Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 5 – Arco 3

Capítulo 38: O Caos no Palácio

Quando Eliza e Gê, acompanhada de alguns guardas, se dirigiram a passos velozes na direção do centro do castelo, o que elas viram foi simplesmente um pandemônio. Como esperado de uma reação em escala a um repentino terremoto, as pessoas começaram a correr desesperadas para descobrirem o que haviam acontecido. Os guardas, em especial, acalmaram os criados e pediram para que se mantivessem parados e no chão até que a origem do movimento fosse reconhecida.

Porém, não mais que alguns minutos depois, a cena que se via em um dos salões principais era deplorável. A leva de escadas tinha pessoas descendo e subindo sem parar. Algumas que estavam no andar de baixo ou conversavam freneticamente sobre o que havia ocorrido, ou choravam agachadas, ou permaneciam em silêncio.

Os olhos de Eliza, arregalados de espanto, foram atraídos para a movimentação logo ao lado. Uma roda de guardas, todos uniformizados e portando suas espadas na cintura, conversavam alto sobre alguma coisa. Porém, por estarem todos falando ao mesmo tempo, não era possível compreender qual era o assunto em questão. 

— O que está acontecendo?

Porém, antes que ela pudesse abrir a boca para perguntar, um dos guardas que as acompanhavam fez isso por ela, se aproximando rapidamente. A roda de pessoas se abriu e todos olharam com preocupação para o companheiro. Então, um deles respondeu:

— O palácio foi invadido. Mas não conseguimos lidar com os invasores.

— O quê? E por que não?

— Porque eles apenas adentraram a sala do trono. E… As portas foram trancadas. Parece que não podem ser abertas nem de fora ou por dentro.

Todos fizeram uma expressão de choque.

— Como isso é possível? — Eliza finalmente se pronunciou. Diante dela, percebendo quem era a pessoa diante deles, os guardas fizeram uma reverência rápida com a cabeça.

— Na verdade, não sabemos. Parece que não foram trancadas com chaves, mas com algum tipo de técnica estranha. Possivelmente um kiai que ainda desconhecemos.

— Um kiai… — Eliza segurou o queixo, refletindo.

— E como está o estado da corte?

Enquanto uma das curandeiras permaneceu pensativa a respeito do que ouviu, a outra fez uma nova pergunta com a mesma calmaria de sempre. Vendo-as daquela forma focada, os guardas, que eram inferiores em seus cargos respectivamente àquelas duas, pareceram se acalmar um pouco.

— Bem, não sabemos. Depois que o terremoto passou, quando alcançamos a porta do salão do trono, além de não conseguirmos abri-la, sons altíssimos de luta vinham lá de dentro. Não podemos acessar aquele local de outra forma.

— Não há janelas pelas quais os invasores pudessem entrar além das portas?

— Há, sim, senhora. Porém, são altas demais para pessoas comuns passarem… Mas, ainda assim, quando alguns de nós conferimos o estado delas, descobrimos que estavam quebradas.

As paredes da sala do trono eram altas demais, e as janelas que iluminavam o cômodo não podiam ser acessadas de forma comum. O que significava que aqueles que adentraram aquele grande cômodo haviam usado algum meio especial para quebrar o vidro e adentrar no salão. Com isso, impediriam que fossem atrás deles. Mas, de alguma forma, antes mesmo de terem tomado tal atitude, algum tipo de kiai foi ativado para selar as trancas, impedindo que qualquer um entrasse ou saísse.

— Precisamos arranjar uma forma de entrar!

— O que será que aconteceu? Será que estão em perigo?

— E Sua Majestade? Sua Alteza?! O que fazemos?

O desespero em escala começou a se espalhar novamente, as vozes que lamentavam alto influenciaram os pensamentos de quem estava ao redor.

— Vamos fazer aquilo que fomos treinados a fazer: Proteger o palácio.

Uma voz poderosa e conhecida cortou ao meio o fio da tensão e se aproximou. Quase que imediatamente os guardas voltaram para o homem que parou logo diante da roda, batendo continência. Eliza reconheceu imediatamente a pessoa que estava parada de braços cruzados com uma expressão de seriedade. Era um homem de olhos pretos e cabelos também escuros, porém, mechas loiras despencavam por alguns fios. 

— Senhor Tom.

— É um prazer vê-lo.

Eliza e Gê cumprimentaram o capitão da guarda e, ainda sério, ele assentiu com a cabeça na direção delas, devolvendo a saudação. Ele não parecia muito confortável para abrir um sorriso, algo bastante compreensível. Afinal, ainda que precisasse acalmar todos os seus homens, demonstrar tanta tranquilidade perante uma situação daquelas não ajudaria a manter a ordem. 

Mais do que um sorriso sereno, ele precisava demonstrar paciência e controle perante a situação. E, agora, com seu peito inchado e os braços cruzados, usando um tom de voz de força para falar, todos os guardas que até então compartilhavam suas preocupações entre si retornaram seus olhares com uma expressão de esperança para ele. Como se pudesse tomar controle da situação simplesmente por estar ali presente.

— Ainda que não possamos acessar a sala do trono, ainda existem pessoas a serem protegidas neste lugar. Não podemos demonstrar insegurança neste instante, quando mais precisam de nós. Homens! Reúnam-se e patrulhem o palácio, garantam a segurança dos serviçais e dos convidados. Ainda que a corte esteja reunida e não possamos saber como está a situação lá dentro, só podemos depositar nossas fés em suas forças para lidarem sozinhos com esta situação. Portanto, vão!

— S-Sim, senhor!!

Motivados por suas palavras, os guardas exclamaram em resposta à sua ordem e separaram-se em grupos de até cinco pessoas, correndo em várias direções diferentes. Rapidamente, parecia que o clima antes instável voltava a se tranquilizar. Os nobres e serviçais que estavam naquela sala de descanso, no andar de baixo, ao ouvirem a movimentação e as vozes altas, ergueram os olhos umedecidos e medrosos para eles.

Tom, logo depois de dispersar os guardas, se dirigiu para o lance de escadas e começou a descer.

— Dona Eliza e senhora Gê. Por gentileza, confiram se não há feridos por aqui. 

— Certo!

Sem perder tempo, a dupla de curandeiras se dirigiram para as pessoas que se reuniam recolhidas nas paredes. Eliza se aproximou de um casal mais velho, com cabelos brancos e olhos trêmulos, se ajoelhou e sorriu com calma.

— Com licença. Me chamo Eliza e sou uma curandeira. Podem ficar tranquilos, agora. Estamos aqui para ajudá-los. Vocês estão feridos?

— A-Ah… M-Minha esposa machucou a perna durante o t-terremoto… 

O senhor de idade desceu os olhos para a perna pálida e de pele enrugada da esposa. A mulher, recebendo a atenção da dupla, lentamente puxou um pouco o vestido chique que usava para cima e revelou uma mancha roxa em seu calcanhar. Ela fez uma expressão de dor ao mínimo movimento, e Eliza logo percebeu que provavelmente a senhora sequer conseguisse se mover daquela forma. 

Depois de franzir a testa para a ferida, a curandeira sorriu novamente para a dupla.

— Podem deixar isso comigo. Com licença, senhora.

Depois de pedir permissão para mexer em seu ferimento, sendo concedido pela mulher que assentiu tremendo para a garota, Eliza esticou a palma de sua mão e, sem tocar no local manchado em roxo, fechou os olhos e fez nascer um selo entre sua mão e o machucado. Era um selo azul brilhante que girava em 360º lentamente, pulsando conforme a garota concentrava seu chi para curar. 

Em pouco mais de dez segundos, o inchaço se desfez e sumiu por completo, assim como a dor. Eliza abriu os olhos âmbar de novo, desfazendo o selo e recolhendo a mão, antes de voltar seu foco para o casal que olhava a cena com surpresa.

— Pronto. Vocês vão ficar bem, agora.

— A-Ah… N-Não dói mais. Muito obrigada, s-senhorita — lágrimas brotaram nos olhos da senhora, enxugadas pelo marido que ainda a abraçava com força — Como posso lhe agradecer?

— Não precisa. Apenas fiquem em um lugar seguro.

Se colocando de pé, Eliza se virou para ver como Gê estava indo. A curandeira estava do outro lado da sala enfaixando o braço de um jovem serviçal. Vendo aquilo, Eliza se aproximou.

— Como as coisas estão indo por aí?

— Este rapaz caiu da escada durante o terremoto, mas já cuidei de seus ferimentos. Apenas isolarei a área para garantir que ele descanse um pouco antes de voltar ao trabalho.

O serviçal fez uma expressão de desgosto às palavras de Gê e Eliza percebeu que ele provavelmente planejava retornar às suas tarefas logo em seguida, mas foi proibido pela curandeira. Apesar da dor ter passado e dos machucados terem sido perfeitamente curados, Gê sempre priorizava o descanso acima de qualquer outra garantia. Mas, para além disso, como estavam em um caso bastante complicado, tendo invasores dentro do palácio e sem saberem exatamente o que poderia acontecer, era necessário manter aquelas pessoas em segurança.

E foi pensando assim que as duas passaram por todos os grupos de pessoas, curando aqueles que haviam se machucado durante o terremoto e garantindo que ficariam bem agora. Manter a calma entre eles era essencial naquele momento. 

— Temos um problema.

Seus pensamentos foram interrompidos quando Tom repentinamente retornou e se aproximou delas. Ele parecia um pouco afobado.

— O que aconteceu?

— Não são apenas as portas para a sala do trono que estão trancadas, mas o portão de entrada para o palácio também.

— O quê? — Gê franziu a testa — Quer dizer que eles nos trancaram também?

Tom assentiu.

— Aparentemente estão tentando nos manter dentro deste território. 

— Mas por quê?

— Ainda não temos certeza. 

O trio, que falava baixo, voltou seus olhos para a janela do cômodo. Dali, não era possível alcançar a vista das grades de ferro ou dos portões que separavam a área do castelo e da cidade, mas eles conseguiam imaginar como deveria estar sendo aquela situação.

Eliza, fechando os olhos e os abrindo mais uma vez, inspirou fundo.

— Deixem que eu cuido disso. 

— Eliza?

Gê chamou seu nome quando ouviu-a falar de repente com tanta certeza.

— Estou certa de que estão tentando brincar neste território com selos, mas eles esqueceram que eu estou aqui. Senhor Tom, senhora Gê… Podem, por favor, cuidar deste lugar? Irei lá fora verificar a situação. Vou acreditar na força da corte neste momento e retornarei se precisarem de mim, mas, agora, estou com medo do que possa estar acontecendo na cidade.

— Você está certa. Não sabemos se os responsáveis por isso estão causando alguma confusão lá fora. Certo, dona Eliza. Por favor, vá.

Com a aprovação de Tom, Eliza transformou sua pulseira em um cajado e bateu a base contra o chão. Esse movimento e brilho da transformação chamou a atenção das pessoas ao redor.

— Usarei Lótus para marcar este local. Não pude fazer isso antes, mas farei imediatamente. 

Eliza virou habilmente a base do seu cajado para o alto e tocou no chão com a esfera brilhante do topo. Um som de ressonância preencheu seus ouvidos por um mero instante e desapareceu. Ela piscou seus olhos âmbar e voltou a apoiar o cajado no chão.

— Estou indo.

— Tome cuidado.

Eliza deu um sorriso para Gê e começou a correr escada acima, disparando pelos corredores. Como esperado, ele também continuava movimentado. Guardas andavam de lá para cá em grupos, conversando e com feições focadas. Por onde ela passava, percebia que haviam cômodos com pessoas amedrontadas lá dentro. Ela se perguntou se estariam feridas, mas não podia parar agora. Precisava deixar aquele assunto, por hora, com os médicos e Gê, a única curandeira presente.

A garota chegou ao lance de escadas maior que levava ao primeiro andar e começou a descer rapidamente. No caminho, quase tropeçou uma ou outra vez, mas seguiu em frente. 

— Não conseguimos contactar os guardas da cidade!

— O quê? Quer dizer que estamos todos presos?

— Vamos morrer? Disseram que os sons de luta na sala do trono continuam até agora… Será que Sua Alteza ainda está vivo?

Enquanto descia, Eliza escutou o som de uma conversa vinda do primeiro andar. Era de um grupo de guardas que nervosamente conversavam, preocupados. Parecia que o discurso de Tom, apesar de fazer efeito, não pareceu durar por tanto tempo. Quando seus pés alcançaram o chão, a garota fez menção de se dirigir até eles e dizer algo, mas outra pessoa fez isso primeiro.

— Não se preocupem com isso. Como o senhor Tom afirmou, devemos cuidar daqueles que estão aqui dentro. Eventualmente descobrirão o que fazer quanto ao problema com as trancas. 

— A-Ah…

— O senhor é…?

— Ah! Eu conheço esses olhos prateados…! S-Senhor Furoto! 

Eliza parou os passos quando ouviu uma voz autoritária se aproximar e falar com o grupo. Era um rapaz alguns anos mais velho que ela com cabelos de cor violeta característicos. Além disso, seu porte e forma de andar eram dignos de nota, bem como sua nova vestimenta. Ele estava de costas para ela, portanto não reparou em sua presença ou sua expressão de surpresa.

— Sim, sou eu. 

— N-Nossas desculpas!

Zero moveu uma das mãos, como que dizendo que eles não devem se preocupar com aquilo.

— Mais importante do que isso, vocês devem seguir as ordens de seu capitão. A área leste do terceiro andar ainda não foi revistada, então vão!

— Sim, senhor!

O saudando, os guardas, ainda nervosos, rapidamente se dirigiram para as escadas. Possivelmente por ainda estarem abalados, sem serem comovidos pelas palavras de Zero, eles ignoraram completamente Eliza. Como se sequer a tivessem reparado.

— … Zero?

— Hm? Eliza?

— Aah, que bom que você está bem — a curandeira, vendo-o inteiro, colocou uma das mãos no peito e suspirou, se aproximando — M-Mas… O que foi que…?

Ela desceu seus olhos âmbar, sem entender, para a mudança visual do rapaz. Zero, vendo isso, se encolheu. Parecia que ainda não estava acostumado a receber aqueles olhares tão profundos dos outros e se constrangeu, desviando o olhar e, consequentemente, evitando que fosse pego com vergonha.

— … Só algo que eu precisava fazer.

— … Entendo.

Como o rapaz não parecia muito confortável em explicar, Eliza, mais uma vez, decidiu deixar quieto. Ao contrário de Ryota, que encontraria formas de fazer a pessoa falar o que queria ouvir, ela não se sentia tão à vontade para se intrometer nos sentimentos alheios sem pensar duas vezes. Sua forma de respeito àqueles que não possuíam tanta proximidade era apenas concordar com suas decisões, sem questionar.

— Sabe o que está acontecendo?

— Aparentemente estão invadindo o castelo. Mas, estranhamente, trancaram não apenas a corte real na sala do trono, mas também querem nos impedir de sair deste território, pois os portões de ferro também não podem ser abertos.

Ao contrário dos outros, Zero não demonstrou grande surpresa com o que escutou. Ele permaneceu perfeitamente calmo.

— Entendo. Você estava indo ver o que aconteceu, não é?

— Exatamente.

— Ótimo. Deixo isso em suas mãos, Eliza. 

O rapaz abriu um sorriso educado, tocou rapidamente na cabeça da garota mais baixa que ele e começou a andar na direção das escadarias. Eliza, sem entender, se virou.

— Aonde vai?

Parando no meio da subida, ele se virou.

— À sala do trono.

— Mas eu… Falei que estava trancada.

— E tenho certeza de que até que eu chegue até lá você consiga desfazer isso.

Os olhos âmbar se arregalaram com as palavras. Os dedos das mãos lentamente se fecharam. 

— Estarei a caminho da corte. Existem algumas coisas que preciso dizer a eles, mas, antes, terei certeza de que todos estarão bem. Por isso, confio em você para cuidar das trancas, Liz.

— A-Ah… Certo!

Ainda sem entender direito o que havia acontecido, Eliza observou Zero subir o lance de escadas e eventualmente desaparecer. Não houveram respostas para o que havia mudado além de, obviamente, sua aparência. Parecia que algo dentro dele havia se transformado, permitindo inclusive que a chamasse pelo apelido, algo que normalmente não acontecia.

Ele confia em mim…?

Eliza não sabia ao certo a razão de toda aquela confiança, mas decidiu aceitar aqueles sentimentos e levar consigo até os portões de ferro. Decidida a cumprir com aquelas expectativas, a garota correu para fora do palácio, onde um ambiente gelado a esperava. Estava de noite. As estrelas brilhavam no céu, assim como a lua. Olhando de fora, parecia que o castelo estava perfeitamente em ordem. Porém, lá dentro, um grande caos havia se instalado até pouco tempo atrás. Eliza se perguntou se o mesmo não acontecia neste momento na cidade, então, preocupada, apressou o passo.

— Com licença, me deixem passar.

Eliza ergueu a voz para o grupo de guardas que estava reunido diante do portão de ferro, tentando abri-lo. Eles sacudiam as barras e até consideravam pulá-lo, mas não parecia muito seguro devido a altura e as pontas que poderiam perfurá-los caso tentassem. Os homens, ouvindo a voz que os chamava, se viraram e suspiraram em alívio.

— Dona Eliza, você está bem.

— É bom vê-la.

Eles a cumprimentaram, e ela correspondeu com um aceno. Em seguida, deram espaço para que passasse e alcançasse o portão de ferro. A garota o tocou e, surpreendentemente, nada aconteceu. Era como se estivesse perfeitamente normal.

— As chaves continuam não virando…!

Um dos guardas ainda estava concentrado em tentar girar a chave dentro da fechadura, parecendo suar pela testa, mas sem sucesso. Era como se a chave entrasse e travasse completamente, sem conseguir se mover. Mas, não importa o quanto você olhasse através da fechadura, não havia nada visível ou tátil que pudesse ser retirado. 

— Deixem isso comigo.

Eliza ergueu o cajado e, com pouca força, bateu a base dele no chão. A ressonância novamente ocorreu, porém, desta vez, em escala. Como ondas invisíveis, porém sensíveis ao corpo, que tocavam a pele como um pequeno arrepio, a ressonância de chi de Eliza se espalhou por todo o território do palácio. E, quanto mais assim permanecia, de olhos fechados e concentrada, nas sombras das pálpebras, ela podia ver perfeitamente o desenho dos selos. Como auroras coloridas e brilhantes, umas quentes e outras frias, com desenhos e formas diferentes, com alfabetos que não eram muito conhecidos e se assemelhavam a uma espécie de outra língua. 

E então ela viu. Era pequeno como um inseto, porém, incômodo o bastante para que fosse notado. Pois além dos selos de aurora brilhantes, ela viu algo como uma pequena chama que variava nas cores vermelhas a rosa. Era totalmente diferente do que ela já havia visto antes. Pelo formato, cor e forma de se manter, não eram selos conhecidos da capital. Possivelmente, eram de alguém que viera do exterior e não era um selador reconhecido oficialmente. Senão ,ela certamente reconheceria aquele padrão e cores.

Quando você é um selador, ainda que tenha sido treinado por outrem para usar essas habilidades, não importa qual estilo se use, sempre haverá um padrão único para cada pessoa. Sasaki era do tipo que fazia surgir selos circulares brilhantes e azuis, assim como Eliza, porém, com pequenas diferenças em como se portavam — no caso, se permaneciam brilhantes, se eram do tipo que piscavam, se apareciam e desapareciam como auroras no ar. Tudo isso variava. O fato de ambos usarem estilos parecidos não era apenas porque eram mestre e discípula, mas porque possuíam aptidão com o mesmo elemento: Shui, ou melhor, água.

Por isso, quando Eliza sentiu aquela estranha presença, imediatamente a detectou. Era um selo pequeno em forma de chamas, colorido com uma forte determinação, impedindo qualquer um de passar à força. Ele não havia tentado manchar qualquer selo do palácio. A pessoa foi inteligente e sobrepôs o selo sobre uma tranca, impedindo que você pudesse detectá-la imediatamente à vista ou ao toque. 

Quando eles haviam colocado ela ali? Eliza não sabia. Se havia sido durante a tarde ou apenas há pouco tempo antes da corte ir para a sala do trono, como se estivessem aguardando por este momento, era impossível deduzir. Mas, independentemente disso, ela rapidamente lidaria com aquilo. 

— Chama que impede a passagem e a trancafia… Empunhando Lótus em minhas mãos, ordeno que desapareça!

Exclamando internamente, Eliza ergueu o cajado que, assim como sua esfera mágica, começou a brilhar, e fez um movimento na horizontal. Foi como um corte no ar em 360º feito com aquela arma, mas que nada pareceu atingir. Porém, aos olhos do consciente apenas visível à curandeira, a chama foi cortada ao meio e desapareceu como se se extinguisse. O mesmo aconteceu, instantaneamente, com as outras pequenas chamas espalhadas por todo o palácio.

Quando o sentimento incômodo se desfez, o brilho de poder lentamente sumiu e Eliza abriu os olhos.

— Agora.

Ao sinal de suas palavras, o guarda com as chaves novamente a colocou na fechadura… E então um som agudo soou, fazendo com que o grande portão de ferro se abrisse. O grupo todo exclamou em surpresa e felicidade, batendo palmas.

— Tinha que ser a dona Eliza!

— A senhorita é incrível!

— Muito obrigado!

Uma série de agradecimentos vieram como uma enxurrada e Eliza, constrangida, escondeu o rosto atrás do cajado enquanto acelerava o passo para sair pelo portão primeiro.

— V-Vamos! 

— Sim, senhora!!!

Como já haviam sido ordenados a fazer a patrulha na cidade, ela não precisou pedir que lhe seguissem. O grupo rapidamente correu atrás da garota que se dirigia velozmente para a capital. Os passos em uníssono eram confiantes e determinados. Por isso, aos ouvidos da curandeira, que sentia um pouco de ansiedade em seu coração, eram como o sinal de que não estava realmente sozinha. Ela podia contar com aquelas pessoas para proteger a cidade. Um pouco daquele sentimento que apertava o peito se desfez, mas ainda havia preocupação sobre o que poderia estar acontecendo em Hera.

Porém, para a surpresa de todos, tudo parecia exatamente como antes.

As pessoas ainda seguiam festejando. Havia música, sorrisos e vozes altas. O cheiro de comida continuava a se espalhar pelas redondezas, assim como a felicidade no rosto de todos. Desde a tarde, tudo parecia normal. 

Eliza franziu a testa.

— Algo não está certo…

Será que Tom havia se enganado quanto a estarem tentando causar comoção na capital? Será que haviam isolado o palácio justamente porque só desejavam fazer mal à família real? Se era assim, por que impediriam a saída, ou a entrada, das pessoas ao território do castelo?

Foi quando aconteceu.

O impacto que a atingiu foi como um soco no estômago. Ela retirou seu ar e impediu que falasse, a fazendo se ajoelhar com os braços ao redor da barriga. Saliva escorreu dos lábios de Eliza enquanto ela engasgava e tossia, o ar se esvaindo de seus pulmões. Uma bile queimante parecia querer subir de seu estômago e escalar até a garganta. Os guardas, notando isso, logo a rodearam e tentaram prestar socorros, mas logo perceberam que ela não havia sido atingida fisicamente. Foi através de seu chi. Mas, ao contrário de apenas uma sensação de incômodo, foi com uma violência e brutalidade tão grandiosas que a sensação era realmente semelhante ao de um machucado na vida real.

— Dona Eliza!

— A senhorita está bem?!

— Respire devagar…!

— … Ah… E-Estou… Bem…

A garota limpou o queixo molhado com saliva e recuperou a compostura. Apesar da dor ter se esvaído e ter restado somente a sensação do mal-estar, uma dor de cabeça lancinante a atingiu… Assim como um sentimento de incerteza e medo sem razão. Algo bastante semelhante ao que havia sentido durante aquela tarde, na Fortaleza.

— A… For… Taleza?

Quando pensou, as coisas faziam mais sentido, agora. Seus olhos se viraram para a torre que poderia ser vista na distância, mas estava completamente escondida nas sombras da cidade, oculta o bastante para que ninguém precisasse se aproximar demais dela. Se concentrando naquela direção, Eliza sentiu um enjôo repentino ameaçar subir por sua garganta, mas ela o engoliu. 

— D-Dona Eliza? Seu rosto está pálido… Não acha melhor-

— Estou bem. M-Mais importante do que isso… A Fortaleza. Acho que é a Fortaleza. Estão… Tentando invadi-la.

Se apoiando em seu cajado como uma bengala, Eliza estreitou os olhos com seriedade para a torre de pedra e revelou a informação que deixaria todos completamente chocados, também voltando suas atenções para a direção de onde o impacto veio.



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