Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 5 – Arco 3

Capítulo 43: O Fim da Invasão

— Enfim, parece que acabou.

Tom comentou suspirando, após ter guardado sua espada e olhado para o estrago que foi causado pelo combate. O corredor passou por maus bocados, mas não estava tão ruim ao ponto de que não pudesse ser consertado. O capitão apenas foi capaz de baixar a guarda daquela forma porque havia conferido o corpo da criatura morta sob seus pés, que não mais reagiu. Depois de ter seu corpo cortado tão brutalmente, tendo gritado alto o bastante para fazer seus ouvidos sangrarem, apenas caiu, inerte, no chão. Sangue podre manchou o solo de pedras e sua espada que reluzia em amarelo, sendo limpada com algumas sacudidas no ar, mas o cheiro horrível permaneceu.

Estando em um local fechado, o nariz de Tom se torceu para a figura de Koalem morto aos seus pés. Ele confirmou se estava realmente derrotado ou apenas se fingia, mas ele não reagiu. Os dois pontos brilhantes que haviam no fundo de sua cabeça, onde deveriam ser o lugar dos olhos, se apagaram por completo. Isso deveria ser resposta o bastante para ele. 

— Será que essa carcaça tentará se reerguer? Isso seria um problema, então deveríamos queimá-la, mas… Se pudéssemos estudar este corpo e encontrar respostas…

Tom estava certo de que Koalem era algum ser que foi morto, mas desconhecia o que havia sido feito para que uma criatura que não era nem humana, animal ou espírito surgisse. Certamente, era um mistério. Poderiam conseguir respostas para isso caso estudassem seu cadáver, porém, o risco era igualmente alto. Não havia como ter certeza de que aquele corpo estava realmente morto, ou que tocar e mexer nele não faria mal às pessoas de alguma forma.

— Acho que não temos escolha.

Concluindo sozinho, Tom decidiu que deixaria o corpo ali. Estava certo de que uma figura tão chamativa e barulhenta quanto Koalem poderia ser facilmente percebida por eles caso tentasse escapar. O capitão se virou na direção da porta e a abriu, analisando o espaço. Vento adentrou o corredor e fez parte do mal cheiro escapar, mas nada demais. A outra porta adiante dele, onde Eliza e aquela mulher estranha haviam adentrado, ainda se mantinha fechada.

— O que será que aconteceu? Será que a dona Eliza conseguiu selá-la?

O capitão se aproximou e, cuidadosamente, colocou o ouvido na porta para escutá-la, mas nada sentiu. Parecia inteiramente silencioso do lado de dentro. 

— Seria possível para os selos isolarem tanto assim uma área? 

Ele havia sentido, anteriormente, enquanto ainda estava cara a cara com Koalem, que uma forte pressão vinha dessa área. E ela ainda permanecia, embora parecesse um pouco estável. Porém, era bastante suspeito que algo como o som pudesse ser isolado de tal forma… Por que Eliza faria aquilo, no fim das contas? 

— Eu realmente espero que nada de ruim tenha acontecido… Vou entrar — decidindo esperar pelo pior, Tom segurou a maçaneta e a empurrou. Mas ela não se moveu. Tentou de novo e de novo, forçando-a. Era impossível, estava completamente paralisada. — O quê?! Ela se trancou com a mulher mascarada?! Dona Eliza! Dona Eliza, a senhorita está me escutando? O que aconteceu?! Você está bem?!

Tom bateu freneticamente na porta, esperando uma resposta. Porém, apenas silêncio. Ele, então, forçou o corpo e chutes contra a madeira. Mas não houve um único arranhão, sequer um movimento que indicasse que ela foi afetada. Era inútil. Quando um selo de proteção era ativado, nada poderia desfazê-lo além de um outro selador. Um intenso formigamento correu por seu corpo. Será que ela estava bem? Havia como saber? Ele não podia se teleportar para o corredor, e voltar para o térreo poderia ser perigoso. Ele desconfiava que a criatura ainda estivesse no topo, aguardando por alguém que entrasse.

— Eu não tenho escolha! Preciso fazer alguma coisa!

Exclamando para si mesmo, Tom se pôs em movimento. Ele correu escada acima, sem se importar em fazer qualquer som. Se não poderia adentrar a sala com sua própria força, ao menos, deveria ser capaz de enfrentar a criatura que deveria estar lá em cima. Os guardas que o acompanharam desde o palácio ainda deveriam estar esperando por seu sinal para entrarem na Fortaleza — Tom subiu com isso em mente.

Porém, quando alcançou o térreo e olhou para a entrada… Se assustou com o que viu.

— O que… Aconteceu aqui?

Ao invés daquela criatura grotesca e que fazia sons horríveis, haviam pedaços de um corpo desmembrado. Era da mesma besta ao qual ele e Eliza haviam passado sorrateiramente antes, porém, deitada no chão, seus braços, pernas e todo o torso foram picotados. Sangue podre, quase negro, espirrava nas paredes e chão. O capitão ficou tão em choque com a cena que sequer notou que a cabeça decapitada não estava presente. 

***

— Nada mal para um simples selador. Não, na realidade, vocês dois são seladores e curandeiros, não são? Estou certa, não estou?

Quando Lysa se colocou de pé, escutando as ameaças de Sasaki, ela cruzou os braços sobre seus seios fartos e assim falou com um sorriso. Seu único olho de cor cornalina, que se revelava por trás da máscara quebrada, se estreitou de forma interessada. Um sorriso sensual foi desenhado em seus lábios carnudos, ainda manchados de vermelho — parte de batom, parte de um sangue que não era seu.

Sasaki não respondeu a pergunta retórica, mantendo-se na defensiva com seus dois braços diante do corpo. As lâminas azuis brilhantes, que pareciam correr como água infinitamente, mantinham-se prontas para o combate. A camiseta social tivera as mangas puxadas até acima do cotovelo para que isso fosse possível. 

Lysa riu do silêncio enfurecido dele.

— Até que você é gatinho… E se fizermos o seguinte? — a mascarada sorriu e apontou com um dedo indicador — Em troca da vida miserável dessa garota insolente e daquele capitão idiota, você me entrega o Tigre Branco do Oeste e o seu telefone? E então? Parece uma troca justa, não acha? Eu sou muito gentil mesmo, não sou? Aaah, tenho pena desses tolos que ousaram se voltar contra mim.

Lysa sugeriu uma proposta e riu sozinha, convencida de que havia vencido. As unhas pintadas de vermelho apontaram na direção de Sasaki, que a escutava com uma expressão de seriedade mortal. A mascarada, que desconhecia o homem, achava seu silêncio charmoso, como se deduzisse que estava considerando a proposta. Porém, quando alguém que o conhecia o via naquele estado, saberia dizer imediatamente que estava irritado. 

Quando Sasaki perdia a paciência, ele ficava tão mortalmente sério que poderia matar alguém apenas com esse silêncio.

Os cabelos negros e encaracolados dele se movimentaram sobre sua face quando o curandeiro inclinou levemente a cabeça para o lado, os olhos estreitados com serenidade. 

Se estivesse de bom humor, ele provavelmente responderia com uma piada propositalmente sem graça ou com sarcasmo, citando Sofia. Entretanto, Sasaki permaneceu em silêncio por mais algum tempo. Um período de segundos longo o bastante para que a própria Lysa se estressasse. 

— Apenas me responda de uma vez!

A mão que apontava com os dedos para Sasaki se abriu e rasgou o ar, fazendo se moldar de repente uma parede de fios em formatos de quadrados pequenos que dispararam na direção do homem. Com o ataque se aproximando a uma distância tão curta, era praticamente impossível desviar. Mas ele não pretendia fazer aquilo, de toda forma.

Houve apenas um movimento. O braço direito que estava diante do esquerdo, dobrado para cima como que em posição de defesa, apenas ergueu-se ainda mais e fez um corte de cima a baixo. Foi um rasgo na diagonal, sem a intenção de ferir, mas que deixou um rastro de luz azul quando fez os fios quase invisíveis se desfazerem no ar.

— Bem, pelo menos apareceu alguém que pode ser um pouco mais divertido. 

Essa foi a resposta para a defesa feita por Sasaki. Os fios cortados se desfizeram no ar como chi, sem acertar seu alvo. Mas Lysa, ao invés de ficar frustrada, pareceu satisfeita.

— Vamos ver como lidará com isso!

Mais fios foram produzidos do nada e dispararam-se na direção de Sasaki. Porém, ao invés de apenas uma parede que vinha de sua frente, outras duas surgiram por cima e pela sua lateral. O objetivo dela era óbvio: forçar o curandeiro a abandonar seu trabalho de proteger Eliza, deixando-a morrer sozinha.

 Mas Sasaki não parecia disposto a ceder aos seus caprichos.

Velozmente, os dois braços se cruzaram diante de seu rosto como no formato de um “X”, e, então, se abriram de uma vez, cada um indo para um lado diferente. Mais uma vez, quando assim se movimentou, o brilho de seu corte azul permaneceu no ar. Então, as paredes de fios, antes que pudessem alcançá-los, mais uma vez se desfizeram no ar, desaparecendo.

Lysa torceu os lábios, fazendo bico para aquela demonstração.

— Hmmm… Nada mal. Ei, me diga. Você sabe onde está o Tigre, não sabe? Será que poderia me dizer?

— E por que eu deveria fazer isso?

— Oh, ele finalmente me respondeu! — Lysa bateu palmas no ar, contente com a conquista — Sabe, aquele gatinho branco é nosso. Então, nada mais justo do que nos devolver, não acha?

— O espírito não lhes pertence, e não pertence a nenhum de nós. Nosso trabalho é apenas manter sua segurança, garantindo que pessoas como vocês fiquem longe dele. 

Sasaki respondeu às ofertas de Lysa com seriedade. Diante disso, a mulher fungou.

— … Eu realmente detesto o meu trabalho. Se não me dirá onde ele está, então descobrirei por conta própria!

Sons altíssimos se sobressaíram quando as portas que levavam a relíquias explodiram, e uma forte fumaça tomou conta do ambiente. Lysa fez um movimento com o braço direito e, de repente, diversos cortes foram disparados contra os selos que mantinham aquelas alas trancadas. Alguns deles tiveram sucesso em causar estrago, com paredes caindo para dentro, abrindo espaço para que uma pessoa ou um braço passasse. Outros, ainda permaneceram de pé, mas se desfazendo.

Sasaki fez uma expressão de dor quando alguns de seus selos foram brutalmente atacados, alguns se quebrando e rachando. Outros, ainda determinados, se mantiveram de pé, impedindo a passagem. Aproveitando-se dessa brecha, Lysa se virou e passou os olhos por uma das janelas que davam vista para as relíquias. 

— Não está aqui. Nem aqui. Essas relíquias não emitem uma aura tão poderosa… Isso significa que vocês a selaram ainda mais no subsolo? Faria sentido, não é?

Quando Lysa concluiu por conta própria, após passar os olhos por duas ou três portas, que o que procurava não estava naquele andar, seu olhar se desviou para a escadaria que estava logo ao seu lado.

— Parece que meu chute estava correto — a mascarada sorriu quando viu a expressão tensa de Sasaki — Ora, não fique tão aflito, querido. A oferta que lhe fiz ainda está de pé. Pode aceitá-la quando quiser e encerramos esse conflito por aqui.

Sasaki fechou os olhos por um momento e abaixou os braços. Lysa abriu ainda mais seu sorriso de triunfo quando o viu desfazer as lâminas que estavam em seus braços. 

— Parece que escolheu o caminho correto, meu querido. Vamos, me guie.

Os olhos negros encararam os de tom cornalina e se viraram para a garota que estava deitada atrás de si, ainda inconsciente. Seus ferimentos mais grotescos estavam em processo de cura. Ainda demandaria algum tempo até que ele conseguisse restaurá-los completamente. 

— Rápido!

Lysa ergueu o tom de voz, irritada, quando o curandeiro bateu um dos pés contra o chão. Cresceu, ao redor do corpo deitado de Eliza, uma barreira oval azul com símbolos e desenhos conhecidos. Esperando que aquilo pudesse protegê-la ao menos um pouco, Sasaki lhe deu as costas e se dirigiu para onde a mascarada estava, impaciente, de braços cruzados. Lysa havia andado até logo ao lado da escadaria, que descia por mais um longo lance de degraus até o segundo andar. 

Sasaki, lentamente, caminhou na direção dela. 

— Mas que demora, hein? Qual é o seu… problema…?

Quando a mascarada, que de braços cruzados e concentrada demais em falar, finalmente se deu conta de que Sasaki andava em sua direção, e não para a escada, ela se desconcertou. 

— O-O que foi, hein?! Eu disse pra você ir na-

Repentinamente ficando sem graça quando o homem se aproximou, sério, sem reagir aos seus insultos ou tom alto de voz, e colocando ambas suas mãos ao redor de seu rosto… O cérebro de Lysa parou de funcionar. Uma coloração forte de vermelho subiu de seu pescoço até as orelhas, impedindo-a de gritar para que o homem se afastasse dela, tendo-a tocado nas bochechas com tanta intimidade. Porém, o constrangimento a impediu de dizer algo. Sua boca, aberta, apenas gaguejava palavras inaudíveis.

E então… 

Ela perdeu o equilíbrio. Não, na realidade, os dois perderam. Literalmente. Pois quando as mãos de Sasaki, que estavam em seu rosto, repentinamente desceram para seu pescoço, apertando-o enquanto ambos caíram em direção às escadas, Lysa perdeu os sentidos. Por estar tão concentrada no rosto do belo homem, que parecia prestes a lhe beijar de tão próximo, não compreendeu que havia sido levemente estrangulada antes de ser empurrada, junto a ele, pela longa descida das escadas.

A dupla não caiu degrau a degrau, mas atravessaram o espaço que havia no meio da escadaria em formato espiral. O vento batia em seus rostos, os cabelos de Lysa, que estavam indo em direção ao solo, grudaram em seu rosto. Seu chapéu havia sido perdido quando caíram. Quando finalmente percebeu que ele a havia levado para uma armadilha, seu rosto vermelho mudou de constrangimento para ira.

— Seu malditooooo!

Uma de suas mãos tentaram criar uma parede de fios para segurá-los, mas, rapidamente, Sasaki segurou seu pulso e entrelaçou os dedos.

— Você não pode criar os fios se não mover as mãos, não é? — provocou ele, agora com um sorriso. 

Ao invés desse gesto deixá-la feliz, ainda mais raiva ferveu em seu corpo.

Os dois se debateram no ar, o curandeiro garantindo que seus braços e mãos permanecessem imóveis conforme voavam na direção do chão. A expressão de Lysa era de puro desespero enquanto se esforçava para escapar dos braços de Sasaki, porém, era impossível. Ele era fisicamente muito mais forte, e, além disso, como era ela que estava por baixo, caindo em direção ao solo, seria a primeira a ser atingida pelo impacto. Seus dentes se esfregaram com força, em fúria, fazendo um som desagradável.

— Droga!!!

E então, quando a dupla estava para bater contra o chão, Sasaki desenrolou-se do corpo da mascarada e usou-o como trampolim, forçando-a a cair ainda mais rapidamente contra o chão. Assim que conseguiu se segurar no corrimão, um som altíssimo soou, e então uma nuvem de poeira se ergueu do solo do segundo andar. Sasaki piscou e, então, acalmando o coração que ainda estava disparado pelo ataque impulsivo, saltou calmamente em direção ao chão. 

— Senhor!

— Senhor, o que houve?!

Os dois guardas que estavam em seus postos rapidamente se colocaram de pé e, vendo o curandeiro, correram até ele. Sasaki os olhou com alerta e acenou com a cabeça na direção da origem da nuvem de pó.

— Tomem cuidado e se afastem, vocês dois. Vou cuidar da invasora, então permaneçam em seus postos.

— Sim, senhor!

Os dois homens rapidamente o obedeceram, correndo de volta na direção de onde haviam vindo e sacando suas armas, prontos para o combate. Estavam calmos demais, mas era algo esperado. Afinal, eles desconheciam completamente o que havia acontecido nos andares superiores. Dali, era impossível escutar qualquer coisa que acontecia lá em cima, mesmo gritos. No máximo, algo como uma explosão em larga escala, mas provavelmente ainda era algo que poderia ser abafado.

Percebendo isso, Sasaki pensou que deveria tomar cuidado. Ele não tinha certeza se com aquela queda a mulher mascarada havia morrido, mas era bastante possível que a resposta fosse não. E, mais do que isso, que apenas tivesse sofrido uma lesão leve. Portanto, quando a nuvem de poeira se extinguiu e ele se preparou para o combate… 

— Mas que falta de educação, não é mesmo? Por que você me jogaria dessa forma? Tocar em uma mulher tão delicada e santa como eu deveria ser considerado como um pecado! Agora suas digitais estão em meu lindo rostinho! Você pode ser lindo, mas é terrivelmente mal-educado!

… Se surpreendendo quando uma voz irada veio do seu lado. Assim que o ambiente se clareou, os olhos negros de Sasaki piscaram, a cabeça se virando para a esquerda onde uma mulher inteiramente bem estava. Quero dizer, ela não estava muito bem arrumada — em comparação a como havia chegado à Fortaleza, sua aparência estava deplorável. Entretanto, em se tratando de sua saúde, não havia um único arranhão em sua pele, maculada apenas pelo pouco de poeira e sangue. Lysa bateu os pés no chão e fez birra, erguendo o tom de voz enquanto apontava para o curandeiro surpreso.

— Você achou que tinha ganhado de mim?! Há, há, há! Que peninha! — a mascarada fez sinais com os braços de forma exagerada, parecendo ao mesmo tempo irritada por ter sido pega na armadilha e orgulhosa de ter frustrado os planos dele — Não me olhe desse jeito, eu estou bem vivinha. Um pouco de sujeira não faz mal para a pele… Não, na verdade, faz sim. Estou imunda! Completamente suja, com meus saltos quebrados e cabelos empoeirados! Meu chapéu sumiu! Esse vestido era novo, sabia? Agora vou precisar mandar arrumá-lo! Você vai pagar por ele, vai? É o que deveria fazer, como forma de compensação pelo o que fez! 

Mais uma vez, Lysa perdia o controle das próprias emoções e soltava xingamentos sem parar, como uma metralhadora. Seus braços se moviam sem parar, apontando para Sasaki e para si mesma. 

— Quer saber de uma coisa? Eu cansei de todos vocês! Vou me virar sozinha e não ligo mais pra ficar de conversa! Saiam da minha frente, seus porcos imundos, ou picoto vocês em pedacinhos aqui e agora!

A mascarada apontou as unhas bem feitas para os dois guardas diante da porta e gritou. Eles, entretanto, permaneceram muito bem parados. 

— Muito bem, então. Vamos precisar apelar para o jeito difícil, de novo.

Suspirando com impaciência, Lysa abriu os dedos das mãos e movimentou o braço. Porém, ao invés de uma parede, como se um lance de fios semelhantes a uma corda se amarrassem aos seus punhos, os guardas tiveram seus braços torcidos de forma que precisassem largar suas espadas. As lâminas bateram no chão fazendo barulho, bem a tempo de um corte feito com água desmanchar os fios. 

Sasaki, ao invés de fazer crescer as lâminas nos braços, uniu os dedos indicador e do meio e, fazendo um movimento de corte com os braços, desferiu o golpe contra as cordas feitas de fio

— De novo! Para de ficar no meu caminho!

Lysa lançou um golpe de fios contra Sasaki, mas ele rapidamente o desfez repetindo o mesmo movimento com os dedos, porém, com a mão esquerda. 

— Mas que droga! O que é isso?! Por que meus fios estão sendo cortados tão facilmente?!

— Que tal calar a boca e lutar a sério?

— Calar a boca? Calar a boca?! Como ousa mandar uma dama calar sua boca, insolente?! Seu ridículo, verme inútil!

Lysa deu um passo grande para frente e disparou mais de seus fios, dessa vez, em uma grande sequência. Foram paredes de fios sobrepostas que se formaram, ganhando mais densidade e poder. Sasaki franziu a testa e, unindo a combinação de dedos das duas mãos, desferiu vários golpes. Os cortes feitos com água que se transformavam em lâminas voaram contra os fios, que ainda estavam à distância. Parte deles se desfez, mas algumas paredes ainda prosseguiram em sua direção. Então, dando um giro de 360º, formando um arco com os pés, um chuto alto foi desferido, e então outro enorme corte de água voou contra os fios, finalmente os desfazendo.

— Corram para o corredor, agora! — exclamou Sasaki, ao que os guardas atrás dele o obedeceram, passando pela porta e a fechando.

Veias de fúria pulsaram pelo rosto de Lysa.

— Não fujam de mim!

Dando outro passo à frente, a mulher mascarada, dessa vez, foi além. Quando ergueu as mãos, ao invés de cortar o ar como de costume, ela levou um dos dedos até os dentes e o mordeu. Foi com tanta força que sangue escorreu e pingou, manchando o chão. Repetiu o mesmo ato com a outra mão e, enfim, com um sorriso diabólico, abriu os braços. 

— Querem que eu lute à sério? Muito bem, então.

As palmas que estavam viradas para cima tiveram seus rastros de sangue congelados e, então, desenharam-se no ar como teias de aranha. Os fios de chi, tingidos com o próprio sangue, varreram a ala e destruíram as paredes. Nuvens de poeira se ergueram quando os cortes infinitamente mais poderosos arrancaram pedras e destroçaram o solo. 

Aquele enorme xadrez de fios continuou seu caminho até Sasaki que, percebendo que não poderia cortá-los mais tão facilmente, criou duas sequências de barreiras feitas com seus selos, tentando se proteger. 

Uma grande explosão surgiu, destruindo a entrada por onde os dois guardas haviam passado. Sujeira bagunçou o espaço fechado e invadiu os narizes, fazendo-os tossirem e espirrarem. A visão foi completamente obstruída com as nuvens de poeira, e a dupla precisou se afastar para poderem observar por cima do ataque. Sasaki, que havia voado contra a parede e caiu aos pés dos guardas, também tossia enquanto se colocava de pé.

— Senhor!

— Estou bem, foram apenas arranhões.

Foram cortes superficiais, mas o bastante para fazerem sangrar. 

— Patéticos. É por isso que eu não queria me esforçar. Vocês são ridículos. Lutar a sério contra mim em um espaço fechado é o mesmo que desejar sua própria morte. Querem morrer? Eu lhes darei seu fim agora mesmo. Não precisam se preocupar com mais nada.

Ao contrário do trio, Lysa estava intacta. Uma barreira de fios se envolveu ao seu redor, impedindo que a explosão causada por seu ataque a atingisse. Quando os traços vermelhos revelaram sua figura esbelta atravessando a parede destruída, os olhos varrendo o corredor.

— Então, qual será a porta escolhida?

— Eu sabia que vocês eram fortes, mas não tanto assim — Sasaki murmurou sozinho, observando a mascarada.

— Que bondoso da sua parte de me elogiar a esta altura. É uma pena que tenha perdido sua chance, ralé. Ter partido o coração de uma donzela como eu, de uma Autoridade, é simplesmente falta de senso comum. Além disso, tentar bater de frente comigo é ridículo. Aaah, às vezes eu tenho pena de vocês por viverem no mesmo mundo que eu.

— Uma Autoridade…? — um dos guardas perguntou para si mesmo, repetindo o termo desconhecido.

— Sim, porquinho. Você está diante da Autoridade do Destino, Lysa, então fique um pouco honrado, certo? 

— O que quer dizer com Autoridade?

— Exatamente o que parece, meu querido — Lysa respondeu a Sasaki com um sorriso, feliz por sua confusão — Autoridades nasceram para serem respeitadas, nada mais, nada menos. É uma pena que um de meus… Argh, “companheiros” acabaram sendo vencidos pela tal Princesa, mas e daí? Aquele idiota recebeu o que merecia, no fim das contas. Quem se importava com ele, de toda forma? Eu, não. Obviamente que não chorei pela sua morte, tanto faz pra mim. Há. 

Lysa de repente começou a se autoafirmar demais, balançando os ombros. A impressão que Sasaki teve é que ela estava tentando esconder seus verdadeiros sentimentos com um sorriso, mas deixou isso para lá. 

— De toda forma, se não podem vencer uma Autoridade, jamais baterão de frente com uma Entidade. Essa é a regra. Então, agora que deixamos claro quem está acima de quem, que tal em darem a porcaria do Tigre, logo?

A mascarada balançou seus cabelos cheios de poeira e assim exigiu novamente, fazendo uma careta de impaciência. 

— Ah, esqueci que vocês não vão querer, não é? Era a última chance de implorarem por suas vidas. Mas, olha, pra ser sincera, vocês cansaram minha beleza. Tudo o que eu quero agora é tomar um banho, então que tal agilizarmos isso?

Lysa abanou uma das mãos e fez com que um fio voasse. Imediatamente, Sasaki conjurou a lâmina em seu braço e bateu de frente com ele, incapaz de cortá-lo. O som de ambos se chocando era de machucar os ouvidos, mas, em comparação com os fios antigos, eles eram muito mais poderosos.

— Queridoooo, você pode apenas soltar, sabia? Se ficar brigando só com um suspiro desses, vai acabar perdendo de foco o que é importante~

Lysa sorriu e assim aconselhou, focando-se nos olhos negros de Sasaki, que se arregalaram quando ouviram gritos vindos de trás dele. Quando se virou, percebeu que os dois guardas foram ao chão, sangrando ao terem membros arrancados. Um deles perdeu a perna, o pedaço voando contra a parede; o outro, o braço, ao tentar proteger seu colega de ser acertado. 

— Aaaaaah, olha só que tristeza! Agora seu esforço foi em vão.

A mascarada zombou do estado de choque de Sasaki e se aproximou. Em resposta, o curandeiro forçou-se ainda mais e finalmente conseguiu cortar o fio, bem a tempo da mulher parar diante dele. 

— O que foi, docinho? Está suando tanto. Já está exausto?

Abriu-se seus lábios e os dentes manchados em sangue de Lysa sorriram para ele. 

— Como sou um amor de pessoa, permitirei que restitua mais uma vez sua palavra. Entregue o Tigre a mim, e deixo todos vocês viverem.

— Só sobre o meu cadáver.

— Está bem.

Sem demonstrar qualquer tristeza por ter sido rejeitada dessa vez, Lysa atacou. Porém, para sua surpresa, os fios que disparariam do sangue seco em seus dedos foram impedidos por um enorme selo oval brilhando em azul. A tempo de fazer uma expressão de surpresa, um golpe que tirou seu ar por um instante acertou seu estômago. Era da base de um cajado.

— … Impossível! Pirralha maldita, vê se morre de uma vez!

— Hoje não!

O golpe desferido por Eliza, que repentinamente surgiu para defender seu mestre distraiu-a por tempo o bastante para que Sasaki desferisse um corte com as duas lâminas de seus braços em um “X” logo abaixo dos peitos da mulher. Lysa gritou quando foi lançada contra a parede, logo ao lado de uma das portas, e escorregou até o chão.

— Liz!

— Deixa comigo!

Sem sequer trocarem cumprimentos, a dupla com poucas palavras se comunicou, e a curandeira disparou até onde os guardas pareciam sofrer terrivelmente com a perda de sangue. Sem pestanejar, Eliza bateu com a base de Lótus no chão e fez surgir um selo gigante no chão, abrangendo os dois homens. Cuidadosamente, pegou os membros cortados e os uniu de onde foram retirados, o brilho da cura fazendo efeito rapidamente. Havia suor escorrendo por sua testa devido o esforço em usar chi, mas determinada a salvar aqueles dois homens, a garota continuou a se concentrar em seu trabalho.

Eventualmente, a perna e braço que foram arrancados se uniram de volta aos seus corpos. 

— Por favor, repousem agora. Estão fracos demais pela perda de sangue. 

A dupla sequer teve forças para agradecer em palavras, apenas assentindo para ela com um sorriso aliviado. Eliza deu um suspiro pesado e olhou para Sasaki, que fez um “jóia” com os dedos. Um pouco tímida, Eliza imitou o gesto.

— Vocês dois… Seus merdinhas…! — Lysa se colocou de pé com as duas mãos sobre o corte que escorria sangue, tossindo — Vão pagar por isso!

Então, quando estava prestes a dar um passo à frente, deixando Sasaki e Eliza com as guardas altas para voltarem ao combate, uma figura curiosa surgiu atrás da mascarada. Era um homem da mesma altura de Lysa que usava uma espécie de macacão preto, impedindo que fosse identificável pelo capuz longo que cobria-lhe a cabeça. Mais do que isso, havia uma máscara preta e branca cobrindo seu rosto, o tornando ainda mais misterioso. 

— … Senhora, estamos prontos para partir. 

Lysa parou imediatamente. Ela voltou seu olho cornalina na direção do mascarado, parecendo surpresa.

— Já?

— Sim — ele falava baixo demais, como que sussurrando. Mas ela parecia ouvir perfeitamente. 

Com o repentino silêncio, a mulher pareceu perder completamente sua vontade de lutar. Na verdade, seu humor que antes era facilmente alterável, repentinamente se tornou morno. Lysa olhou para frente, para onde Sasaki estava e fixou-se naquele ponto. 

Não, a mulher estava olhando para além dele.

— Faça.

Quando Eliza escutou aquilo, seus olhos dispararam para onde a mascarada anteriormente focava — a porta do Cristal da Ilusão. Um pressentimento ruim e frio, quase que nostálgico, arrepiou os pêlos de sua nuca. 

— Sasaki! Eles conseguiram pegar!

— O quê?!

Naturalmente, ele ficaria surpreso. Afinal, nenhum dos dois havia aberto a porta ou destruído os selos, mas se Eliza estava afirmando com tanto desespero e certeza… 

— Nos veremos novamente. E, na próxima, eu com certeza acabarei com você — Lysa ameaçou baixinho Eliza enquanto começava a afundar no chão. Não, em uma sombra especialmente grande que se formou da escuridão, parecendo levar ela e o homem mascarado em silêncio. 

O trio, tão rapidamente quanto Sasaki conseguiu correr até eles, desapareceu dentro da poça negra e sumiu. Não importava o quanto o curandeiro tentasse atravessar com socos ou chutes, era impossível ir atrás deles. Eliza, então, ainda com o corpo arrepiado pela sensação estranha, disparou pela porta da sala onde estava o Cristal da Ilusão.

O pedestal estava vazio. A sala estava perfeitamente selada, sem qualquer sinal de ter sido invadida. 

Com lágrimas de frustração nos olhos, Eliza socou a porta com força.



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