Volume 5 – Arco 3
Capítulo 39: A Invasão
A Fortaleza era uma construção feita propositalmente distante do centro da capital de Hera.
Ao contrário de todos os pontos turísticos e locais mais conhecidos, como a Grande Biblioteca, as famosas cafeterias, os pontos para tirarem fotos belíssimas e estátuas espalhadas, aquela grande torre de pedra era apagada e escondida dos olhares da população. Não que ela não fosse bem conhecida, muito pelo contrário: todos estavam cientes de que a Fortaleza era um local bastante ameaçador e perigoso de se aproximar, o que impedia que muitos fossem até lá visitar apenas por curiosidade. Uma pessoa assim sequer conseguiria chegar perto dos portões pois seria imediatamente impedida — ou pelos guardas que faziam ronda dentro e fora do território, ou pela pressão absurda que vinha daquele local.
Afinal de contas, a Fortaleza não era apenas uma torre onde se escondiam tesouros proibidos, guardados a sete chaves e selos que poderiam queimar você vivo apenas encostando neles sem permissão ou conhecimento. Era também uma prisão. Uma prisão para seres humanos e criaturas. Então, a menos que você desejasse se aproximar de um território cinzento, afastado, com clima frio e que arrepiava seus pêlos, era recomendável permanecer no centro da cidade.
Além do fator ameaça, havia também o perigo de contato. Pessoas comuns poderiam passar por sérios problemas se adentrassem a Fortaleza sem preparo. Mesmo os guardas que eram escolhidos a dedo após um treinamento de resistência nem sempre conseguiam se manter de pé ou respirando corretamente por tanto tempo. Seladores em geral eram treinados para suportar tal pressão, afinal, trabalhavam com isso. Mas nem sempre eles mesmos conseguiam ficar dentro de um local fechado, no subsolo, rodeados de selos por tantas horas.
A própria Eliza se sentiu sufocada quando saiu, naquela tarde, da Fortaleza. Não apenas pela fraqueza graças à ausência do almoço, mas principalmente pelo esforço colocado nas tarefas ao qual era denominada. Sasaki, em especial, não era particularmente afetado pelos selos. Embora Eliza não tivesse visto, quando saiu da torre de pedra, estava fisicamente bem, sem qualquer impacto bruto em sua saúde.
A razão para que os selos fossem tão perigosos para pessoas comuns era bastante simples: eles trancavam completamente um espaço fechado. Não era apenas um cômodo pequeno, sem janelas ou aberturas visíveis. Era, literalmente, um espaço trancado, impedindo que qualquer coisa se movesse de fora pra dentro ou vice-versa. Um selo por si só pressionava o suficiente o espaço, mas colocar em cada uma das paredes, e por vezes até na própria relíquia, era o bastante para impedir que qualquer ser se aproximasse.
As exceções à regra eram, obviamente, os seladores responsáveis pelos seus próprios trabalhos. Era por isso que, a partir do segundo andar, haviam tantas portas e salas firmemente trancadas. E, também, porque poucos guardas se disponibilizavam a ficar de prontidão. Era quase impossível de suportar. Por vezes, se passado dos limites, poderia afetar permanentemente a saúde de alguém.
Apesar disso, os selos não afetavam a saúde dos prisioneiros, por exemplo. Eles os mantinham presos, é claro, mas não restringiam sua saúde de forma alguma. Portanto, as salas onde ficavam eram no extremo oposto dos corredores que levavam às relíquias, porém ainda no subsolo. Para impedir que escapassem sem precisarem usufruir demasiadamente dos selos, os corredores que levavam aos seus quartos fechados eram quase infinitos. Cruzavam-se vários e vários corredores idênticos, com portas que levavam a mais corredores. Uma pessoa sem conhecimento ficaria imediatamente perdida. Eram, literalmente, como raízes de uma árvore no solo, que se espalhavam em várias e várias camadas diferentes, se aprofundando cada vez mais.
Portanto, para os guardas responsáveis por cada andar, era mais fácil para eles levarem mensagens ou suas refeições diárias, passando-os através da pequena abertura no chão, como esperado de uma prisão comum.
Dito tudo isso, a Fortaleza se tornava, sem dúvidas, praticamente impossível de se invadir sem o devido planejamento. Não importam quantos viessem ou que planos possuíam, os guardas sempre estavam preparados para impedir. Afinal, mesmo possuindo armas comuns, ainda eram capazes de manipular seus chis e usarem kiais poderosos em combate, caso necessário. Então não era difícil dizer que ladrões ou bandidos comuns sequer ousariam pisar perto daquele território amedrontador e solitário.
Por isso, quando a dupla de guardas viu uma figura desconhecida se aproximando, imediatamente suspeitaram, franzindo a testa e se entreolhando.
Na tarde da noite, quando as estrelas começavam a despontar nos céus azuis escuros, uma figura esbelta surgiu sob a luz da lua. Na rua vazia, fria e sem qualquer sinal de vida, apenas aquela mulher se aproximava. Seu andar era lento e paciente, como se apenas estivesse aproveitando o ambiente silencioso. Não havia qualquer hostilidade ou senso de perigo ao seu redor.
Portanto, apesar de suspeitarem da figura, não sacaram seus armamentos e apenas aguardaram que a moça se aproximasse.
Mas a máscara de seriedade deles se desfez imediatamente ao ver a beldade que se revelou debaixo da luz lunar.
Era uma mulher relativamente alta com lindos cabelos azuis escuros. Seus fios eram brilhantes e sedosos como o mar da noite, muito próximos do preto. Os fios, que começavam lisos, se enrolavam em cachos graciosos nas pontas, aos quais um deles estava sendo enrolado naquele exato momento pelo dedo indicador da moça. Uma franja penteada para a direita revelava uma pele branca e delicada, assim como olhos de um tom cornalina.
Os passos que soavam em eco eram dados por suas botas de salto pretas que iam até os joelhos. O vestido longo, mas que não chegava a se arrastar no chão, também era chamativo. Não apenas pela cor idêntica ao de seus olhos, um laranja chamativo, mas porque estavam em meio ao inverno e, ainda assim, aquela mulher andava sem qualquer amostra de estar sentindo frio em suas pernas, ombros ou braços à mostra.
O vestido tomara que caia se assentava em sua cintura com uma faixa também preta, a saia desenhando as curvas antes de cair em ondas até próximo aos seus pés, esvoaçante conforme andava. Os guardas, que antes estavam impressionados com seu belo rosto brevemente oculto sob o longo chapéu também preto, ficaram sem palavras ao perceberem que aquele era um vestido aberto na parte da frente, revelando as pernas brancas na luz. Elas eram escondidas apenas um pouco devido às botas que cobriam boa parte delas, mas, por vezes, a pele surgia por baixo dos panos como um extra a ser admirado.
Vendo-a, você poderia dizer imediatamente que era uma mulher rica e nobre. Além disso, pelos passos lentos e elegantes, ficava claro para quem entendia um pouco sobre comportamento que ela estava constantemente tentando seduzir. O sorriso em seus lábios carnudos com batom vermelho e os brincos de pérolas em suas orelhas — um de cor rosa no direito e um amarelo no esquerdo — induziram isso.
— Boa noite, cavalheiros.
A voz da mulher cumprimentou os dois guardas que estavam boquiabertos diante da beldade. O sorriso dela se alargou.
— B-Boa noite…
— A senhorita está perdida? O palácio fica ao oeste daqui…
— Estou ciente. Na verdade, estou apenas fazendo uma casual visita noturna…
A moça inclinou a cabeça, fazendo seu chapéu preto ocultar um de seus olhos cor cornalina.
— … Por isso, podem sair da minha frente?
Foi de repente. Quando terminou de falar, os dois homens se calaram completamente e simplesmente se deslocaram de onde estavam. Foi um passo que se desfez, os joelhos de ambos indo violentamente contra o chão, assim como suas cabeças que rolaram para longe. Foi um corte liso e fino, uma morte friamente direta e sem dor. Sangue se esparramou, e as lanças que portavam tilintaram quando foram ao solo.
— Muito obrigada.
A mulher agradeceu e deslizou seus olhos para o portão que se abriu sozinho, sem precisar mover o próprio corpo para tocar nas grades.
— Nem ferrando que eu tocaria nesse ferro imundo.
Olhando com desdém para os corpos e seus arredores, ela seguiu andando pelo caminho que levava diretamente à grande construção de pedra. A beldade segurou o chapéu e ergueu o queixo.
— Tsc. Que falta de senso. Quem é que constrói uma coisa dessas hoje em dia? Simplesmente horrorosa.
Estalando a língua enquanto falava sozinha, a mulher distorceu sua expressão.
— Ei! Quem é você?!
— O que está acontecendo?
Uma movimentação começou e vozes se ergueram de dentro da torre, com homens uniformizados se agrupando e correndo até onde estava a moça.
— Ai, ai… E chegaram mais dores de cabeça.
Com a mão esquerda puxando o chapéu para baixo e tapando os dois olhos, ela resmungou enquanto era cercada por homens que sacavam suas lanças e armas de fogo, apontando-as em sua direção.
— Quem é você?!
— Revele-se! O que você quer, aqui?
— O que aconteceu com os dois que estavam de guarda? Não consigo vê-los…!
— … Aaaaah.
Em meio às vozes altas dos homens, um bufar da mulher se sobressaiu.
— Era por isso que eu não queria chamar a atenção e lidar com isso sozinha… Mas que saco!
Por um momento, a voz que era sedutora se distorceu em ódio, assim como os lábios que desfizeram o sorriso, com a mulher batendo com força o salto da bota contra o chão, ecoando o som único por seus ouvidos abraçados pelo silêncio.
— Vocês me perguntam quem sou e o que desejo, mas… Isso não vai importar quando estiverem mortos perante a mim, cães imundos da realeza. Porém, como sou generosa e quero que lembrem daquela que tirou suas vidas…
— Cuidado!
— Afastem-se dela!
— … É melhor que lembrem disso no pós-vida de vocês, quando queimarem no inferno do Pequeno Sol.
A mulher, que apenas parecia falar, ainda segurando o chapéu, com o dedo direito, tocou em seu brilho rosa. A pérola imediatamente começou a brilhar no meio da escuridão, como uma estrela no céu escuro.
— O nome de sua expurgadora é Lysa, aquela que selará o destino de qualquer um em seu caminho.
E abrindo um sorriso que mostrava os dentes por baixo dos lábios vermelhos, a beldade chamada Lysa quase cegou a todos completamente com o brilho da pérola em sua orelha direita que se desfez e desapareceu. Mas, ao mesmo tempo, outra coisa surgiu. Por trás da fumaça que se desfazia, enquanto os guardas piscaram para tentar enxergar novamente, suas pupilas dilataram. A razão de seu completo choque, das bocas que se escancararam e da perda de vontade de lutar era a coisa que foi invocada de repente.
Alguns, sem entender o que viam, abaixaram suas lanças e pistolas, os pelos se arrepiando quando um frio passou por suas barrigas.
— Lysa, agora, invoca Anoiem, a Frenesi.
O que estava entre Lysa e os guardas que se afastavam lentamente era uma criatura que não poderia ser descrita nem como humana ou como animal. Com um corpo com cerca de dois metros de altura e a coluna torta para frente como se estivesse quebrada, você poderia associá-la, à primeira vista, a uma mulher com cabelos negros e horríveis que cobriam-lhe o rosto como algas. O problema estava em seu rosto que possuía uma pele branca límpida, porém que se descascava em partes, revelando uma caveira humana. Um sorriso que parecia ter sido cortado por uma lâmina estava em seu rosto decrépito, com buracos onde deveriam ser olhos e um único ponto branco entre eles. O pescoço da criatura girou em noventa graus, as garras de onde deveriam ser suas pernas batendo contra o chão. Haviam braços e pernas humanas, sim, porém elas permaneciam flutuando no ar, sem qualquer sinal de movimento, e, assim como o rosto, sua pele descascava. O que a mantinha em pé eram as quatro coisas afiadas que saíam de suas costas, a fazendo parecer uma aranha com pernas de garras.
— Mate-os.
Ao som da ordem de Lysa, Anoiem, a criatura aterrorizante, inflou grosseiramente o próprio peito e gritou. Foi um som horrível, como o tom mais agudo possível que poderia ser feito pela voz humana, mas, ao mesmo tempo, agoniante como o som de um quadro sendo arranhado. Ele não apenas distraiu todos os guardas, como fez seus ouvidos sangrarem. Alguns caíram no chão, desesperados em conter a dor que sentiam. Os que restaram de pé, suportando o som, ainda tentavam erguer suas armas abaixadas.
— Aaargh!
Quando um deles lutou bravamente e ergueu sua arma de fogo, mirando em Lysa, que permanecia perfeitamente imóvel, um berro escapou de sua garganta quando o guarda atirou a muito custo. A bala, que saiu voando exatamente no momento em que o corpo do homem foi perfurado por uma das garras e ficou pendurado no ar, se partiu em duas. Os dois pedaços passaram em disparada pelos lados da beldade, os cabelos esvoaçando pelo movimento, e acertaram a grande muralha aos fundos.
Lysa soltou um suspiro. Ainda não era possível ver seu rosto por trás do grande chapéu e, mais surpreendente do que isso, era perceber que a bala havia sido partida sem que ela sequer se mexesse. Obviamente não foi obra da criatura, que perfurava corpos, decapitava e rasgava carne sem misericórdia, sem sofrer qualquer arranhão das balas ou cortes feitos por suas espadas e lanças.
— Minha nossa, mas que grosseria. Aparentemente, nos dias de hoje, as mulheres não são mais tratadas com a delicadeza que merecem.
Um sorriso voltou a aparecer nos lábios de Lysa ao falar, soltando seu chapéu e revelando o rosto. O que havia surgido nele era uma máscara que cobria até o nariz. Branco com detalhes rosa e amarelo, com linhas e desenhos que se assemelhavam a pétalas, a máscara ocultava perfeitamente suas duas íris cornalinas. Mas a parte mais chamativa dela era, sem dúvidas, o formato dos olhos. Lembravam máscaras de teatro expressivas, em que uma era sorridente e a outra era amargamente triste. Porém, como se as duas tivessem sido partidas ao meio e unidas, a expressão revelada era um completo caos, principalmente quando acompanhado do alargar de lábios de Lysa.
— Anoiem, cuide da entrada. Vou procurar nosso pequeno companheiro.
A criatura, sendo chamada por sua invocadora, se virou para ela e, fazendo pequenos sons de estalos de ossos e algo que pareciam engasgos, se virou e parou de frente para a porta aberta da Fortaleza, assim como os guardas ficavam. E, por falar neles… O grupo estava completamente despedaçado aos seus pés, perfurados nos peitos e decapitados.
— Sem arrancar suas peles, entendeu?
Anoiem resmungou à ordem, mas obedeceu.
Lysa adentrou na torre de pedra a passos calmos e precisos, analisando seus arredores. Estava completamente vazio. Aparentemente, todos os guardas saíram às pressas para enfrentá-la ao perceber que os dois homens da frente foram ultrapassados.
— Que sem graça.
Murmurando sozinha para o silêncio, Lysa olhou para a escada que levava para o topo da Fortaleza.
— É por isso que eu queria entrar sozinha e sem chamar a atenção… Esses cachorros são fracos demais pro meu gosto. Uma pena, não é?
Falando sozinha novamente, a beldade tocou com a mão esquerda o brinco respectivo de cor amarelo, que também brilhou absurdamente ao ponto de ser capaz de cegar. A outra criatura que surgiu, da mesma forma que Anoiem, não podia ser descrita com um aspecto humano ou animal. Na realidade, enquanto a besta que saiu da pérola rosa era bastante animalesca, aquela outra se assemelhava mais a um ser humano. Ele ficava de pé sob seus dois pés, embora a coluna e o pescoço ainda parecessem desagradavelmente quebrados.
Ele também possuía pele humana, porém, ao contrário de Anoiem, era tão clara que chegava a ser literalmente branca. Quase como se pó de maquiagem tivesse sido aplicada sem parar em todo o seu corpo, principalmente em seu rosto. Assim como a outra criatura, haviam buracos no lugar dos olhos e dois pontinhos brancos ao fundo, tal como um sorriso bizarramente largo. Entretanto, ao invés de assombro, ela parecia estar literalmente rindo de quem olhava. O tipo de sorriso que lembrava um palhaço devido sua maquiagem exagerada, marcante pelas cores fortes em vermelho, azul e amarelo. Até sua vestimenta escura poderia se assemelhar ao de um palhaço se não estivesse completamente destroçada e suja.
— Lysa, agora, invoca Koalem, o Tolo.
— Há?
Sendo chamado pelo nome durante a invocação, Koalem, com seu pescoço virado em noventa graus e inclinado de uma forma que parecia que iria cair no chão a qualquer momento, se virou para Lysa. Ele riu com a garganta, uma voz rouca e grossa escapando pelo buraco onde deveriam estar seus lábios.
— Desça na frente.
— Há?
Como ordenado, a criatura deu um, dois passos… E então bizarramente começou a correr pelos degraus da escada em círculos. Com os braços para trás e rindo, ele avançou fazendo sons altíssimos com os passos. Lá embaixo, Lysa ouviu som de gritos, de algo sendo quebrado e sangue sendo espichado.
— Eu tinha mandado apenas ir na frente, não matá-los. Aaaah, que coisa.
Quando a mulher chegou ao chão, os saltos tocando as poças de sangue fresco que faziam ondas, um suspiro escapou de seus lábios. As mãos humanas haviam se transformado em garras, com cada dedo tendo sido manchado em vermelho vivo, pingando o líquido no chão. Os corpos estavam destroçados no chão, rasgados.
— Hm? Ora, parece que ainda temos um sobrevivente.
Ouvindo um som de cliques, Lysa voltou a atenção para um guarda que havia se escondido atrás das escadas, tremendo, tapando a boca para evitar ser ouvido. Mas, para sua surpresa, ele foi notado rapidamente. Koalem deu dois passos à frente, pronto para matá-lo também, mas Lysa esticou o braço e o impediu.
— Espere.
— Q-Q-Quem são vocês?! O que q-querem aqui?! Aaaaaah…!
Apesar de ter criado coragem para perguntar, seus olhos involuntariamente foram atraídos para os companheiros no chão e um grito escapou de sua garganta. Seus olhos se arregalaram ao ponto de parecerem estar prestes a explodir.
— Estamos aqui para buscar um companheiro.
— C-Com…?
— … Panheiro, isso.
Lysa se aproximou, se agachando diante do homem aterrorizado. Ignorante à sua beleza e sedução, ele apenas se encolheu ainda mais, algo que claramente a desagradou.
— Eu sabia que ter invocado esses dois seria um problema… Que merda, se tivéssemos logo o Tigre Branco, poderíamos ter feito isso mais rápido e sem ter causado tanto caos! Que merda, merda, merda, merda, merda!
Mais uma vez, de repente, o humor de Lysa se distorceu e ela ergueu a voz, mordendo o lábio carnudo com raiva ao ponto de fazê-lo sangrar. Essa ação assustou o guarda, que congelou mais uma vez no local.
— Aff. Eu deveria ter trazido alguns Aprosopos no lugar de vocês dois. Dá pra acreditar? Aquelas coisas sem alma seriam mais úteis do que vocês dois, sabiam? Fariam o trabalho sem fazer tanta sujeira!
— Há?
— E pare com esse “há?”! Aaaaah, eu vou enlouquecer desse jeito! Que merda, por que eu tive que vir até aqui sozinha! Que saco! Quero ir pra casa! Quero tomar um banho de bolhas e comer meu chocolate! E vir até esse fim de mundo apodrecido, cheio de cachorros e porcos…! Aaaaaah!!
A voz de Lysa se alterou da raiva, arrancando as unhas com os dentes de agonia, para um tom choroso, apontando para Koalem enquanto reclamava alto. A criatura, sem compreender nada, apenas permaneceu parada. E isso irritou ela ainda mais, batendo um dos pés no chão com o salto fazendo barulho, por sorte não quebrando. Lágrimas começaram a escorrer de seus olhos conforme Lysa fazia birra, gritando sozinha.
Então, em um último berro, seu braço deslizou pelo ar na horizontal. No instante que isso aconteceu, a cabeça do guarda que se arrastava na direção da escada para fugir voou. Sangue espirrou e seu corpo morto caiu no chão, inerte.
— Cansei dessa porcaria! Vamos logo atrás do Tigre!
— Não permitirei.
Porém, quando a porta que levava para o corredor começou a se abrir, ela repentinamente se fechou. Com isso, os ouvidos de Lysa captaram o som de uma segunda voz, mais aguda e jovem, corrigindo-a. Koalem ergueu seus olhos para a garota e rosnou, então, lentamente, a beldade também fez o mesmo.
— Acho que uma pessoa interessante apareceu.
— Para trás, agora, ou selo vocês dois imediatamente.
Quem desceu os últimos degraus com o cajado apontado na direção das duas figuras foi uma menina na casa dos catorze anos de idade. Cabelos azuis claros bagunçados estavam grudados em seu rosto cheio de suor. Seus olhos âmbar, que normalmente eram adoráveis e grandes, agora estavam estreitados numa expressão de desgosto puro.
Em contrapartida à seriedade de Eliza, Lysa voltou a sorrir com serenidade, deixando de lado sua explosão de sentimentos de há pouco.
— Uma seladora, não é? Que honra estar diante de uma pessoa tão incrível… E tão jovem. Quantos anos você tem, garotinha?
— É Maga Celeste pra você, não “garotinha”. E eu mandei não dar mais nenhum passo.
Ao braço estendido de Lysa, que tentou conversar, a curandeira rebateu as palavras e teve sua mão repelida por uma parede invisível. Ou melhor, por um selo feito na vertical, pequeno, impedindo sua passagem. Interrompida por essa habilidade que nunca presenciou antes, Lysa abriu a boca, formando um “o” de surpresa, quando teve a base do cajado batida contra sua palma.
— Sem conversa furada, então? Muito bem. Vamos prosseguir para a parte importante.
Quando assim falou, o pescoço de Lysa se inclinou e Koalem avançou violentamente na direção de Eliza. Suas garras deslizaram pelo ar na direção do rosto da jovem antes de serem interceptados por uma espada, desviando o golpe.
Como planejaram desde o começo, Eliza e Tom se viraram para seus próprios inimigos e avançaram contra eles.