Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 10 – Arco 4

Capítulo 26: O Garoto que Brilhava como o Sol

Passou-se um mês desde que Ryota começou seus estudos no Instituto Gnosis. Desde então, ela havia feito dois testes que a levaram para um mundo diferente — o de admissão, e o primeiro chamado pela própria Sofia de “provação”.

Certamente, era perceptível que cada uma das provas do instituto lhe garantia uma nota, mas aqueles que carregavam consigo uma escrita estranha, fosse no papel ou em qualquer outro material moldável, a levariam diretamente para “outro mundo”, se é que poderia chamar dessa forma.

Os meios dessa mudança de realidade, que tipo de poder era, quem se responsabilizava por criar essa passagem e como aquilo tudo estava conectado ao seu processo de formação ainda era desconhecido, mas Ryota sabia que estava de uma forma ou de outra ligado à reitora de Gnosis.

Ao longo daquele período de quase quatro semanas, a garota atarefou-se com todas as provas, tarefas e trabalhos exigidos como se fossem as coisas mais importantes — e, de certa forma, realmente eram. Dedicou-se como nunca às leituras e estudos, mesmo que sua mente rodopiasse e a dor de cabeça aguda a cutucasse como uma fina agulha. Ignorou os olhares, as vozes e todos os sussurros, mergulhando sua concentração única e exclusivamente na busca incessante pelas melhores notas, ainda que ao custo de suas horas de descanso ou alimentação.

Felizmente, seus esforços geraram resultados satisfatórios, e Ryota entrou para a lista dos alunos com as melhores notas do mês. Ela sabia que normalmente não se esperaria tantas tarefas dos professores, mas o Instituto Gnosis não era como um colégio ou universidade comuns, e certamente não aplicaria métodos convencionais, embora suas práticas e a busca pelo melhor ambiente possível para seus estudantes fosse admirável.

Não que Ryota estivesse usufruindo de qualquer uma dessas coisas. Era perceptível a exaustão, estresse e constante incômodo que sentia, mas não importava o quanto os demais estudantes ou professores reparassem e relatassem aos guardiões de Sofia Megalos, a garota de cabelos negros não foi mais abordada a respeito de seus problemas pessoais desde sua última conversa com Sasaki há quase uma semana.

Ela tentou interpretar aquilo como se a mensagem de deixá-la em paz tivesse funcionado, mas um pedaço dela ainda esperava que algo a mais acontecesse naqueles dias.

Mas nada chamativo ocorreu desde então, e a solidão que a rodeou foi pacífica o bastante para se concentrar naquilo que precisava fazer. Felizmente, mesmo Dio e Bellatrix mantiveram distância, assim permitindo que Ryota finalmente despertasse em uma manhã desagradavelmente calorosa e se lembrasse da data.

Sim, o segundo teste prático finalmente aconteceria.

Uma parte dela se preparou para que as provas escritas também pudessem surpreendê-la, mas como todas discorreram sem qualquer problema, eventualmente percebeu que, tal qual há um mês, a segunda provação de Sofia estaria relacionada aos testes do percurso regular.

Diferentemente da primeira vez, não havia ninguém para lhe indicar o caminho ou qual seria o tema da vez, mas ela não precisou de muito esforço para descobrir aquelas informações.

— ... Teste de Artes Cênicas: Dança.

Sentada na beirada da cama do hotel, ela leu o papel que apresentava o curso em questão e as suas categorias. Curiosamente, as Artes Visuais estavam relacionadas às artes produzidas com as próprias mãos, como a própria escultura, design, moda e arquitetura. Enquanto isso, as Artes Cênicas incluíam uma variedade considerável de opções de curso, como a própria dança até teatro, ópera, música, e dentre outros.

Ainda havia também o curso de Artes Literárias, obviamente relacionado a todo tipo de arte escrita, mas que não parecia especialmente chamativo. Ryota sempre foi uma grande fã de livros, mas sua experiência com eles se resumia a ler, e não escrever — embora um pedaço dela, um bem pequeno e escondido agora, sempre tivesse desejado tentar.

De qualquer forma, não demorou muito para entender que as categorias de cada teste prático eram aleatórias para cada estudante do Percurso Regular, mas sempre organizavam cada um para que todos pudessem desfrutar de pelo menos uma prova de cada curso, mesmo que se repetisse uma ou duas vezes o tipo de arte testada.

Tal como a escultura, Ryota não era especialmente apegada à dança ou sequer tinha grandes experiências na área. Na verdade, se precisasse comparar, suas únicas tentativas verdadeiramente sérias provavelmente foram no baile da corte na semana da Coroação. Porém, provavelmente não exigiriam prática apenas em dupla, mas também unitariamente, o que talvez fosse um problema.

Em geral, os estudantes do Percurso Regular sempre aprendiam a base técnica e aprofundavam-se na parte teórica, portanto, não era assim tão difícil replicar a prática. Entretanto, ainda havia certa insegurança quando a literal primeira tentativa seria em uma prova, mas não havia muito o que ser feito além de aceitar os termos e condições rigorosos da reitora de Gnosis.

A expressão de Ryota enrijeceu imediatamente ao pensar na Entidade da Sabedoria.

Que tipo de provação terei dessa vez?

Obviamente, de uma forma ou de outra, estaria relacionado à arte em questão — dança. Além disso, se todas as provações forem semelhantes, aquela também estaria brincando com a percepção de realidade, memórias e sentimentos dela.

Ryota sempre soube que Entidades eram cruéis, e mesmo que a forma de agir de Sofia e Mania fossem diferentes, um peso semelhante se aplicava em suas práticas. E aquilo, de uma forma ou de outra, a desgostava profundamente ao ponto de querer fazê-la vomitar.

 Mas ela não tinha escolha a não ser seguir o fluxo e cumprir com os requisitos de cada provação para, no mínimo, se encontrar com a Sabedoria outra vez.

Com um suspiro pesado, ela ficou em pé e guardou a folha do teste no bolso do vestido. O dia amanheceu nublado e desagradavelmente úmido, o verão de fim de ano sendo um pouco mais quente que o normal.

Ela sempre ouvira histórias de que o país original de Urânia era frio, então os verões eram passageiros e o sol se revelava com uma luz tão forte quanto uma lâmpada de quarto. Era quase o completo oposto de Polímia, um país quente como um deserto; felizmente, mesmo Thaleia sendo uma mistura de ambos pela localização geográfica, ainda era desagradável precisar lidar com os extremos de suas temperaturas no auge do inverno ou do verão.

Eram naqueles momentos que sentia falta de sua terra natal, em Aurora. Ainda que o calor ou o frio fossem desagradáveis, o vilarejo sempre era agradável para se viver, agraciando os moradores com suas brisas geladas ou com as chamas das lareiras e fogões à lenha.

Ryota parou por longos minutos olhando para a parede enquanto suas memórias recordavam as sensações de casa com uma nostalgia desagradável, eventualmente cobertas pelos sons de gritos e cheiro de sangue e cinzas.

Sacudiu a cabeça para afastar aquelas vozes da cabeça e decidiu se colocar em movimento para distrair-se. Abriu a porta do quarto e deu um passo para fora, seus olhos azuis como o oceano deslizando para a sala onde cabelos dourados como o sol a recepcionaram, e um par de olhos grandes e redondos acompanharam seus movimentos.

A garota não se recordava quando foi a última vez que trocou palavras com Dio. Ambos ainda se viam no instituto ou dentro do hotel, mas o menino não tentava dialogar com ela e Ryota sequer se incomodava em mudar isso. A distância entre ambos foi necessária e crucial para que suas notas atingissem o pico, e logo percebeu que ele e a ruiva de patins eram apenas distrações inconvenientes.

Dio estava sentado no sofá com o filhote em seu colo, brincando silenciosamente enquanto afagava suas orelhas de cor caramelo. Lion era felizmente um cachorro bem treinado, então pelo bem da pouca paciência que Ryota tinha no momento, ele nunca latia ou choramingava desnecessariamente alto ou por uma quantidade de tempo irritantemente longa.

Por alguma razão desconhecida, Ryota manteve os olhos no menino de cabelos áureos até que ele finalmente virasse o rosto timidamente, como se hesitasse em incomodá-la de alguma forma. Ela não precisava ver seu rosto para entender que uma expressão triste se formava, mesmo depois de tantos dias sem se falarem.

Ela genuinamente se perguntava se ainda havia qualquer chance deles sequer terem a chance de se reatarem — não que ela quisesse. Era quase como um pedaço do menino encolhido no sofá ainda desejasse poder conversar com ela como antes, e sua postura submissa depois da conversa e abandono perto da estação de trem haviam moldado seu novo comportamento.

Ryota não se arrependia de tê-lo deixado para trás. Foi melhor assim, para ambas as partes — ela finalmente pôde se concentrar em seu objetivo, e ele encontraria outra coisa com que se distrair, e outra pessoa para se apegar.

Bellatrix não era uma garota ruim, embora sua personalidade agitada e necessidade de forçar intimidade a tivessem incomodado por alguma razão. Entretanto, ela havia se aproximado tanto dela quanto do próprio garoto, então provavelmente ambos ainda deveriam ser bem próximos mesmo depois que Ryota se afastou.

Quem sabe, em algumas semanas, quem dirá alguns dias, os dois não virassem amigos o bastante para que Dio saísse do lado dela. Talvez ele se mudasse para a casa de Bellatrix, e assim ela estaria livre de pensar ou se incomodar em ver o rosto dele.

Apesar desse pensamento cruzar sua mente, Ryota não sabia como realmente se sentia sobre isso, mas a necessidade de tirar qualquer obstáculo de seu caminho era maior que qualquer sentimentalismo barato que restou dentro dela.

— ... Voltarei mais tarde hoje.

E ainda assim, ela se deu ao trabalho de dirigir um comentário como aquele a Dio. Como se houvesse qualquer necessidade de avisá-lo sobre seu atraso para não preocupá-lo. Ryota disse aquilo com a sua voz costumeiramente baixa e neutra, mas pareceu ser o suficiente para mexer com o garoto sentado no sofá, que virou devagar os olhos na direção dela.

E sorriu.

Foi um único e simples sorriso, mas que por alguma razão trouxe um impacto muito maior dentro dela do que deveria. Haviam emoções indecifráveis naquele sorriso que foi capaz de lhe causar um arrepio na espinha.

Sem qualquer demora, Ryota se virou e marchou para fora do quarto. Ainda estava um pouco cedo para as aulas começarem, mas ela não se sentia mais confortável em ficar ali.

— Tome cuidado... E boa sorte.

Ainda assim, ouviu a voz esperançosa do menino que se colocou de joelhos no sofá para vê-la partir, mas Ryota não se incomodou em parar ou olhar para trás, mesmo que seus lábios tivessem se apertado firmemente quando bateu a porta atrás de seu corpo e saiu.

***

Como de costume, a caminhada do quarto de hotel até o Instituto Gnosis não tomava mais que alguns minutos, mas ainda assim a garota de cabelos negros decidiu diminuir os passos e atrasar um pouco a sua chegada.

Tendo partido tão mais cedo que o normal, não haviam razões para se apressar, então ela decidiu que poderia caminhar um pouco pela cidade. Desde a primeira vez em que chegara em Celestia, percebera como aquele era um local bastante agradável de viver se comparado à capital de Thaleia, Hera.

Se houvesse a necessidade de escolha de um lugar para viver, Ryota definitivamente optaria por Celestia — embora seu coração sempre desse voltas e voltas para sua terra natal, e não havia qualquer outro no lugar no mundo que desejasse estar naquele momento além de Aurora.

Desviando seus pensamentos desnecessariamente profundos sobre o passado, Ryota caminhou lentamente pelas ruas asfaltadas e apreciou, ao menos um pouco, a pacífica manhã daquele dia. Era quase como se tudo estivesse silencioso demais, e parte da sensação de estranhamento se devia a algo bastante simples: Havia muito que a garota não parava um instante para absorver o ambiente ao seu redor.

Qual foi a última vez que se permitiu sentar em público e ouvir a voz descompromissada das pessoas andando e conversando? Em que instante começou a tapar desesperadamente os ouvidos para o mundo externo, como se tudo o que se atrelasse ao mundo fossem apenas chiados incompreensíveis e sem sentido? Como foi que passou a desprezar o contato físico ao ponto de sentir formigamentos com o calor humano, a desviar ansiosamente os olhos escuros para o chão ou as paredes em busca de estabilidade para sua mente conturbada, ou deixou de entender se a sensação de estar sendo observada era real ou paranoia?

Quando foi que passou a odiar o mundo mais do que a si mesma?

... Não importa.

Haviam coisas mais importantes do que dedicar sua atenção à singeleza dos seus arredores ou às palavras daqueles que eram alheios à sua determinação e vontades.

Ryota tinha pessoas que precisava salvar; portanto, não poderia desviar-se do seu caminho independentemente do que acontecesse. Ainda que seus pés fossem atraídos para a luz do sol que despontava no horizonte, ainda que seus olhos deslizassem pela paisagem do despertar cinzento de uma cidade pacífica, ainda que seus ouvidos mal captassem o som das risadas de uma criança e sua mãe; nada daquilo importava. Sua mente não estava permitida a desfrutar de tamanhas trivialidades insignificantes.

Nada daquilo traria Zero de volta.

Nenhum daqueles sorrisos faria Kanami recuperar sua sanidade.

Nenhuma promessa de confiança lhe permitiria reencontrar Jaisen.

Não havia luz do sol que fizesse corações parados voltarem a bater.

Era tudo tão estúpido e insípido.

Portanto, deveria ser ignorado e desprezado.

Ela não precisava pensar muito para chegar àquela conclusão, e não havia razão para sequer esforçar.

... É tão cansativo.

Se sentia tão exausta de tudo, de todos.

... Por que as coisas acabaram assim?

Às vezes a pergunta cruzava sua mente, mas a busca pela resposta era ainda mais exaustiva e dolorida de se chegar.

... O que eu preciso fazer pra consertar o que fiz?

Eram pecados demais para suas duas mãos carregarem, então apenas poderiam ser pagados com as penalidades ao próprio corpo. Portanto, terceiros não deveriam, jamais, serem envolvidos.

Era uma lógica tão simples, e ainda assim tão difícil.

Essa não deveria ser a independência que eu buscava?

Mas por que ela era tão solitária e fria?

Esse foi o caminho que escolhi, e deveria ter optado desde o começo.

Obviamente, apenas dessa forma os sacrifícios desnecessários poderiam ser evitados.

... Eu só não quero perder mais ninguém.

— Então, segura aqui na minha mão!

Houve um instante de estranheza, mas então uma palma clara foi estendida na direção dos olhos baixos da garota que, em algum momento, havia chegado até o instituto e se abaixado contra uma parede, perdida em pensamentos que faziam zumbir os ouvidos e a noção de tempo e espaço ao seu redor.

A voz melodiosa e gentil era desconhecida, e Ryota demorou alguns segundos para piscar os olhos e, ainda agachada contra uma parede, erguer a vista tão cansada na direção da pessoa que se inclinou em sua direção com um largo sorriso, mostrando os dentes perfeitamente brancos.

Era um homem... Uma mulher? Não importava, na verdade. A pessoa diante dela era alguém com cabelos ruivos fortes como a cor de uma cenoura, e seus olhos azuis vivos reluziam com vida. Era um jovem de estatura relativamente mais alta, e seu corpo magro fazia jus às roupas femininas que adornavam seu corpo. O uniforme do instituto, nas mesmas cores dos de Bellatrix, um roxo com laranja, combinavam com sua personalidade brilhante.

A visão que Ryota tinha era de uma pessoa carismática e calorosa, como um verdadeiro artista cheio de sonhos e aspirações.

— Vamo minha filha, não tenho o dia todo, não! Meu braço já tá doendo de ficar aqui parado, então segura logo antes que minha paciência se esgote igual a moda das suas roupas.

Apesar do grande sorriso e da voz agradável aos ouvidos, Ryota imediatamente percebeu que havia nele um senso de humor deturpado e quase sarcástico, mas que não necessariamente trazia a vontade de ofender a quem se falava.

Em suma, era como uma versão menos formal e mais extrovertida do Sora que tão bem conhecia.

O ruivo balançou seus dedos no ar, claramente impaciente com o silêncio e pensamentos dela, então depois de alguns preciosos segundos, Ryota ergueu lentamente a palma da mão.

— Mas que demora, minha filha! Bora, bora, bora!

Ryota teria franzido a testa e desferido um xingamento a ele caso o jovem não tivesse segurado de repente a mão dela, puxando-a com uma força e velocidade surpreendentes para ficar em pé.

— Beleza, agora sim. Se você continuasse aí toda encolhida, iam pisar em você que nem um inseto, garota. Então vê se ergue esse rosto bonito e sorri pra mim, porque quem faz cara feia é porque tá com fome!

Foram tantas palavras disparadas ao mesmo tempo que Ryota apenas conseguiu ficar em silêncio, sem saber como responder ou reagir. O ruivo era não apenas uma pessoa bonita e carismática, mas também visivelmente intrusivo e chamativo, como se o sol girasse ao seu redor.

Ele ergueu o queixo dela com o dedo indicador e franziu a testa, observando seu rosto e lentamente desmanchando seu sorriso em uma careta de desgosto.

— Eita minha querida, você tá toda acabada. Parece que ficou anos sem dormir, parece que seus olhos vão cair a qualquer momento! E esse cabelo... Quando foi a última vez que você hidratou?! Que palha é essa? Mais uns dias, e daqui a pouco seus fios não vão ficar só brancos, mas vão começar a cair e você vai ficar careca!

Os apontamentos sobre sua aparência eram disparados como flechas, e simplesmente não havia espaço para ela responder qualquer uma de suas palavras. Era uma honestidade que poderia ferir, mas as boas intenções eram transmitidas nos olhos azuis dele e no largo sorriso que abriu depois de dar um tapinha gentil em seu ombro.

— Se bem que hoje eu não tô aqui pra dar dica de moda, mas enfim... Como é que tá o seu coraçãozinho?

— ... O quê?

— Tá se sentindo menos sozinha agora?

Mais uma vez, Ryota demorou para conseguir processar as palavras dele, mas logo o jovem ergueu a mão dela, que ainda era segurada pela dele. Os dedos eram delgados, delicados um pouco demais para serem de um rapaz — mas em comparação aos dela, que estavam machucados, com calos e algumas cicatrizes, eram definitivamente muito mais bonitos.

— Se você segurar a minha mão assim, não vai me perder, viu?

Foi só depois de ver ele balançar gentilmente as mãos seguradas diante dos olhos confusos dela e dizer aquelas palavras com tanta doçura que a garota entendeu.

Ela havia acidentalmente externado um pensamento, e o ruivo havia ouvido. E tão simples assim, ofereceu-se para lhe fazer companhia.

Ryota observou as mãos unidas por poucos segundos antes de se afastar bruscamente quando a mente processou o calor do contato físico, a sensação do tato desconfortavelmente formigando e aquecendo a pele dela. Escondeu a palma dentro de um bolso, sentindo-a suar assim como sua nuca.

— E-Eu não dei a permissão para me tocar.

Apesar da intenção de afastar com as palavras, sua voz trêmula e visivelmente desconfortável não trouxe qualquer ameaça. Ela desviou o olhar imediatamente, apertando os lábios secos quando começou a andar para dentro do Instituto Gnosis, desesperada encontrar um porto seguro para a ansiedade crescente dentro dela ao ponto de fazer seu rosto empalidecer e íris tremerem.

— Ai minha filha, para de chororô e fica aqui.

Mas ao invés de conceber qualquer educação a esse comportamento ou se sentir tentado a deixá-la ir, o ruivo simplesmente a segurou pelo cotovelo com o menor esforço do mundo.

— Vê se não fica dando as costas assim pros outros porque isso é feio, viu? Além disso, quem você pensa que é pra ficar ignorando a minha presença, hein? O mínimo que deveria fazer é dizer depois de eu te ajudar é “Muito obrigada, grande Alex!” igual todos os meus fãs, sabia?

Ryota realmente não se importava com nada do que ele estava falando, e puxou um pouco mais o braço para se livrar dele, mas era como se estivesse fazendo força contra uma rocha. Ela não sabia se o ruivo — se Alex — era assim tão forte, ou ela estava assim tão fraca.

Percebendo que Ryota não pararia de tentar se afastar, Alex soltou um suspiro dramático e ainda segurando o cotovelo dela, virou-a de frente para ele, tentando manter contato visual.

— Me deixa em paz.

— Oi? Fala mais alto minha filha, tá achando que tenho super audição? E vê se começa a me respeitar um pouco e parar de me olhar feio assim, beleza?

Alex desprezou com um sorriso galante o murmuro de Ryota, então a garota estremeceu e desvencilhou-se do toque dele mais uma vez, quase abraçando o próprio corpo enquanto dava alguns passos para trás. Seus olhos sombrios se ergueram por um momento para o rosto dele antes de se abaixarem para o chão de novo.

— Não sei quem você é ou o que quer comigo, mas não estou interessada. Suma da minha vista.

— Minha nossa, que falta de educação. Seus pais não te ensinaram a ter bons modos, não? Se bem que as fofocas sobre você no instituto estão bem bagunçadas entre a grande heroína da Coroação e a distante estudante brilhante do Percurso Regular... E as duas pessoas parecem estar perdidas aí dentro dessa sua carinha linda.

Ryota fez uma careta feia para Alex, mas a tranquilidade e o largo sorriso em seu rosto não se afetaram nem um pouco.

— Ai que fofa, tá brabinha comigo? Desculpa aí alecrim dourado, mas o mundo não fica girando ao seu redor não, viu? Faz o favor de não desmerecer a gentileza das pessoas na primeira oportunidade, ou vai se arrepender disso depois.

Foi um conselho tão afiado que Ryota poderia ter sentido um arrepio nas costas caso sua mente não estivesse tão concentrada em evitar o colapso das próprias emoções. Naquele instante, tudo o que ela menos queria era conversar com um desconhecido e se importar com a boa vontade alheia. Tudo o que precisava era de um canto silencioso em que som ou olhos algum pudessem segui-la.

Por isso, mais uma vez tentou se afastar a passos rápidos para dentro do pátio do Instituto Gnosis, desesperada por um pouco de silêncio e qualquer controle dos pensamentos intrusivos que a faziam querer voar no pescoço do estudante ruivo a qualquer pequeno deslize de sua concentração.

— Ô Ryotinha! Se você tá querendo fazer a prova do Percurso Regular, devia me seguir~

Ela tentou não ouvir nada e apenas continuou andando, quase tropeçando nas próprias pernas.

— A prova de hoje não vai acontecer no prédio, viu? A prática da dança vai ser em outro lugar.

Os pés dela finalmente pararam, mas Ryota não se virou.

Ela quase conseguia sentir o sorriso de vitória em Alex quando ele continuou falando com a voz desnecessariamente alta:

— Se você quer chegar no horário e não se perder no caminho, é melhor parar de fazer cara feia e me seguir. Mas eu só vou te perdoar só se der um sorrisinho bem bonito pra mim e dizer “obrigada”, beleza?

Ryota demorou alguns instantes para perceber que o tempo havia passado um pouco rápido demais, e agora todos os estudantes do Percurso Regular já haviam saído do instituto em direção ao local da prova.

Foi um erro tolo se perder nos próprios pensamentos. O tempo perdido foi muito maior do que parecia.

Com um suspiro, lentamente soltando a mão com a palma suando e baixando os ombro tensos, Ryota lentamente se virou e começou a andar na direção do outro estudante parado ao lado da entrada.

— Até que você é bem obediente, Ryotinha~

— ... Em que local será a prova?

— Para de ser precoce e vamos com um passo de cada vez. Como você não deve ter reconhecido a minha grandiosidade, deixa eu me apresentar.

Ainda com o largo sorriso carismático, o jovem segurou a boina preta na cabeça e fez uma reverência.

— Meu nome é Alexandre, mais conhecido como Alex, o maior prodígio de Gnosis. É um prazer te conhecer pessoalmente, Ryotinha.

Alex colocou a boina na cabeça de novo e endireitou a postura, e Ryota decidiu que o mínimo de socialização seria necessária para conseguir as informações daquele rapaz chamativo. Então, fez apenas um pequeno aceno de cabeça, sem devolver em nenhum momento o sorriso ou retirar a antipatia do rosto.

— ... Ryota.

— Ah, vamos, literalmente todo mundo nessa cidade te conhece, então para de fazer essa cara.

Alexandre parecia estar pronto para passar o braço ao redor dos ombros dela, mas recuou um pouco antes de tocá-la. Ryota suavizou um pouco a expressão, internamente aliviada que ele tenha percebido seu desconforto com o toque físico.

— A prova de hoje vai acontecer no Anfiteatro Diadema. Ele não fica muito longe daqui, mas nós dois teremos que andar um bocadinho pra chegar, então bora acelerar o passo, garota.

Rindo com o nariz e guiando o caminho com passos largos e velozes, o prodígio tagarela guiou o caminho para Ryota em direção ao local de encontro dos estudantes. Com os olhos azuis escuros desviando-se para o caminho que seguiam, ela não se permitiu ouvir mais do que o necessário daquilo que Alexandre dizia, guardando toda a sua estabilidade mental e paciência para o teste que estava prestes a encarar.



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