Volume 12 – Arco 4
Capítulo 61: O Brilho de uma Estrela do Futuro
Atrás das cortinas vermelhas do palco, Bellatrix podia sentir as palmas das mãos começando a suar frio.
Não importava o quanto as limpasse nas roupas ou respirasse fundo, o nervosismo de estar debaixo dos holofotes, sob o olhar de dezenas de pessoas, nunca desaparecia. Ao seu redor, alguns outros estudantes da turma conversavam, igualmente ou um pouco menos ansiosos.
Alguns haviam subido ao palco algumas vezes, sejam em apresentações obrigatórias de seu curso em Artes Cênicas, ou porque trabalhavam com o ramo há alguns anos e apenas precisavam da formação acadêmica. Possuir em seu currículo a assinatura de Sofia Megalos era como uma passagem gratuita para o trabalho, muitas vezes sem a necessidade de entrevistas de emprego.
Podia-se contar nos dedos a quantidade de pessoas capazes de passar meses, quiçá anos, dentro do Instituto Gnosis. Atravessar todas as barreiras dos estudos para atingir áreas de conhecimento e prática ainda maiores no âmbito da arte era um verdadeiro desafio — mas um que, a longo prazo, era devidamente reconhecido. Ao menos, assim era em Urânia.
Desde o princípio dos tempos, aquele foi um dos principais canais de expansão cultural e econômica do antigo reino de Urânia — a arte como expressão e renda. Assim como Thaleia, seus respectivos governantes nunca pretenderam expandir seus territórios e adquirir conquistas de meios políticos através de guerras. Thaleia à parte, cuja história era distinta, mas Urânia sempre teve grande orgulho de suas fundações com mais de mil e setecentos anos de história, que foram miseravelmente afundadas quase por inteiro há trinta anos, quando após algum tempo de resistência, as pessoas foram incapazes de defender-se a tempo e foram obrigadas a imigrar para fora de seu território.
As sombras, que engoliram o oceano de norte a sul, zombaram de todas as resistências da época, criando um desespero em massa que tomou vidas e criou conflitos internos e externos. Embora a grande tensão fosse instalada entre alguns países da época, que se recusaram a ceder em prol da sobrevivência, Urânia sempre manteve-se de acordo com a paz e priorizou, acima de tudo, o bem de seu povo.
Por isso, foi um dos primeiros a assinar o acordo de união com Thaleia, permitindo que os uranianos fizessem uma longa viagem para o local onde se tornaria seu novo e temporário lar. Com as leis para os novos imigrantes datadas, ao longo dos anos seguintes, Urânia estabeleceu-se ao sudeste de Thaleia. Ao oeste, mais tarde, vieram também os polimianos, ocupando o pouco de espaço restante. Quando ainda depois, Clior cedeu suas barreiras do orgulho e do ressentimento, para assinar o acordo de paz com Thaleia — e, por conseguinte, com Urânia e Polímia —, tudo o que lhes restou foi uma pequena ilha no centro-sul de Thaleia.
Em geral, o mapa anterior modificou-se um pouco, mas o espaço foi gradualmente estabelecendo-se até que finalmente os imigrantes puderam encontrar a própria segurança. Deixando de lado todos os conflitos que surgiram antes, durante e depois, fossem as guerras civis ou os desacordos por suprimentos e acusações de supremacia e favoritismo, gradualmente as coisas caminharam para os tempos de hoje.
Onde Urânia, como uma antiga monarquia, agora representada apenas por alguns antigos membros da nobreza da época e familiares distantes, como os Megalos, mantinham suas formalidades e respeito à Thaleia, que os abraçou e prometeu tanto segurança quanto todos os meios básicos de alimentação e saneamento. Em correspondência, não apenas a paz entre os dois povos foi prometida — ainda que temporariamente —, mas graças à exploração da cultura e da arte política do “pão e circo”, a economia e a sanidade da população foram gradativamente sendo mantidas.
Era por isso que, até os dias de hoje, o Instituto Gnosis, fundado por Sofia Megalos e com o patrocínio de sua família, foi fonte de grande respeito e inspiração para diversos admiradores e aspirantes a artistas. E Bellatrix, uma garota da classe baixa que adentrou por livre e espontânea vontade através de sua paixão e esforço pela atuação, agora se via diante de um de seus maiores obstáculos.
Ela era uma garota cheia de energia e que comumente costumava dizer coisas otimistas, era verdade. Mas antes da sua persona se tornar conhecida, Bellatrix foi uma criança que cresceu sozinha dentro do quarto com suas próprias fantasias e bonecas compradas em uma loja barata. Assim sendo, era natural que o medo do palco, e por consequência, das pessoas a olhando e julgando cada um de seus passos, ainda a assombrasse.
Entrar para o teatro foi por amor, mas também como um meio de tentar sair da própria concha, esta que protegia e a feria. Limpando lágrimas e suor, foi capaz de chegar até ali, reconhecida como uma das melhores estudantes e um verdadeiro prodígio, embora não por natureza, mas por esforço e reflexo de sua convivência em casa ao longo dos anos.
Respira, respira! Você já fez isso antes, por que seria diferente agora?
“Talvez porque você está sendo analisada pelos professores? Porque um erro pode significar a decadência em suas notas escolares e também te amaldiçoar pelo resto da vida?”
Cala a boca, consciência! Não te perguntei nada!
Discutindo consigo mesma, Bellatrix franziu a testa em uma careta que descaracterizou com o personagem que estaria interpretando naquele dia. A peça que seria apresentada era um musical trágico, protagonizando uma dama cujo bom coração a fazia amar a humanidade, enquanto outra garota de sua turma interpretaria sua contraparte, cuja consciência dos pecados a fez criticar e encher-se de raiva contra esses mesmos seres humanos.
Não era um personagem especialmente difícil de se afeiçoar ou apresentar. O que fazia Bellatrix subir ao palco era meramente os olhos das pessoas em si. Aprender a estar sob o foco das atenções era a base do teatro, e ela soube disso desde o momento em que consentiu em entrar no Instituto Gnosis. Mas a tensão de errar, de colocar tudo o que se esforçou tanto para aprender em prática, e desperdiçar esses meses em apenas um deslize sob o risco de perder todos esses dias, era assustador.
Uma tensão poderosa o bastante para que diversos estudantes abandonassem o curso, obviamente. Entretanto, ela jamais desistiu. Ainda que temesse, que hesitasse ou chorasse sozinha no banheiro, sempre lavou o rosto marcado e tentava encarar esses medos. Caso contrário, como poderia provar para sua família que era digna de reconhecimento? Essa mesma família que certamente estava na platéia, pronta para assistir sua peça depois que a própria Bellatrix convidou os pais para ver.
Dar um passo para trás era correr o risco de escorregar e cair de toda a escadaria — e ela não queria isso. Sua vontade de receber o orgulho dos pais que cuidaram dela, embora com certa pressão, ao longo daqueles anos, era o que a motivou em primeiro lugar. Além disso, se sequer podia encarar o rosto de desconhecidos, como poderia reencontrar seus dois irmãos, que partiram sem sequer olhar para trás?
Era um teste de coragem diário ao qual Bellatrix se colocava em prática, e não tinha qualquer vergonha em reconhecer isso. No começo, foi assustador, especialmente com os rumores e todo o bullying que sofreu — tudo porque queria se encontrar, queria ser ela mesma e demonstrar uma persona que fosse capaz de superar qualquer tipo de preconceito ou vozes que a subestimaram.
Porque era “de classe baixa”, porque era “tímida e passiva demais para se impor no palco”, porque “chamava a atenção demais”... Por bem ou por mal, Bellatrix buscou o reconhecimento e apoiou-se nos próprios sonhos e medos de infância para estar ali.
Errar agora significa falhar. E, então, a incapacidade de demonstrar a independência e maturidade para buscar seus próprios objetivos à família protetora e que a prendia no lugar.
Quando seu maior desejo era poder voar — como um pássaro livre de correntes da realidade, capaz de atingir picos além da imaginação e regozijar da beleza da vida sem ter medo das consequências, porque era forte o bastante para encará-las sozinha.
Inspirou-se na ousadia dos irmãos para se rebelar, mas com paciência e através do esforço, não da violência ou desrespeito. Era assim que queria ser vista pelos pais e pelas amizades que conquistou ao longo daqueles anos: como a Bellatrix, a estrela, não como a Bellatrix, a sonhadora.
Quando as luzes se apagaram, ela soube que tinha chegado a hora. Inspirando fundo, apressou seus passos para atrás da cortina, onde adentraria no palco com o monólogo que decorou durante as últimas semanas. Tocar o próprio peito esquerdo a faria sentir o coração que batia acelerado, tal qual os tambores da música que gradualmente aumentava conforme a apresentação do nome da peça era anunciado.
Um olhar para o lado, na direção da platéia que mal era visível na escuridão, foi o suficiente para enxergar as pessoas que mais ansiava.
Talvez foi aquela cor vibrante de atenção em seus olhos que fez Bellatrix entrar no palco com passos firmes, mas suaves como uma pena ao pousar no chão, conforme sua expressão reluzente em emoção transformava-se sob as luzes e o brilho das estrelas artificiais.
***
A pessoa que deslizou para o palco tão conhecido por Ryota não foi ninguém menos do que Bellatriz, coberta dos ombros aos pés com um vestido leve como o de uma princesa. Ou foi o que achou, porque a expressão e os gestos eram totalmente diferentes da Bellatrix que conhecia.
Havia delicadeza, mas também firmeza, em cada movimentos. A voz dela ressoou pelo anfiteatro conforme a música discava, apresentando tonalidades de um amor incondicional e a esperança de uma donzela cujos sonhos poderiam atravessar o mundo. O conto ao qual interpretava era diferente, mas ao mesmo tempo muito semelhante à própria atriz, cuja cantoria melodiosa e gentil atravessava cada um dos espectadores como um pássaro que piava ao amanhecer, gradualmente despertando interesse.
Ryota apertou a mão de Dio, que assistia ao seu lado, sem desviar sua atenção de Bellatrix. O que passou-se em sua mente não foi apenas admiração pela amiga que era o centro das atenções, mas também um aperto na garganta de vergonha.
Então, é assim que ela se parece quando está atuando… É tão bonita.
Reconhecer a graciosidade da atuação de Bellatrix a encheu de orgulho, mas também de arrependimento porque nunca a viu no palco antes. E não porque nunca teve a oportunidade, mas simplesmente porque se recusou a assisti-la.
Os dias presa dentro da própria mente, recusando-se a ver o mundo e as pessoas, a impediu de manter as memórias daquilo que bloqueou a si mesma de entender. Foi assim que perdeu a oportunidade de aproveitar a virada de ano, quem sabe o aniversário de alguma pessoa próxima, e até mesmo a chance de ver Bellatrix colocando em prática seus aprendizados.
Em resposta aos batimentos cardíacos acelerados, Dio apertou de volta a mão de Ryota, seu polegar, acariciando-lhe a pele. Foi um gesto tão gentil quanto qualquer outro, e ela apenas conseguiu dar um sorriso leve, ainda sem desviar seus olhos do palco, conforme mais atores entravam em cena para contracenar com Bellatrix.
Ao lado esquerdo, sentava-se Sasaki, cujo interesse pelas apresentações dos estudantes sempre era nítido em seu rosto. Apesar de nunca entrar nas salas de aula, ele era uma figura presente e conhecida em Gnosis, especialmente pelos estudantes que ansiavam por seu reconhecimento, talvez esperando que fossem elogiados diretamente à Sofia em alguma oportunidade.
Diferente de Ryota, ele assistiu a todas as peças de teatro, às danças e passeou pelas exposições de artes e palestras de cada turma. Era uma pessoa dedicada e que, de alguma forma, apreciava a imaginação, os pensamentos e a expressão de visão do mundo de cada uma daquelas mentes jovens.
Espiando pelo canto do olho, na escuridão da plateia, notou que ele estava sorrindo de braços cruzados. Havia um brilho de respeito e reconhecimento em seus olhos pretos, embora Ryota sentisse uma aura de nostalgia emanando dele. Era um lado que nunca viu antes em Sasaki, mas Ryota o apreciou mesmo assim.
Dio, por outro lado, parecia radiante ao ver Bellatrix no palco. Ela não sabia se ele não a havia visto atuar antes por vontade própria ou porque estava preocupado demais com Ryota na época, mas agora tinha a mesma feição de inocência que uma criança comum. A fez se lembrar de quando, ao chegarem em Celestia, havia comprado um simples doce na rua, o fazendo ter uma reação digna da própria aparência infantil. Era adorável ao ponto de fazê-la sorrir um pouco mais.
Sim, é isso o que eu quero.
Aquele tipo de vida, onde podia olhar para as pessoas ao seu redor com um calor de conforto no coração. Sem ressentimentos guardados, com a capacidade de perdoar e de ser perdoada. Para que possa abraçar a todos eles com o peito leve de mágoas do passado, e vislumbrar um futuro onde todos possam estar juntos, desse jeito, de mãos dadas.
Quando a peça chegou ao fim, Ryota e todos os demais presentearam os atores com uma salva de palmas. Ela não sabia que expressão Bellatrix estava fazendo agora porque seus olhos embaçaram com as lágrimas, mas conforme via ela e o outro prodígio, que chegou um pouco depois para abraçá-la, desapareciam por trás das cortinas, Ryota soube que a amiga deveria ter se saído muito bem.