Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 5 – Arco 3

Capítulo 40: A Força de seu Coração

— Me diga: O que é que você quer aqui?

Separados em alas diferentes, Eliza, com seu cajado em mãos e franzindo a testa com raiva, encarou a mulher diante de si apontando a esfera azulada em sua direção. Um momento atrás, a dupla composta por ela e o capitão da guarda se separaram para que pudessem enfrentar os inimigos sem atrapalharem um ao outro. Dessa forma, quando Tom, com sua espada sacada, protegeu-a de um ataque daquela criatura horrível e forçou-a contra a outra porta, a curandeira imediatamente apontou seu cajado na direção da adversária que dava lentos passos para trás.

Aos poucos, esse afastamento, acompanhado pela própria Eliza, fez ambas entrarem no longo corredor de portas que levavam às relíquias. 

— Sem apresentações? Vamos realmente começar uma discussão de forma tão bruta? Que péssima forma de continuar com uma boa primeira impressão.

— Eu apenas me apresentei de forma adequada a você, nada mais do que isso. 

— Ah, é?

A mulher, ouvindo aquelas rudes palavras, desfez o sorriso e fez bico com os lábios carnudos, inflando uma das bochechas com ar. 

— Então não possuo a obrigação de lhe contar a razão de estarmos aqui.

Foi uma resposta um pouco infantil, mas que fazia sentido. Não havia uma troca de informações completa, apenas a ideia dela. Eliza estava ciente de que aquela mulher que portava uma máscara horrenda desejava roubar algo ou alguém dali. Pelos seus passos que se dirigiram para aquele corredor, ficou claro para ela que seu objetivo era uma ou mais relíquias. 

Ela não sabia dizer com certeza qual era o item que desejavam levar, mas, independentemente do que fosse, Eliza não permitiria. Principalmente não depois de terem causado tantas mortes sem razão. De terem pisoteado e rasgado seus corpos de forma que fosse impossível sequer considerar usá-los para seus funerais. Suas famílias ficariam arrasadas, mas certamente se revoltariam ao descobrir que sequer poderiam vê-los uma última vez. Era simplesmente imperdoável.

— Não tira com a minha cara!!!

Quando a mulher, desfazendo-se da ameaça e interesse que deveria ser a garota perante si, virou-se calmamente para andar, Eliza berrou. Sua voz, normalmente doce e baixa, se ergueu ao ponto de ficar rouca — afinal, ela jamais gritava daquela forma. Ouvindo a fúria, Lysa voltou seus olhos Opalinas para a curandeira que segurava o cajado com ambas as mãos apontando a esfera mágica, que brilhava em azul, em sua direção como se fosse uma espada. Uma veia de raiva saltava de sua testa lisa, os olhos âmbar diminuíram de tamanho e sua boca se escancarou, rangendo os dentes.

— Eu não sei o que você quer aqui e eu realmente não ligo! Mas… Mas causar tanta dor, tanta morte… Pisotear seus corpos e desonrar suas famílias… Fazendo suas pobres almas se desesperarem enquanto despreza suas vidas… Eu não permitirei! Você, sua vil criatura, pagará por seus atos! Eu juro em nome de meu título de Maga Celeste!!

Eliza curvou o corpo e, ainda rugindo contra a mulher que não demonstrou qualquer emoção ao ouvir suas palavras, cortou o ar com o cajado. Ele não acertou a adversária fisicamente, mas fez o ambiente mudar. O ar tremeu e pareceu gritar em fúria, assim como o coração da curandeira, que rangia os dentes ao ponto de ser capaz de quebrá-los com a fricção. 

Ela jamais a perdoaria. Jamais permitiria que aquela vil criatura em pele humana saísse viva dali. Garantiria que as pessoas brutalmente mortas tivessem sua vingança, que ela pagasse por seus atos. Não importa o quão difícil ou impossível parecesse para a pequena e doce Eliza, que não podia lutar e tinha um grande coração, ela jamais conseguiria seguir vivendo sabendo que uma pessoa daquelas cometeu tantos crimes perante seus olhos e saiu impune. 

— Por que você se importa tanto com aqueles porcos? Já estão mortos, de toda forma. Se ainda estivessem vivos, eu ainda conseguiria entender, mas… Hm?

Refletindo em voz alta sobre os motivos da curandeira, Lysa piscou para o movimento de Eliza. O espaço ao seu redor, tendo se distorcido e reagindo aos sentimentos da garota, começou a brilhar como a luz de sua esfera. As paredes, que pareciam o céu estrelado, tiveram suas “estrelas” piscando e reagindo ao seu poder. 

E então… BAM!

Um sol altíssimo, como de uma porta se batendo, porém contra o chão e de uma forma que causasse um terremoto, alcançou seus ouvidos. Lysa olhou para a porta que havia ao seu lado e arqueou as sobrancelhas para o grande selo em formato oval, porém com a base reta e rente ao chão. Era como uma segunda porta, porém transparente e cheio de escritas e formas desenhadas que pulsavam em branco e azul. Elas eram altas o bastante para cobrir toda a passagem.

Esses mesmos selos surgiram em todas as portas do corredor, inclusive naquelas que levavam a outros corredores e a detrás de Eliza, impedindo sua fuga. 

— Uaaaaau? Então esse é o poder de um selador? Que incrível! E tantas de uma vez! Que controle e quantidade de chi admiráveis! Quantos anos você tem, mesmo? Tão nova e tão habilidosa! Que inveja! Maga Celeste, não é? Eu, Lysa, lhe dou meu voto de respeito por suas próprias habilidades e coragem.

A mulher de cabelos azuis escuros encaracolados abriu seus braços e abriu um grande sorriso com seus lábios vermelhos carnudos, como que rindo para o céu. Ela realmente não se importou que havia sido completamente trancada com a garota ali dentro, o que acabou deixando Eliza alerta. Não havia como saber qual era o nível de poder daquele ser ou quais kiais usava, mas, pelo resultado dos cadáveres ao qual ela e Tom haviam passado, certamente não era fraca.

… Lysa, então esse é seu nome? Ou, provavelmente, é um nome falso? Acho que é o bastante para que possamos rastreá-la da mesma forma que Shai e Mania depois, caso o pior aconteça. Isso se eu sair viva daqui.

Quando pensamentos melancólicos ameaçaram baixar sua autoestima, aquele seu outro lado desejando pensar no pior, Eliza rapidamente se recompôs apertando bem os olhos e os abrindo.

Não. Eu vou vencer. Independentemente do que aconteça, não permitirei que essa criatura… Que Lysa prossiga com seus planos e cause mais morte.

— Você me perguntou a razão de eu me importar com aqueles que se foram ao invés daqueles que estão vivos, mas está enganada.

— Hm?

— O trabalho de uma curandeira é garantir a saúde mental e física daqueles que estão sob sua proteção. Na verdade, de todos aqueles que precisam de mim. E é justamente por eu precisar cuidar dessas pessoas que ver alguém vil como você pisar sob seus corpos, sujar suas honras e humilhar suas famílias me deixa tão brava!

— Mas você não é uma combatente, certo? Então, como pretende me derrotar? Apenas me selando aqui embaixo não quer dizer nada, sabia? 

Eliza franziu a testa.

Então ela percebeu.

Apesar de não demonstrar grande seriedade, algo bastante semelhante ao que Shai fazia, porém de uma forma um pouco mais suave, Lysa certamente era observadora. Sua capacidade de compreender os arredores e ler o ambiente era impressionante. Ao vê-la usando algum kiai, sequer se moveu, parecendo ciente de que Eliza não poderia machucá-la. Seria isso confiança em suas habilidades ou na fraqueza de sua adversária?

Suas palavras machucaram um pouco, mas não desestabilizaram seu espírito. Eliza sempre esteve ciente das próprias limitações, mas isso fazê-la hesitar ao ponto de não conseguir dar mais nenhum passo à frente já era algo do passado. Ela havia superado aquilo há muito tempo, então não havia espaço em seu coração para abrir antigas feridas. Decidiu que cicatrizariam e seriam marcas de seu próprio eu, não um símbolo de sua fraqueza.

Porém, Lysa estava correta. Quando você enfrentava uma adversária claramente mais poderosa, certamente haveria hesitação em ser derrotado, ou até mesmo morto. Ganhar tempo era uma coisa, mas se os guardas eram incapazes de lidar com a situação sozinhos, um nobre com seus guardiões seriam chamados para lidarem com a situação. Normalmente, essa responsabilidade recairia nos ombros de uma pessoa assim, mas… Alguém havia prendido todos dentro do castelo real.

Pela reação de Lysa, Eliza supôs que era a primeira vez que aquela mulher via um selador em pessoa. Ao menos, um tão jovem quanto ela. Se estava acompanhada de alguém capaz de usar tais habilidades, mas que não era um selador apropriado, deveria descobrir imediatamente.

— A pessoa que criou os selos do palácio é seu parceiro?

— … E isso importa?

— Acho que isso é um sim. Seu objetivo era manter todos os nobres presos dentro do palácio, assim como o restante dos guardas, enquanto você e aquelas criaturas invadiam a Fortaleza atrás de uma relíquia, não é? Seria mais fácil adentrar e matar os poucos que aqui vigiavam sem chamar a atenção da capital. 

— Oh? Então você entendeu rapidinho. Sim, é isso mesmo. Lhe dou mais dez pontos por sua inteligente análise.

— E quanto aos invasores? Por que prenderam a corte e a família real lá dentro? Vocês planejam matá-los, ou talvez sequestrar alguém? Qual é seu objetivo? O que querem?

— Aaaah, não. Sem pontos para você, dessa vez. 

Parece que ela não vai responder nenhuma pergunta…

— Então, parece que precisarei arranjar as respostas eu mesma.

— Sem tempo, querida.

— Ah?!

Quando Eliza novamente apontou o cajado na direção de Lysa, ela rapidamente respondeu ao seu movimento. O estranho foi que, de repente, Lótus foi roubada de suas mãos e parou na palma direita da mulher mascarada. 

— Mas o que-

— Nossa, é tão levinho. À distância, parecia mais pesado. Não é um design tão horrível, entretanto. E isso daqui? É uma relíquia, também? — Lysa analisou em voz alta o cajado, batendo com as unhas contra a esfera mágica que ainda brilhava — Como funciona?

— Devolva Lótus, agora!

— Lótus? Esse é o nome dele? Que fofo! Ainda sendo uma seladora e curandeira, ainda é uma garota, afinal, não é? Quando se é graciosa e pequena assim, é o esperado, não é? Aaaah, eu queria ser como você, sabe? Pequena, fofa e poderosa. Você deve ser muito amada pelas pessoas, não é? Aaah, sim, bastante. As pessoas precisam de você. Ter alguém tão jovem ao seu lado deve ser realmente incrível. Sim, sim, eu acho. Eu me pergunto a razão. Por que as pessoas preferem os mais jovem e inocentes? Por que abandonam os mais velhos? Não é a experiência que conta? Então a idade também é relativo a isso, certo? Então, por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê?! Por quêêêê?!

Eliza se assustou quando a mulher mudou seu tom de voz, o deixando mais lento e grave, uma emoção de pura raiva surgindo. Rangeu os dentes e bateu o pé com salto no chão, como uma criança birrenta. Enquanto isso, os olhos continuavam no cajado, mas as palavras que antes era direcionadas à Eliza, agora não tinham mais um destinatário. A força colocada pelas mãos em Lótus parecia bruta o bastante para quebrá-lo ao meio. Talvez ela estivesse forçando-o, inconscientemente, de tal forma. 

Apesar de não parecer visualmente, Eliza sentiu em seu coração a dor da ligação entre seu chi e Lótus sendo manchada. Como se na linha vermelha invisível e intangível que os ligava, algo negro perfurasse, tentando apodrecer aquela relação.

— Por quêêêêêê?!

— Solta a Lótus!

Ignorando tudo, Eliza partiu para cima de Lysa. Seu braço direito se estendeu na direção do cajado que clamava por seu toque, mas os dedos finos não o alcançaram. O corpo da garota ficou preso no ar, na posição em que se lançou, e parou. O corpo paralisou e não poderia se movido, independentemente do que fosse feito. 

— Há, há, há, há… Não se mova, garotinha… A menos que deseje ter seu corpo fatiado em pedacinhos. Vai ser uma morte tão horrenda quanto a daqueles porcos, sabe? Você não vai poder se vingar por eles dessa forma, sabia? Por isso, fique pa-ra-di-nha!

Lysa perdeu completamente a compostura. A mulher que antes parecia minimamente respeitável por suas ações agora ria como se estivesse à beira da loucura, os lábios se alargando enquanto ria, perdendo até o ar. 

Por mais que desejasse se mover, o corpo não obedecia. Sequer sua cabeça conseguia se virar para que pudesse ver o que exatamente a prendia, mas não parecia nada visível ao olho nu. As íris âmbar deslizaram pelos arredores e se fixaram na figura de Lysa, que ainda bem próxima dela, sorria.

— Sua coragem e força de vontade são admiráveis, mas, no fundo, não é nada demais, não é? Você é só uma prodígio qualquer. Vai ser esquecida eventualmente. Como qualquer criança que chama atenção, suas habilidades vão sumir completamente, apagadas por outras crianças iguais. Você será esquecida e abandonada, como qualquer outro. Pequena, doce e estúpida garota. Por que não faz um favor ao mundo e morre de uma vez? Ninguém se importa com você. Some. Some, some! Suma e morra sozinha antes que o mundo faça isso com você e seu coraçãozinho doce! Acabe com sua imunda e insignificante vida com as próprias mãos antes que seu orgulho e vontade sejam tiradas de você! Você é uma vergonha, ninguém te ama! Todos te abandonam e apenas querem que suma de sua vista! Desapareça! Desapareça! Desapareça!

Os berros de Lysa continuavam, se erguendo mais e mais a cada palavra. Havia não apenas fúria e revolta nelas, mas também a mais pura tristeza por saber que um futuro daqueles existia e viria. Um destino melancólico e impossível de escapar, aumentado pelo desespero da certeza de que a única escapatória era seu próprio fim. 

— Isso não é verdade.

Porém, retrucando suas palavras e ignorando a saliva que voava da boca de Lysa ao gritar ao lado de seu rosto, Eliza retrucou com uma voz baixa, porém certeira. Os olhos âmbar não perderam a força e encararam a máscara terrível que ocultava a expressão da mulher.

— Eu sou… Amada. Eu sei que sou. Eu sou necessária às pessoas que precisam de mim. E, mesmo que não fosse, ainda que uma parte de mim possa ressentir de algo, eu ainda me amo. Quando sai de casa para ir atrás da minha irmã, talvez eu não sentisse isso tudo. No começo, era realmente difícil. Correr atrás de alguém inalcançável às minhas mãos era como buscar as estrelas sem ser capaz de voar. Meus pés não podem alcançar o céu. Mas, aqui na terra, no solo onde piso, ainda existe vida. Meus pais, minha irmã, minha mestre e meus companheiros de trabalho… Todos eles precisam de mim. E não importa o quão ressentida pela sua própria vida você seja, não pode manchar meu coração com essas palavras! Não fique colocando a culpa do futuro que fez com as próprias mãos no mundo e nos outros! Quem decide a vida que vai seguir… É você mesma!

Uma vez que os sentimentos que amaldiçoavam o coração de Lysa foram retrucados, ela se calou, em choque. Como se apenas esperasse a aceitação. Como se não estivesse acostumada a escutar uma resposta. E Eliza, que ergueu o queixo na direção da mulher paralisada, ouvindo-a, quanto mais falava, erguendo o tom, mais pensava no caminho que percorreu e a trouxe até ali. Nas dificuldades e erros aos quais poderia até se arrepender, mas decidiu aceitá-los. Na família que depositou fé nela, Eliza, e não “na minha mais nova de Iara”, como se fosse apenas uma cópia. Nos seus amigos e companheiros, que reconheceram seu próprio potencial. 

Eliza abraçou todas aquelas memórias e sentimentos. Abraçou, também, as palavras ditas por seus pais em seu último encontro, nos olhos esperançosos e de orgulho que estavam fixos nela. E então, certa de que haviam pessoas esperando por seu retorno, pessoas que possuíam expectativas em suas capacidades e aqueles que precisavam de seu trabalho… Eliza lutou. 

Seu corpo se moveu e remexeu no ar, contorcendo-se conforme forçava-o na direção de Lysa. Um lento e ascendente grito escapava de sua garganta conforme sua pele era cortada e rasgada pelos fios invisíveis, manchando-a de vermelho por toda a parte. Parecia que a mascarada diria para ela parar, mas sua boca permaneceu aberta, nenhuma palavra saindo por ela.

Lysa até mesmo recuou um pouco ao ver que Eliza estava bem perto de tocá-la. Mas era tarde demais. Com um corte mais profundo em seu pescoço, mas garantindo que seus dentes alcançassem seu cajado, segurando-o, um brilho celeste pulsou e seu corpo que pendia no ar rolou em direção ao chão. Ela fez uma cambalhota conforme caia, parando atrás de Lysa. 

Soltou o cajado que estava entre os dentes e o segurou com as mãos. Então, ainda agachada, bateu a base de Lótus contra o chão, fazendo outra luz pulsar. Seus ferimentos rapidamente se regeneraram. Os olhos âmbar se ergueram para a mascarada que, em silêncio, observava-a.

— … Entendo. Então, essa é a força de seu coração. Parece que tentar quebrá-lo com palavras é impossível, não é?

Perdendo o misto energético de emoções, a mascarada suspirou sozinha. Então, depois de se olharem em silêncio durante algum tempo, as duas ficaram em posição de combate. Lysa apenas esticou os dedos da mão esquerda na direção de Eliza, que, ainda agachada, apontou a esfera de Lótus para a inimiga.

Não havia escapatória. A conversa, provavelmente, seria interrompida quase que por completo. Com a tensão no ar crescendo conforme ainda ficavam em silêncio, as duas figuras se prepararam para o verdadeiro combate.



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