Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 4 – Arco 3

Capítulo 31: Passagem para o Baile

Haviam se passado dois dias desde o resgate de Marie naquela noite, mas nada havia mudado. Na realidade, uma única mudança ocorreu. 

Edward não viu Ryota desde aquela noite.

O príncipe se recordava de quando haviam conversado, discutindo diretamente a respeito de suas vontades e objetivos. De como Ryota não continuaria mais parada e seguiria avançando, decidida a salvar a misteriosa prisioneira. Ele havia hesitado um pouco a princípio, afinal, sequer sabia a razão de se importar tanto com uma mera menina das ruas que havia cometido furtos, mas desde que a vira pessoalmente e ajudado-a, Edward não conseguia tirar a aparência dela de sua mente. Certamente, Marie havia passado por maus bocados. Coisas horríveis as quais não conseguia dizer em voz alta e sequer foi capaz de perguntar quem eram aqueles dois ou o que queriam no palácio. 

De qualquer forma, assim que saíram pela passagem secreta, Luccas e Marie foram guiados por Kanami a andarem discretamente e fugirem, se mantendo sob a proteção de Fuyuki Minami. No mínimo, Edward poderia ter a certeza de que tudo ficaria bem. Como dito pela guardiã, Miura Akai, o guardião de seu pai, se tornou alguém realmente problemático. Assim que saiu do corredor que levavam às celas, o assassino correu pelo palácio como louco atrás de provas de seus envolvimentos, mas, como esperado, nada conseguiu.

Para sua sorte, Miura sequer desconfiava de seu envolvimento. Para ele e para os guardas que estavam no quarto, o príncipe, depois de sua conversa com a guardiã Ryota, foi se deitar e lá permaneceu até a manhã seguinte, não havendo qualquer movimentação. Porém, na verdade, ele saiu por uma passagem secreta de seu quarto até os andares de baixo e assim se locomoveu até onde resgataram e encontraram Kanami com Marie nos braços. 

Ryota havia contado a ele que Fuyuki Minami, a duquesa, havia concordado em ajudá-los, o que o surpreendeu. O príncipe não esperava que ela realmente fosse se envolver em algo assim, mesmo que elas fossem amigas de longa data. Do ponto de vista dele, Fuyuki parecia ser o tipo de pessoa que priorizava a nobreza acima da amizade, embora lealdade estivesse em seu código de conduta. Haviam coisas que a amizade não equilibrava ou ultrapassava. Na verdade, quando dito por Edward, essas palavras poderiam soar até bastante estranhas, uma vez que ele jamais tivera um amigo de verdade, então fazia sentido que suas impressões estivessem erradas. 

Para ele, até então, não havia diferença entre uma amizade e o companheirismo da nobreza. Era o tipo de relação em que você oferecia algo em troca de outra coisa, buscando sempre se satisfazer acima de tudo. Trocas de informações, de dinheiro, de itens de valor… Tudo o que estivesse ao seu alcance poderia ser apostado e trocado desde que você soubesse dialogar e discursar. Era o básico a se aprender quando se vivia em sociedade, principalmente entre aqueles da alta classe. Edward era um caso à parte e não poderia julgar a partir do que os outros viveram, mas ele sabia que haviam famílias muitos piores do que as dele quando se tratava de levar as tradições e situações como essa à sério. E, até onde sabia, era o caso dos Minami.

Mas haviam passado dois anos desde que todos eles foram eliminados pela Insanidade. Desde então, Fuyuki Minami se tornou a nova e primeira matriarca, tendo sua mãe, Coldy Minami, também viva, porém em um estado semelhante ao coma, convivendo ao seu lado. Ele presumiu que a duquesa fosse ser idêntica à sua família neste quesito, porém não foi o caso. O príncipe não sabia dos detalhes da negociação entre Ryota e ela, mas teve certeza de que a parceria e laço firmados há um mês tiveram grande peso ali. 

Dito isso, quando viu a duquesa sair às pressas para retornar aos seus compromissos na outra noite, ficou surpreso ao perceber que aquela mulher que geralmente se mantinha em silêncio, falando apenas o necessário, e parecendo bastante desinteressante à primeira vista, na verdade poderia ser tão confiável. Seus guardiões, apesar de serem bastante criticados por Juan, eram bastante profissionais naquilo que faziam, isso ele precisava admitir. 

Após aquela situação, na manhã seguinte, quando foi acordado em seu quarto pelos empregados que viriam ajudá-lo a se vestir e guiariam-no para a mesa ao café da manhã, estranhou o clima que estava no palácio. Na verdade, todos pareciam plenamente normais. É claro que, depois do que aconteceu na Cerimônia de Benesse, todos ainda pudessem estar um pouco tensos e preocupados com a segurança, mas não era o caso dos nobres presentes na mesa, que conversavam normalmente. Isso também ajudou a tranquilizar os que estavam ao redor, e o clima relaxou. Fuyuki, Al-Hadid, Sofia, Juan e Shin estavam presentes. Fanes conversava alegremente como sempre, parecendo bastante tranquilo e despreocupado.

Os guardiões estavam contra a parede em suas poses eretas de sempre, como se estivessem em guarda. A única exceção era que Edward estava desacompanhado. 

— Ora, a senhorita Ryota não vem hoje? — ainda com aquele jeito idiota de sempre, Fanes repentinamente se virou para o filho, como se só agora percebesse isso, e assim perguntou inclinando a cabeça — Aconteceu alguma coisa?

— Ela deve estar cansada da noite anterior — Edward respondeu prontamente, dando de ombros. 

Fanes piscou duas vezes, refletindo, e então voltou a falar com os convidados. O príncipe desviou os olhos violetas para Miura, logo atrás dele, mas o guardião não reagiu. Parecia perfeitamente calmo. Uma postura esperada dos guardiões, é claro. Mas Edward realmente estranhou esse comportamento quando, na teoria, ele deveria ter feito o completo oposto. Havia pressuposto que o assassino ficaria irado com a situação e se retiraria, indo atrás da garota que estava isenta imediatamente, mas ele não o fez.

Entretanto, por mais que estivesse curioso para perguntar a razão disso, Edward se conteve e voltou a se concentrar na conversa e no próprio café da manhã. Para seu azar, entretanto, logo quando os empregados começaram a retirar as peças da mesa e todos começaram a se direcionar para fora do salão, ele perdeu o guardião de vista.

— Procurando por alguma coisa, Alteza? — Fuyuki se aproximou discretamente e interrogou. Sua sobrancelha direita se ergueu rapidamente e desceu na mesma hora, como se perguntasse o que havia de errado.

— Oh, senhorita Minami — Edward se lembrou de chamá-la apropriadamente em público e olhou para os arredores — Estava apenas apreciando a vista. Na realidade, não teria visto o guardião de meu pai?

Respondendo a pergunta silenciosa, o príncipe balançou a cabeça levemente para os lados. Ele esperava que fosse um sinal compreendido pela duquesa de que não sabia exatamente o que estava havendo, ou que, se ela estava preocupada com sua amiga desaparecida, não fazia ideia de onde estava. Independentemente de sua dúvida, Fuyuki concordou com a cabeça e deu um sorriso educado.

— Sinto muito, não o vi. Acredito que tenha se retirado logo antes do fim do café da manhã. De toda forma, também preciso retornar para meus aposentos. Com sua licença, Alteza.

Fuyuki fez uma reverência rápida e, acompanhada de Sora, começou a andar para longe. Edward torceu os lábios e fez o mesmo, se dirigindo para o toalete de seu quarto para escovar os dentes. Sua mente ainda estava a mil, pensando a respeito do que poderia ter acontecido, quando, repentinamente, alguns empregados entraram em seu quarto e disseram-lhe que precisavam da opinião do príncipe a respeito de algumas coisas.

— Sobre o quê? — perguntou Edward, confuso.

— Então, Alteza, preparamos algumas vestimentas novas e desejamos que o senhor nos diga qual mais lhe agrada.

— Vestimentas?

Uma das empregadas lhe deu um sorriso.

— Bem, em dois dias, haverá o grande baile. Vossa Alteza não se recorda da rotina preparada por Sua Majestade para a semana da Coroação? Primeiro o Debute, a Cerimônia de Benesse, o Baile de Máscaras, Ócio e, por fim, a Coroação. Se bem me recordo, a preparação para o baile e seu descanso logo em seguida sempre acontecem porque a nobreza pode acabar… Hã, exausta, e precisam recuperar toda a sua energia para o dia seguinte, o grande evento.

Quando ela assim lhe explicou, o príncipe se recordou que era verdade, mas com tantas coisas importantes acontecendo ao mesmo tempo, não conseguiu se lembrar apropriadamente que aqueles eventos existiam até agora. Ele fechou os olhos por um instante, sentindo a mente latejar, e percebeu que precisaria dedicar seu tempo ao trabalho dali em diante ao invés de se preocupar com Ryota e os outros problemas.

Ela deve estar bem, certo? É a Ryota, afinal.

Ele assim pensou e torceu para que estivesse certo. Dito isso, olhou para todos os modelos de roupas trazidos por elas. Eram apenas rascunhos de suas versões finais, tendo uma variedade grande de modelos. Edward colocou a mão no queixo e refletiu, escolhendo aquela que mais lhe agradava aos olhos.

— É só isso? Se for assim, eu-

— Oh, não, precisamos que nos acompanhe para averiguar o que acha a respeito de alguns enfeites colocados no salão, músicas, disposição de mobílias… E há um grupo seleto de nobres que deseja lhe falar na sala de reuniões do segundo andar sobre algo relacionado a estes eventos, também.

— Por que isso tudo, afinal? 

Era realmente estranho que Edward precisasse ficar responsável por aquele tipo de serviço. Quer dizer, aquilo não era trabalho de um príncipe, não é? Ele tinha coisas mais importantes para resolver do que dar sua opinião a respeito de assuntos tão superficiais. Entretanto, pelo olhar sério das empregadas, elas não pareceram recuar nem um pouco à sua pergunta, o que o surpreendeu um pouco.

— São ordens de Sua Majestade.

— Hã? De meu pai?

Elas assentiram. 

Por que meu pai…? 

A impressão que Edward teve de primeira foi que estava sendo testado. Mas, após pensar por meio segundo, um sentimento de que na verdade estava sendo feito de idiota o assolou. Ele pressupôs que, na verdade, Fanes desejava ocupá-lo com trabalhos que normalmente não faria, deixando o que provavelmente seriam responsabilidades do próprio rei para o príncipe, a fim de deixá-lo longe, e, principalmente, para que não interferisse, em seus próprios interesses.

— Sua Majestade nos disse que desejava saber se Vossa Alteza estava realmente preparado para tomar a dianteira dessas tarefas, uma vez que elas eram de sua responsabilidade no passado.

Parecia uma desculpa facilmente aceitável. E as empregadas sequer desconfiaram das palavras dele. Bem, porque, pra começo de conversa, foram palavras do próprio rei. Quem é que poderia negá-las ou duvidar delas? E com a personalidade gentil e carismática dele, suas palavras possuiam um efeito grandioso que agraciava a qualquer um. Mesmo Miura, que por vezes se mostrava contrariado ao seu lado desastrado e nada honroso a alguém com o título de rei, era bastante favorável às suas palavras, às vezes. 

Edward inspirou fundo e baixou os ombros. Não havia o que ser feito. Ele precisava tomar a dianteira disso, de qualquer forma, e depois lidaria com seu pai.

— Está bem. Me guiem.

— Como desejar, Alteza.

As empregadas fizeram uma reverência lenta e então foram na frente a passos rítmicos, com o príncipe indo logo atrás. Edward se perguntou o que exatamente seu pai estava planejando quando entrou em uma das salas apontadas e fechou a porta.

***

Os dias passaram rapidamente. Em comparação ao Debute, em que os nobres apenas se apresentavam e curtiam um bom jantar, o Baile de Máscaras exigia uma preparação muito maior. Afinal de contas, era uma festa preparada para a alta classe. Esse evento ocorria somente dentro do palácio, mas, do lado de fora, em toda a capital de Hera, as pessoas continuavam a festejar durante a semana, como nunca. Pessoas passavam em barracas e lojas comprando loucamente, programas de televisão entrevistavam o povo e gravavam ansiosas a respeito do baile que não seria transmitido a público, festas eram dadas em salões e nas próprias ruas, com músicas ao vivo sendo tocadas e muita diversão se espalhando. 

Eram momentos e dias de pura felicidade. As pessoas não eram obrigadas a trabalhar, e aquelas que tinham seus comércios abertos durante a semana vendiam como loucas, produzindo um financeiro maior do que em dois anos inteiros de serviço. Não era para menos, afinal, a cidade estava lotada de pessoas que vinham de fora, desejando provar novos pratos, levar para suas casas itens raros ou somente lembranças para si mesmas ou para famílias e amigos que permaneceram em suas casas.

Pessoas faziam eventos e investiam dinheiro, gerando ainda mais lucro. Eram feitas festas grandiosas com bebidas, comidas fartas, danças que duravam até a madrugada, sorrisos e gritarias se espalhavam. É claro, nem tudo era deixado à mercê do povo, e a guarda da cidade estava sempre disposta a cuidar da segurança e evitar qualquer tipo de problema. Entretanto, isso dificilmente ocorria. O povo de Hera era bastante contente com a própria vida tendo somente algumas poucas exceções, mas até mesmo elas se beneficiavam de alguma forma com a semana de festejos da Coroação. 

Era, de fato, uma semana de felicidade e com um forte sentimento de ansiedade em relação ao futuro pairando no ar.

Em pouco mais de três dias, um novo rei subiria ao trono. Os festejos eram uma forma de demonstrar sua aceitação e felicidade em relação ao fato.

E isso não apenas era refletido pelas pessoas, mas também pela própria nobreza no castelo. Os empregados trabalhavam com um sorriso no rosto; os cozinheiros preparavam pratos rapidamente, porém sem qualquer sinal de cansaço exposto ou desagrado; os enfeites e preparações para o baile eram colocados com um brilho nos olhos.

E então, rapidamente, as horas foram passando, e eventualmente dois dias inteiros também. As preparações para o Baile de Máscaras foram concluídas com sucesso e estava tudo pronto. Edward, em seu quarto, após um longo dia de serviço e reuniões, jogou-se em sua cama e suspirou cansadamente. Ele sentiu que um peso grandioso lhe forçava nos ombros. Mas, mais do que isso, uma grande preocupação em relação ao que Fanes estava planejando martelava sua mente. 

Não tive tempo para falar com meu pai nesses últimos dias, e nem consegui pensar a respeito do que fazer. E o baile é essa noite… O sol logo vai se pôr e Ryota vai ficar desaparecida pelo terceiro dia? Não posso mais permitir isso.

Determinado a fazer algo, embora não soubesse direito o que, o príncipe se sentou bruscamente na cama.

Falarei com meu pai agora. Não posso mais adiar isso-

Uma batida soou na porta.

— Não é possível. Será que ainda precisam de minha presença neste horário? Sequer terei tempo de me aprontar para o baile, quanto mais para falar com meu pai… Ah.

Edward soltou um suspiro cansado novamente e caminhou até a porta, abrindo-a e colocando a feição de príncipe perfeito de sempre em seu rosto.

— Sim?

Porém, antes que percebesse, a expressão programada dele tinha se desfeito no mesmo instante ao ver a pessoa que estava diante de si. Era uma garota mais baixa que ele com cabelos negros e a cabeça inclinada para baixo. Usava as mesmas roupas que se recordava de ver quase três dias atrás, mas claramente mais surradas. Portava luvas pretas em suas mãos e um curativo longo em seu rosto.

Foi tão de repente que Edward sequer conseguiu pronunciar seu nome, abrindo os lábios para chamá-la e parando. Ao invés disso, Ryota ergueu as íris azuis escuras sem qualquer sinal de emoção e trocou olhares com o príncipe.



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