Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 12 – Arco 4

Capítulo 63: Aceitação

Se dissessem para a Ryota de quase um ano atrás que ela encarou a morte dezenas de vezes, conheceu seres além da compreensão humana, enfrentou reis, príncipes, Entidades, criaturas e espíritos, acharia que tudo não passaria de um pesadelo.

Um sonho longo e duradouro, amargo e cinzento, difícil de se atravessar e que limitava seus movimentos a cada passo.

Às vezes, não parecia tão ruim fechar os olhos e pensar assim. E se tudo fosse apenas um delírio de sua mente? Então, nada disso teria acontecido. Ainda poderia ser uma pessoa inocente e feliz dentro de seu próprio mundo.

A ignorância podia ser uma bênção, mas também uma maldição. Ela restringia e libertava. Fazia correr lágrimas de felicidade ou dor. 

Mas quem decidia o que fazer com as emoções advindas do conhecimento ou da falta dele era ninguém menos do que ela mesma.

Eu decidi que vou continuar aqui, ao lado deles.

Não havia mentira nessas palavras. Era uma autoafirmação que fazia constantemente, quando, por vezes, se via acordando no meio da noite, suando frio com um pesadelo.

Consumida pelas sombras do passado e os horrores do futuro, Ryota se sentava bruscamente na cama, lacrimejando e tremendo. Em raras ocasiões, se debatia um pouco, estendendo a mão para agarrar alguma coisa, qualquer coisa que a lembrasse que não estava sozinha.

Se afogando naquele mar de pensamentos negativos, nas memórias dolorosas, nos constrangimentos, arrependimentos e possibilidades imutáveis.

Entre gemidos e choramingos, murmurava nomes de pessoas perdidas no mundo e na morte. Nesses momentos, era como uma criança pequena e frágil, pronta para se partir em cacos a qualquer instante, andando em uma corda bamba que se rasgava devagar. 

Uma tortura visual e auditiva ao qual era obrigada a assistir, sem poder fazer nada para mudar. Seus esforços apenas pioravam a situação. O corpo tremia, os ossos rangiam, o sangue fervia e as lágrimas continuavam a cair.

— Está tudo bem.

Se não fosse pela voz sussurrada naqueles momentos, segurando sua mão entre as dele, certamente teria se visto em desespero. As noites solitárias eram as mais assustadoras. Mas, quando estava com Dio, que dormia todas as noites ao seu lado, com Lion aconchegando-se entre os corpos, era como uma lembrança física de que não estava sozinha.

— Eu estou aqui, e sempre vou estar.

Ele repetia as mesmas palavras, e eram o suficiente para acalmá-la. As lágrimas escorriam silenciosas pelo rosto de Ryota, que suava pelo pescoço e costas. Ao menos, não mais se contorcia ou lamentava entredentes.

Para o garoto, que assistiu sua luta e dores, a cena fazia também seu peito doer. Mas o aliviava, ao menos um pouco, saber que agora tinha a permissão para estar perto dela. Para que pudesse acalentar-lhe o coração, na tentativa de consolar e compartilhar um pouco daquele fardo.

E assim, os dias continuaram a se passar. 

A rotina no Instituto Gnosis mudou muito pouco desde então. Entretanto, para Ryota, que era do percurso regular, havia algo que a angustiou com a chegada das semanas finais — a formatura.

Foram quase seis longos meses desde que começou a viver em Urânia. Um tempo exorbitantemente longo, mas que, olhando para trás, pareceu mais curto do que nunca. Neste meio tempo, foi capaz de conhecer e se aproximar de várias pessoas, aprender e ensinar muita coisa.

Apesar das dificuldades, ela ainda se lembraria com carinho de grande parte do que viveu em Celestia. Ao se permitir se aproximar gradualmente das outras pessoas novamente, a popularidade de Ryota cresceu entre os estudantes.

Antes, os tinha ignorado, mas parando para pensar melhor, era quase uma honra receber tamanha admiração. Há poucos meses atrás, era apenas uma caipira cujos conhecimentos do mundo se limitavam aos livros. Agora, as pessoas reconheciam seus feitos através das notícias dos jornais e da mídia, repassadas com uma história romantizada, mas que enfatizava seus feitos ao lado dos demais da corte de Thaleia.

Para Ryota, era algo que se orgulhava e parcialmente sentia vergonha. Era óbvio que algumas verdades foram ocultadas e outras exaltadas até mais do que o necessário. Entretanto, quando se considerava a longo prazo, com as novas responsabilidades em seus ombros, não apenas como uma figura pública, mas também como uma futura Furoto cuja imagem era importante, foi um favor de Edward tornar Ryota tão popular em poucos dias.

Se tudo fosse diferente, quem sabe eu pudesse tê-los conhecido em uma situação menos complicada… Quem sabe, ainda poderíamos estar todos juntos.

Ao mesmo tempo em que considerava, era lembrada desta realidade através das mãos que seguravam a sua. Sobre o que conquistou justamente por estar ali, naquele momento, presente e existindo.

Respirando fundo, Ryota trabalhou os dias seguintes para intercalar sua atenção entre os estudos para as provas finais do seu curso e, também, para a provação de Sofia.

Seria a última, e a que lhe permitiria partir com todas as respostas que adquiriu como recompensa após cada adversidade que atravessou. 

Mesmo depois de tudo o que ouviu da Sabedoria, ainda não pôde convencer a Maga Veridian a viajar com ela para Thaleia para tratar das pessoas que precisavam. Além disso, haviam outras questões importantes que envolviam mais a curandeira do que a si mesma, e este seria o passo mais delicado que precisaria tomar.

Não posso falhar. 

Sua determinação foi fortificada pela consciência — e a leve amargura — de lembrar-se do estado atual de Zero. A contagem regressiva estava se encerrando, então era uma questão de segundos, minutos ou até horas de diferença em seu retorno que fariam a diferença para salvar sua vida.

Jaisen, por outro lado, também a preocupava. Seu desaparecimento lhe perturbava o sono havia tanto tempo quanto. Não receber nenhuma notícia de Edward sobre a busca fazia suas esperanças fraquejarem. Como não encontraram um homem perdido há seis meses? Não poderia ser assim tão complicado, certo?

Acalme-se, Ryota. Ainda não é tarde demais. Não pode ser tarde demais.

Se recusava a aceitar uma realidade negativa. Independente do que viesse, faria todo o possível para salvá-los.

Esperem apenas mais um pouco. Muito em breve… Estaremos todos juntos outra vez.

***

Era uma tarde de outono quando Ryota saiu da sala de aula. Silenciosamente, ela se retirou depois de entregar as folhas da prova com o gabarito na mesa do avaliador, se afastando de forma educada pelos corredores mortalmente silenciosos.

Os testes escritos eram a parte menos dura de lidar. Ryota era uma garota inteligente, apesar de suas dificuldades comuns em áreas específicas. Entretanto, sua força de vontade, noites viradas e a ajuda de seus amigos a permitiu ganhar confiança para enfrentar a reta final do percurso regular com uma tranquilidade assustadora.

Será que a Bella e o Alex já terminaram?

O período integral de metade de uma semana era dedicado inteiramente para aquelas provas. Como eram muitas turmas, os professores dividiram suas tarefas e tempo para corrigir cada uma das questões periodicamente. Em suma, um terço das provas eram feitas por dia. O restante da semana era dedicado às apresentações e avaliações de performance de acordo com o curso escolhido.

Embora não o visse estudando com frequência, mesmo Dio estava se dedicando. Ele deveria ser do tipo de pessoa que podia aprender facilmente apenas ouvindo em classe, então Ryota nunca parou para prestar atenção nas tarefas ou avaliações feitas pelo garoto — até porque o próprio insistia em não haver necessidade, não eram nada de especial.

Ela decidiu acreditar nele e seguir sua orientação, embora uma parte de si tenha acreditado que o motivo para Dio ocultar o que fazia durante o período das aulas fosse diferente do que havia dito. 

A própria Ryota, por outro lado, tinha bastante tempo livre após as provas escritas, mas era requisitado que permanecessem dentro do Instituto Gnosis para verificar o que as outras turmas tinham preparado para o público de fora assistir. Ela não se incomodava, especialmente se pudesse apoiar o trabalho de Bellatrix e Alex.

Ambos eram figuras excêntricas da própria maneira, mas o talento estava à altura. Não havia dúvidas de que iriam se formar com excelência, acrescentando um currículo marcado de elogios e pontos altos por pessoas da alta classe. Alexandre, em especial, era um caso até chamativo dentre os outros gênios descobertos em Gnosis. Extraordinário era pouco para se atentar à maneira que era capaz de se adequar a qualquer tipo de desafio no âmbito artístico.

Fosse seu carisma, personalidade forte para a liderança ou piadas que ajudavam os demais a manterem a calma, tornava-se impossível não reconhecer suas qualidades. Bellatrix não permanecia muito atrás. Embora tivesse regulares intervalos de ansiedade para subir ao palco, quando estava sob os holofotes, sua alma se desprendia e ela era capaz de se tornar quem quisesse. Parecia quase injusto compará-la com outros atores novatos que ainda praticavam. Ela tinha nascido para o papel de atriz, fosse pela clara paixão expressa em seus olhos esmeralda, fosse por sua dedicação ao longo do tempo.

O coração de Ryota se enchia de orgulho por eles. Vê-los alcançar novos ares, atingindo objetivos e superando as adversidades a inspirava. Ainda que não tivesse nenhum talento grandioso como o deles, ou uma habilidade digna de nota em qualquer área profissional, sua mediocridade não mais a incomodava.

Pelo contrário: A fazia querer se tornar uma pessoa melhor, e continuar a trilhar este caminho ao lado deles. Foi por isso que não houve sequer um arrepio de surpresa ou medo quando Ryota, que caminhava pelo corredor silencioso, visualizou uma figura rara cruzando seu caminho.

Foi como se o próprio ar se distorcesse ao redor dela. A aura de dignidade e elegância, mesmo longe do Empíreo, nunca desaparecia de Sofia. Naturalmente, ela desviou seus olhos azuis esverdeados em sua direção, e interrompeu os passos ritmados. Nos braços, ela carregava aquele livro que às vezes Ryota a via manter perto do peito. Ela se perguntava o que exatamente havia escrito nele, embora nunca tivesse visto a Sabedoria o lendo antes.

— Que coincidência encontrá-la aqui, Ryota.

— … Digo o mesmo.

Houve um momento de hesitação, mas Ryota sorriu em retorno para Sofia. Ela queria evitar de rir do comportamento quase casual demais da reitora, que inclinou um pouco a cabeça em cumprimento. 

Sofia sabia exatamente o que se passou na mente dela, porque seu sorriso se alargou um pouco mais, levemente cômico.

— Foi uma hora oportuna. Eu desejava lhe encontrar para que pudéssemos discutir sobre um assunto. Por acaso, as suas atividades curriculares foram concluídas?

— Sim, eu terminei todas elas. Estou livre agora — ela arqueou uma sobrancelha — Sobre o que exatamente quer falar?

— Não demandará muito de seu tempo. Siga-me, por favor.

Após o pedido, Sofia deu meia-volta e caminhou pelo corredor paralelo, o qual Ryota seguiu sem pestanejar. Aos olhos dos demais, pareceria apenas uma conversa ademais incomum entre um estudante e a criadora do instituto. Afinal, aquela mulher raramente era vista trabalhando, quanto mais se dava ao trabalho de comparecer para dialogar com uma pessoa específica.

Aquela irregularidade poderia ser um pouco misteriosa, mas se dispusesse do conhecimento de Ryota sobre Sofia, todas essas circunstâncias estranhas seriam rapidamente dissipadas. Não apenas sobre sua presença, como aparência e sabedoria sobrehumanas seriam explicadas.

Às vezes, Ryota se esquecia que o ar diferente daquela pessoa que caminhava à sua frente não se referia apenas ao fator da classe social, mas algo ainda maior do que isso. A presença de uma Entidade era poderosa por si só. Inexplicavelmente, o mundo parecia se curvar diante delas de uma forma assustadora. 

A primeira que conheceu foi Mania, e então, houve Sofia e Kakia. Mas cada uma delas tinha uma aura totalmente diferente da outra. A Insanidade tinha uma presença intensa que a fazia querer vomitar; A Sabedoria era como uma brisa de verão que poderia, por vezes leve, por vezes pesada, instável; A Imoralidade era afiada e sensual, uma sensação que arrepiava os pêlos do corpo de diversas formas.

Ainda desconhecia Ananque, mas o pouco de tempo que passaram juntas foi o suficiente para Ryota sentir que ela era diferente das outras três. Era sim uma presença chamativa, mas havia algo “normal demais” sobre ela, mesmo quando não o era, que a tornava uma peça desconexa daquele tabuleiro. 

Para Ryota, parecia o sentimento semelhante que tinha ao ver Fuyuki — ambas eram Índigo, então, por natureza, havia algo nelas que sempre iria se destacar mais do que os demais. Mais por mal do que por bem, elas foram “abençoadas” com uma aura que sempre atrairia desavenças e desgraças.

Diferentemente de Ryota, que sucumbiu com facilidade à pressão, Fuyuki nunca se permitiu abalar. Ela era como uma rocha que poderia rachar, mas jamais partia. A frieza de sua personalidade e decisões, resultado de sua convivência na corte e maturidade precoce, tornou-a uma pessoa que era confiável aos aliados, temível aos adversários. 

Mas ela ainda é um ser humano… E eu a magoei.

Lembrar- se da última discussão com Fuyuki fazia seu rosto queimar de vergonha, o peito doía como se o coração pudesse explodir. Apesar da duquesa se manter inabalável e compreensiva grande parte do tempo, não significava que não tinha sentimentos. E Ryota, por egoísmo, frustração e raiva, descontou nela algo que poderia ter sido discutido civilizadamente.

Assim como com o tio Jaisen… E tantos outros.

Tantas pessoas que uma vez foram gentis com ela, havia pisoteado e destruído os laços forjados. Agora, eram distantes e mal se falavam. Mal poderiam se chamar de conhecidos. Jaisen, em especial, ouviu Ryota gritar com ele antes de desaparecer, mal lhe dando a chance de se desculpar pela forma que agiu.

— Existe um meio para se viver sem arrependimentos.

A voz de Sofia cortou os pensamentos, e Ryota ergueu o rosto para a porta aberta diante da sala da reitora. Mal percebera que haviam caminhado diretamente para o local onde, uma vez, ambas haviam feito uma negociação pelos próprios bens. 

Conforme ouvia a reitora falar, tal qual encontrando uma resposta para seus conflitos internos, a garota adentrou a sala e sentou-se na cadeira diante da mesa. Sofia, após fechar a porta silenciosamente, se dirigiu para o próprio assento, acomodando-se com movimentos suaves.

— E qual é?

— Desfazendo-os.

Ryota franziu a testa para a resposta um tanto prática e simplista que recebeu, o que tirou um sorriso educado de Sofia ao ouvi-la murmurar, um tanto amarga:

—  … Tem coisas que não tem volta.

Não importa o quanto se esforce, era impossível trazer os mortos de volta à vida. Retornar no tempo e consertar os próprios erros, também. Apagar as memórias de alguém e consertá-las de acordo com o que deveria ter sido era, novamente, outro método absurdo demais.

— Humanamente, não.

Ela apoiou o grande livro, que manteve próximo ao peito até então, em cima da mesa. Visto mais de perto, Ryota notou que havia um símbolo com três espirais gravados nele, bem como adornos ao redor da capa sem título.

— Mas, caso pudesse ultrapassar os limites dessa realidade, nada poderia impedi-la. Com a consciência deste presente, levaria consigo os conhecimentos, experiências e desejos para uma Ryota que não mais existe, e mudá-la.

Engolindo em seco, Ryota desviou a atenção do livro, ao qual Sofia acariciava com a ponta dos dedos, para seu rosto. Havia na voz e na expressão aquela superioridade de quem sabia tudo que a irritava. Era uma provocação em alto e bom tom — o início para o que provavelmente seria a última provação de Ryota.

— … Ainda que exista algo assim, eu não abandonaria esse mundo.

— Não tenha tanta certeza, Filha da Luz. 

Sofia piscou os cílios compridos e riu de leve com o nariz, protestando pela decisão hesitante de Ryota. Obviamente, ela sabia que, em seu íntimo, uma pequena parte da garota ansiava e tinha curiosidade em saber — como seria caso pudesse refazer tudo? 

— Nunca houve necessidade de aceitar o que o Destino que lhe oferece. Às vezes, você pode moldar o seu próprio… Com suas mãos.

— Aonde quer chegar, exatamente?

Com um suspiro de desistência, Ryota decidiu ouvir a proposta da Sabedoria. Não havia mentira no mundo que poderia enganá-la, então tudo o que estava à sua disposição era, ao menos, compreender qual era o ponto daquele teste.

Após passar os dedos pela capa de seu livro, uma das mãos de Sofia deslizou para algo que repentinamente surgiu ao seu lado, em cima da mesa.

Uma caixa de som?

Era como um modelo moderno de um rádio, com entradas disponíveis para vários dispositivos diferentes. Entretanto, sem a necessidade de colocar nada dentro dele, a reitora apenas o ligou.

A sala foi preenchida com um chiado baixo, que se aprofundou nos ouvidos como que desejando adentrar a mente. 

— Eu quero que você sonhe, Ryota.

Não “Filha da Luz”, mas Ryota. Às vezes, ela mesma não sabia a mudança entre os termos, mas parecia que era importante para Sofia de alguma maneira.

— Sem obstáculos, mortes ou julgamentos: Apenas feche seus olhos e se permita imaginar o que a música lhe guiar.

— … Só isso? Essa é a provação?

O aceno de cabeça de Sofia foi discreto, mas certeiro. Soou suspeito para Ryota, que até então apenas teve grandes dificuldades físicas e emocionais para passar por cada um daqueles misteriosos testes.

E agora, não apenas o fariam com uma explicação adiantada, como pareceria simples e ocorreria no mundo real, não no Empíreo.

— Estou certa de que já lhe disseram antes, mas a arte nada mais é do que um modo de expressão ao mundo. Elas transparecem de dentro para fora, seja através de uma produção, ou de uma interpretação. As pessoas podem se encontrar dentro dela, e a carregam consigo desde então pelo resto de suas vidas.

O sorriso de Sofia suavizou um pouco.

— Soube que gosta de ler.

— … Eu gostava bastante quando criança.

A ajudava a conhecer o mundo, a descobrir que tipos de pessoas viviam no mundo do lado de fora daquele vilarejo isolado. A fizera ansiar por desbravar aquelas terras que roubaram seu avô e gradualmente faziam o mesmo com Zero.

— Como uma leitora assídua, acredito que sua mente esteja cheia de fantasias, imaginações e desejos. Se permitir conhecê-los através da arte vai ajudá-la.

— Não entendo como isso tem a ver com arrependimentos.

A confusão de Ryota tirou outro riso da reitora, que se levantou devagar do assento, dando a volta na mesa e parando ao lado da garota.

— Os sonhos revelam as emoções e marcas guardadas dentro de você. Inconscientemente, as verdades que te prendem, a fazendo se esquecer dos traumas que passou, vão se revelar.

O corpo de Ryota ficou tenso quando Sofia falou, levando a ponta do dedo indicador para tocar-lhe a testa.

— Sonhe, Ryota. Lembre-se do que perdeu, e vislumbre o que poderia adquirir renunciando o que a prende nesta realidade.

Após o toque, o corpo da garota teve um espasmo leve antes de afundar na cadeira acolchoada. O chiado, que gradualmente transformou-se em uma música quase indistinguível ao som da melodia do violino, foi sendo reproduzido e adentrando na mente dela.

Os olhos de Ryota começaram a pesar, e a boca que tentava dizer algo não podia pronunciar palavras. Era como a sensação de estar flutuando, ou afundando ainda mais. 

O rosto de Sofia começou a embaçar, mas ela ainda podia ouvir a Sabedoria murmurando:

Fortuna.

Ao entoar das palavras da Entidade, o livro se abriu. As páginas esvoaçavam, infinitas, dentro daquela capa dura que continha uma quantidade infinita de mundos, possibilidades, realidades, verdades, mentiras, conceitos e fatos.

Para Sofia, que apenas observava, o rosto de Ryota suavizou por completo ao cair no sono. Era o início da provação final, ao qual a Sabedoria faria jús aos seus poderes, e permitiria à Ryota deslumbrar a realidade que sempre sonhou.



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