Volume 5 – Arco 3
Capítulo 35: Fortificando Selos
O tempo retrocede um pouco ao Baile de Máscaras. Retornamos alguns dias atrás, quando Ryota ainda não havia passado pela tortura no quarto sombrio com Miura, quando ainda não havia matado uma pessoa com as próprias mãos sem desejar, quando ainda não sabia dos sentimentos de Zero. Voltamos um pouco antes disso, da Cerimônia de Benesse começar.
Quando as festas na cidade ainda aconteciam sem qualquer rumor estranho se espalhar. As pessoas que lá estavam dançavam e festejavam alegres, pulando ao som da música ao vivo. Saboreavam os melhores pratos típicos de Thaleia, criando um evento que certamente ficaria marcado na história como uma das maiores comemorações durante a semana de um Coroação. Estrangeiros visitavam Hera, a capital real, passeando pelas lojas e consumindo produtos como nunca antes visto.
Nas ruas, o povo conversava alegremente. Comentavam sobre o quão incrível era aquele lugar, como era colorido com seus balões e alegre com o sorriso das pessoas. Não havia espaço para tristeza ou rancor. Aqueles que vinham de fora, estrangeiros de Urânia e Polímia, eram recebidos de braços abertos. Quando se tinha representantes tão marcantes na história como Sofia, Juan e Al-Hadid, dificilmente se destratava alguém assim. Afinal de contas, mesmo sendo de povos e raças diferentes, mesmo tendo vindos de lugares diferentes do mundo, mesmo que seus países tenham travado guerras uns contra os outros há tantos anos no passado, hoje conviviam como um só para sobreviver.
Thaleia, o país governado pela família real Fiore, estando exatamente logo acima, mais ao norte de Urânia e Polímia, foi o ponto onde os povos fugiram para se refugiarem do Mar Sombrio. Houve um grande avanço, atravessando regiões e tomando pontos sem parar. As pessoas lutaram, mas perderam. O que lhes restou foi somente a busca incessante por sobreviver. Seus orgulhos e sentimentos foram substituídos pela vontade de viver. Mas as pessoas ainda são pessoas, afinal, e tentaram passar uns por cima dos outros.
Todos os que tomaram os navios e barcos, navegando para Thaleia o mais rapidamente possível, sobreviveram. Mas nem todos foram capazes disso. Alguns foram completamente engolidos pelas sombras como ondas de preto que preencheram seus corpos até sumirem. Rastros não podiam ser descobertos, e aqueles que as tocaram adquiriram uma doença incurável. Eventualmente, todos morreram. Se foi naturalmente ou foram mortos com medo de que se espalhasse, não importava.
Trinta anos se passaram desde que estes dois países se desfizeram e sumiram do mapa. Seus povos ainda lutavam para se acostumarem ao novo clima e ambiente. Porém, desde que sobrevivessem, estava tudo bem. Eles possuíam líderes que os mantivessem na linha. Não precisavam mais temer. A Entidade que controlava as sombras malditas foi presa e selada para sempre, e não poderia mais retornar. Mas aquilo deixado por ela, catástrofes que desgraçavam a vida das pessoas até os dias de hoje, que lentamente e, eventualmente, tomariam suas vidas, ainda existiam. Ainda faziam todos temerem pelo amanhã.
Era um mundo que acabava. Muito mais da metade de todo o planeta foi consumido por sombras. Por onde se olhasse, você sempre veria na borda da vista um tom preto. Aos poucos, com os anos, ele se aproximava cada vez mais. Os selos não poderiam conter as sombras para a eternidade. Em um futuro não tão distante, elas finalmente alcançariam Thaleia. Mas, até lá, eles lutariam.
O povo continuaria a lutar pela sua sobrevivência. E agora que Edward Fiore, filho legítimo dos Fiore, finalmente receberia a bênção do Pequeno Sol e se tornaria o novo rei, todos acreditavam que o mundo mudaria. Eles finalmente seriam capazes de superar aquela situação.
E era por terem aguardado por tantos anos, por tantas décadas, aquela bênção vinda do Pequeno Sol, que todos comemoravam. Dançavam, comiam e erguiam a voz aos céus. Era muito mais que uma festa, era quase um ritual de felicidade.
E essa emoção de esperança e ânimos poderosos se espalhavam por todos, inclusive pela garota baixinha que andava lentamente pelas ruas. Seus olhos de cor âmbar deslizavam pelos arredores, para as pessoas andando e conversando, até as lojas e suas vitrines chamativas, com bolos e roupas expostos. Era uma verdadeira beleza aos olhos, e também às carteiras rechonchudas.
Eliza admirava aquelas peças maravilhosas nas vitrines e lambia os beiços com os doces, sentia o estômago roncar com o cheiro de café nas ruas e as pernas formigarem para correr alguma loja adentro. Porém, contendo este estímulo, ela sacudia a cabeça e marchava adiante quase que de olhos fechados. Não podia se dar ao luxo de gastar tanto dinheiro agora, não quando provavelmente os preços estariam em alta e os restaurantes lotados demais para serem aproveitados.
— Se concentra, se concentra, se concentra… — murmurou para si mesma.
Isso acontecia pouco depois do início da semana de festas. Quando o príncipe herdeiro, Edward Fiore, terminou seu discurso, as pessoas aplaudiram e deram espaço para a tão ansiada comemoração. Eliza observou sua mestre acompanhar os outros nobres para dentro do palácio, dispensando seus guardiões com um olhar. Apenas Sora, seu braço direito, se manteria por perto. Os demais poderiam ficar à deriva, ou melhor, trabalhariam com seus próprios negócios, até a noite, onde se reuniriam no quarto de Fuyuki.
Com a retirada da corte real, os súditos iniciaram as comemorações e Eliza ficou perdida. A princípio, quando os sons de música ambiente estouraram, assim como as vozes, seus ouvidos sofreram um impacto bruto ao ponto de precisar tapá-los com as mãos por um instante antes de se localizar.
Sim, ela gostaria de poder aproveitar mais a festa.
Não, ela não podia se distrair com ela. Haviam tarefas e trabalhos a serem cumpridos, antes de tudo.
E lutando contra os dois lados, um que ansiava loucamente em jogar tudo para o alto e se divertir, enquanto o outro frisava a importância de seu trabalho, Eliza forçou suas pernas a andarem para longe das lojas e multidão.
O caminho que a garota fazia passava pelas ruas e becos, a fazendo ir para os fundos da capital. Ciente de que deveria tomar cuidado, ela andou por pontes e lugares bem iluminados, assim como bem povoados, evitando ficar completamente sozinha. Não que ela não pudesse se defender sob qualquer situação, mas ela realmente gostaria de evitar qualquer dor de cabeça até chegar em seu objetivo.
Não demorou muito para que seu par de olhos âmbar se erguessem e vissem ao longe uma contrução de pedras circular. Não chamava a atenção por suas cores pasteis, mas certamente era bastante conhecida por todos que moravam na capital.
Bastante semelhante a uma torre, a construção de pedras se erguia a uma altura que, mesmo a uma distância grandiosa, era necessário erguer o queixo para ver seu topo. Era não apenas alta, mas também larga o bastante para mostrar que seus andares não eram compostos apenas por escadas que levavam ao topo. Ela era bastante semelhante ao que se pensaria de uma torre de uma fortaleza de pedra.
E, bem, realmente era.
A curandeira caminhou na direção da entrada da torre de pedra. Ela era afastada do centro da capital e poucas casas ficavam por perto, possuindo um muro branco relativamente alto o cercando. Um grande portão de ferro se estendeu diante os olhos da garota, que parou ali em frente. Não haviam maçanetas ou botões.
— Quem vem lá?
Mas uma voz grossa gritou para ela do outro lado do portão enorme. Eliza percebeu que uma pequena fresta havia se aberto, o suficiente para que um par de olhos escuros aparecesse e a analisasse.
— Eu so-
— Oh! Mil perdões, dona Eliza! Abram o portão! Rápido, abrão esse maldito portão! A Maga Celeste está aqui, seus imbecis!
Antes que Eliza pudesse erguer a voz, o guarda do outro lado se assustou ao reconhecê-la e rapidamente a fresta se fechou. Em seguida aos gritos desesperados, o portão de ferro finalmente se partiu no meio, dando espaço para que ela adentrasse.
— … Ah.
O que foi isso?! Que medo!
Eliza conteve a careta interna que fez ao que aconteceu e apenas caminhou para dentro, sendo recepcionada por uma fila de guardas. Eles faziam fila, a saudando.
— Seja bem-vinda, dona Eliza!!!
— … O-O-Obrigada!!!
Os dois lados gritaram um com o outro, estando completamente sem jeito. Porém, ambas as partes aceitaram os cumprimentos e seguiram pelo caminho de pedras que levava à torre. Atrás de si, Eliza escutou o grande portão se fechar com um som ensurdecedor.
Ela colocou uma das mãos na testa e fez sombra para os olhos quando o sol, que vinha logo à frente, batendo nas costas da torre, atingiu seus olhos. Ela franziu a testa mais um pouco e piscou algumas vezes quando finalmente atravessaram o caminho, chegando até a extensa sombra. Quando chegaram, dois guardas que estavam de prontidão ao lado da entrada que não possuía uma porta a saudaram exageradamente também, e Eliza correspondeu, por alguma razão, fazendo o mesmo gesto de sentido.
Foi uma cena bem constrangedora, mas os guardas não pareceram se importar. Na verdade, ficaram honrados em serem correspondidos igualmente com uma saudação. Mesmo através do capacete, Eliza conseguia sentir que eles sorriam pra ela com admiração e respeito.
Adiante na entrada que não possuía porta havia um salão redondo enorme. Era, também, feito com pedras, com janelas sem vidro rodeando as grandes paredes. Uma outra porta aos fundos podia ser vista, assim como um corrimão que levava para o chão, para uma escadaria circular que ainda não podia ser vista. Mais ao lado da entrada por onde passou, outro corrimão subia na mesma espiral. Quando erguia o queixo para ver, chegava a doer os olhos. A escadaria parecia infinita, rodopiando até os céus. Nas paredes, pequenas janelas acompanhavam o andamento das escadas, iluminando a passarela.
— Se continuar olhando tanto para cima, vai acabar tropeçando.
— Ai!
— Eu falei.
Quando uma voz conhecida chegou aos seus ouvidos e Eliza baixou o rosto rapidamente, ela tropeçou no chão de pedra e quase foi ao chão, cambaleando. A mesma voz a repreendeu, rindo sozinha.
O rosto da curandeira ficou inteiramente vermelho de constrangimento quando reparou na pessoa que estava diante de si, uma das mãos na cintura e a outra na testa, como se tivesse batido nela ao ver a cena desastrosa. Um sorriso sapeca estava desenhado em seus lábios, os olhos pretos profundos eram misteriosos e brilhavam com a malícia de alguém que sempre gostava de brincar com os outros.
— Não me olhe assim, Liz. É assustador.
— Q-Quieto, Sasaki!
— Nossa, dói meu coraçãozinho de cristal quando você me chama pelo nome e não de “professor”.
Sasaki se curvou e exageradamente tocou o peito, onde seu coração estava, fazendo uma careta, apenas para receber um chute na canela de Eliza, que fazia uma expressão de irritação. Era raro ver aquela garotinha demonstrar um sentimento daqueles, então até mesmo os guardas que a acompanharam ficaram surpresos. Geralmente Eliza era doce, tímida e introvertida, então poucos sabiam que ela podia realmente desgostar tão profundamente de alguém ao ponto de bater nele.
— A senhorita está bem?
— A-Ah! S-Sim, senhor Tom… Obrigada pela preocupação.
A pessoa a quem Eliza se dirigiu era um outro homem que anteriormente conversava com Sasaki. Era um homem de postura e voz admiráveis, não demonstrando qualquer sinal de nervosismo ou falta de comprometimento com o próprio trabalho. Ele possuía olhos pretos também, mas seus cabelos, que apesar de escuros como a noite, possuíam algumas mechas douradas salpicando aqui e ali. Apesar de já ter passado de sua juventude, estando agora na casa dos quarenta anos, Tom, o capitão da guarda real, era um homem bastante bonito comparado a muitos. Não que fosse elegante ou muito menos gracioso, mas havia nele um claro cuidado em sua aparência e personalidade que se refletiam na forma como agia e em como o viam.
— Podem se retirar, soldados.
— Sim, senhor!
Os guardas que acompanharam Eliza fizeram continência e partiram rapidamente de volta aos seus postos, marchando elegantemente. Eles pareciam, assim como qualquer outra pessoa, respeitar Tom. O homem que era conhecido como capitão, ao contrário de seus homens, usava uma armadura vermelha com detalhes dourados, o símbolo da família real, um trevo de quatro folhas dourado, brilhava em seu peito.
— Seus almofadinhas são realmente bem treinados, hein? Ai!
— Sim, eles são. Como capitão, preciso manter a ordem aqui dentro o tempo todo. Entretanto, tenho sorte de ter homens tão competentes comigo.
— Isso com certeza é graças aos seus esforços, senhor Tom.
— … Agradeço as palavras.
Ainda que Sasaki tivesse perdido completamente a linha com as palavras e Eliza mais uma vez pisou em seu pé sem se virar para ele, a garota prontamente elogiou o capitão da guarda com um sorriso, sendo retribuída igualmente.
— Peço desculpas em nome de meu acompanhante. Não gostaria de tomar muito mais de seu tempo, senhor Tom. Viemos aqui porque precisamos seguir com o protocolo de vigia.
— Não se preocupe com isso, dona Eliza. Afinal de contas, Sasaki é um amigo de longa data.
Tom apontou para Sasaki com um sorriso amigável, mas Eliza apenas lutou contra a vontade de revirar os olhos. Ela decidiu que respeitaria os sentimentos do capitão acima do outro homem ao seu lado e ficou em silêncio.
— Olha só, hein, Tom? Você fala essas coisas grudentas aí, mas nunca saí com a gente pra tomar uma, não é? Sempre tão tímido…
— Ah, há, há. Você sabe que nunca fui muito favorável a esse tipo de ambiente…
— Sim, sim, eu sei. Mas um dia desses eu vou invadir sua casa com umas geladas e a gente vai bater um papo como estamos prometendo há tempos.
Sasaki cutucou Tom com o cotovelo e o provocou um pouco, então o capitão abaixou a cabeça e coçou a nuca, sem-graça. De uma forma ou de outra, ele realmente parecia o tipo que não gostava muito de sair em grupo para bares e coisas do gênero, provavelmente sendo muito mais caseiro neste quesito. Porém, Eliza não podia julgar apenas pela aparência, sendo que na verdade Tom poderia apenas estar sendo modesto diante dos homens que o respeitavam como chefe.
Tom pigarreou.
— De toda forma, agora que vocês dois chegaram, vamos descer até a base da Fortaleza. Venham comigo, por favor.
— Sim, senhooor~
— Certo.
Acompanhado pelas duas figuras, Tom deu as costas e se dirigiu até o lance de escadas perto da porta dos fundos, começando a descê-la rapidamente. Provavelmente já estava acostumado a subir e descê-la uma quantidade imensurável de vezes, então não demandou muito esforço. Sasaki também desceu tranquilamente, embora mais devagar. E acabou parando quando olhou para trás e viu Eliza se agarrando ao corrimão, descendo lentamente enquanto seus olhos âmbar desciam assustados para o infinito que parecia ser lá embaixo.
— Precisa de uma mão?
Pacientemente e sem qualquer traço de malícia, Sasaki estendeu a mão direita para a garota que estava colada ao corrimão. A curandeira tirou os olhos da descida interminável e os voltou para o homem. Ela apertou os lábios, engoliu em seco e passou direto por ele acelerando o passo o mais rapidamente que conseguia.
— Não, estou bem.
— Você tem certeza? Ei, tome cuidado, se continuar descendo assim, vai acabar-
— Ah!
Como se fosse algo costumeiro, Sasaki avisou-a novamente para ter cuidado, e Eliza, quase que coincidindo perfeitamente com suas palavras, escorreu em uma escada que pisou de mal jeito. O homem atrás dela estendeu a mão para segurá-la, mas a jovem habilmente se segurou no corrimão e assim ficou parada. Eliza agarrou o corrimão frio como se fosse morrer caso o soltasse. Seus braços e pernas tremiam um pouco quando endireitou a postura e, olhando pra frente, inspirou fundo, fungou e voltou a descer novamente. Dessa vez, mais devagar, mas com ambas as mãos no corrimão.
Sasaki a seguiu logo atrás dando um suspiro. Ele olhou para seus cabelos azuis e pensou se deveria tentar conversar enquanto desciam, mas, lembrando-se do histórico de suas tentativas de falar sendo completamente falhas, optou pelo silêncio. Apesar de sempre costumar ser a pessoa que tomava a dianteira em conversas, não gostando muito do silêncio, Sasaki sentiu que estaria apenas frustrando ainda mais Eliza se a chamasse agora. Possivelmente, ela ficaria ainda mais envergonhada. Ele percebeu que não importava se ele estava falando sério ou não, a garota não demonstraria gentileza a ele novamente. E, agora, se tentasse chamar por seu nome, apenas a magoaria mais.
— Você veio aqui para firmar os selos novamente, não é?
Portanto, foi uma grande surpresa quando ouviu que a própria menina à frente dele começou um diálogo repentinamente.
— Ah, sim.
— Então você veio aqui propositalmente?
O que Eliza possivelmente queria transmitir era “você realmente veio aqui justamente quando eu decidi vir?”. Sasaki piscou algumas vezes, olhando para as costas de seu cabelo.
— Eu não costumo permanecer muito tempo em um único lugar. Faz alguns dias… Não, alguns meses desde que realmente parei em Hera, então não pude passar na Fortaleza durante este período. A Coroação estar acontecendo e a requisição de Sofia foi apenas um brinde para eu estar aqui, também.
Ouvindo a menção do nome da mestre dele, Eliza ficou em silêncio e suavizou a expressão.
— Entendi.
— Mas veja pelo lado bom: Estando juntos, podemos fazer nosso trabalho mais rapidamente e, ao mesmo tempo, não atrapalharemos demasiadamente o Tomzinho. Ele não vai precisar descer essas escadas e subir duas vezes, hein?
— … Acho que sim — Sasaki sentiu-se mais confortável para continuar a conversa ao perceber que a garota respondia sem receio. E Eliza, não desejando que o clima minimamente agradável entre eles se desfizesse em inimizade ou desconforto, continuou — Se veio até aqui para acompanhar a dona Sofia, por que não está no palácio com ela?
Eliza virou levemente seu rosto para trás, um dos olhos âmbar tentando ver qual seria a reação dele a essa pergunta direta. Mas Sasaki apenas sorriu e deu de ombros.
— Bem, ela não precisa de mim por lá. Um guardião é o suficiente, e a Amane é o braço direito dela. Tenho certeza de que a senhorita Fuyuki também deve estar com o outro rapaz Akai com ela, certo?
— Sim, mas eu fiquei me perguntando por que justamente você não insistiria para ficar ao seu lado em um evento tão importante. Imaginei que ao menos permaneceria no palácio, mas não te vi ou senti sua presença até agora.
— Aaaaah, não me diga que estava preocupada comigo? Que fofa você é, Liz! — Sasaki abanou uma das mãos, usando um tom brincalhão que lentamente se transformou em uma voz baixa e melancólica — … Ainda que eu quisesse, eu não poderia ficar no palácio. Então, tanto faz.
Era uma resposta bastante óbvia, então a curandeira a aceitou. Eliza esperava poder tirar alguma outra informação dele ao ouvi-lo completar aquela primeira frase, mas não se sentiu confortável o bastante para tentar insistir demais no assunto que estranhamente se tornou sério. Seus olhos desceram cuidadosamente para Tom, que estava bem à frente deles na descida, os passos firmes e velozes dele ecoando pelas paredes subterrâneas da torre.
A Fortaleza possuía uma construção subterrânea que era tão grande quanto aquela que subia até os céus. Ao invés de janelas, haviam ali pequenas lamparinas que iluminavam o caminho. Seus passos ecoavam por seus ouvidos e ficavam cada vez mais altos conforme seguiam até a base. Eventualmente, Eliza, que estava mais perto, conseguiu ver o chão se aproximar e seu coração acelerado começou a relaxar.
— Aqui.
— Obrigada.
Tom estendeu a mão para Eliza e a garota a pegou antes de dar um pulinho do último degrau. Sasaki olhou a cena e cruzou os braços, fazendo bico.
— Hmmm. Por que a Liz só aceita as ofertas do Tom?
— Porque eu sou muito mais cavalheiro do que você.
— Hã?! Cavalheiro? VOCÊ?! Há! Conta outra, você é o maior brutamontes que eu conheço. Esse seu rostinho lindo não engana ninguém!
Ouvindo aquilo, Sasaki agarrou Tom com um dos braços e riu, dando soquinhos no peito do amigo. Por um instante, Eliza achou que o capitão ficaria com raiva, mas ele apenas se desfez do abraço sem qualquer dificuldade e o ignorou.
Quando o trio passou pela abertura que ali havia, eles entraram em um novo salão. Ainda possuia paredes de pedra e lamparinas iluminando o ambiente. Porém, era muito menor. Isso porque naquele lugar nada mais tinha do que dois guardas sentados, que se levantaram logo que os perceberam, e os cumprimentaram com uma continência.
— Senhor!
— Tudo em ordem?
— Sim, senhor!
Tom se aproximou e dialogou com seus companheiros, que prontamente o responderam. Um deles estendeu um molho de chaves grande, grosso e velho para as mãos do capitão.
— Permaneçam alertas à escadaria e os arredores.
— Sim, senhor!
O capitão foi até a porta dos fundos, que ficava logo atrás dos dois guardas, e a abriu prontamente com uma das chaves. Eliza e Sasaki, sem pestanejar, foram atrás de Tom. Ao atravessar a porta em formato oval, o grupo adentrou em uma espécie de corredor. Era estreita o bastante para que somente duas pessoas pudessem passar lado a lado ao mesmo tempo. Mas, ao contrário de tudo o que viram até agora, o local era bem iluminado. As paredes, ao invés de pedras, eram revestidas por um material brilhoso. Como um céu noturno em que pequenos pontos como cristais cintilavam, iluminando perfeitamente o caminho e todo o espaço.
Eliza observou, logo que entrou, as portas dispostas nos dois lados do corredor. Eram salas pequenas que podiam ser vistas através de uma pequena janela na altura dos olhos, usada apenas para confirmar a presença daquilo que lá dentro estava. As portas eram feitas de um ferro maciço, impedindo que qualquer pessoa normal fosse capaz de arrombá-la. Entretanto, mesmo aqueles que tentassem passar à força usando um kiai ou alguma técnica para explodir a entrada seriam detectados pelas câmeras de segurança e ouvidos pelos guardas que guardavam a passagem.
Certamente, era um lugar impossível de se invadir. Principalmente quando considerado que ficava profundamente no subsolo. Ao contrário de um lugar que pudesse ser feito na água, era impossível para alguém tentar estourar uma parede pelo lado externo e entrar. Não apenas porque estavam rodeados por terra, mas devido aos desenhos que blindavam todas as quatro paredes dentro e fora daqueles cômodos.
Eram símbolos conhecidos por Eliza e Sasaki. Afinal, eles sabiam exatamente o que significavam e como usá-los. Na realidade, foram justamente eles que colocaram alguns destes selos. A proteção impedia não somente o uso de chi ali embaixo de figuras desconhecidas, como também permitia aos seladores responsáveis pelos selos sentirem caso um deles tenha sido destruído ou sofrido alguma alteração. Isso impedia que outras pessoas estudadas em selos pudessem tentar alguma armadilha ali embaixo. Era uma cela perfeita.
— Parece que está tudo em ordem.
A curandeira observou em voz alta enquanto olhava para as portas.
— Sim. Não houveram alterações nos selos e nem nas trancas. Desde sua última visita, nada mudou.
— Isso é bom de ouvir. Parece que nosso trabalho realmente melhorou, né, não? Afinal, um ano sem passar por aqui e ainda está tudo tranquilo… É realmente ótimo.
— Bem, certamente — Tom concordou novamente com os apontamentos, ainda seguindo em frente — Na verdade, não houveram tentativas de invadir este local há muitos anos. Ainda assim, não baixamos a guarda. Principalmente agora que estamos entrando em uma semana que pode ser o ponto perfeito para tentarem uma armadilha. E é exatamente por isso que tê-los aqui hoje será não apenas uma honra, mas é também o ponto ideal para um reforço de seus serviços.
Tom virou o pescoço para trás com um sorriso educado. Tanto Eliza quanto Sasaki, ao ouvirem aquelas palavras, sorriram de volta.
O trio passou adiante por mais uma porta, ao qual o capitão passou outra daquelas chaves grandes e velhas para destrancá-las. Um som de ruído se fez ao empurrá-la para passarem, deixando claro que ela não era aberta assim com tanta frequência. No fim das contas, quanto mais profundamente você seguia, mais dificilmente se conseguia alcançar.
Passaram por outro corredor idêntico, com as mesmas portas dispostas lado a lado. E assim passaram por mais uma cena idêntica, abrindo a terceira ala de portas aos fundos. No final, ao invés de uma nova porta, havia uma outra escada disposta para descer ainda mais. Entretanto, eles pararam no último corredor, com o capitão da guarda se virando para a dupla e apontando para as portas com os braços.
— Aqui. Por gentileza, se puderem começar seus trabalhos imediatamente. Conferindo este andar, retornaremos até a base da torre, trancando as portas novamente.
Seria certamente menos trabalhoso daquela forma.
— Muito bem.
Eliza não perdeu tempo e seguiu até uma das portas de ferro com um selo brilhando. Ela esticou o braço para a frente do corpo e, instantaneamente, sua pulseira brilhou, se transformando em um cajado. Parando diante de uma das pequenas janelas que permitiam ver através dela o que estava sendo guardado, Eliza analisou a sala. Havia dentro quatro paredes claras com selos brilhando, porém, de forma mais suave como auroras que surgiam e se desfaziam no ar, balançando. E, no centro daquela cela clara, havia um pedestal preto. Acima dele, um item flutuava disposto graças a um selo de levitação circular.
O item era uma esfera de cor azul como o céu, mas que possuía um degradê do claro ao escuro do começo ao fim dela. Não parecia nada demais além de uma peça de valor admirável, mas, na verdade, era muito mais do que isso.
Eliza tocou a ponta do cajado na porta e fechou os olhos. Quase que em seguida, os selos pulsaram uma vez. Primeiro o da parede diante dela, aos fundos, em seguida as outras, e, por último, a porta de ferro ao qual tocava.
— Feito — sussurrou Eliza, antes de abrir os olhos e caminhar para a porta seguinte.
— Mas, minha nossa, parece que essas Relíquias não mudam nada com os anos, não é? — Sasaki comentou, ainda com a palma da mão sobre uma porta, a mão na cintura e voltando-se para Tom, que estava parado no meio do corredor de braços cruzados — Não importa quanto tempo passe, elas não pegam poeira e não envelhecem nesse lugar. Lembro de ter visto algumas daqui há mais de dez anos, e elas seguem intactas. Esse lugar é realmente impressionante.
— Certamente que sim, porém os selos de vocês também colaboram para isso.
Os selos da sala de Sasaki brilharam, e então ele passou para a próxima. Ao contrário de Eliza, ele não precisava fechar os olhos e se concentrar tanto quanto ela, que passava pelo menos trinta segundos assim. Ao tocar a porta fria, em menos de dez segundos o trabalho estava feito. Quando Eliza terminou sua segunda porta, ele já havia passado para a quinta.
— Isso me lembra, senhor Tom — Eliza se virou quando terminou outra porta — Onde você colocou o Cristal da Ilusão?
— Você e seus nomes…
— No segundo andar.
— Hã? No segundo andar?
Ignorando a provocação de Sasaki, Eliza franziu a testa para as palavras.
— Por quê? Achei que a partir do segundo andar apenas permaneciam criminosos de alto escalão.
— E permanecem. Mas não poderíamos deixar uma Relíquia tão perigosa ao lado de outras tão simples. Quando a senhorita nos entregou a peça, a levamos imediatamente para o subsolo. Esperei que pudesse reforçar o selo dele quando viesse trabalhar nos outros e o mantive lá.
— Entendo. Então, me guie até a sala, por favor. Trabalharei nele imediatamente.
Assentindo com a cabeça, Tom tomou a frente para voltar a descer longas escadas. Eliza torceu os lábios.
— Precisa de uma mão, de novo?
— Não.
Inspirando fundo, a garota rapidamente começou a seguir Tom. Ela manteve o ritmo conforme descia pelos degraus, que aparentemente eram bem menos do que aqueles de antes. Quando novamente chegaram ao solo, outros dois guardas os cumprimentaram ao passarem por uma nova passagem. Um corredor idêntico surgiu, porém, as portas que antes davam para salas seguiam para outros corredores idênticos, porém com apenas uma porta direta ao final. Eram salas perfeitamente isoladas e trancadas com aquelas chaves.
— Por aqui.
— Nem precisa me dizer. Consigo sentir a presença dele de longe.
Eliza comentou e se direcionou para a primeira porta à sua direita antes mesmo que Tom pudesse apontar. A curandeira passou pelo longo corredor e parou diante da porta que dava para a sala com uma pequena janelinha para observar.
O que havia ali era exatamente o mesmo das salas do primeiro andar. Porém, ao invés da antiga esfera, havia um cristal flutuando. Era pequeno, azul e perfeitamente lapidado. Parecia ainda menos especial, mas portava algo centenas de vezes mais perigoso.
— Sendo não apenas uma Relíquia comum capaz de portar poderes, mas algo que nunca vimos antes, acreditei que poderia deixá-lo neste andar. O Cristal da Ilusão não guarda apenas um espírito comum, mas algo que não conseguimos retirar informações concretas do que é.
Tom se aproximou de Eliza e assim falou.
— Eu entendo. Mesmo eu não consegui entender exatamente o que aquele tigre era. Quero dizer, era um espírito comum como qualquer outro, mas mil vezes mais poderosos. Não é pra menos, afinal, ele é um dos maiores guardiões da natureza e foi retirado à força de seu ambiente para ser usado dessa forma horrível.
A garota cruzou os braços e falou seriamente, parecendo irritada com esse fato.
— De toda forma, garantirei que o Cristal da Ilusão esteja bem guardado. Fortificarei os selos quatro vezes mais, por garantia. Isso vai demorar um pouco, então me desculpe.
Eliza abaixou a cabeça. Se fosse Sasaki o responsável por aquela Relíquia, ele teria feito os selos em pouco menos de um minuto. Mas ela, mesmo assim, iria requerer muito mais tempo. Entretanto, Tom apenas sorriu para ela.
— Não precisa se preocupar. Estarei aqui, lhe esperando.
Compreensivelmente, o capitão acenou com a cabeça e saiu, esperando-a ao pé da escadaria. Enquanto isso, Eliza entrou na sala. Era apertada e quase não possuía ar ali dentro. Seus pulmões lutavam para respirar decentemente. Mas ela se conteve e começou seu trabalho. Bateu a base do cajado no chão e os selos brilharam como antes, porém, não apenas uma vez, mas quatro.
Foram-se pouco mais de cinco minutos até que ela finalmente saísse da sala. Eliza soltou um suspiro quando voltou a respirar normalmente e se aproximou de Tom, que novamente a guiou para o primeiro andar. Apesar de ter terminado seu serviço, garantindo a segurança da Relíquia, algo dentro dela se remexia. Como uma insegurança sem origem ou razão, mas que ela ainda não conseguia lidar.
Com essa preocupação em mente, a dupla retornou para onde Sasaki estava. Ele já havia terminado seu trabalho e havia retornado para a base da torre, onde conversava alegremente com a dupla de guardas. À distância não era possível ouvir com certeza, mas Eliza pressupôs que fosse um assunto estúpido pelas risadas que ecoavam.
— Muito bem. Agora que terminamos, vamos subir novamente.
Quando Eliza, Sasaki e Tom começaram a retornar pelas escadarias, a garota estava exausta. Seus olhos pesavam e braços doíam. Havia feito aquele mesmo ritual com selos várias e várias vezes sem parar. Porém, o trabalho estava feito. Mesmo devagar, conseguiu subir novamente até a entrada da Fortaleza, onde soltou um suspiro.
— Você está bem?
— Estou, não se preocupe comigo.
— Ah, bem, não tem como isso acontecer. Você estava suando tanto… Achei que fosse cair da escada a qualquer momento.
Sasaki assim falou com ela quando chegaram ao topo, mas Eliza apenas dispensou as preocupações e estendeu o braço, desfazendo a transformação de seu cajado para uma pulseira, novamente.
— Eu estou bem. Só estou com um pouco de fome. De toda forma, obrigada por seu trabalho hoje, senhor Tom. Seguirei meu caminho para a capital.
— Mesmo? Então meus guardas a acompanharão até o portão. Novamente, muito obrigado por seu trabalho, hoje.
Tom cumprimentou Eliza com uma saudação e ela retribuiu. Então, seus olhos âmbar se viraram para Sasaki.
— E o que você vai fazer?
— Eu? — ele apontou para o próprio rosto — Hmmm… Sei lá! Talvez comer algo, também. Já sei! Quer ir junto comigo?
— Adeus a todos.
— Ei! Ei! Não me ignora, não! Era brincadeira, ô!
Apesar do convite amigável, Eliza o ignorou quando ele apenas deu de ombros e usou aquele tom de voz irritante de brincadeira. A curandeira seguiu até o portão de ferro e passou por ele, deixando para trás a Fortaleza, Tom, Sasaki e os guardas. O ar parecia muito mais limpo e leve do lado de fora. Ela inspirou profundamente quando saiu, baixando os ombros para relaxar.
Logo quando seu corpo relaxou, um som alto soou de seu estômago, que se remexeu dentro dela. Certamente a fome era a causa de sua fraqueza. Precisava se alimentar rapidamente. Quando olhou para o relógio de uma televisão no alto, percebeu que três horas haviam se passado. Ela percebeu, então, que na realidade não havia almoçado, e por isso se cansou tão facilmente fazendo aqueles selos.
Aaaah… Eu adoraria comer um pedaço daqueles bolos, agora…
Apesar de estar fazendo apenas uma expressão de cansaço, por dentro Eliza sonhava com todos aqueles doces, babando no mundo da imaginação. Ela limpou o próprio rosto, embora nenhuma saliva tenha escorrido, e começou a caminhar de volta para a capital. Eventualmente, os sons de vozes e música tocando alcançaram seus ouvidos, e lá estava ela novamente.
Vejamos, onde ficava mesmo aquela padaria com cheirinho de café…?
— Liz?
— Eliza? É você, mesmo?
— Hã?
Quando duas vozes conhecidas se sobrepuseram, Eliza parou de andar. Ela lentamente se virou e seus olhos encontraram um casal que andava de braços dados. Era uma mulher baixa, quase de sua altura, com cabelos azuis, e um homem de cabelos pretos que começavam a beirar o branco devido alguns fios que saltavam. Os dois arregalaram os olhos para a garota e, como se algo explodisse dentro deles, eles exclamaram um som de surpresa.
— É você mesmo, Liz!
— Pai? Mãe?
Eliza piscou, surpresa, quando seus pais repentinamente correram para abraçá-la.