperiente, mas com o apoio correto, pode sim ser capaz. Ele toma atitudes um pouco impulsivas, e às vezes infantis, mas seu potencial é nítido durante reuniões de estratégia. O rapaz possui uma boa lábia, assim como seu pai, embora seja mais reservado.
Ela não poderia concordar mais com suas palavras. Um pedaço dela sentiu orgulho de saber o que os outros pensavam sobre Edward, ainda que não fosse uma guardiã de verdade. Talvez sua afeição pelo príncipe tenha crescido ao ponto de se sentir feliz por suas conquistas e elogios.
Ryota não deixou de reparar nas palavras chaves “reuniões de estratégia” e “boa lábia”. Apesar de não ter dito em voz alta, se perguntou se Albert estava envolvido naquelas discussões diretamente, o que justificaria seus dois apontamentos. Fanes e Edward deveriam se reunir para discutir assuntos do reino ao lado da corte e alguns estrategistas.
Seria possível que Albert tenha se tornado uma dessas pessoas? Alguém tão importante assim? Isso justificaria sua presença naquele salão, assim como o grande respeito que Edward parecia nutrir em relação à ele. Talvez a experiência falasse mais alto no coração do príncipe, e esperava que Ryota não agisse de forma impulsiva em sua direção, manchando sua reputação no processo.
— A senhorita é a guardiã contratada pelo príncipe, não é? Consigo sentir isso.
— Sim, senhor.
Ryota esperava que aquele comentário tivesse feito como um elogio, e não um apontamento de defeito.
— Como é trabalhar no palácio?
— Sendo sincera, senhor, vem sendo uma experiência bastante estressante. No bom sentido.
— Se estressar no bom sentido?
— Me refiro a passar por situações completamente novas. Foi um pouco difícil de me adaptar no começo, mas, aos poucos, estou me acostumando com este papel. É… Agradável estar rodeada de tantas pessoas incríveis.
As palavras foram ditas honestamente, embora não pudesse se aprofundar demais em quais eventos passou para ter criado tal opinião. Mas parecia que Albert havia compreendido, por cima, o que queria dizer com aquilo.
— Entendo. Quantos anos a senhorita tem? Se me permite perguntar, é claro.
— Dezoito.
— É bastante jovem.
— Muitos guardiões foram contratados ainda mais jovens.
— Não posso discordar.
No passado, você poderia dizer que muitas pessoas, em especial homens, foram levados para o exército e entraram nas tropas que enfrentavam a Entidade Libitina. Era comum que muitas famílias fossem compostas somente por mulheres com filhos e talvez algumas pessoas de idade, que estavam aposentadas e eram incapazes de lutar. Nos dias de hoje, as coisas mudaram. Não havia tanta distinção entre sexo e idade, permitindo que adolescentes e pré-adolescentes fossem trabalhar ainda cedo para auxiliar financeiramente suas famílias e seu próprio reino. Eliza era possivelmente um exemplo perfeito disso, embora ela tivesse se descoberto como alguém especial dentro da área médica. Os gêmeos Sora e Kanami deveriam ter passado por algo semelhante. Os nobres nem se falavam — e estes dois últimos possivelmente passavam por situações ainda mais complicadas.
Ryota podia dizer isso apenas observando Fuyuki e os gêmeos.
— Os jovens de hoje em dia estão passando por eventos complicados. Nós exigimos demais deles em consequência dos nossos atos no passado, esperando que possam se tornar melhores do que fomos. Essa situação não se aplica somente àqueles que saem de suas casas para trabalharem e arranjarem seu lugar na sociedade, mas até às crianças pequenas que acabam sendo colocadas sob pressão desde cedo.
Albert falou isso com os ombros baixos e um tom pesado. Ele parecia estar refletindo sobre algo.
— O senhor… Conheceu alguém assim?
Ryota tentou apostar em uma pergunta arriscada, esperando que não fosse pega.
— Sim. Eu vi muitas crianças passarem por isso. Na realidade, por coisas ainda piores. Elas mudam drasticamente quando eventos traumáticos marcam seus corações, e precisam se agarrar a algo para se manterem de pé.
— … Eu entendo como é.
Albert pareceu ignorar o murmúrio triste de Ryota.
— Por acaso o senhor foi avô?
— Sim, eu sou. Tive filhos e então netos, mas também adotei algumas crianças que passaram por dificuldades. Eu desejei lhes dar uma vida melhor, mas…
— … Mas?
— Esqueça. São apenas coisas do passado.
Ryota soltou o ar que nem sabia que estava segurando. Foi um suspiro pesado e denso, quase dolorido. Não conseguiu ver nenhuma emoção na expressão séria de Albert enquanto falava, então só pôde se perguntar o que ele deveria estar pensando enquanto falava.
— … Mas, mesmo sendo coisas do passado, elas são importantes, não é? — Ryota se viu falando de repente, incentivando-o a continuar — Ainda que passemos por momentos difíceis e cometa erros, e então se arrependa, ainda são coisas que fazem parte de você. Eu aprendi desde nova que perder alguém para a morte e perder alguém porque você foi abandonada são duas dores bem diferentes. Mas, ainda assim, as memórias boas permanecem. Elas não podem ser apagadas ou sobrepostas por outro sentimento.
— Jovem, isso nada mais é do que apego ao passado. Não faz bem nem para você ou para aqueles que se foram.
— Mas, ainda assim, eles ainda vivem dentro de mim. Eu não posso apenas esquecê-los…
— Senhorita.
Ryota ergueu a voz, parecendo desesperada em negar suas palavras. Mas Albert pacientemente tentou corrigi-la, olhando-lhe nos olhos. Íris douradas profundas e experientes encararam as azuis que buscavam se apegar a um sentimento de muito tempo atrás. E, então, a mão do senhor foi parar em seu ombro.
— Estou certo de que deve ter passado por muita coisa. Mas, por favor, não se apegue a memórias. Elas eventualmente se vão.
— N-Não pode… Eu não posso…
— Não estou dizendo para esquecê-las. Mas, por favor, não se prenda a elas, ou você ficará sempre olhando para o passado. Você não pode criar um futuro olhando para trás, sabe? Às vezes, algumas coisas precisam ser deixadas onde estão.
— Foi isso o que o senhor fez? Deixou memórias para trás, também?
Eles ainda se encaravam. Ryota ainda estava desesperada para sentir alguma emoção, para perceber se ele ainda tinha algum lampejo de memória. Se ele ainda se lembrava dela, se ainda pensava naqueles momentos de dez anos atrás como ela… Mas as íris de ouro eram duras e impermeáveis. Não poderiam ser lidas tão facilmente.
— Sim, eu abandonei memórias e pessoas. E não me arrependo nem um pouco.
— … Por quê?
— Porque isso me fez ser capaz de seguir em frente. E talvez você devesse fazer o mesmo, minha jovem. Agora, se me dá licença, estão me chamando para uma rodada de vinho.
Albert a cumprimentou, se afastando, e deixando para trás seu prato com aperitivos. Ele pareceu fazer isso de propósito, como uma forma de consolá-la depois da tensa conversa.
Mas Ryota sequer tinha percebido isso, porque, novamente, sua fome havia desaparecido.
E enquanto sua mente ainda vagava pelas palavras que ouviu do velho que se afastou, a música clássica lentamente mudou, assim como as luzes. Elas escureceram e se afastaram, focando somente no centro do salão. Finalmente, o baile estava começando. Os grupos se amontoaram nas paredes para observar a dança dos casais que começaram a girar, alguns homens convidando suas parceiras para se unirem ao inebriante ambiente.
— Finalmente te encontrei — repentinamente, Edward se aproximou por trás de Ryota, tocando-a no ombro — Parece que meu pai e Miura não perceberam você ainda. Espero que agora possamos… Ryota? O que foi que…
… aconteceu?, ele iria completar, mas parou quando, sem fazer força, o príncipe a virou de frente para ele, finalmente podendo ver as grossas e doloridas lágrimas que escorriam por dentro e fora de sua máscara.