Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 3 – Arco 3

Capítulo 17: O Fim do Debute e o Início da Celebração de Benesse

— Estou tão feliz que tenham se reunido para este jantar!

Fanes gesticulou com as mãos no ar, tendo se colocado de pé outra vez de forma que pudesse observar todos os presentes enquanto eram servidos pelos sabe-se-lá quantas centenas de criados que invadiram o salão, praticamente fazendo as portas explodirem contra a parede ao entrarem. Zanzavam de lá para cá, servindo bebidas alcoólicas e sucos refinados, possivelmente produzidos com o maior cuidado possível. As cores, nítidas, não davam indícios de que vieram inteiramente das frutas, embora o monarca garantisse isso com todo o coração enquanto falava com os convidados. 

Dezenas de bandejas prateadas foram postas à mesa, então, o bafor quente espirrou contra o rosto dos que estavam ao redor quando as tampas foram retiradas rapidamente, revelando uma série de pratos tão lindos e cheirosos que pareciam ter saído de um sonho. Carnes banhadas em molhos e caramelo se derretiam na frente de seus olhos — Al-Hadid, em especial, parecia pronto para simplesmente pegar com as mãos a comida e levar à boca, mas se conteve.

Panelas que mais pareciam caldeirões revelaram porções de arroz, batatas e cozidos em geral, enquanto outras bandejas menores eram reverenciadas por massas tão delicadas que pareciam de mentira. O cuidado na hora do preparo e de enfeitá-las com temperos verdes e vermelhos era digno de palmas.

E foi justamente isso o que o monarca fez, sorrindo abertamente para todos.

— Não se acanhem! Vamos todos comer! Obrigado, obrigado por seu serviço — Fanes se voltou para os criados que se retiravam tão rapidamente quanto entraram e agradeceu, unindo as duas mãos em frente ao peito.

Atrás dele, Miura soltou um suspiro pesado.

— Delicioso! — exclamou Omar, olhando com felicidade e as bochechas gordas para o rei, logo ao lado — Um jantar de primeira, com certeza! 

— Nada mal, de fato — comentou Shin, recebendo um aceno frenético de cabeça do lorde ao lado.

— Fico imensamente feliz que estejam aproveitando. Afinal de contas, nossos chefs são profissionais e muito cuidadosos com seu serviço, portanto, o crédito é totalmente deles.

Sofia ignorou por completo o jeito exagerado de comer de Al-Hadid e os olhares hostis de Shin Akai para ele, que lutava para tomar uma colher do ensopado — a mão meio trêmula enquanto levava a colher aos lábios —, então inclinou a cabeça quando comentou:

— Estou surpresa que tenham preparado tudo isso em tão pouco tempo. 

— E escolhido nossos pratos favoritos, aparentemente! Esta carne — O lorde arrancou um pedaço da perna de frango e o mastigou de uma forma tão selvagem que mesmo Fanes fez uma careta — está perfeita!

Do outro lado da mesa, logo ao lado de Fuyuki Minami e Juan Over, o príncipe cortava o bife com uma delicadeza que deixou Ryota, no mínimo, estressada. Foi um esforço não pegar a carne e enfiá-la na boca dele na hora, pois até ele terminar de picar em pedaços, a comida já teria esfriado.

Talvez reparando no olhar ansioso da jovem, a duquesa ergueu o queixo, como se estivesse atenta à conversa, mas a atenção se focou em Ryota que, por pouco, acabou trocando olhares com ela. Acabou piscando de um jeito meio nervoso, pois não esperava que Fuyuki a olhasse naquele exato momento, mas conteve sua vontade de tentar explicar tudo silenciosamente, e esperava que a duquesa não interpretasse mal a situação. Não que fosse possível discernir a razão por ela estar ali agora sem qualquer informação. No entanto, sem demonstrar qualquer sinal de reconhecimento ou sentimento, a duquesa virou o rosto de novo.

— Está maravilhoso, Majestade — então apenas comentou, num tom educado, mas que, Ryota percebeu, parecia se esforçar para soar natural.

Para a sorte dela, Fanes não parecia alguém que sequer percebia esses sinais, e apenas assentiu feliz para o elogio dela, como se fosse voltado à ele, em especial. Ryota quase riu de como Miura revirou os olhos.

Sua simulação de sorriso se desfez por completo quando reparou em Sora, claramente incomodado com a provável interação amigável que havia entre eles — que Ryota, apesar daqueles momentos em especial com o monarca que a faziam rir, ainda sentia repulsa em pensar nas coisas horríveis que Miura Akai havia feito —, e a fitava de esguelha. 

Se olhares matassem, ela já teria virado picadinho naquele momento. 

Havia pressão em ser avaliada daquele jeito e Ryota estava ciente de que tanto Sora quanto Fuyuki iriam exigir respostas depois. E estava preparada para ser sincera, até onde fosse possível, embora sentisse que contar a respeito do voto com Edward acabaria os deixando bastante — não, muito — irritados. E inconformados, provavelmente, por ter feito aquilo sozinha. 

Um pedaço dela ressentia por saber que a julgariam; outro, se sentia inconformada. Ela confiava neles, e muito. Principalmente em Fuyuki. Entretanto, por mais próximos que fossem, e ela nem sabia dizer ao certo que tipo de relação tinha com a duquesa e seus guardiões naquele momento, não fazia parte daquele mundo. E não estava limitada a agir conforme o que eles queriam, ou que fosse conveniente a eles.

Era idiota, e um lado bastante egoísta dela continuava a martelar isso em seu coração. Mas, ainda assim... 

Edward pigarreou, como se tivesse engasgado, e isso a assustou por um momento. Estava tão inserida nos próprios pensamentos que acabou se desligando da conversa e dos arredores. Percebeu o puxão de orelha silencioso com a pequena virada de rosto do príncipe, quando trocaram olhares, antes dele se virar e voltar a comer.

Precisava manter o foco. Cumprir o papel que havia aceitado fazer. Se foi um erro fazer um voto ou não, agora não fazia diferença. Ela tinha decidido fazer aquilo e lidaria com as consequências.

Mas, a qualquer custo, não prejudicaria os outros pelas próprias ações e decisões.

— Senhorita Ryota — A voz que veio do outro lado do salão fez seu sangue ferver de nervosismo, e Fanes sorriu para ela — Por que não se une a nós? Uma convidada não deveria permanecer apenas de pé, aí atrás.

O coração dela foi parar na boca, e sua garganta fez um nó. Tinha certeza que um rubor preenchia seu rosto agora.

— Ah, acho que não o situei sobre a situação dela, meu pai. Peço perdão pelo mal entendido — interrompeu Edward, para o alívio da garota, que agora era alvo de todos os olhares do salão — Na verdade, Ryota é minha guardiã.

Uma colher se estatelou contra a mesa. 

Até a música pareceu parar.

Ignorando as expressões de surpresa de todos, Edward arqueou uma das sobrancelhas, como se não tivesse dito nada demais, e fitou o pai, que agora fazia uma careta. O que pareceu um pequeno lampejo de um sentimento que não era confusão, mais semelhante a raiva, surgiu em seu rosto, logo sendo oculto por um riso confuso forçado.

— Quer dizer que... Escolheu ela como sua guardiã?

O incômodo era visível no rosto do rei, mas o príncipe, parecendo ignorá-lo, deu de ombros.

— Sim.

— Combinamos de discutir sobre seu guardião particular após a coroação, Edward. Não pode apenas decidir escolher uma... Uma jovem sem meu consentimento.

A hesitação na voz de Fanes doeu no peito de Ryota, mas o filho do monarca parecia completamente alheio à isso. Como se não se importasse.

— Tanto quanto o senhor, meu pai, tenho o direito de decidir os candidatos ideais para ocupar tal posto. Principalmente ao que se refere à minha coroa — Uma gota de suor escorria pela testa de Fuyuki, claramente tensa com o sorriso malicioso e ardiloso nos lábios do príncipe, apoiando o queixo no punho — Portanto, pai, se quer tanto assim interferir nesta escolha, sugiro que discutamos a respeito quando tiver um tempo. Se é que terá algum, não é? Com tantos afazeres para a cerimônia... Oh, sinto muito, não queria interromper o jantar. 

Como se só agora tivesse percebido os convidados, Edward deu um sorriso amarelo e indicou com a palma livre para que seguissem, mas, apesar de terem o feito em silêncio, não parecia que nenhum deles estava mais a fim de continuar a comer. Um gosto amargo descia pela garganta de Ryota, ainda atrás de seu mestre. O estômago se revirou um pouco quando os olhos alaranjados, que deixaram de encarar o filho passaram para ela, se estreitando de um jeito nada gentil.

O canto da boca dela se repuxou. Receber um olhar daqueles não era sinônimo de boa coisa, principalmente quando, logo após isso, Fanes voltou a sorrir e tentou trazer de volta o clima tranquilo, a música voltando a tocar baixinho, como um afago áspero.

***

— Sabia que era uma péssima ideia — sussurrou Ryota para Edward, enquanto os convidados estavam entretidos em alguma conversa com o monarca sobre as sobremesas — Agora o rei me odeia.

— Ele teria de saber em algum momento.

— Isso não resolve nada. Não é você que ele vai querer esgoelar.

Ryota ainda conseguia sentir os olhos de esguelha do monarca nela, de um jeito nada confortável. 

Como não era incomum que os guardiões e seus mestres trocassem sussurros às vezes, a conversa discreta entre o príncipe e ela não foi levada de uma forma ruim. Até Miura e Sora, às vezes, trocavam cochichos com Fanes e Fuyuki, respectivamente. Embora Ryota quisesse gritar com Edward naquele momento.

— Não se preocupe.

— Até parece que não preciso me preocupar...

Ele ergueu uma sobrancelha pra ela.

— Confie em mim. 

Então ele se virou, e ficou em silêncio durante o restante do jantar.

Ryota queria dar um puxão na orelha dele por ser tão insensível, principalmente com o pai, e também hipócrita, esperando que ela simplesmente fechasse os olhos e dissesse "sim, senhor" pra qualquer coisa que ele falasse à ela — isso quando ele falava, porque Edward tinha o mal costume de apenas ir fazendo as coisas e não comentar com ninguém até que tudo estivesse preparado, ou acontecendo.

Naquela situação, em especial, saber que Fanes desaprovava Ryota como guardiã — mesmo sendo de mentira —, a metia numa situação particularmente difícil. Mas não havia muito a ser feito, e ela não poderia ir até o monarca explicar o ocorrido, mesmo que quisesse.

Agora, ela só podia esperar.

***

Fuyuki desviou os olhos do príncipe e sua suposta nova guardiã para a conversa que se desenrolava ao seu lado. Sendo bem honesta, não estava muito afim de dialogar com qualquer um dos nobres sentados ali, por mais que Omar Al-Hadid e Fanes Fiore se esforçassem para serem, no mínimo, simpáticos ao seu próprio modo. Sofia continuava a fazer apontamentos e afirmações bastante acusadores em relação a todos, contornando as alfinetadas de Juan e Shin como sempre. Já esses dois, o tempo inteiro buscavam formas de colocar a duquesa em seu devido lugar — embora ela nem tenha puxado conversa, e qualquer resposta já era digna de um olhar enojado em sua direção.

Não que ela se importasse.

— A noite vai acabar em breve — sussurrou Sora em seu ouvido — Aguente mais um pouco.

A duquesa apenas assentiu, como se não ligasse muito. 

— Não bebe muito, senhorita Fuyuki? — Sofia balançou a própria taça, olhando-a com curiosidade. 

As duas mal haviam tomado duas doses, o que, para alguém fraco a álcool, já era o suficiente para embebedar — o que parecia ser o caso de Juan, o rosto meio enrubescido era a prova, a expressão dura do guardião logo atrás indicava que não era exatamente um bom sinal.

Se Sofia estava apenas se contendo ou não, não importava. Ficou claro para Fuyuki que ambas eram bastante resistentes à bebida.

— Estou me contendo esta noite.

Sofia riu com o nariz, inclinando a taça na direção dela.

— Mulheres como nós pensam iguais, não é? — Fuyuki inclinou a cabeça, sem entender aonde ela queria chegar — Ora, não é fácil estar em meio a todos estes homens desbocados sem qualquer cautela de nossa parte.

— ... Eu suponho.

— Sinto muito que precise passar por isso — ciciou ela, referindo-se ao tratamento e palavreados.

— Não me incomoda.

Mentira.

E Sofia sabia disso.

— E não sinta. Apenas seria incômodo.

— É mais orgulhosa do que imaginei.

Fuyuki endireitou-se na cadeira.

— Dona Sofia, se planeja me bajular, precisa se esforçar mais.

— E porque eu faria isso?

— Não tirará informações de mim, e nem desejo que se compadeça. 

— Possui um raciocínio rápido, até demais. Não pretendia fazer nada disso, no entanto.

O olhar que Fuyuki lhe deu dizia que não acreditava nem um pouco naquelas palavras.

Sofia abriu um sorriso.

— Nesta noite, gostaria apenas de descansar um pouco. E me sentir lisonjeada por brindar com uma sicária de Entidades.

A duquesa enrijeceu o corpo e franziu a testa. Um som de gelo estalando, subindo por sua própria taça, soou pelo salão.

Sicária de Entidades?

— É um título adequado, não acha? Para uma pessoa fascinada por seres como esses, alguém que passou quase dois anos buscando apenas uma para se vingar com as próprias mãos, esperando que se procedesse a resultados bastante ousados...

Elas se encararam friamente. A taça já estava praticamente toda congelada, assim como as beiradas da mesa enfeitada ao lado de Fuyuki. Edward não pareceu reparar; Juan estava entretido demais numa discussão com Shin, Omar e Fanes para se virar.

Ryota as observou de esguelha, sem conseguir ouvir direito a discussão.

Sora abriu um dos olhos, percebendo que a guardiã de Sofia fazia o mesmo, e eles se olharam.

— Princesa do Gelo não é apenas um pseudônimo relacionado aos seus poderes, não é?

— Diz isso como se fosse algo ruim.

— Oh, por favor, não me leve a mal. Não estou a criticando, nem nada assim. Na verdade, admiro suas habilidades tanto quanto possível — Sofia ergueu a taça e olhou para o líquido que girava com os dedos — Infelizmente, meus dotes se limitam ao intelecto, e nada mais.

Então ela não era estúpida por tentar desafiar a duquesa, por mais que suas palavras fossem afiadas. Por mais que a expressão enigmática, mas ao mesmo tempo sábia de um jeito ousado, estivesse constantemente estampada em seu rosto delicado.

Fuyuki se perguntou o que exatamente Sasaki havia visto nela para aceitar se tornar seu capacho e, ainda por cima, se apaixonar por ela. Embora admitisse que fosse linda.

— Não me admira que tenha tido tanto sucesso em Urânia — disse Fuyuki — Não entendo muito a respeito da área da educação ou de financiamentos em instituições, mas suspeito que deva ser bastante trabalhoso.

Sofia arqueou uma das sobrancelhas, parecendo contente que a duquesa tivesse dado continuidade à conversa, escapando do clima pesado de antes.

— Talvez — A moça deu de ombros e bebeu o restante do vinho da taça, passando a língua pelos lábios finos — Honestamente, não houveram grandes dificuldades ao longo do processo. Muito pelo contrário. Estou cercada de pessoas dedicadas e maravilhosas, que sempre dão seu melhor para alcançar seus objetivos. Eles me apoiam, e eu os apoio. O resultado é um futuro perfeito.

— Um comentário bem vago e confiante de se fazer.

— A única coisa que possuo plena confiança é em meu conhecimento e sabedoria — Elas trocaram olhares, e Sofia estreitou os olhos verde-água — Não há nada mais valioso que o compartilhamento de talentos por um futuro em comum.

Fuyuki ficou um tempo refletindo a respeito daquelas palavras antes de sua atenção ser voltada para as palmas soadas do outro lado do salão. 

— Certo, pessoal! — Fanes parecia totalmente recuperado quando se colocou de pé, então segurou os ombros do filho, que pareceu inerte ao toque — Como terminamos nosso maravilhoso jantar, é hora do momento mais aguardado desta noite. 

O que Fanes tinha de animação, Edward tinha de indiferença quando afastou o toque do pai e indicou a porta de entrada com uma das mãos.

— Sigam-nos, por favor.

Todos os nobres se retiraram de seus lugares, sendo flanqueados por seus guardiões, e seguiram pelo corredor. A sala de jantar já estava sendo limpa por alguns criados quando saíram, guardas os recepcionavam com reverências rápidas de cabeça enquanto passavam. A noite estava agradável, a luz amarelada escura fazia os corredores terem um tom casualmente rico.

O grupo se dirigiu a passos lentos, mas ritmados, ecoando por onde passavam, até a sala do trono. 

Ryota olhou com surpresa para a extensão do cômodo, as paredes num vermelho rubro que as fazia parecer serem de um tecido confortável. As cortinas, logo no topo delas, quase tocando o teto branco — que era preenchido, grande parte, por dois lustres de diamante e prata —, eram douradas e se movimentavam com o fluxo do ar constante e refrescante da noite. 

A tapeçaria se dirigia para a pequena escadaria, que dava logo para o andar onde três tronos estavam dispostos. O primeiro e mais chamativo, era feito inteiramente de ouro e rubi, adornados com desenhos de flores e folhas entalhadas no material. Claramente era o assento do monarca. Ao lado esquerdo, um andar abaixo, mas não tão abaixo, estava uma cadeira banhada em prata, com traços semelhantes do trono do rei, com o assento azul, mas claramente indicava a falta de uso devido aos anos. O lugar da rainha.

Todos se voltaram para o príncipe quando o próprio subiu até o próprio trono, do lado direito, na mesma altura da rainha, e sentou. A coroa dourada e prateada pendeu em sua cabeça, combinando perfeitamente com seu assento. 

Edward acompanhou com os olhos o pai sentar-se no próprio trono, soltando um suspiro de alívio, girando o pescoço — o que fez Ryota achar que ele estalaria as articulações, mas nada aconteceu —, então ele estendeu a palma direita para os reunidos, um ao lado dos outros, e entoou:

— Que comece a cerimônia de benesse.

Meio confusa com o que estava para acontecer, e sem saber exatamente o que deveria fazer naquele momento, Ryota apenas acompanhou as ações de Miura e postou-se logo ao lado de seu mestre, os braços atrás do corpo e queixo erguido. Era estranho estar em um patamar em que, na teoria, a permitia estar acima deles. Olhar para Fuyuki dali fazia seu estômago se revirar.

Fanes inclinou o pescoço para o lado do filho, aguardando que ele dissesse algo.

— Duquesa Fuyuki Minami, um passo à frente.

Fuyuki assentiu com a cabeça numa reverência simples antes de Sora, seu guardião, postar-se ao seu lado e entregar à mestre um pacote de presente bem embalado em azul e branco. A passos elegantes, ela se aproximou da pequena escada, e, inconscientemente, Ryota trocou olhares com Miura, do outro lado. 

Então se lembrou.

" — A cerimônia de benesse — explicou ele entre a troca de golpes de espada, ela totalmente concentrada nos ataques e defesa, quando as lâminas se chocaram — Quando começar, você só deve fazer uma coisa."

Por muita sorte, ela conseguiu descer a tempo de alcançar a duquesa no andar mais baixo, trocaram reverências com a cabeça e Fuyuki passou o pacote para Ryota. Ambas se olharam por um momento, e ela esperou que seus sentimentos e as milhares de desculpas e coisas que queria lhe dizer pudessem ser compreendidas por seu olhar, esforçando-se para manter as aparências. 

Fuyuki juntou um pouco as sobrancelhas e piscou uma vez, e foi isso. Então, deram as costas uma à outra.

Ryota se aproximou do príncipe e entregou-lhe o presente. Edward o abriu sem qualquer hesitação, puxando o laço para revelar o item embalado.

A caixa transparente parecia ser feita de um material frágil, mas transportou perfeitamente e sem causar qualquer arranhão as duas taças. Apoiadas por uma estrutura que as mantinha de pé, sem permitir movimento, os dois copos lindamente desenhados se revelaram perante todos, e Fanes soltou um "ooh!".

— É lindo, dona Minami.

Fuyuki sorriu de forma educada, mas que para Ryota pareceu mais uma puxada de lábio travada num misto de alívio e preocupação. Ela se perguntou se as palmas da duquesa estavam tão suadas de nervosismo quanto as dela.

Sora deu um toque respeitoso na lombar dela, como se a apoiasse.

— Os Minami não costumam presentear uns aos outros com cimélios — contava Fuyuki, as palavras ecoando pelo salão — Entretanto, quando o fazemos, costumamos entregar peças de cristais implementadas com um pouco de nosso poder. É uma forma conceitual de transmitir nossa presença e de que lembramos da pessoa presenteada.

A taça, observou Ryota, foi lapidada de forma que a base era desenhada com traços ondulares, semelhantes ao que seria um campo com flores e trevos despontando. Mais acima, com detalhes quase imperceptíveis, pequenos flocos de neve caiam. O brilho do gelo estava concentrado no meio das flores. Como se pedaços de gelo brilhassem ali.

Os outros nobres se mantinham focados nos dois soberanos, sem qualquer indício de repugnação ou inveja. Talvez sequer pudessem demonstrá-los durante a cerimônia.

Edward passou uma taça para o pai, que analisava a parte transparente com pequenos brilhos cintilando na parte externa — gelo embutido. Fanes pareceu bastante satisfeito, assim como o príncipe, embora ele nada tenha dito.

Quando Ryota recebeu o presente de volta, percebendo que deveria embalá-lo novamente de forma que continuasse impecável, então deram continuação à cerimônia.

— Lorde Al-Hadid, um passo à frente.

— Mas é claro! Ahai!

Um tapa estalou na nuca de Al-Hadid quando ele gritou em resposta ao príncipe, e seu guardião, que Ryota desconhecia o nome, imitou as atitudes de Fuyuki e Sora. Ela apenas repetiu o que fez anteriormente também antes de entregar a Edward o presente embrulhado em papel vermelho e branco.

— Os cimélios de Polímia eram muito famosas entre os antigos, sabe! — O que deveria ser uma pergunta saiu como uma exclamação, mas todos ignoraram, e Omar continuou a falar conforme Edward pegava em mãos algo que cabia em sua palma, parecendo muito um pequeno pote — Dentre eles, os incensos e incensários eram realmente valiosos e muito adorados, principalmente por nossos Deuses. Usamos para purificar nossas casas e espíritos durante a meditação! 

Um cheiro curioso e diferente chegou às narinas de Ryota, que olhou para o incensário em formato circular. Era de bronze, com adornos marrons e laranjas, e diversos desenhos que deveriam ser curvas espirais, flores pequenas foram pintadas esmaltadas à mão. Uma joia reluzia no topo, na tampa, um brilho laranja-avermelhado cintilava, e era quase possível deduzir que um brilho emanaria dela quando o incensário estivesse em uso.

— Um cimélio e tanto, lorde Al-Hadid. Muito obrigado — disse Fanes, parecendo contente, embora talvez não fosse usar o presente de imediato. Talvez virasse uma peça de decoração, não que Omar fosse se importar exatamente com isso.

— Senhor Shin Akai, um passo à frente — Ryota apressou-se para guardar o item antes de descer a escadaria e pegar o outro.

Pela primeira vez, Edward demonstrou surpresa ao retirar a adaga condecorada com três rubis no cabo preto, manchado num degradê até um cinza. A lâmina, lisa, não tinha impressão de ter sido usada anteriormente, e era um pouco curvada. Para assassinos especialistas, talvez houvesse uma forma especial de usá-la.

— Senhor Shin?

Confuso com o silêncio dele, Fanes o chamou.

— Nada a declarar, Majestade.

— Ah.

Foi uma surpresa vê-lo se recusar a falar. Ryota quase achou que o puniriam por isso, embora não o monarca, mas o príncipe, que olhou de testa franzida para o presente, então para o homem, que mantinha uma postura e inexpressividade impecável. Por fim, Edward deu de ombros e praticamente jogou em Ryota o presente antes de declarar:

— Dona Sofia, um passo à frente.

Um riso de contentamento foi a única coisa que ela expressou antes de sua guardiã entregar à garota um embrulho branco.

— Urânia era uma nação cultural e muito rica — começou Sofia, parecendo relembrar algo — Antes da Era Sombria, quando ainda estávamos separados por continentes... O império era frequentado por muitas caravanas de danças e artistas de rua, haviam eventos extraordinários, semanas e semanas de teatros, apresentações, educação e uma vasta diversidade de pessoas. É por isso... — Ela aguardou que o príncipe mostrasse a todos o cimélio. O queixo do príncipe caiu. — ... Que optei por algo que talvez pudesse agradar Vossa Alteza.

— Um anel?

Fanes, do trono, inclinou o corpo mais para perto do filho, que estava com os olhos grudados na peça. Era um anel de ouro simples, com uma curvatura no topo muito semelhante a uma meia lua, enquanto o outro lado, que se encontrava bem ao meio da curva, tinha um desenho prateado semelhante a uma estrela de cinco pontas.

O monarca não pareceu impressionado, apenas preocupado ao ver a tensão do príncipe. 

Sofia continuava sorrindo.

Ryota apertou os lábios, então...

— ... Alteza? — Com o maior cuidado do mundo, ela o chamou, num murmúrio. Sem resposta. Uma gota de suor escorreu pela testa dele. Os dentes pareciam prestes a bater uns nos outros. — ... Edward?

Edward, como se tivesse se esquecido de respirar, teve um espasmo momentâneo, puxando todo o ar que podia para os pulmões. Então, se conteve ao engolir em seco, os dedos que seguravam o anel ainda tremiam quando ele o guardou dentro da caixa novamente. 

Silêncio. Um silêncio bastante... Ensurdecedor.

O príncipe abriu a boca. Então o pandemônio começou.



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