Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 11 – Arco 4

Capítulo 42: O Terceiro Retorno

Abrir os olhos e encarar as fortes luzes não foi mais um espanto, e sim uma aceitação.

A mente que nas duas anteriores vezes reagiu com tamanho choque apenas demorou um longo tempo para compreender as memórias e informações que jorraram como uma torneira aberta. E tão violentamente quanto os corpos que caíram no chão, a consciência de Ryota lhe retomou ao despertar dentro do Anfiteatro.

Mais uma vez, apenas conseguiu encarar o teto acima de sua cabeça. Mais uma vez, seu corpo apresentou pequenos espasmos com as recordações das dores, mas o esforço da mente em manter a sanidade foi tamanha que a noção de espaço e tempo se distorceu por o que pareceu uma eternidade.

As íris desfocadas visualizaram as luzes ofuscantes acima de seu corpo e relembraram dos cabelos cuja cor era como o sol ao meio-dia. Um dourado poderoso, cegante, insalubre. Apesar dos temores que esperou não serem reais, a realidade falhou em cumprir suas expectativas, e mais uma vez presenciou o inferno.

A dor da própria morte era uma cicatriz invisível nas memórias, mas o pavor dos cadáveres dos entes queridos caindo nas poças de sangue e o atordoamento com a traição menearam sua cabeça para trás ao revirar de olhos.

Um aperto que pareceu rachar a alma se espalhou, e Ryota se encolheu no palco em posição fetal. Seus dedos seguraram o tecido da roupa, como se lutasse para conter a pressão nos pulmões que roubaram o ar, sufocando-a. Engasgou com as lágrimas e arfou, soluçando baixo no espaço vazio, isolado, solitário e frio.

Não houve agonia na própria morte, mas desespero com a origem dela.

… Por quê?

Por alguma razão, sentiu que sabia a resposta. E, dessa vez, a culpa não era das Entidades que assistiam ao espetáculo, mas sim dos próprios atores que ao diminuto fim extasiaram suas emoções em uma grande explosão, trazendo à plateia uma forte sessão de aplausos.

E, ao lado da dor fantasma que dilacerou lentamente seu coração, as lágrimas escorreram pelo rosto contorcido em uma expressão de dor e mágoa até pingar no chão.

Eu estou sozinha.

No fundo, ela sempre esteve.

A presença de outras pessoas nunca simbolizou nada além de um futuro cheio de sofrimento, abandono e solidão. Nunca houve uma única alma cujo cruzamento de caminhos não lhe trouxe apenas desesperança.

Ryota estava destinada a ter, perder e lamentar. Ao ciclo infinito de estender a mão, sorrir ao alcançar e gritar ao desaparecer. Suas fagulhas de esperança se despeçavam como folhas de uma árvore no outono, gradualmente murchando e morrendo com a chegada do inverno.

Mas aquele verão caloroso, cheio de sorrisos, promessas e um lar ao qual jurou voltar, nunca retornariam. Ao fim da estrada, havia apenas um beco sem saída, um penhasco sombrio sem fundo, um caminho sem volta.

Ela estava sozinha — eis um fato que chegou após infinitas tentativas de barganhar consigo mesma.

***

Ryota estava ciente de mais algumas coisas, agora.

A primeira delas era que se envolver com qualquer pessoa durante aquela provação era o mesmo que reprovar. Ainda não sabia se as mortes provocadas eram um alerta vermelho para isso, mas se fossem, eram um bastante cruel. 

Mas necessários, pois agora sabia que o caminho para a saída dependeria totalmente de suas próprias ações. Quanto mais se aproximasse dos demais, mais os envolveria em seus problemas, causando apenas a repetição dos retornos anteriores.

Ryota desviou seu caminho do Instituto Gnosis para o centro da cidade de Celestia. Qualquer trajeto que a direcionasse para o prédio apenas acabaria lhe trazendo o encontro com Bellatrix e Alexandre, algo que certamente não desejava.

Por bem ou por mal, eles sempre perderiam a insanidade e tomariam sua vida. De alguma forma, aquele mundo foi configurado para que estivesse ciente disso e não buscasse apoio em ninguém.

Ninguém além dela era capaz de cumprir com os requisitos das Entidades. E se era isso o que a faria sair daquela provação, era assim que caminharia.

Não pensou ou sequer considerou o significado por trás das traições ou dos assassinatos brutais. Desejou acreditar que eram todos frutos de sua imaginação, da crueldade manipulada por seres superiores que brincam com os corações humanos por entretenimento. Queria acreditar que não eram sinais para a verdade por trás dos sorrisos calorosos que recebeu na vida real.

Ryota não queria que seus amigos fossem de mentira. O egoísmo de seu coração ferido, apesar da solidão e da culpa, ainda brigava consigo mesmo para encontrar uma resposta que não fosse a mais clara diante de seus olhos.

Traição, manipulação e violência — aquelas foram as coisas que presenciou com cada uma das voltas. Independente do gatilho, era certo que o tempo estava se esgotando. Se não fosse assim, o gatilho que levou Alexandre a tentar ferir Ryota não teria sido causado apenas poucas horas depois de seu despertar.

Na primeira vez, foi quase um dia inteiro.

Na segunda, apenas algumas horas.

Com exceção de quando perdeu a vida no anfiteatro por capricho, algo dentro de si dizia que a terceira vez seria ainda mais rápida e dolorosa.

E talvez a última.

Bellatrix e Alexandre foram aqueles que ativamente mostraram sinais de agressividade, mas Dio foi diferente. Ao contrário dos dois estudantes, o garoto não pareceu mudar de sua personalidade usual. 

Mas haviam elementos desconexos demais que Ryota ainda não sabia dizer se eram verdadeiros ou não.

Ainda que de forma sutil, as palavras do garoto áureo soaram bem mais experientes do que nas vezes anteriores. Dio sempre foi uma incógnita e agora suas perguntas a respeito de sua origem apenas a deixaram mais confusa, mas era certo que ele não pareceu afetado pela provação.

“Eu sou quem sou. Mas, pra você, gostaria que fosse um pouco mais do que posso oferecer agora.”

Ela balançou a cabeça para os lados ao se recordar daquelas palavras. Ainda que um leve pavor percorresse sua espinha ao se recordar da frieza com que ele tomou a vida de Alex, havia uma certa nostalgia ao ver a expressão melancólica que Dio lhe dirigiu ao falar.

Ryota suspirou e fechou os olhos.

Isso não é importante. Preciso me focar nas outras coisas que ele disse… Antes disso.

Colocando de lado aqueles sentimentos, forçou a mente a lembrar das outras palavras que o garoto lhe disse.

“Lembre-se do que viu e ouviu aqui, e carregue isso até o próximo experimento. Quando encontrar a origem, não hesite em finalizá-la corretamente.”

Não sabia o quanto do que havia sido dito era verdade, mas a veracidade do que Dio mencionou no retorno anterior pesou fortemente na mente de Ryota.

O próximo experimento… Significa o próximo retorno?

Era como se Dio estivesse ciente de que era uma provação, de que estavam retornando no tempo de novo e de novo, mas não fosse uma surpresa para ele.

Tal qual devia se esperar, era uma óbvia mensagem para que usasse seus aprendizados nas próximas vezes — nada mais do que fizera até então. Entretanto, as conclusões chegadas a cada volta sempre eram mais deprimentes que as anteriores.

Ele mencionou a origem… Então, ele deve saber o que ela é.

Apenas Ryota deveria ter lido as escritas na parede do anfiteatro, manchadas com sangue fresco. Entretanto, se havia outra pessoa ciente, deveria significar algo.

Mas o quê, exatamente? Era uma resposta que não tinha.

Finalizar a origem… Então, eu devo destruir algo?

Se a origem dos retornos era algo físico, então poderia ser transformada em pedaços. Como uma tecnologia que a forçasse a voltar repetidamente no mesmo lugar, tal qual um sonho lúcido.

… Mas e se não for um objeto?

Aquele pensamento passou voando e a jovem se pegou refletindo — e se “finalizar” na verdade remetesse a “matar”?

Era isso o que os assassinatos queriam dizer, desde o começo? Encontre a origem… A pessoa que originou este retorno deve ser morta?

Se era verdade, por que Bellatrix e Alex tentaram matá-la? Eles não deviam saber sobre a provação para começo de conversa. Além disso, Ryota não foi a única a ser morta, pois Dio também pareceu tomar a vida de outras pessoas anteriormente.

Considerar aquelas possibilidades apenas fazia sua cabeça doer. Não queria que mais vidas fossem tiradas, nem a dela ou as de outras pessoas.

Eu vou encontrar a “origem”, custe o que custar.

Sozinha, Ryota finalmente alcançou o centro de Celestia ao resguardar seus pensamentos ainda em aberto. Mas seus olhos pousaram em uma figura na distância dentro do que parecia um pequeno bar. 

Talvez não tivesse percebido aquela presença caso não reconhecesse os cabelos vermelhos como fogo reluzindo às faixas de sol que adentravam o estabelecimento. Com passos lentos, Ryota se aproximou, e suas desconfianças apenas se tornaram mais reais e lúcidas ao perceber o corpo cheio de curvas sentado na cadeira diante da mesa.

A silhueta vermelha era acompanhada de uma sombria, com apenas uma íris vermelha familiar voltada em sua direção, percebendo imediatamente sua presença mesmo a mais de dez metros de distância.

Quando as duas cabeças se inclinaram em sua direção, reconheceu os rostos de Scarlet e Amane ao trocarem olhares sob o sol da tarde.



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