Volume 10 – Arco 4
Capítulo 25: Lealdade
Com o sol que oscilava entre as nuvens no céu azul, o relógio marcava o início da tarde em um dia de semana comum. Tal qual como sempre, Ryota havia saído da sala de aula para respirar um pouco na área externa do instituto, buscando um local distante e com a menor quantidade de sons possíveis para seus sensíveis ouvidos captarem.
Em geral, desde seu retorno da Baía de Dione, a garota passou a se isolar em todos os momentos possíveis. Os estudos eram conduzidos individualmente, sentando-se na mesa mais distante e profunda da sala; os trabalhos e provas escritos geralmente em grupos eram produzidos em uma velocidade impressionante e entregues com uma magnificência admiráveis para alguém que parecia constantemente irritadiça e indisposta; durante os intervalos e os pequenos minutos de paz entre cada uma das aulas, seus pés permaneciam em movimento e seus olhos constantemente baixos, como se apenas olhar para alguém pudesse atiçar alguma coisa dentro dela.
Nenhum dos discentes do Instituto Gnosis, desde os primeiros dias da mudança repentina de Ryota, sequer se incomodou em entender o que havia ocorrido para que sua personalidade mudasse tão drasticamente. Na verdade, a própria garota não se lembrava de interagir ou sequer se importar em lembrar o nome ou o rosto de nenhum deles, uma vez que eram apenas consciências passageiras em sua vida que não lhe garantiam qualquer vantagem em se aproximar ou conhecer. Resumidamente, ambas as partes estavam igualmente desinteressadas em interagirem, embora as razões para tal comportamento fossem diferentes.
Entretanto, quando o comportamento de Ryota começou a incomodar silenciosamente os demais estudantes, houve a necessidade de interferir. E quem havia recebido o papel para tal interação foi ninguém mais, ninguém menos, do que o próprio Sasaki.
Não era a primeira vez que o curandeiro teve seu trabalho de guardião colocado de lado para atuar como um orientador pedagógico, embora não fosse exatamente uma tarefa que lhe agradasse fazer. Não porque ele detestava se envolver nos problemas dos estudantes, muito pelo contrário: Sasaki era o tipo de pessoa que, se pudesse, carregaria o próprio mundo nas costas; o problema em tomar esse papel não estava em sua força de vontade de auxiliar quem precisava, mas na resiliência daquele com quem se comprometeu a estender a mão.
E aquele caso em especial, conforme olhava para o estado da garota de longos cabelos negros, parecia especialmente complicado de lidar.
— Ouvi falar que suas notas melhoraram bastante desde que chegou aqui. Já se fazem o que, três ou quatro semanas desde o teste de admissão? Confesso que tô impressionado que você tenha melhorado tanto no seu desempenho acadêmico, então aqui, palminhas pra você!
Ao invés de iniciar o diálogo com a tensão anterior ainda estabelecida, o curandeiro decidiu utilizar uma abordagem suave e relaxou sua expressão, abrindo seu costumeiro sorriso bobo enquanto batia as palmas uma na outra sem fazer qualquer som. Apesar desse comportamento, a garota de olhos azuis como o mar não demonstrou qualquer reação, e apenas manteve seus olhos o espiando de esguelha por alguns segundos antes de voltar sua atenção para o pátio outra vez.
Diante disso, Sasaki inspirou fundo, sem se deixar abalar com a inexpressividade dela, e continuou a falar:
— Me diz aí, como tem sido as aulas? Já que esteve cursando tanto o percurso regular quanto o ensino acadêmico obrigatório ao mesmo tempo, achei que seria coisa pra caramba pra dedicar seu tempo, mas parece que subestimei a sua cabecinha, hein?
O curandeiro gesticulava as mãos no ar enquanto falava, ainda com seu casual sorriso no rosto e tom de voz amigáveis até demais.
— Quer dizer, não que eu achasse você burra ou algo assim, mas já vi muitos estudantes desistirem só por estarem frequentando um dos três cursos do Instituto Gnosis, então ver você fazendo tudo isso ao mesmo tempo foi realmente impressionante.
— ... Tem algo relevante para me dizer, ou vai continuar a tomar meu tempo aqui?
Ryota interrompeu bruscamente o raciocínio de Sasaki e murmurou ainda sem olhar para ele. Foi tão repentino que o curandeiro paralisou ainda com o sorriso no rosto, demorando um instante para se recompor do choque de palavras enquanto baixava os ombros erguidos.
Por um pequeno curto período de tempo, ele observou a garota diante dele com um sorriso suave, mas não exatamente abalado. As íris negras avaliaram o perfil da estudante uniformizada, desde os cabelos escuros que cobriam a maior parte de seu corpo até pele estranhamente pálida e os olhos azuis quase fechados — talvez de exaustão ou aborrecimento.
Era difícil de ter certeza, mas seu físico parecia um pouco mais magro do que se lembrava. A aura geralmente alegre e contagiante da garota havia desaparecido em um tempo relativamente curto, e as circunstâncias para que aquilo tivesse acontecido ainda eram parcialmente desconhecidas para Sasaki.
Não que ele não soubesse do atual estado de Zero Furoto ou do estado caótico que a capital de Thaleia se tornou após a invasão da Ritus Valorem, mas uma vez que ele e seus colegas guardiões se retiraram do campo de batalha ao lado de Sofia, apenas rumores chegaram aos seus ouvidos. E, desde então, o curandeiro não tivera coragem em perguntar diretamente à garota de cabelos negros, porém com fios brancos discrepantes em sua cabeça, o que realmente havia acontecido naquele dia.
— Ouvi alguns estudantes dizerem que você parecia um pouco... Distante nos últimos dias.
Após o instante incômodo de silêncio, Sasaki finalmente voltou a falar com um tom baixo, como se tentasse evitar que alguém além deles ouvisse a conversa. Mas Ryota apenas continuou com os olhos vidrados em lugar algum, como se estivesse pensando em alguma coisa, mas o constante ar de ansiedade que havia em seu olhar era perceptível o bastante para que qualquer um pudesse dizer que ela estava desconfortável com algo, embora não fosse possível saber com o quê.
— ... Sabe, apesar de eu ou meus colegas não costumarmos trabalhar no instituto, é nosso dever garantir a segurança e o bem-estar dos estudantes. Então, se tiver algo te incomodando, sempre pode falar comigo.
Sasaki não era o único que atuava, às vezes, como orientador. Scarlet também tinha uma personalidade agradável o bastante para tomar este papel, mesmo que nenhum deles fosse realmente formado na área pedagógica. Em geral, ambos se saiam bem em conseguir chegar ao coração dos alunos, mas nem sempre eram o tipo ideal em comparação à verdadeiros profissionais da área — o que geralmente o fazia se perguntar por que Sofia insistia em envolver seus guardiões em tarefas como aquela, mas indagar suas ordens nem sempre eram uma boa ideia.
Principalmente quando a reitora de Gnosis nem sempre estava acessível, nem mesmo para seus próprios guardiões — com exceção de Amane Akai, embora dialogar com ela fosse sempre um desafio que Sasaki nunca se sentia confiante em enfrentar.
De qualquer forma, ainda era parte de seu dever como guardião cumprir com toda e qualquer ordem de sua mestre, mesmo que à primeira vista parecesse estranho ou absurdo.
Porém, quando se tratava de Sofia Megalos, Sasaki sempre se sentia seguro daquilo que precisava fazer. E esta sensação não estava relacionada aos seus sentimentos pessoais, mas a algo muito superior que o fazia acreditar em sua mestre acima de qualquer outra coisa ou pessoa.
— Neste momento, o único incômodo que tenho é a sua presença. Há alguma coisa útil que deseje me dizer?
Como esperado, a resposta de Ryota foi, mais uma vez, fria como o gelo. Desde sua última discussão com ela, parecia que a garota se tornou especialmente desconfiada, mas seu comportamento agora parecia mais próximo da arrogância do que qualquer outra coisa.
Aquilo, obviamente, incomodava Sasaki, e sua expressão suave desmanchou ainda mais quando ouviu o murmúrio dela, que sequer se incomodava em olhar em sua direção.
Bem, não que a culpa de parte daquela reação não fosse dele, mas ainda assim...
— Se não dirá mais nada, estou indo agora.
Com o silêncio ficando cada vez mais desconfortável, Ryota nem se incomodou em verificar a expressão no rosto do guardião quando deu um passo para o lado e começou a andar para longe. Seus olhos azuis se apertaram um pouco quando franziu a testa e escondeu as mãos que suavam frio perto do uniforme, relutando contra um inimigo invisível aos outros.
— Seus amigos estão preocupados com você.
Quando ela havia dado cerca de três a quatro passos, ouviu as palavras de Sasaki deslizarem por sua boca como se tentasse puxá-la com isso, mas seus pés não pararam.
— Bellatrix e Dio me contaram que algo aconteceu desde o primeiro teste, mas não sabiam o quê, então pediram a minha ajuda.
Se o curandeiro achava que aquilo a convenceria a ouvir suas falácias, estava muito enganado.
Mas Sasaki não desistiu, então deu dois passos quando ergueu um pouco mais o tom de voz.
— Por quanto tempo vai continuar fugindo das coisas que importam?
Os pés dela pararam.
Era uma distância considerável de passos para que precisassem falar mais alto, mas Ryota não se virou quando falou por cima do ombro, como se arrastasse cada palavra do fundo de sua garganta.
— Cuide da própria vida, mentiroso compulsivo.
Foi quase uma ameaça. Pelo tom de voz, que ainda era baixo, mas audível o suficiente para ele entender, Sasaki percebeu que havia uma fúria contida dentro dela que não poderia ser apaziguada.
— Como sua memória parece ridícula como seu desespero em chamar a minha atenção, me permita relembrar que nada do que você diga irá me convencer, não importa em nome de quem esteja falando.
Os olhos dela finalmente encontraram os dele. Ryota olhou por cima do ombro para Sasaki com uma frieza furiosa no fundo de suas pupilas, quase como se pudesse ferir o curandeiro com ela.
— ... Eu não serei mais enganada por nenhum de vocês.
Foi um sussurro, mas talvez Sasaki tivesse ouvido porque suas sobrancelhas se franziram.
— Não importam o que digam, que mentiras me contem. Finjam que se importam, finjam que estão preocupados... Se realmente se importassem, não me abordariam indiretamente dessa forma. Se realmente se preocupassem, não hesitariam em perguntar. Se vocês todos realmente tivessem qualquer afeto como afirmam ter, não me ameaçariam ou tentariam me manipular para os seus próprios bens.
Ryota murmurou tão rápido que quase pareceu que estava pensando em voz alta, como se estivesse recitando uma passagem que estivesse impregnada em sua mente.
As mãos dela se fecharam em punhos, escondidas no uniforme. Seus olhos continuavam afiados e sombrios, a testa franzida com a constante agonia. O tom áspero não parecia proposital para ameaçar, era mais como se ela não conseguisse equalizar sua voz quando haviam tantas outras em seus ouvidos para interceptá-la.
Era quase como se, no fundo, Ryota estivesse falando mais consigo mesma do que com o próprio Sasaki. Como se não fosse capaz de vê-lo como nada além de um estorvo em seu caminho.
E, para ela, realmente era.
— ... Vocês mentem. Todos... Cada um de vocês. Eu posso ver perfeitamente por trás do seu sorriso. Não vou ser enganada. Não vão me usar outra vez. Não importa o quanto se esforcem, eu não... Eu não vou mais...
Por um segundo, as palavras morreram na garganta dela e Ryota suou frio como se estivesse com febre, mas a expressão de dor logo desapareceu de seu rosto para dar lugar à inimizade e desconfiança outra vez.
Sasaki permaneceu em silêncio.
— ... Deem logo as mãos e morram.
Aquela foi a gota d’água.
O curandeiro cruzou o espaço que havia entre eles em segundos e encarou a garota como se pudesse socá-la no rosto. Ryota não se intimidou quando ele parou diante dela com uma expressão de irritação no rosto e a respiração levemente acelerada.
Mas Sasaki não ergueu a mão para ela. Sequer seria necessário se rebaixar a tal nível, e ele jamais faria aquilo quando percebia que o psicológico da pessoa estava visivelmente afetado — mas ouvir aquelas palavras finais foi como um tapa.
Não foi uma ofensa pessoal, e ele não se incomodou que ela o odiasse tão nitidamente. Mas havia algo dentro dele que jamais permitiria alguém desejar tão naturalmente a morte de si mesmo ou de outrem, não importava quem fosse ou em que estado estivesse.
Como curandeiro, que priorizava a vida acima de tudo; e como Sasaki, que jamais desonraria a promessa cujo nome lhe foi prometido.
— Jamais repita isso.
Foi uma resposta murmurada com igual calor da raiva, mas Ryota continuou impassível.
— Odeie a mim, à minha mestre, a quem lhe traiu ou ao mundo inteiro... Mas jamais prediga a morte. Não importa quem seja, uma ameaça como essa é o cúmulo da desgraça e nunca deve ser proferida ou ansiada.
Ryota não precisava de muito esforço para perceber que havia tocado em alguma ferida de Sasaki, mas ela realmente não se importava. Àquela altura, ele também havia não apenas cutucado, mas aberto com as próprias unhas os ferimentos do coração mal cicatrizados dela e os feito sangrar de novo e de novo.
Ela não devia respeito a quem lhe faltava; e tampouco se sentia convencida a maldizer de qualquer um que causou ou tentou maldades contra si.
— Você é um hipócrita repugnante e desprezível, Sasaki.
E ela era infinitamente mais.
Aquele pensamento fez sua cabeça doer agudamente.
— Assim como a sua mestre, as mentiras que saem da sua boca não tem limites desde que não afetem a si mesmos. Estou entendendo bem que tipo de “sabedoria” aquela mulher repassou.
Um sorriso cínico e azedo alargou-se nos lábios de Ryota.
— Sua lealdade é podre como a sua falta de caráter.
— Estou vendo que Sofia realmente te marcou.
Sasaki devolveu a expressão cheia de cinismo com a voz murmurada, agora menos irritada quando ela desferiu ofensas diretamente a ele. Os dois se encaravam sorrindo, mas qualquer um poderia perceber o desgosto e veneno que irradiavam de ambos ao conversar.
— Infelizmente, seres como ela possuem essa infeliz capacidade.
— Até parece que ela foi cruel com você.
— Sofia mentiu pra mim.
Ryota cortou o tom sarcástico e desferiu palavras com uma seriedade palpável, sua expressão enrijeceu e seu olhar esfriou outra vez.
Sasaki continuou sorrindo enquanto a garota continuava a falar, rindo indiferentemente com o nariz.
— Não que eu devesse me impressionar com isso.
— A mestre nunca mente.
A garota trocou olhares com o curandeiro como se tivesse ouvido a maior barbárie da sua vida, ainda sem sorrir.
— Estou falando a verdade — Sasaki reiterou, sem hesitar — Sofia jamais mentiria.
— E com base em que eu deveria acreditar em qualquer palavra do que está me dizendo? Até onde sei, você é um mentiroso compulsivo e deve lealdade completa a ela.
Era uma argumentação válida, então a expressão e tom ácidos de Sasaki se desmancharam. Entretanto, quando falou outra vez, havia suavidade e visível certeza em sua voz.
— Sofia Megalos não mente.
— Está dizendo isso como seu guardião ou como um amante secreto dela?
— ... Estou dizendo isso como um amigo.
Se Ryota estivesse com a mente um pouco mais limpa, talvez tivesse percebido que não havia qualquer mentira no que Sasaki dizia. Sua experiência na corte real de Thaleia a permitiu aprender um pouco a ler expressões, entonações e comportamentos físicos que indicavam a tentativa de ludibriar.
E naquele momento, a única coisa que o curandeiro de olhos escuros expressava era um sentimento quase nostálgico em sua voz — porém, nada daquilo foi captado pela garota que continuava relutando com os próprios sentidos, mesmo durante aquela conversa.
Diante disso, Ryota apenas ficou em silêncio com uma inexpressividade impressionante antes de desviar o olhar, seus olhos escuros parecendo traçar em suas memórias.
— Amigos também mentem... E, às vezes, te traem.
Pela primeira vez, a voz dela soou menos afiada e mais melancólica do que o normal. Sasaki manteve o olhar na garota que ainda pensava e disse com um irritantemente gentil para Ryota:
— Às vezes, mentiras salvam vidas.
— .... Às vezes, elas também matam e magoam.
Ryota retrucou imediatamente Sasaki com ar de frustração e dor, e o curandeiro sentiu que finalmente estava conseguindo ter um vislumbre do que estava em seu coração.
Houve um pequeno instante de silêncio entre os dois que refletiam sobre suas próprias palavras, até que Sasaki sussurrou no mesmo tom gentil:
— Se fosse pra proteger alguém que você ama, também não mentiria para ela?
Ryota não respondeu em subsequente como antes, continuando a pensar e relembrar antes de responder com a mesma amargura na voz baixa.
— ... Eu estaria me contradizendo se dissesse que não. Mas, ao mesmo tempo, não acredito que arriscar a lealdade possa se equivaler às consequências de uma mentira.
— E se essa pessoa amasse e acreditasse fielmente em você, mesmo que minta para ela? E se ela soubesse que era para o próprio bem?
Ryota riu com escárnio.
— Isso não existe. Afinal...
Mesmo quando Jaisen revelou que as pessoas em Aurora escolheram a morte, a dor da mentira apenas piorou. Mesmo quando Albert morreu em seus braços e pediu perdão, a dor em saber que nunca poderia descobrir a verdade rachou seu coração. Mesmo quando Edward e Fanes jamais foram capazes de se entender e atravessar as mentiras de seus corações porque amavam um ao outro mais do que tudo, o ferimento de longa data nunca foi cicatrizado.
Não existiam mentiras saudáveis. Sob circunstância alguma, fingir ou manipular poderiam ser usados para o bem de outra pessoa que não fosse conveniente ao próprio mentiroso.
Ryota sabia disso perfeitamente bem — ela era uma mentirosa perfeita. Passou toda a sua vida tapando os olhos e ouvidos para as coisas do mundo que eram inconvenientes, agarrando-se a esperanças vazias, e ocultou a verdade de seu coração até para a pessoa que a mais amou no mundo.
E quais foram as consequências disso? Nada mais que ferimentos cruéis, como se pisasse na confiança de novo, de novo e de novo. Ela se lembrava perfeitamente de como se sentiu traída e magoada quando mentiram para ela, e jamais esqueceria do olhar cheio de frustração e dor em Zero quando a via se ferir sozinha e jamais contar aos outros.
Era como uma faca de dois gumes... Mas infinitamente pior.
E ainda assim...
— ... Eu tenho certeza que se você mentisse pelo bem do Zero, ele a perdoaria.
Ryota sentiu como se a mera menção daquele nome pudesse causar uma dor física tão grande que ela poderia desmaiar. O aperto em seu peito foi grande o bastante para que o ar fugisse de seus pulmões e seu rosto empalidecesse, mas seu olhar cheio de fúria e frieza retornou quando ela voltou-se para Sasaki.
Mas o curandeiro não hesitou em continuar falando com a mesma gentileza irritante na voz.
— Porque ele a amava.
— Você não sabe nada sobre ele.
Os murmúrios cheios de uma raiva contida retornaram à Ryota, e agora ela encarava o homem diante dela como se fosse seu maior inimigo. Embora aqueles sentimentos não fossem destinados exatamente a Sasaki, ainda era difícil não se compadecer minimamente da dor que se desenhava no rosto da garota.
— Tem razão, talvez eu nunca possa entender toda a dor que aquele garoto passou...
O curandeiro apertou um pouco os olhos enquanto se recordava dos pequenos momentos que passou ao lado do rapaz de cabelos violeta, desde o dia que se viram pela primeira vez até o momento em que aquele garoto covarde decidiu que se tornaria um homem verdadeiramente honrado do sobrenome, título e sentimentos que carregava.
— ... Mas sei como é o sentimento de amor incondicional, e reconheço quando alguém também o sente.
Os olhos de Ryota se suavizaram um pouco, mas não completamente.
— O amor cega as pessoas... Eu sei disso. Não acha que a lealdade se atrela ao tanto que se possui afeição por alguém? Afinal, será que o Zero teria colocado seu corpo e coração em perigo tantas vezes por alguém que não amasse cegamente?
Ryota apertou os lábios e fechou os punhos com tanta força que seus dedos quase amorteceram quando ela se virou de costas, dando passadas largas e firmes para longe de Sasaki quando falou ainda em um murmúrio cheio de ódio.
— Nossa conversa acaba aqui.
Dessa vez, o curandeiro não a impediu de partir.
Mas, felizmente, as palavras dele foram capazes de chegar ao coração dela. Para Ryota, não foi uma conversa proveitosa ou minimamente interessante, que lhe proporcionasse informações valiosas.
Ainda assim...
Ryota se perguntou se, caso Zero não tivesse aqueles sentimentos por uma pessoa problemática e teimosa como ela, ele teria insistido tanto em ajudá-la. Os questionamentos e reflexões através da conversa com Sasaki criaram uma semente de insegurança e dúvida, e a garota se viu se realmente a afeição estava relacionada à lealdade de alguém.
... Se é assim, então mentir para quem se ama é uma forma de demonstrar que se importa? Mesmo se isso magoar, ferir ou destruir seu relacionamento? É assim que funciona?
Ela não aguentava mais pensar ou tentar encontrar respostas sozinha para as centenas de milhares de perguntas em sua cabeça.
Então era mais fácil sequer tentar.
Ryota voltou para o apartamento e se trancou no próprio quarto, afundando a mente obscura nos estudos até que apagasse na mesa de exaustão.