Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 4 – Arco 3

Capítulo 22: Um Calor que Lembra a Vida

Ela era fogo, e queimava com suas chamas frias toda a injustiça e dor que cruzassem seu caminho.

Ele era vento, e pacificava a ferocidade das chamas até que se acalmassem. No entanto, também poderia torná-la ainda mais forte, quando estavam lado a lado. 

E isso também valia para o vento, que intensificava seu próprio poder ao lado da temperatura calorosa, porém cruel, que o envolvia.

***

De frente para o rapaz que conhecia tão bem quanto a si mesma, Ryota só conseguia ficar em silêncio ouvindo as palavras que saíam de seus lábios avermelhados pelo sangue. Um rubor preenchia suas bochechas e orelhas, como sempre acontecia antes, mas agora pareciam uma reação natural tão doce que seu coração derretia. O prateado das íris brilhava por conta das lágrimas, mas também de alguma emoção que permitia vê-la em seu reflexo.

E, agora, com os lisos cabelos desgrenhados sendo acariciado por suas mãos, as palmas tocando sua cabeça com um carinho inimaginável, a garota se perdeu por completo. 

Os pensamentos confusos e frustrados, a chama de raiva que a fez gritar com ele sem que quisesse foi lentamente se apagando durante a troca de golpes, esfriou-se ao ouvir as palavras, e desapareceu quando seus lábios se uniram.

Sua mente ficou em branco, ela perdeu os sentidos. E foi a melhor sensação de todas, por mais controverso que fosse. Era justamente daquilo que precisava: Um momento de nada, mas que significava tudo.

E Zero Furoto havia dado isso à ela com apenas algumas palavras e um beijo.

Foi mais um toque suave de lábios, nada mais que um selinho bastante emocionado por parte do rapaz. Por ser a primeira vez que experimentava algo do tipo, tudo o que conseguiu fazer foi ficar o mais parada possível, apreciando o momento de olhos fechados. Não sabia onde apoiar as mãos, então apenas as apertou junto ao peito. Um rubor quente preenchia todo o seu rosto, a princípio não pela vergonha, mas sim pelas emoções boas que eram transmitidas. Uma paz, uma tranquilidade calorosa, um amor que há tempos sentia falta. 

Qual foi a última vez que alguém disse que a amava?

Provavelmente, foi naquele dia há dez anos atrás, quando sua mãe faleceu.

E agora, enquanto ainda processava tudo o que estava acontecendo, tentando entender a leveza em seu peito e o motivo de seu corpo tremer, Ryota se viu feliz. Pela primeira vez em muito tempo, feliz de verdade.

Quando os lábios se separaram, as respirações se misturando, ambos permaneceram de olhos fechados por alguns instantes antes de erguerem as pálpebras e se olharem. Um dedo tímido limpou as lágrimas que escorriam do rosto dele, alisando a pele, a ponta vermelha de sua orelha, subindo para os cabelos violeta suaves. Ryota sentiu seu cheiro, uma mistura doce de flores e sol — o cheiro de casa, de Aurora. 

Ela queria dizer alguma coisa, mas não conseguiu.

— Shhh. Está tudo bem. Fica tranquila, eu tô aqui com você, e não vou te deixar nunca mais.

— ... Tá. 

Ryota piscou duas vezes, se obrigando a sair um pouco daquela fantasia que tinha se envolvido e limpou o próprio rosto com as costas das mãos, tendo certeza de que estava parecendo horrível.

— Ai, droga... Como é que vou voltar pro meu quarto com essa cara?

— Mas é a sua cara de sempre.

— Nossa, que coisa linda de se dizer pra alguém com a cara toda amassada e o cabelo parecendo uma palha — Ela dobrou as sobrancelhas. Àquela altura, Zero tinha retirado a mão dos cabelos dela, deixando-os uma completa bagunça. — ... Ah. Eu não sei nem o que dizer agora.

Ryota riu do próprio sussurro, olhando para o lado, brincando com os próprios dedos.

— Acho que pra começo de conversa, eu devia me desculpar, né? Desculpa ter falado aquilo antes. Não foi de propósito...

— Você tá mentindo.

— ... Tá, foi um pouquinho assim de propósito pra te machucar. E pra eu mesma me machucar. Mas, eu me arrependi... Me perdoa por ter falado aquelas coisas horríveis pra você. 

Constantemente, Ryota se fazia de vítima e jogava a culpa das coisas em si mesma, esperando que alguém viesse ajudá-la. Grande parte das vezes era involuntário, mas massagear a própria falta de capacidade era algo que fazia como ninguém. Naquele momento em que tinha explodido, o objetivo era, sim, machucar Zero com as palavras, mas parte delas também eram como Ryota realmente se sentia em relação a tudo, e não sabia como lidar com aquilo. 

Mas, para o pedido de perdão dela, o rapaz apenas balançou a cabeça em negação, assustando-a por um instante.

— Eu te perdoo, e entendo perfeitamente o motivo de ter feito o que fez. 

— Me assusta quando você sabe muito mais do que eu te falo.

— O que posso fazer? É automático.

Zero deu de ombros como se não fosse nada demais.

O movimento fez a garota perceber que ainda estava sentada em cima dele, então como reflexo da vergonha que a atingiu, ela rolou para o lado e se sentou.

— Queria poder fazer a mesma coisa... — murmurou ela.

— Hm? O quê?

— Ser capaz de te entender tão fácil... Apesar de ser meio estranho, queria ser capaz de retribuir tudo o que faz por mim. 

Não era de hoje que ela pensava assim, mas só recentemente Ryota tomara coragem para falar isso em voz alta. Até então, Zero andava tentando se abrir mais, e era algo que a deixava feliz. Ser ouvida era bom, mas ouvir como compensação era igualmente recompensador. 

O tom melancólico com que Ryota falou fez Zero se calar, talvez lembrando de tudo o que ela havia gritado mais cedo. Então, ele riu com o nariz.

— Acredite em mim: Você sempre me retribui muito mais do que acha.

— Não acredito em nada do que diz, sabia? Podia pelo menos me escla- Ah. Aaaaah, ah tá. 

Uma troca de olhares foi o suficiente para ela entender, e então lembrar de todas as coisas que ele havia dito antes. 

Ué? Eu tenho que responder, não é? Acho que é isso o que acontece quando alguém se declara... Calma, ele se declarou mesmo pra mim? Não foi paranóia minha? Será que ouvi direito? É claro que ouviu, idiota! Olha o jeito que ele tá te olhando! Não olha, não olha, não olha...!

Agora que o rapaz havia dito com todas as palavras o que sentia, Ryota percebeu quase que imediatamente o papel de palhaça que estava fazendo, desviando os olhos a todo custo. Não que Zero fosse capaz de encará-la agora, porque estava igualmente envergonhado, e apenas dava umas olhadas de esguelha por baixo do cabelo.

— S-Sobre antes-

— N-Não precisa falar n-nada agora! — Zero a interrompeu, meio alto demais. — Quero dizer, eu não falei aquilo tudo antes esperando que... Bem, sabe... Que correspondesse, nem nada assim... Foi mais na emoção do momento...

— Então... Você não me ama...?

— É-É claro que amo!

— Ah...!

Eles estavam meio à flor da pele, por assim dizer.

Por mais perdida que Ryota estivesse naquela situação, Zero parecia igualmente desconcertado, e a acalmava um pouco saber que não estava agindo pateticamente sozinha.

— ... Então tá bom. 

Ryota ergueu a cabeça, reuniu toda a coragem que ainda lhe restava e voltou-se para ele.

— Eu ainda não sei muito bem o que dizer sobre isso, mas... Vou pensar. — Zero assentiu, engolindo em seco. — Por acaso era isso o que pretendia me falar quando nos reencontrássemos?

Ah... Ela lembrou.

Foi o que o rapaz pensou, sentindo uma felicidade enorme percorrer seu corpo.

— Não, não era isso.

— Não?! Então o que era?

— Te conto depois.

— Depois?! Agora tô morrendo de curiosidade! Me dá um spoiler!

Zero torceu as sobrancelhas.

— Digamos que ainda não é a hora certa. Você vai descobrir quando for.

— Hm. 

O resmungo dela num bico o fez rir.

— Ah, outra coisa, Zero. 

— Diga.

Só olhar pra ele já fazia seu estômago borbulhar. A declaração tinha surtido mais efeito nela que o esperado. 

— Imagino que não vá me contar o que tá rolando de verdade agora, não é? Com relação à sua família, e a querer reivindicar o que é seu por direito... 

O silêncio dele foi resposta o suficiente.

— Até porque eu meio que estou atrasada. Preciso me encontrar com o Edward o mais rápido possível. 

Ryota se colocou de pé e estendeu a mão pra ele. 

— Mas eu gostaria de ouvir, e de te apoiar como for possível.

— Ainda que não vá me deixar te ajudar com seja lá qual for o plano mirabolante que se envolveu?

— ... Meio injusto, eu sei. Pode me chamar de hipócrita, vamos.

Zero agarrou a mão dela.

— Acho que, dessa vez, não vai fazer mal lidarmos sozinhos com nossos próprios problemas, não é? — Ele ficou de pé ao lado dela, e Ryota quase recuou ao perceber a diferença de altura. — Mas, sim, te permito escutar. Embora não ache que possa me apoiar estando ocupada com outra coisa.

— Mas, pelo menos, posso torcer por você, não é? 

— ... É, acho que sim. De preferência, usando um uniforme de líder de torcida e segurando pompons coloridos nas mãos, fazendo as letras do meu nome com o corpo.

— Lá vai você se aproveitando! Se já tá sendo um sacrifício em usar isso daqui, imagina uma saia! 

— Ia ficar uma gracinha.

— Não ia, não.

Ryota fez uma careta para a ideia, embora Zero sorrisse com uma expressão que dizia estar fantasiando a cena, o que a fez lhe dar um soco bem dado no braço.

Ainda esfregando o local dolorido, os dois caminharam lentamente até a entrada do cômodo meio oculto por uma cortina, então pararam. 

— Nos vemos depois?

— Nos vemos depois. 

Ryota sabia que não deveria ficar insistindo numa conversa, uma vez que ambos deveriam estar atrasados para seus respectivos compromissos, porém ela se viu falando:

— Foi aquilo que eu te disse uma vez, não é? Sobre você não ficar grudado em mim o tempo todo e buscar a própria felicidade também, sem se importar comigo. Foi isso o que te fez mudar de ideia?

Apesar de não demonstrar, estava preocupada por aquilo que tinha dito ter gerado raízes dentro dele — não de um jeito bom. Ryota tinha esclarecido que não se tratava de que não gostaria que ficassem lado a lado para sempre, mas que esperava ver o amigo indo atrás dos próprios sonhos também, e a garota queria poder apoiá-lo da mesma forma que ele sempre a apoiou. 

Percebendo a preocupação por trás de sua máscara séria, Zero deu de ombros num gesto casual. 

— Não vou dizer que foi apenas isso, mas... Digamos que era um dos pontapés iniciais pra eu tomar logo uma decisão. 

— Então foi algo bom?

— Foi sim, pode ter certeza disso.

A honestidade contida naquelas palavras fez Ryota sorrir. 

— Certo, então nos vemos depois. E é melhor não quebrar sua promessa de me contar tudinho, detalhe por detalhe, quando nos encontrarmos de novo, entendeu?

— Pode deixar. 

Rindo enquanto dava passos de costas, a garota acenou com a cabeça e disparou para fora do cômodo. O rapaz, após vê-la se afastar, fechou a expressão de novo e se viu inspirando profundamente, como se preparasse para o que estava por vir. 

Então, atravessou as cortinas também, marchando a passos pesados.

***

O lugar continuava escuro e úmido como se lembrava. Mal tinha se passado um dia desde que tinha sido retirada dali e embarcado em uma situação totalmente diferente do que esperava, mas lá estava ela: voltando ao início de tudo. 

As celas eram solitárias e silenciosas, mas não de um jeito confortável. Conforme descia as escadas e seguia pelo corredor, abrindo a pesada porta de aço para entrar — o pouco de luz iluminando parte do lugar —, Ryota sentiu um calafrio percorrer suas costas. Os passos ecoavam conforme seguia na direção daquela cela, logo no canto, onde uma pessoa encolhida e pequena buscava refúgio na própria mente.

Talvez por ser tarde, ou talvez por não se importarem, os outros presos não reagiram à presença da estranha. Já tinha passado por ali antes daquela mesma forma, porém agora, Ryota tinha o apoio de seu status como guardiã a permitindo adentrar naquele lugar sem correr o risco de ser pega pelos guardas novamente. 

A garota se agachou diante da cela que havia ido ver, apoiando os joelhos no chão frio, e olhou fixamente para a garotinha deitada em posição fetal no canto, escondendo o rosto com os braços.

Um amargor subiu por sua garganta quando se forçou a falar:

— ... Marie? Está acordada?

Sem resposta. Ou ela estava num sono profundo, ou a menina tinha simplesmente desistido. Perdido a cabeça... E essa era a opção que mais assustava Ryota, por ser a mais provável.

Afinal, ela mesma enlouqueceria se tivesse os dois olhos perfurados.

Ryota franziu a testa ao lembrar-se do ocorrido, então focou-se nas faixas que estavam em seus dois braços. Havia visitado a ala médica antes de descer e conversado brevemente com uma das curandeiras a respeito do estado da menina. Se era possível reverter aquilo, ou ao menos restaurar parte de sua visão. Afinal, tinha visto Eliza literalmente voltar dos mortos, e também tinha sido capaz de restaurar seu próprio olho perfurado.

Mas a curandeira apenas balançou a cabeça.

— Não é possível restaurar um membro cortado fora ou um olho furado. Ao menos, nós não podemos. Não sei quanto aos magos, mas-

— Magos?

— Oh, a senhorita não sabe? Os magos são a classe mais alta de curandeiros, com capacidades muito além das nossas. 

Ryota nunca tinha ouvido falar sobre aquilo, então claramente demonstrou uma reação de surpresa.

— Caramba.

— Infelizmente, não posso dizer se um mago seria capaz de fazer isso, mas não custa nada tentar descobrir. Talvez possa descobrir uma forma de entrar em contato com a Maga Celeste. Ela é a única maga de todo o reino, e a maior curandeira, também.

A garota agradeceu à curandeira pelas informações, um pouco preocupada. Entrar em contato com um mago não deveria ser algo fácil de se fazer, e um tratamento provavelmente deveria custar muito dinheiro, mas... 

Ryota não se importava. Por sua culpa, Marie tinha perdido a visão, e ela precisava lidar com a responsabilidade disso. Pagar um tratamento ou dar a volta pelo reino atrás de um mago era o mínimo que poderia fazer pela menina.

Como poderia contar o que tinha acontecido à Luccas?

Inclusive, ele ainda estava lá fora, provavelmente muito preocupado com o estado da protegida, já que Ryota não havia voltado mais desde que entrara. Luccas deveria ter sido barrado quando tentou entrar, também. Ryota orou para que não o tivessem punido como fizeram com elas duas, embora ele parecesse forte, talvez enfrentar tantos guardas não fosse fácil até para ele.

— Marie? Sou eu, Ryota. Você está acordada?

— ... Uh... 

Um gemido ecoou baixo, então o pequeno corpo se remexeu.

— Ei. Eu estou aqui — sussurrou a garota para a menina, se aproximando o máximo que podia dela, apertando o rosto contra as barras de ferro — Marie, estou aqui com você.

— ... ota. 

— Sim, sou eu.

Os sussurros eram respondidos com mais sussurros. E então, ainda escondendo o rosto para baixo, no escuro, Marie estendeu fracamente as mãos para frente e começou a se arrastar na direção da voz.

— Isso. Isso mesmo, Marie. Você... Tá chegando perto. 

O embargo em sua voz foi ficando mais nítido conforme a menina se arrastava na sua direção, guiada pelo som da voz. 

Ryota agarrou a mão pequena, ossuda e pálida de Marie.

— Aqui. Você conseguiu.

Ela estava fria e muito magra. Ryota duvidava que tivesse comido algo, muito menos bebido. A menina se recostou contra a cela fria, gemendo, e virou a testa na sua direção.

O rosto branco dela estava sujo com pó e sangue seco. Deviam tê-la limpado com um pano úmido, ou algo do tipo, deixando-a “apresentável”, embora sequer tivessem lhe enfaixado os olhos, que estavam... Horrendos. Apesar das pálpebras estarem fechadas, uma mancha preta grotesca envolvia os olhos, assim como resquícios de sangue que haviam escorrido. 

Talvez ciente de que sua aparência não estava boa, Marie mantinha o rosto baixo, a franja e sombras ocultando a parte de cima do rosto.

— Aqui. Beba um pouco de água. 

Ryota não queria dizer com todas as palavras que era perceptível pelo estado de seus lábios que há tempos não se hidratava, mas Marie não pareceu incomodada em se preocupar com perguntas. Ela tateou lentamente a garrafa de água aberta, sentindo que a tampa já havia sido retirada, e bebeu.

Bebeu inteira. Chegou até a engasgar no processo, mas bebeu tudo. 

Franzindo a testa para a cena, Ryota tocou devagar suas costas. Elas não tinham desgrudado as mãos esquerdas ainda. A menina a segurava como se aquilo fosse seu único fio de vida. E talvez realmente fosse. Um último porto seguro a que se agarrar, alguém que ainda lembrava de sua existência. Ryota fez questão de aquecer sua palma e dedos para que passasse o calor para ela, dizendo “você não está sozinha”, “eu estou aqui”. 

E era por sentir falta do toque de algo vivo, que ainda a lembrava de estar viva, que tinha começado a chorar. As lágrimas, pelo menos, eram quentes o suficiente para fazê-la suportar o frio e a umidade, embora seu corpo tremesse um pouco.

Após pegar a garrafa vazia de volta, Ryota acariciou devagar os cabelos embolados dela, descendo os dedos lentamente para seu rosto, enxugando as lágrimas com tanto cuidado quanto tocaria um bebê. Tinha medo de assustá-la, de lembrá-la daquelas mãos imundas a segurando quando cometeram aquele pecado contra ela.

Contra uma garotinha indefesa.

Controlando o fervor da raiva e o calor transmitido em ambas as mãos, Ryota murmurou ao ouvido dela:

— Fique assim por um momento.

Então, com a mão direita, pegou uma faixa branca extra que havia trazido da enfermaria e começou a enrolar ao redor de seus olhos.

Desenlaçou devagar os dedos da mão esquerda quando começou a trabalhar. Percebendo o medo que ameaçava imergir, Ryota continuou a sussurrar em seu ouvido.

— Trouxe uma faixa extra da enfermaria pra colocar em você. Só fica quietinha enquanto trabalho, por favor. Não vai doer, tomarei bastante cuidado. Assim está bom? Amarrei muito forte? Certo. Prontinho.

E entrelaçaram os dedos de novo.

— Me perdoa por não ter vindo antes. Aconteceram... Algumas coisas quando saí daqui.

Marie permaneceu em silêncio. Ryota temeu que ela a culpasse mentalmente, mas, no fim, era o que merecia — embora lhe doesse reconhecer.

— Eu... Eu vou te tirar daqui. O quanto antes. Não posso fazer isso agora, mas... Em breve — Dizer nas próximas horas ou no dia seguinte seria incerto para ela, que provavelmente era incapaz de saber quanto tempo havia se passado. — Não se preocupe. Deixa isso comigo, tá? Marie.

Ela não reagiu.

— ... Marie?

Um calafrio percorreu suas costas.

— ... Lu... ccas? 

Ryota fez uma careta de dor, segurando o choro.

— Ele... Ele está bem. Em breve vocês vão se ver de novo, tá bom? Ele tá lutando por você agora, pode acreditar em mim.

É o que espero...

— ... Tá. 

Passos soaram do lado de fora. Arrastando-se lentamente pelas escadas.

— Preciso ir.

Marie apertou os dedos nos dela. Aquilo fez seu coração se despedaçar.

— Volto logo, logo. 

— ... Fica aqui... Fi... Ca... Comigo... 

A faixa estava umedecendo.

— Não... Me abandona... 

A voz chorosa denunciava o suficiente.

Ryota apertou a mão dela de volta.

Os passos ficaram mais altos, mais perto.

— Vou ficar. Quanto tempo quiser. Aqui — Sem dificuldades, Ryota arrancou um botão do colete e o aqueceu, colocando-o na palma pequena e frágil da menina — Enquanto tiver isso daqui, saberá que estou com você. Segura isso daqui até eu voltar, tá bom? Eu prometo... Juro pela minha vida que vou te tirar daqui, entendeu? 

— ... Entendi. 

Ryota suspirou, apertou mais uma vez sua mão e a soltou. Deu apenas um olhar por cima do ombro antes de sair daquele lugar pútrido e subir as escadas de novo.

***

— Você demorou.

— Bem, se eu soubesse que estaria aqui, teria me apressado um pouco mais.

Uma risada conhecida veio do outro lado do quarto, e cabelos brancos e lisos como seda voaram quando a jovem se virou, olhando de esguelha para a garota que entrou no quarto e fechou a porta atrás de si.

— Apesar de não estarmos mais na mansão, ainda sinto que podemos manter nossa rotina de conversas noturnas acompanhadas de um bom drinque.

— Precisa tomar cuidado com isso, viu? Ou seu fígado vai apodrecer. E vai virar uma velha cachaceira.

— Olha só. Se já está conseguindo dizer estas coisas maldosas, significa que está melhor. Apesar de ser visível só de analisar seu rosto que algo bom aconteceu.

— Sou assim tão fácil de ler?

As duas estavam sorrindo quando se apoiaram na varanda do enorme quarto, segurando as taças meio cheias com um licor amarelo quando brindaram. O tilintar ecoou pelos ouvidos de Ryota, que piscou para Fuyuki Minami quando ela ergueu uma sobrancelha à pergunta.

— Preciso responder?

— Tá, tá. Não precisa.

— No entanto, a senhorita precisa me responder algumas coisas — Então, a duquesa indicou com o queixo a garota e endureceu a voz — Desembucha. 

Ryota engoliu em seco a risada ao ouvi-la dizer uma palavra fora de seu vocabulário nobre.

— Beleza... Mas preciso te pedir uma coisa, também.

Fuyuki moveu o dedo mindinho no ar.

— Estou ouvindo.



Comentários