Volume 3 – Arco 3
Capítulo 8: Sombrio
Que sol forte…
O sol não estava nada forte. Na realidade, sob o ponto de vista comum, estava mais fraco que o normal naquela manhã de inverno. Entretanto, o rapaz cobriu os olhos da luz, semicerrando-os enquanto tentava enxergar algo.
Ele não gostava do dia. Não gostava da luz, ou de coisas claras ou brilhantes demais. Não gostava de nada chamativo. Talvez fosse esse o motivo de encarar tão seriamente todos aqueles apetrechos e acessórios na bancada da loja, como se visse algo horripilante. Mas o rapaz não percebia isso, e sequer entendeu o motivo pelo qual a atendente o olhava com tanta irritação, como se tentasse cortá-lo ao meio com o olhar.
Usar preto em um dia de sol não era uma boa ideia. Ou melhor, era senso comum. Mas este mesmo senso comum afirmava e o obrigava a vagar pela calçada ensolarada da cidade, procurando arduamente por algo que lhe agradasse aos olhos. Bem, ele não era muito esperto para compreender o motivo dos altos valores, nem do estilo bastante discutível dos manequins e vendedores. Mas nem pretendia entender. E nem queria.
O rapaz apenas queria comprar alguma coisa que a fizesse sorrir.
Com a gola alta do casaco cobrindo sua boca e alcançando parte do nariz, mangas largas, roupas e cabelos negros, olhos violetas que mal eram perceptíveis e uma pele pálida como o papel, Kuro também não era alguém digno de se chamar “com bom gosto”. Na realidade, ele nem sabia a importância disso, então apenas escolhia aquilo que acreditava ser a melhor opção, ignorando por completo os olhares e murmúrios alheios.
Sim, talvez encarar pessoas estranhas com uma expressão nada simpática não fosse legal. Sim, talvez esconder quase que por completo o rosto e emitir uma aura fria ao seu redor o fizesse parecer deslocado.
E, sim, talvez por ele parecer um adolescente em fase rebelde completamente perdido na cidade grande fosse idiota.
Mas Kuro, alheio à todos aqueles pensamentos, que sequer conseguia olhar os demais nos olhos da maneira correta além da intimidação, era ignorante de um jeito um tanto cômico.
— G-Gostou de alguma coisa, g-garotinho? — perguntou a vendedora, uma mulher cheia de piercings com cabelo arco-íris, juntando as mãos.
Kuro a ignorou.
— G-Garoto?
— Não me chame de garotinho — sussurrou ele em resposta, rapidamente, quase que de forma ameaçadora, embora não a olhasse.
Uma veia de irritação lhe saltou à testa, mas a vendedora continuou a tentar ser simpática:
— E-Então… Senhor?
Kuro a ignorou de novo.
— S-Sabe, são nossos melhores modelos de anéis. Temos com pérolas banhadas em prata, com pequenos fragmentos de cristais e até feitos à mão.
… E a ignorou novamente, virando o rosto de forma desinteressada.
— Ei!
A vendedora tentou, em vão, chamar a atenção dele, mas o rapaz já estava caminhando para longe, olhando para outra barraquinha de esquina com acessórios. O olhar pastel no rosto não denunciava muita coisa — na verdade, não denunciava literalmente nada —, mas os vendedores se esforçavam ao máximo para agradá-lo e interpretavam seu silêncio como se estivesse pensando. Algumas vezes, até se assustavam com seu tom de voz ríspido, mas baixo.
— E então, jovenzinho? Vai levar?
Silêncio.
O homem, após tentar interagir pela terceira vez, apenas coçou a cabeça e voltou a se sentar no banco, resmungando coisas que o garoto ignorou por completo.
Um pequeno cutucão em suas costas o tirou de seu transe, ao que ele se virou na maior calma do mundo para a garota com um sorriso nervoso. Seus cabelos negros balançavam nos ombros, e os grandes olhos azuis indicavam seu entusiasmo, mas também certa ansiedade.
— Posso ver também? — perguntou ela, apontando para o mostruário dos brincos.
Sem uma palavra, Kuro apenas deu espaço para ela passar, e a garota agradeceu prontamente antes de dar um saltinho ao seu lado. Ele a escutou grunhir algumas vezes, surpresa com as coisas que via, então fazendo caretas para os valores antes de devolver as peças para o lugar com uma expressão que dizia claramente o quão sem dinheiro estava.
— Aaaah… Acho que não vou conseguir levar nenhuma lembrancinha — riu consigo mesma, coçando a bochecha — Achei que fosse combinar com os olhos da Fuyuki, mas até mesmo ela deve ter uma coleção desses brincos, né…? Ah, será que os gêmeos usariam brincos combinando? Mas, espera, será que o cabelinho usaria algo assim?
Rindo consigo mesma mais uma vez, ela levou a mão aos lábios. Percebendo que estava sendo olhada de lado, um rubor preencheu suas bochechas de vergonha.
— A-Ah, me desculpa. Eu acabei te atrapalhando, né? Foi mal, foi mal.
Vendo aquele gesto, o garoto apenas piscou, sem reagir, então voltou a encarar as peças.
— Escolhendo um cachecol pro inverno? Eles são tão bonitos, não é?
Mais uma vez, a garota se inclinou para as peças e falou com ele novamente, analisando os cachecóis que Kuro encarava havia uns bons minutos. Mas, tal como antes, ela fez uma careta para os preços exorbitantes e suspirou, cantarolando tristemente:
— É uma droga ser pobre…
— … Sim.
— … Sim?
Achando estranho a resposta, ela repetiu a palavra, até se surpreender ao perceber que o rapaz havia dito algo. Mesmo o vendedor, que até então fingia estar desinteressado neles, os olhou de relance.
Kuro, finalmente, se voltou para a garota de olhos brilhantes. Ele era consideravelmente mais baixo, alcançando, no máximo, a altura do peito dela. Mas nem por isso se esforçou para erguer o pescoço, e apenas a encarou de baixo para cima — algo que ela poderia ter interpretado como um olhar ameaçador, mas não o fez.
— Você é… Uma mulher, não é?
— Não dava pra perceber?! Mas, sim, sou uma mulher — Ryota piscou para a pergunta aleatória, um tanto em choque. Para, então, com um sorriso torto que indicava não ter levado a pergunta anterior à sério, continuar: — Meu nome é Ryota.
Kuro apenas piscou mais uma vez.
— … Qual?
Ryota demorou um tempo para perceber que ele se referia aos cachecóis, olhando, agora de frente, para eles. Rindo com o nariz e segurando o queixo, ela se inclinou para analisá-los. Haviam dos mais diferentes tamanhos e cores, dos mais brilhantes aos mais simples, dos produzidos em massa aos feitos à mão.
— Vamos ver… Depende do que você gosta.
— Não é para mim.
— Hmm. Então que tal pensarmos em que tipo de coisa essa pessoa gosta? Tipo uma cor. Ou talvez uma cor que combine com ela. O que acha?
A sugestão pareceu acarretar em algo na mente de Kuro, que juntou as sobrancelhas e analisou as opções à frente.
— Ah, é uma boa escolha. — Ryota bateu palmas sem fazer som ao vê-lo pegar nas mãos um cachecol roxo. — Não parece ser tão caro, e como estamos chegando no inverno, com certeza será bastante útil. Não é?
Ryota sentiu um arrepio ao ser encarada por ele, então suspirou quando o viu assentir devagar. Arrumando a postura, ela aguardou que o garoto terminasse a compra, sentindo-se um tanto orgulhosa do que tinha acabado de fazer, embora não fosse grande coisa.
Um cutucão em seu braço a fez se virar, ao que Kuro, sem qualquer emoção na voz, declarou:
— Quanto…?
Espera… Ele não sabe contar? Será que era por isso que ficava encarando tanto as etiquetas?
— Ok, vamos ver…
Inclinando-se sobre o balcão, Ryota disse em voz alta o valor — chorando internamente por, mesmo sendo um cachecol simples, ser tão caro — e contou todas as notas e moedas que ele carregava. Então, chamou a atenção do vendedor e fez a troca, sempre mostrando ao garoto como as coisas funcionavam.
— Pode embrulhar para presente? Obrigada. — Ryota se voltou para o menino. — Aqui.
Kuro pegou com as mãos pequenas o presente, os olhos se abrindo um pouco mais quando percebeu que finalmente tinha conseguido escolher algo.
— Esse é seu troco. Guarda bem, ok?
— … Será que…
— … Que ela vai gostar? Não se preocupa, não, viu? Você ficou muito tempo pensando, e acabou decidindo por algo bastante prático e bonito, na minha opinião. Tenho certeza de que, se essa pessoa gosta de você, com certeza vai apreciar qualquer coisa que der à ela.
Um sorriso caloroso preencheu o rosto de Ryota, e uma memória bastante feliz a inundou de repente. Quando pensava em presentes, e em como uma certa pessoa havia decidido escolher algo com tanto cuidado, elogiando a ela e relembrando de pequenos detalhes durante aquele período… Ryota não conseguia deixar de sorrir abertamente.
Poxa, só faz dois dias desde que nos separamos, e eu já tô aqui pensando no Beterraba. Se esforça um pouco mais, Ryota.
Repreendendo a si mesma por sentir saudades de Zero, ela sacudiu a cabeça e voltou sua atenção para o garoto, que pensava sobre o que havia recém dito.
— A-Ah! Aí está você! Por favor, não faça isso novamente… N-Não combinamos de avisarmos uma à outra quando fôssemos sair?
Uma voz aguda, preocupada e envergonhada por ter que erguer o tom em meio à tantas pessoas se aproximou, e Eliza sentiu as bochechas esquentarem enquanto se aproximava e repetia o sermão na garota.
— Foi mal, Liz.
— N-Não vem com esse “foi mal, Liz”, não, entendeu? Não vou mais ficar aceitando suas desculpas… Uh?
Ryota juntou as mãos e fez uma careta enquanto pedia perdão por suas ações, mas a curandeira estagnou onde estava, a quase um metro dela, olhando para algo atrás dela. Eliza prendeu a respiração e arregalou os olhos, deixando cair os papéis que carregava.
— Ué? O que foi, Liz?! Hã?
— V-Você… É…
Quando Ryota se agachou prontamente para coletar os papéis esvoaçantes, Kuro virou o rosto e reparou na jovem que assim falava com ele. Reconhecendo o garoto, as bochechas e orelhas de Eliza avermelharam instantâneamente. Ele, por sua vez, baixou os olhos para a outra que tentava desesperadamente pegar os papéis antes que fossem pisoteados por qualquer outra pessoa na rua.
Kuro se ajoelhou e a ajudou no processo, ao que Ryota riu, pegando um dos últimos papéis, e os juntou no colo.
— Ufa… Toma um pouco mais de… Ué? Ah… Liz? Bom dia? Alôu? Terra chamando Eliza. — Ryota sacudiu uma das mãos na frente do rosto de Eliza, que estava fritando olhando para o nada no lugar, de boca aberta. — Espera, vocês se conhecem?
Percebendo que o choque se referia à presença do garoto, Ryota fez o apontamento e olhou para os dois.
— É-É que… E-Eu… N-Nós-
— Não.
Silêncio.
Por um momento, um duro e frio silêncio os envolveu, e Eliza apenas conseguiu grunhir um pequeno:
— … Hã?
— Nunca a vi antes.
A expressão de Eliza gritava um grande “quê?”, e sua mente berrava em vários tons diferentes que ela era incapaz de expressar em voz alta, enquanto Kuro mantinha o rosto sério de sempre, as palavras saindo em um tom completamente desinteressado.
— Sério? Entendi. O-O que foi, Liz? Ficou pálida do nada…
— E-Estou… Bem… N-Não se preocupe… — choramingando, Eliza virou o rosto e escondeu a completa decepção por não ter sido reconhecida.
Atrás dela, Ryota e Kuro trocaram olhares, e ambos deram de ombros, sem entenderem o que estava acontecendo.
***
C-Como isso foi acontecer eu não faço ideia, mas… Estou sozinha com ele! Meu coração vai saltar pra fora do peito a qualquer momento! Deuses, me ajudem a manter a compostura! Por favooooooor! Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaahhhhhh-
— Q-Que dia b-bonito… Não é... ?
Recebendo apenas um olhar pastel de Kuro, Eliza suspirou profundamente e continuou a caminhar nervosamente ao lado dele. Sob o sol fraco e em meio a tantas pessoas, a dupla seguiu caminhando em silêncio pela rua repleta de lojas e tendas barulhentas, com vendedores gritando e vozes voando de lá para cá.
Eu sei que queria ter um reencontro bonito com ele, mas não assim…
Eliza lamentou profundamente a própria situação mais uma vez, recordando-se de quando, menos de uma hora atrás, acabou vendo Ryota de longe e se aproximou dela para dar-lhe uma bronca. No entanto, acabou se encontrando com o garoto que uma vez conheceu durante o embate à Insanidade na mansão.
Apenas pouco tempo depois de ter sido completamente rejeitada e esquecida, Ryota os apresentou com apenas duas frases rápidas e explicou que precisava seguir caminho para começar sua busca naquele momento, os deixando à sós. É claro que, a princípio, ela tinha celebrado a ideia de ficar sozinha com ele, mas suas esperanças foram todas jogadas fora logo quando Kuro começou a andar sozinho e sua única opção foi seguí-lo como uma tonta.
Isso é estúpido, Eliza. Se recomponha! Você não pode se rebaixar tanto assim! É a curandeira de uma duquesa, e deve agir como tal. Além disso, esse garoto, por mais inofensivo que possa parecer, estava presente naquele momento… Preciso tomar cuidado. Sim, é isso. O estou seguindo apenas para me certificar de que ele não é uma pessoa ruim. Alguém suspeito. Posso conseguir informações se ficar perto dele. Algo assim, certo?
Lutando consigo mesma, Eliza buscou acalmar aqueles pensamentos e deu um olhar relutante para Kuro, que já a analisava de perto. Se a curandeira não deu um grito de surpresa naquele momento foi por pura sorte ao se engasgar com a própria saliva.
— Q-Q-Quê…? A-Algum prob-blema?!
Acalme-se. Acalme-se. Acalme-se. Droga, acalme-se, Eliza!
— … Por que está me seguindo?
— E-Eu não estou te seguindo. É só que… Sim, que o lugar onde vou fica nesta mesma direção. É verdade. Juro.
Por que estou jurando a ele?! Aliás, o que estou jurando? Não tem como ele acreditar em mim, porque é óbvio demais o meu nervosismo. Se o Kuro continuar me olhando desse jeito…
Mas tudo o que o garoto fez foi dar de ombros, piscando uma vez, antes de dar meia volta e continuar a andar como se nada tivesse acontecido. Suspirando mais uma vez, Eliza se pôs a andar a uma distância diferente desta vez, esperando que isso não o incomodasse mais.
Na verdade, ao contrário das mil e uma coisas que ela teorizava em sua cabeça, Kuro apenas achou que ela estava perdida. Igual à ele.
Portanto, durando o que pareceu uma eternidade, eles continuaram andando em silêncio, incomodados com seus próprios assuntos completamente alheios um ao outro.
Até que, com toda a coragem e atrevimento que conseguiu reunir, orando para que sua voz não demonstrasse qualquer sinal da ansiedade que sentia, Eliza disse:
— É um presente? — indicou com o dedo o embrulho nos braços dele, a embalagem totalmente destoante de suas roupas escuras.
Kuro assentiu devagar, apertando o cachecol um pouco mais.
— Eh, acho que a Ryota o ajudou a escolher, não é? Ela parecia bem mais feliz do que o normal quando foi embora, antes. Era quase como… Se estivesse orgulhosa.
A imagem da garota de nariz empinado, rindo sozinha com algo tão simples, passou pela sua cabeça. Uma cena que a fez sorrir.
— Espero… Que ela também fique orgulhosa de mim.
— Hm? Quem?
O murmúrio baixo de Kuro surpreendeu Eliza por um momento.
— … Minha Mãe.
Quando disse aquilo, a voz dele ganhou uma emoção diferente de antes. De onde estava, Eliza quase conseguia vê-lo dando um pequeno sorriso por baixo da gola alta, como se imaginasse a pessoa presenteada feliz com o que fora escolhido.
— Tenho certeza de que ela ficará.
Por alguma razão, ela sentiu seu coração disparar ao pensar na própria família. Ao lembrar-se da irmã mais velha, e do quanto eles disseram se orgulhar dela. Lembrar o quanto era amada parecia errado no começo, quando ela não era nada, e nem ninguém. Mas, agora, depois de todos aqueles anos, depois de Eliza finalmente ter encontrado seu próprio caminho, podia dizer que tinha orgulho de si mesma. E deveria continuar tendo, até o final.
Foi só quando um objeto foi estendido em sua direção que a menina reparou que havia parado no meio da rua, olhando fixamente para uma certa flor. Esta, que agora era estendida em sua direção. Ou melhor, estava em meio a ela e Kuro, que também analisava com seus profundos olhos roxo escuros as pétalas brancas e puras do lírio.
— São iguais.
— Hã?
Kuro comparou o lírio em sua mão com o broche de flor no vestido dela.
— Ah, sim, são mesmo. Os lírios eram… São as flores favoritas da minha irmã mais velha.
O cheiro gracioso do lírio alcançou Eliza, e ela deliberadamente pegou a flor com a mão, aproximando-a do rosto. Lembrava o perfume de Iara. Os dias em que corriam pelos campos de flores e os colhiam para fazerem buquês.
Após alguns segundos a observando apreciar o lírio, Kuro abriu os lábios devagar.
— Você a quer, Lili?
— Acho que ficarei com ela. Me dê apenas um… Hã? D-Do que você m-me chamou…?
Ignorando-a completamente, Kuro, com toda a sua falta de senso, olhou para a florista e apontou para a flor nas mãos de Eliza. Para sua surpresa, o valor era consideravelmente mais baixo que o do cachecol, o que o fez considerar por um momento se a compra anterior tinha valido a pena. No instante seguinte, porém, ao relembrar do momento da escolha, dispensou aquele pensamento e entregou a moeda que acreditava ser a correta para a vendedora.
Sem olhar para trás, Kuro voltou a andar tranquilamente em meio à multidão, deixando para trás uma Eliza completamente sem graça.
— Eei. O troco.
Porém, ela logo saiu de seu transe quando a florista praticamente tacou as moedas na cara dela.
***
— Nada, ainda?
— Nada.
Ryota suspirou na mesa, após jantar. Os pratos eram recolhidos por Eliza, que, naquela noite, tinha se oferecido para preparar e limpar a mesa. No entanto, a outra logo se colocou de pé para ajudá-la a, pelo menos, secar os utensílios. Curiosamente, o quarto que escolheram era quase como uma pequena casa, contendo dois quartos, uma cozinha e um banheiro, que elas podiam dividir com facilidade.
— Mas foi só o primeiro dia de busca. Tenho certeza de que conseguirei algo amanhã. Ou no dia depois desse, afinal, a coroação vai durar bastante ainda, não é?
Eliza assentiu, sorrindo melancolicamente.
— Sim.
Após se separar de Eliza e Kuro, Ryota passou a tarde toda procurando informações a respeito do avô. A princípio, passou por algumas lojas e lugares mais conhecidos, perguntando a respeito dele pelo nome, ou se conheciam alguém da nobreza, mas foi em vão. Todos responderam o mesmo, e nada levava a lugar nenhum. No fim, foi mais um passeio ao qual ela conheceu um pouco mais da cidade do que qualquer coisa.
Ainda assim, Ryota manteve a positividade. Acreditava que conseguiria mais informações caso fosse até a guarda no dia seguinte, ou até mesmo caso perguntasse na Fortaleza. Se andasse por ali, com certeza alguém saberia dizer algo.
— E como foi a sua tarde? Acho que o Kuro não é alguém que fala muuuuito, mas achei muito legal da parte dele comprar algo com tanta dedicação.
— É verdade. Apesar de termos idades parecidas, ele parece bem mais novo do que aparenta.
— E você mais velha do que aparenta.
— Espero que tenha sido um e-elogio…
— É claro que foi, sua boba. — Ryota deu uma cotovelada de leve nela, fazendo Eliza se encolher — Nunca que eu ia pensar que alguém tão esforçada e habilidosa quanto você tivesse só catorze anos.
Eliza se encolheu ainda mais com as palavras, e Ryota já sabia que essa seria sua reação, então apenas riu enquanto pegava um prato para enxugar. Apesar de suas alturas serem consideravelmente semelhantes, elas tinham quase quatro anos de diferença. Pensando daquela forma, olhar para Kuro, que era mais baixo, mas parecia bem mais jovem do que realmente era, de certa forma fez Ryota rir consigo mesma.
Quando se separaram para dormir, ainda com energia demais para sequer conseguir deitar, Ryota praticou alguns exercícios como flexões e abdominais, repetiu uma sessão de golpes no ar, e se viu tentando convocar chi em sua mão. Seus dedos se dobraram, e o quarto ficou meio iluminado pela luz da lua que atravessava o quarto e meio iluminado pelo calor que vinha de sua palma em tom amarelado.
— Ótimo. Acho que está tudo certo, por enquanto.
Ao contrário do silêncio do interior, onde ela era incomodada apenas com pequenos sons de insetos e corujas, na cidade, ela ainda podia ouvir ao longe o barulho de automóveis, uma música padrão tocando e pessoas conversando aos burburinhos. Era diferente, mas não exatamente ruim.
Ryota inspirou fundo, preparando-se para descansar, quando uma mão tapou sua boca e a puxou para trás, nas sombras do cômodo. Sentiu, então, a ponta do que deveria ser uma faca tocar seu pescoço, e uma voz desconhecida dizer:
— Fique quieta e ninguém se machuca.