Volume 5 – Arco 3
Capítulo 44: O Que Eu Deveria Sentir?
— Me alivia saber que vocês estão bem.
— Sim. Também fico feliz em vê-lo vivo, Tom.
Quando o quarteto subiu as escadas em direção ao térreo, encontrando o capitão da guarda acompanhado de uma tropa de soldados correndo para os andares subterrâneos, todos ficaram surpresos. A hostilidade do primeiro grupo se desfez assim que Sasaki afirmou que estava tudo acabado, mas percebendo a expressão dura de Eliza, todos entenderam que a invasão teve seu objetivo cumprido.
O grupo retornou ao térreo para conversar, com os soldados tomando conta dos corpos de seus colegas de serviço e limpando a área. Alguns médicos foram chamados para conferir se estavam realmente todos mortos, mas não havia nenhum sobrevivente além da dupla que estava de guarda no segundo andar subterrâneo. Foi um grande massacre.
— O que farão com os corpos das criaturas?
— A senhora Gê ficará responsável por analisá-los — Eliza, em tom de murmuro, respondeu olhando para o lado. Como estavam do lado de fora da Fortaleza, podiam se enxergar um pouco melhor. Os olhos âmbar de Eliza deslizaram para a companheira curandeira que estava de braços cruzados, o olhar sereno, enquanto um grupo de médicos usando máscaras e luvas fechavam a câmara móvel refrigerada ao qual os corpos das criaturas foram colocados. Por sorte, pelo corpo de Anoiem ter sido feito em pedaços, não houve dificuldades em colocá-lo dentro. Porém, Koalem precisou ser devidamente organizado para caber ali dentro, algo que foi bastante terrível de se ver para quem tinha estômago fraco — Como ela é responsável pelo grupo de pesquisas, podemos deixar isso em suas mãos.
Tom piscou, concordando silenciosamente com as palavras da curandeira. E, então, baixou suas íris escuras para a garotinha que estava estranhamente quieta e reclusa. Bem mais do que normal.
— Você está bem?
Quando o capitão perguntou à ela, Eliza apertou os olhos para o chão e se encolheu, abraçando o próprio corpo.
— Estou.
— Aconteceu alguma coisa lá embaixo?
Era uma pergunta que poderia ter sido respondida com sarcasmo ou até com raiva, mas Eliza não sentia nenhuma das duas coisas no momento. Ela jamais faria piadas a respeito do ocorrido, mas também nunca ergueria a voz contra alguém que não precisava ouvir. Não havia vontade em seu coração de descontar seus sentimentos nos outros, então, tudo o que fez foi permanecer em silêncio, pensativa. Estivera assim desde que Lysa, sugada pelas sombras frias e conhecidas, desapareceu da Fortaleza portando o Cristal da Ilusão.
Não houve mudança nos selos. Era como se nada tivesse acontecido, como se a relíquia tivesse apenas teleportado para as mãos dela de repente. Entretanto, não era a primeira vez que aquilo acontecia.
— Por acaso… Ainda está sentindo dor?
Desta vez, foi Sasaki quem perguntou, fazendo uma expressão preocupada. Ele esticou a mão na direção do rosto dela, que agora havia se restaurado ao seu estado original, mas as lembranças da dor ainda permaneciam. Assim como os guardas que perderam membros do corpo e tiveram eles colados de volta, o sangue não poderia ser recuperado de outra forma que não fosse através do repouso. Sasaki se perguntou se ter passado pela experiência de ter o rosto destruído a socos teria ferido tão profundamente a mente de sua discípula ao ponto de deixá-la incapaz de reagir como normalmente faria — tanto que Eliza não se afastou quando os dedos dele afastaram um pouco de seu cabelo para ver melhor sua expressão.
A garota, ao invés de saltar para trás gritando alguma coisa ou olhando-o com repulsa, apenas o ignorou. Parecia quase estar completamente focada em outra coisa, a mente pensativa demais para notar movimentações externas ou toques suaves.
Sasaki franziu a testa e tentou de novo, dessa vez, timidamente segurando seu rosto com uma das mãos e erguendo os olhos em sua direção.
— Eliza, o que foi?
A curandeira ergueu as íris ambas, vendo seu antigo mestre, e apenas piscou, silenciosa. Não havia sinal de emoções em seu rosto, como frustração ou dor, raiva ou tristeza. Era vazio demais, diferente demais do que Eliza normalmente era.
— Sinto muito, estou apenas um pouco cansada.
A garota, novamente abaixando o olhar nublado, deu uma resposta vaga e rouca. Seu cajado, Lótus, já havia retornado ao seu estado de pulseira.
A atenção de Eliza vagou para onde os guardas uniformizados estavam reunidos, onde os corpos das pessoas que puderam ser unidos foram cobertos com panos brancos. Alguns deles choravam, outros pareciam assustados e tremiam. Os mais fortes de mente conversavam para acalmá-los, mas ela escutou gritos de frustração e dor vindo dos fundos da Fortaleza. Alguns deles não conseguiam conter o aperto em seus corações.
Os olhos de Eliza se focaram naquela cena horrível, seus ouvidos consumiram os choros e gritos, sua garganta secou. Mas seu rosto permaneceu inexpressivo. Como será que ela deveria estar se sentindo naquele momento, mesmo? Com raiva? Triste por aquelas mortes? Frustrada por ter sido incapaz de salvá-los? O que uma curandeira, uma médica, deveria fazer quando todos aqueles que ela jurou proteger, que poderiam ter sido salvos, tiveram suas vidas escorregando pelos seus dedos finos e fracos? Qual deveria ser sua reação diante da própria incapacidade de fazer o mínimo? Como deveria ter falado ou reagido diante disso tudo?
Por que ela estava ali, afinal?
Ela era completamente inútil.
Estar ali ou não foi completamente irrelevante. Todos eles morreram por sua causa, independente de ter lutado contra a Autoridade ou não. O Cristal da Ilusão, a relíquia que estava sob sua proteção, foi roubado debaixo de seu nariz. Seu trabalho como curandeira e seladora era ridículo.
Enquanto aqueles pensamentos inundavam sua mente, Eliza respirou fundo.
— Deixarei as criaturas nas mãos da senhora Gê e aqueles que se foram com o senhor, Tom. Sasaki, pode cuidar das coisas por aqui, também?
— O que você vai fazer, Eliza?
Vendo-a distribuir os trabalhos sem pensar duas vezes, Tom, calmamente, interrogou suas intenções. Ela ergueu os olhos para o capitão.
— Preciso retornar ao palácio e garantir que todos estejam bem.
— Espere um pouco, você não está em condições de continuar trabalhando — Sasaki prontamente avançou, impaciente — Estou certo de que houve uma invasão ao palácio também, porém, ainda assim…
— Eles precisam de mim.
Eliza falou aquilo com tanta indiferença que pareceu não estar falando de si mesma, em primeiro lugar.
— É impossível para você retornar ao castelo. Não permitirei que saia daqui.
— Então, o que faremos? Não podemos deixar as vítimas no palácio-
Quanto mais a garota retrucava, mais irritado Sasaki ficava. E então, vendo-a ser incapaz de reagir a qualquer coisa que fizesse, o curandeiro, com raiva, a abraçou. Foi de repente o bastante para Eliza prender a respiração, piscando para o peito dele. Ela era bem mais baixa, mas isso não o impediu de envolvê-la carinhosamente com os braços e apertá-la. Tendo sua fala interrompida com aquele gesto, a curandeira lentamente piscou, arregalando os olhos. Parecia lentamente processar o que estava acontecendo.
— Chega, Liz. Apenas pare um pouco, está bem?
Eliza não devolveu o abraço.
— Como eu posso parar quando tantas pessoas estão sofrendo?
— Você fez o que era possível.
— Não. Eu não fiz o bastante. Ainda devem haver pessoas que eu possa ajudar. No palácio, antes de chegar até a Fortaleza, curei alguns nobres que se machucaram durante o terremoto. Se houverem mais feridos que precisem de meu auxílio e eu não estiver lá… Se houverem guardiões feridos, prestes a morrerem… E se algum nobre estiver morrendo agora mesmo porque não estou lá? Eu preciso… Eu preciso ir até eles.
Conforme falava, relembrando do que havia passado até chegar até ali, a voz de Eliza ficava cada vez mais desesperada. Sua necessidade de correr até aqueles que precisavam de sua ajuda a deixava nervosa, suas pernas se amoleciam apenas em pensar naqueles que poderiam estar morrendo por sua culpa. Por sua falta de compromisso, por sua demora. Enquanto conversavam, alguém poderia estar pedindo por socorro. Ela era a mais habilidosa em curar. Ela, e mais ninguém, poderia salvar alguém da morte. Eliza podia restaurar ossos quebrados, podia unir membros que foram arrancados. Às vezes, poderia fazer um coração voltar a bater. Mais do que ninguém ali, ela era necessária. Portanto, precisava continuar trabalhando. Enquanto respirasse, ainda poderia se erguer e continuar curando os feridos. Não importava o quão exausta estivesse, não importava o quão difícil fosse, o quanto seu nariz sangrasse ou cabeça doesse pela falta de chi… Ela deveria continuar a curar.
Eliza não era uma combatente. Era incapaz de até mesmo segurar uma faca direito. Era desastrada, delicada e fraca. Mas essa fraqueza lhe permitiu ser incrível nas coisas mais delicadas. Permitiu que suas pequenas e finas mãos pudessem se manchar em sangue de feridos para salvar suas vidas. Seu grande e forte coração não podiam ser corrompidos com palavras ditas com o propósito de fazê-la desistir. Porém, as coisas mudavam quando as dúvidas se originavam dela mesma. Imediatamente, sua necessidade em salvar as pessoas se sobrepunha a qualquer outro sentimento. E, muitas vezes, a necessidade não estava de acordo com o amor pelo seu trabalho, mas com o temor de ser incapaz até naquilo que dependiam unicamente dela.
As mãos manchadas de sangue não foram responsáveis por ferir as vítimas, mas poderiam ser responsáveis pelas suas mortes. Se Eliza fosse incapaz de salvá-los, se chegasse meio segundo atrasada, se ela fosse ao menos um pouco mais habilidosa, um pouco mais perspicaz, um pouco mais veloz, ao menos um pouco mais resistente, um pouco mais… Um pouco mais…
Se perdesse sua única razão para continuar a viver, para se sentir necessária, que era salvar os outros, o que lhe restaria?
O coração de Eliza se despedaçaria como vidro se isso acontecesse. O medo de uma vida escapar por seus dedos era muito maior do que o temor de perder a si mesma. Porque, assim que virassem as costas para ela, nada lhe restaria. Ninguém olharia para aquela garota que desperdiçou sua genialidade, desprezando-a como incapaz e inútil. Famílias poderiam culpá-la pela morte de seus filhos e maridos. Como ela encararia aqueles olhares de sofrimento? Como explicar sua falha? O que ela poderia ter feito para salvar mais? Como poderia fazer mais?
O que deveria fazer? O que deveria fazer? O que deveria fazer? O que fazer? O que deveria fazer?
— Conte comigo.
Sasaki, percebendo que o coração dela repentinamente disparou, a respiração ficando fora de controle, a abraçou mais forte e disse palavras de conforto. Tom, percebendo que não deveria interromper uma conversa entre mestre e discípula, se retirou em silêncio.
— Eliza… Eu sei que te magoei quando desprezei suas habilidades no passado, então, me perdoe. Me perdoe por ser insensível quando julguei o olhar de sua família sobre você e sua irmã. Me perdoe por lhe dizer que não poderia se tornar uma curandeira sendo tão nova. Me perdoe por ter te subestimado e ofendido aquilo que era mais precioso à você. Por favor, me perdoe. E, se possível, me permita te ajudar.
Quando Sasaki lentamente começou a pedir perdão, as palavras saindo arrastadas, porém, cheias de arrependimento, o coração de Eliza se apertou. Os olhos âmbar dela, que antes estavam nublados em confusão, de repente brilharam enchendo-se de lágrimas, recordando-se do passado. De quando, ainda nova, com seus pouco mais de onze anos, viu pela primeira vez os ares da guerra e da morte.
Uma criança presenciar a destruição de sua cidade natal, lutando para fugir e sobreviver com sua família, mesmo tendo perdendo tudo, era difícil. Mas pior foi quando o pai de Eliza machucou sua perna ao ponto de ser incapaz de andar. Sua mãe, Rosa, não era forte o bastante para carregá-lo. Entretanto, as três jamais seriam capazes de abandoná-lo naquele lugar recheado de morte e dor. Foi quando uma pessoa repentinamente se aproximou, fazendo surgir do nada um círculo mágico azulado sobre a perna de seu pai, curando em questão de minutos a perna quebrada.
Ouvir suas palavras de conforto, de que poderiam fugir e que tudo ficaria bem deixou Eliza surpresa. Ao lado de Iara, que a acompanhava, a pequena garotinha observou o homem que curou e salvou a vida de seu pai com admiração. Aquela foi a primeira vez que Sasaki e Eliza se viram. Anos mais tarde, quando Iara sairia de casa para trabalhar fora do vilarejo pobre aonde se mudaram para morar, tendo dificuldades até mesmo para comer todos os dias, a jovem garota viajou para ganhar dinheiro e ajudar sua família. Isso os salvou da fome e da pobreza, com seus pais eventualmente também conseguindo um trabalho, mas Eliza ainda se sentia incapaz. Ela queria ser capaz de ajudar sua família como sua irmã. Porém, com seu corpo fraco e delicado, tendo despertado seu controle de chi shui, Eliza percebeu que ela jamais poderia se tornar uma guardiã como sua irmã.
Porém, a menina era inteligente e capaz de aprender com facilidade. Tendo admirado o homem que salvou sua família há cerca de alguns anos, Eliza percebeu, e decidiu, o que queria fazer.
Foi então que a jovem saiu de casa, determinada a se tornar como Iara. A poder ajudar seus pais e trazer dinheiro para casa, porém, visitando-os com frequência, ao contrário da irmã mais velha, que eventualmente nunca mais retornou, mas sempre continuou mandando dinheiro como sinal de que se lembrava deles.
Seus pais sentiam falta de Iara, porém, jamais negligenciaram Eliza. Quando saiu e, após meses de viagem, finalmente foi capaz de encontrar Sasaki…
— … M-Me deixe ser sua discípula!
— Não.
Foi um completo choque. E, para ser honesta, uma decepção. Entretanto, com o tempo, Eliza demonstrou que era realmente capaz de provar seu valor. Ficou mais do que surpresa e feliz ao descobrir que sua delicadeza em trabalhar com vidas foi o ponto ideal para se tornar a maior curandeira de sua geração. Ela não possuía grandes quantidades de chi ou era capaz de atacar, entretanto, era digna de elogios quando o assunto era curar e selar — embora seu título de Maga Celeste tenha vindo por sua habilidade com a medicina.
Sasaki e Eliza eram uma dupla interessante. Uma jovem delicada, inocente e tímida aprendeu muito com as experiências de vida de seu mestre; entretanto, algumas vezes, ele podia ser realmente cruel com as palavras. Naquela época, quando a garotinha revelou a Sasaki seu sonho de se tornar uma curandeira, desejando fazer o teste para trabalhar para algum nobre, quando contou sobre sua família, sobre sua irmã e seus sentimentos…
— Não seja ridícula. Você não pode se tornar uma curandeira tão nova, é impossível. Pare de viver no próprio mundo e acorde para a realidade. Deveria voltar para casa e arranjar um trabalho nas redondezas, é melhor assim.
… Seus sonhos foram pisoteados e zombados. Foi o último diálogo de verdade entre eles, deixando a garotinha frustrada e com lágrimas nos olhos para seguir seu caminho sozinha. Sasaki, ainda que tivesse ouvido o desabafo de sua discípula, nunca pensou apropriadamente sobre seus sentimentos ou como magoou o coração dela. Ao menos, era assim que Eliza pensava. Ele jamais se desculpou ou demonstrou arrependimentos, sempre agindo com um sorriso como se aquele momento nunca tivesse existido. Ou como se pudesse sobrepor aqueles sentimentos do passado com piadinhas. Mas ela jamais permitiria que isso acontecesse.
Eliza se sentiu mais do que magoada. Ficou completamente decepcionada que uma das pessoas que mais admirava foi capaz de dizer aquelas coisas. Esperava que, por ser um homem com uma grande carga de experiência, que foi capaz de animá-la quando pensava em desistir, que lhe fez sorrir e ter determinação, de nunca abaixar a cabeça diante das adversidades e incentivá-la a ir no seu próprio tempo, Sasaki a entenderia. Porém, parecia que estava errada.
Ao menos, até tê-lo reencontrado na mansão Minami, foi o que havia pensado.
Os braços que a envolviam tinham um calor nostálgico. Sasaki havia a abraçado diversas vezes no passado para afastar seus medos. Agora, mais uma vez, ele demonstrou aquele lado que a fez admirá-lo tão profundamente no passado. Era quase como se tivesse voltado para quando o conhecera pela primeira vez, porém, dessa vez, ao invés de um grande sorriso reconfortante, haviam lágrimas escorrendo por seu rosto pálido.
Antes que percebessem, Eliza e Sasaki choravam abraçados. Ela chorava baixinho, em silêncio, com um sorriso trêmulo; ele, soluçando alto e de forma exagerada. Mas, dessa vez, a garota sabia que Sasaki não estava fingindo.
— … Eu te perdôo — sussurrando em seu ouvido, a menina aceitou as desculpas vindas de seu coração, acariciando seus cabelos encaracolados.
***
— Então, eles conseguiram roubar a relíquia?
— Infelizmente, sim.
Um suspiro escapou dos lábios do homem que tinha o pescoço e os braços enfaixados. De braços cruzados, ele fechou os olhos por um instante e, em seguida, os abriu.
— Não havia o que ser feito.
— Onde você estava, afinal? Diz, se tivesse se unido à nós na Fortaleza-
— Nada teria mudado, Sasaki. Eu te avisei que não me envolveria naquilo que não é de minha conta.
As palavras de cobrança vindas do curandeiro foram refletidas rapidamente com a língua afiada de Diz. O homem ainda possuía a mesma aparência que Eliza se lembrava. Faixas brancas cobriam parte de seu corpo, incluindo o olho esquerdo. Cabelos cinzas e lisos lhe caíam sobre o pescoço, uma franja um pouco maior do que o normal à frente dos olhos de tom dourado escuro. Ainda quando estava de braços cruzados daquela forma, não era possível ver suas mãos, pois as mangas roxas de suas longas vestes cobriam perfeitamente seu corpo.
Se Sasaki era um homem despojado com um sorriso fácil, Diz era tão reservado e discreto quanto possível. Era possível que ele jamais tivesse sorriso uma única vez na vida. Ao menos, era essa a visão que a pequena Eliza tinha dele. Uma aura fria e solitária emanava daquele homem que recuava rudemente dos apontamentos de seu amigo.
— Como assim não é da sua conta?
— Exatamente o que você escutou.
— Muitas pessoas morreram! — De repente, corajosamente, Eliza ergueu o tom de voz. Diz, perfeitamente imóvel, deslizou os olhos na direção dela — Se mais pessoas que pudessem lutar estivessem presentes, talvez… Talvez pudéssemos tê-las salvo. O senhor… É um espadachim, não é? Então…
— Não me façam repetir que isso não é problema meu.
Diz afinou os olhos para a curandeira, que se retraiu. Ele não parecia realmente estar irritado com ela, apenas intimidá-la ao ponto de não continuar falando. Porém, diante dessa atitude, Sasaki segurou o ombro do homem enfaixado com força.
— Diz!
— Não me toque tão casualmente — Diz rapidamente se afastou, dando as costas para a dupla.
Um tempo atrás, a dupla de curandeiros retornou ao palácio. Como as suspeitas de Eliza afirmavam, muitas pessoas ficaram terrivelmente feridas. Não apenas nobres que sofreram com o terremoto e a invasão, como também a própria corte e seus guardiões. Os dois estavam trabalhando rapidamente para curar a todos quando, de repente, se encontraram com Diz os observando de longe. Foi naquele momento que se aproximaram para conversar e entender a situação, porém, ele não colaborava de forma alguma.
— Aquele idiota… — Sasaki resmungou ao ver o amigo desaparecer nas sombras do palácio — Eliza, sinto muito por isso.
— Eu não me importo, não se preocupe.
Eliza assim respondeu, mas fazia uma expressão carrancuda bastante explícita.
— Deixe esta ala comigo. Você deveria ir até o salão real e conferir se estão todos bem. Ainda que Diz tenha nos informado que ninguém morreu ou esteja morrendo…
— Certo.
Eliza rapidamente concordou com a proposta de Sasaki e, sem se despedir, disparou na direção do salão do trono. Ao contrário de algumas horas atrás, os corredores agora não estavam mais caóticos. Empregados passavam tranquilamente, andando de lá para cá. A nobreza havia sido encaminhada para os seus quartos. Os que aguardavam tratamento permaneciam acordados de porta aberta, com guardas os vigiando e guiando os médicos e, agora, Sasaki de um lado para o outro.
Eliza rapidamente atravessou o castelo, disparando pelas escadas na direção do quarto de sua mestre. Mas, antes que pudesse chegar até a porta, se assustou quando cruzou um corredor e deu de cara com duas pessoas. Uma era uma mulher de cabelos brancos um pouco bagunçados e expressão cansada; o outro era um rapaz com o corpo recheado de sangue.
— O-O-O que aconteceu com vocês?!
Eliza gritou alto, chamando a atenção da dupla.
— Eliza — Fuyuki, sua mestre, a reconheceu imediatamente. Ela parecia mentalmente cansada, talvez até pensativa.
— O-O-O que é is-so?! Vocês estão bem?! Mais alguém se machucou?! De quem é esse sangue?!
— Não se preocupe, não é meu — Sora respondeu com serenidade, apenas para um pequeno suspiro de alívio de Eliza ser substituído por uma exclamação de horror dela, finalmente entendendo sua resposta.
— Acalme-se, Eliza. Estão todos vivos e bem.
Fuyuki prontamente tentou sossegar sua curandeira com um sorriso fraco, fazendo-a finalmente baixar os braços que se agitavam no ar. Eliza inspirou fundo, agora entendendo que algo realmente complicado deveria ter acontecido no salão do trono, mas nenhum dos dois parecia disposto a conversar sobre.
— Vamos voltar para o quarto, por enquanto — a duquesa disse, baixo, voltando a andar na direção do cômodo.
— C-Certo…
Eliza apenas assentiu, permitindo que Fuyuki e Sora andassem na frente. Ela, então, com as mãos acima do peito, sentindo-se estranhamente ansiosa, os seguiu. Porém, antes que entrasse no quarto de sua mestre, sua cabeça se virou para trás por um momento…
Eu me pergunto se Ryota está bem…
… Então, ela fechou a porta atrás de si.