Volume 3 – Arco 3
Capítulo 13: Voto
A imponente e larga porta de vidro dupla pairava diante de Ryota. Ela, ainda escoltada pelos dois homens, analisou a maçaneta prateada com dourado quando, após Akai dar dois toques suaves contra a porta, girou a maçaneta para que ela entrasse. Houve um pequeno intervalo de tempo entre a fresta se abrir e a garota trocar olhares tortos com os outros dois, que pareceram praticamente empurrá-la para dentro do cômodo antes da porta se fechar brusca, mas silenciosa, atrás de si.
Com um suspiro, Ryota buscou primeiro se estabilizar. Sua respiração ainda estava complicada e rasa, difícil de se manter. Ela apertou os olhos, um pouco inchados das lágrimas de frustração e dor, um pouco dos golpes que tinha recebido anteriormente, antes de abri-los e finalmente tentar entender onde estava.
Era um lugar belíssimo.
O que mais chamava a atenção naquele espaço circular era, sem dúvidas, a textura e o brilho das paredes de cristal. Era como estar dentro de um diamante. A luz do sol parecia bater contra as paredes, mas não causava qualquer incômodo aos olhos, muito pelo contrário: dava à sala um ar de nobreza sutil. Era possível, caso focasse bem a visão, ver um pouco do lado externo de onde estavam, que nada mais era que uma linda paisagem dividida entre o céu azul e as construções da capital real. Aquele espaço estava sustentado no ar, numa enorme torre.
Mesmo o chão, que tinha um tom prateado e deveria ter mais revestimento, era razoavelmente transparente. Haviam poucos móveis ali, nada mais que uma ou outra prateleira branca com livros, dois sofás duplos virados um de frente para o outro, e, logo ao final, uma mesa alta com duas poltronas.
A pessoa sentada ali aguardou com paciência que a garota se estabilizasse, e não disse uma palavra até que fosse percebida. Talvez tanto quanto o próprio lugar, quanto o próprio palácio, o rapaz exalava beleza e um ar de confiança. O brilho dos seus cabelos loiros era como um pequeno sol em meio a tanto azul e prata. Sua roupa, claramente de alguém da alta sociedade, era branca com as cores da realeza, o brasão da família real parecendo gritar por atenção em seu peito.
Os olhos azuis dela finalmente se encontraram com as íris roxas dele. Na realidade, eram um tom muito mais próximo de um tom pastel do que, de fato, da cor roxa. Não era tão forte quanto a cor do cabelo de Zero, por exemplo, mas também não era clara demais. Mas, o que mais se destacava era a borda dourada ao redor de suas pupilas.
— É lindo, não é?
Por um pequeno momento, Ryota quase achou que ele tivesse adivinhado que estava encarando-o tão profundamente. Foi só então que percebeu que se referia ao cômodo em que estavam.
— Embora não tenha sido uma construção fácil — continuou ele, após colocar um cubo de açúcar em sua xícara de porcelana, mexer a bebida com uma pequena colher e levá-la aos lábios — Este lugar torna o chá da tarde muito mais agradável.
De fato, com uma vista linda e um silêncio sereno daqueles, era quase impossível não se sentir acolhido e relaxado. No entanto, naquele momento, não era assim que a garota se sentia, e nem conseguia se esforçar para isso.
Após colocar a xícara de volta no píres, seus olhos se encontraram novamente.
— Não é muito educado recusar o pedido de um príncipe.
— … Mas Vossa Alteza não me pediu nada — Ryota quase chorou por conseguir ter dito aquilo corretamente, quase sem perder o ar.
— O cenário em que estamos é um convite visual bastante direto, não?
A forma com que o rapaz “pedia” era um pouco mais ameaçadora que gentil. Nada mais era que uma ordem para que ela se unisse a ele ali na mesa. Hesitando um pouco mais, Ryota esforçou-se para caminhar até ela e sentar-se na poltrona alta. E, caramba, como era confortável. Por um momento, quase quis fechar os olhos e apagar ali mesmo, mas fazer isso seria o mesmo que dar um tapa na cara do príncipe.
Este que, inclusive, ao observar seus movimentos, piscou lentamente.
— Oh, parece que meu guardião foi um pouco rude com você — observou Edward, os olhos vidrados nos machucados feios em seu rosto e corpo — Miura é sempre uma figura, mesmo. É uma pena que meu pai tenha tanta dificuldade em discipliná-lo.
Edward deu de ombros para o tópico, mas Ryota permaneceu em silêncio. Não se sentia exatamente confortável para respondê-lo como queria, e, provavelmente se o fizesse, seria de um jeito ofensivo, o que apenas traria mais problemas à ela. O que veio à sua mente quando citou o nome daquele homem foi a tragédia e a raiva borbulhante com o destino cruel dado à Marie.
Ao invés de simplesmente dar um soco na cara lisa dele e gritar, Ryota optou por manter-se calma e não tirar os olhos dele. Bem, talvez ela não fosse alguém que soubesse muito sobre a etiqueta real ou sobre a nobreza, mas tinha passado tempo o suficiente com Fuyuki para saber que, diante de uma pessoa desconhecida ou em momentos sérios, desviar sua atenção daquele com quem dialogava nunca era uma boa escolha.
Ela só esperava não estar mais ameaçando ele com o olhar do que prestando atenção em suas palavras. Se Edward percebeu sua careta, não demonstrou, e apenas levou sua expressão dura e séria como parte do resultado de seus ferimentos dolorosos só de olhar.
— De toda forma, não esperava que nos reencontraríamos de uma forma tão destoante e… Em uma situação ligeiramente crítica.
— Uh, perdão?
O grunhido de confusão de Ryota fez o príncipe piscar duas vezes, processando o motivo dela ter feito uma expressão daquelas.
— Ah, é, não fiquei confusa com as palavras chiques e que nem sei o que significam… — Na verdade, ela não entendia quase nada daqueles termos super formais e palavras que dificilmente ouvia numa conversa diária, mas tinha se esforçado para entender. Principalmente por Sora sempre zombar dela daquele jeito. — Mas é que…
— Oh, é verdade. Peço desculpas por não ter dado qualquer contexto a respeito de sua situação atual. No entanto, estou feliz que tenha cumprido com sua parte do trato. Por hora, é o suficiente para mim, e para começarmos de verdade a negociação.
— … Hã?
O sorriso sabido de Edward era nojento. Parecia estar se divertindo com a confusão dela, que, além de ter que lidar com tanta dor, precisava ficar adivinhando o significado das coisas que dizia. Entretanto, o príncipe não fez menção de ser mais claro, e apenas deu outro gole em seu chá — inclusive, o seu estava intacto, e, embora não quisesse ser mal educada, não se forçaria a beber agora apenas por ficar com ainda mais raiva.
Um riso escapou da garganta do jovem, e foi só assim que Ryota ligou os pontos. Houve um pequeno intervalo de tempo até que as coisas fizessem sentido, mas aí…
— E-Espera um pouco, você é… Digo, Vossa Alteza… Ah, eh…
O cara de ontem.
Sua garganta ficou seca de repente. Sua boca se abria e fechava vez após vez, incapaz de dizer qualquer coisa, reação que pareceu agradar o príncipe, que apoiou o queixo no dorso da mão.
— Parece surpresa.
— ... Estou, é claro. Digo, eu nunca imaginei que aquele maluco fosse você... Perdão, fosse Vossa Alteza — Agora era difícil não lembrar do jeito descontraído com que Edward havia interagido com ela, as risadas fáceis. Ela se perguntou, olhando para o rosto indecifrável dele, se tinha sido tudo uma grande atuação para atraí-la até ali.
Os olhos dela deslizaram, então, para a espada que estava embainhada e descansava calmamente em sua cintura. Analisando-o agora, como um todo, parecia que a pessoa do outro dia era uma completa farsa. Uma pessoa totalmente diferente. Antes, era um rapaz desprovido de qualquer limite, zombou dela e, apesar disso, a convenceu a fazer o que queria. Agora, olhando para Edward Fiore, a bainha tão decorada da sua espada e a aura afiada dele...
Ryota se perguntou onde estava aquela pessoa incapaz de usar uma faca e que tinha facilmente sido pega numa emboscada por ela. Definitivamente, Edward não era fraco, muito menos inexperiente, isso era claramente perceptível.
Edward riu com o nariz, terminando de beber o próprio chá.
— Não sei por que estive tão esperançoso que fosse me reconhecer.
— Bem, se era pra ser um disfarce, funcionou muito bem. Embora seja do tipo mais clichê possível.
O comentário, para o alívio de Ryota, fez Edward sorrir de novo.
— Não vai beber?
— Eu não gosto de chá... Desculpa ter dado o trabalho de preparar isso.
Ryota se sentiu mal pelas criadas que provavelmente tinham se esforçado para fazê-lo, provavelmente era um tipo de chá extremamente caro e que deveria ser preparado em certas condições, a julgar pelo cheiro um pouco mais suave dos que estava acostumada.
Curiosamente, ela nunca fora fã da bebida, por mais que, em sua terra natal, em raríssimas vezes, se unia aos moradores para uma roda de chimarrão. Era mais para fazer companhia, na verdade. Lembrava-se perfeitamente de forçar uma reação enquanto bebia, Zero ao seu lado observando-a atentamente, parecendo ler sua mente sobre o quanto detestava aquilo, mas mesmo assim o fazia por consideração a todos. E porque amava bater papo com todos, juntos...
Ryota inspirou fundo e torceu o rosto, dando-se conta de que tinha ficado perdida em pensamentos durante algum tempo. Relembrar de Aurora ainda doía, um pouco menos do que no começo, mas a saudade era tanta que às vezes o buraco do vazio deixado por eles parecia se rasgar ainda mais dentro de sua alma.
Sacudindo a cabeça para os lados, ergueu a palma da mão num gesto completamente antinatural.
— De toda forma! Podemos ir direto ao assunto, por favor? Primeiro de tudo, por que foi até a capital só pra me ver? Não, antes de tudo mesmo — Ela esfregou as têmporas, parecendo se esforçar para pensar — Pode me dar um contexto do que raios tá rolando? Tô mais perdida que cego em tiroteio, juro.
A expressão, que a princípio deveria ter sido recebida com um sorriso para relaxar o clima entre eles, pareceu passar despercebida por Edward, que apoiava o rosto na mão, olhando para a visão além das paredes de cristal.
— Muito bem então, minha cara — inspirando fundo, ele continuou — A resposta para sua primeira pergunta muito bem firmada é bastante simples: Porque você derrotou uma Entidade.
— ... E bem direta, inclusive.
— Naturalmente — Edward balançou os ombros — É esperado que várias pessoas, ao descobrirem que um ser tão aterrorizante quanto uma Entidade foi derrotada, vão buscar descobrir o responsável por tal ato. No entanto, talvez elas fiquem meio decepcionadas quando descobrirem que foi apenas uma jovem do interior.
Ryota torceu o nariz para a forma que ele a definiu, e o príncipe sorriu de um jeito que parecia se desculpar. Ela já tinha ouvido pessoas demais falando dela daquela forma, como se fosse algo ruim, o que já deixava sua boca meio amarga.
— Perdão, apenas uma jovem.
— Estou surpresa que saiba de tanta coisa, não tendo passado nem um mês desde que tudo aconteceu. As fofocas entre os nobres correm rápido, hein?
— Pode-se dizer que tenho fontes confiáveis — corrigiu-a.
A garota, sentindo a garganta ficar cada vez mais seca, e tendo dificuldades para manter a conversa, se forçou a falar:
— Só por isso? É uma pena, Vossa Alteza, mas foi pura sorte eu ter conseguido vencer a Insanidade. Sinto muito por quebrar por completo as suas expectativas, mas a última coisa que eu sou no momento é forte.
Era um apontamento sincero, embora ela não se orgulhasse dele.
— Ainda assim, você o fez. Tem o devido mérito, não acha? — Ele arqueou uma das sobrancelhas, de um jeito que fazia seus olhos roxos brilharem à luz do sol — No mínimo, tanto quanto a própria senhorita Minami.
Não, nem um pouco. A Fuyuki é um milhão de vezes mais forte do que eu, e com certeza venceu o Shai sozinho, ao contrário de mim...
Ela quase disse aquilo em voz alta, mas achou que seria indelicado negar tanto diante do príncipe, então contentou-se em ficar em silêncio com uma careta que dizia tudo.
— Mais do que um mérito, por mais que insista em chamá-lo de algo tão bobo quanto "sorte", você é alguém de grande interesse e valia a muitas pessoas, no momento. Se envolveu com uma duquesa, com herdeiros de famílias nobres e criou vínculos com eles em tão pouco tempo. Está perfeitamente ciente do quão valiosa podem ser as informações que possui? Apenas a sua existência, neste momento, nas mãos das "pessoas corretas", deve valer uns bons milhões.
Ryota assentiu devagar, uma gota de suor se formando em sua testa. Suas mãos se fecharam, as unhas fincando na pele debaixo da mesa alta.
— Se me permite dizer — apontou ele, servindo-se de mais um pouco de chá ainda quente — Vir até a capital real, completamente sozinha, foi um erro.
Ryota inspirou fundo, contendo a frustração e raiva dentro dela. Quando Edward terminou de beber novamente, ele arrumou a postura na poltrona.
— Entretanto, esse mesmo erro vai ser bastante útil. Para nós dois.
— ... Tinha falado, antes, sobre Albert Megalos.
— Sim, eu tinha.
As rugas na testa dela se intensificaram.
— Então vai ser uma troca de informações...?
— Oh, não. Não me interesso por quaisquer informações que venham da duquesa. Na verdade, com licença — Ele colocou-se de pé, caminhando até uma prateleira com portas de vidro de correr, e pegou uma garrafa azul antes de retornar até a mesa — Aqui.
Ryota sentiu um rubor de vergonha preencher seu rosto quando agradeceu com a cabeça a garrafa d'água, e a bebeu. Praticamente num gole só.
— Preciso que se torne minha guardiã transitória.
Ela quase cuspiu a água.
— Oi?! Sua... Guardiã?!
— Será somente até a coroação.
— Pera, peralá. Isso aí...
— O quê?
Apertando os lábios, Ryota conteve o tom de voz ao falar, gesticulando meio nervosa com a revelação repentina:
— Não tem como eu me tornar uma guardiã. Como falei antes, eu não-
— Preciso de uma pessoa de confiança — Ele a interrompeu rapidamente — Alguém que possa, ou que finja perfeitamente, me proteger, e seja responsável.
Por um instante, o mundo de Ryota parou.
— Quer que eu me torne uma farsante.
— Um título muito feio. Prefiro guardiã temporária, ou em uma espécie de estágio.
Edward agitou a colher no ar antes de mexê-la no chá.
— Para um príncipe?
— Os motivos não importam, senhorita Ryota. Se quiser mesmo saber, talvez eu deva interrogá-la a respeito de Albert Megalos, ou de algumas outras questões que podem comprometer nosso acordo, antes disso — Como ela ficou em silêncio, Edward continuou — Os detalhes quanto a isso ficarão por minha conta. Tudo o que precisa fazer é se portar como uma guardiã. Em troca, concederei seu desejo de ver e conversar com Albert, e, é claro, manterei em segredo sua identidade, informações e tudo o que envolver nosso trato. Como seu nome apenas corre pelo reino, e poucas pessoas a conhecem visualmente, será fácil fazê-la se passar por uma outra pessoa. Além disso, essa mesma discrição me será útil.
Ryota percebeu que, agora mesmo — não, talvez muito antes, talvez antes mesmo de ter se encontrado com Edward no beco —, tinha se envolvido em uma grande bola de neve, que apenas parecia crescer e se expandir cada vez mais. A embolando e prendendo como fios cortantes, a impedindo de sair, não importava quanta resistência demonstrasse.
Ela devia estar parecendo muito surpresa com tudo aquilo, pois Edward riu com o nariz após beber seu chá:
— Acalme-se. Não é tão terrível quanto parece. Apenas atue como uma boa atriz durante essa semana, e estará livre. Sou um homem de palavra.
— Você disse que eu sou "confiável" e "responsável"...
— Disse isso?
Ok, talvez ele não tenha dito com todas as palavras que ela era assim. No entanto, ela precisaria ser. Para poder ver Albert de novo, ter seu nome apagado da boca das pessoas e poder voltar a ter uma vida normal.
Uma vida normal...
— Está bem. Mas, com mais uma condição.
— Diga.
Edward não pareceu preocupado em qualquer que fosse seu pedido. No fim, talvez, do patamar onde estava no momento, e por qualquer que fosse o motivo dele precisar dela especificamente — algo que Ryota percebeu, logo depois de vê-lo falar, era que não diria agora — qualquer coisa poderia ser dada à ela.
Dinheiro, popularidade, uma casa dos sonhos, uma vida isolada do mundo... Qualquer coisa.
Mas, o que lhe veio à mente foi uma menininha de cabelos loiros e olhos rosa presa na cela. E o peso da culpa, a dor de tê-la visto ter sido abusada, espancada e de ter... Ter...
— Garanta a liberdade de Marie.
O príncipe inclinou a cabeça para o lado.
— Quem?
— Tem uma menina que está presa numa das celas onde eu estava antes. Atrás da cabine dos guardas. Se garantir que ela poderá sair de lá, então... Está feito.
— Certo. Prometo que o farei.
Ryota suspirou e quase afundou por completo na poltrona quando relaxou um pouco mais o corpo, tenso de medo, aflição caso ele negasse, e preocupação pela atual saúde da menina.
Espero que Luccas esteja bem...
***
De pé um diante do outro, a luz da tarde refletia de forma estranha no rosto de Ryota e Edward.
— Vamos firmar um voto, Ryota.
— Um voto?
O príncipe semicerrou os olhos para a dúvida dela.
— Um voto é formado entre duas pessoas para que as force a manter aquilo que cumpriram.
— ... Sei.
Ele ergueu uma das sobrancelhas.
— Que inesperado. Estava crente de que alguém como você detestaria algo assim.
— Bom, é a primeira vez que ouço a respeito de um voto. Até agora, só tinha ouvido falar de contratos entre espíritos e pessoas, e não entre seres humanos. Mas não é como se isso me desagradasse...
Edward sorriu.
— Seria um saco se Vossa Alteza quebrasse com a sua palavra — terminou ela, trocando olhares com ele.
— Penso o mesmo.
Quando sorriu, Ryota achou ter visto uma pequena demonstração de honestidade em suas palavras, o que a deixou feliz por um instante. Ao menos, Edward não parecia disposto a traí-la, e era ótimo que o próprio tivesse proposto algo como um voto.
— Por falar nisso, como se faz um voto? Qualquer um pode fazer?
— É bastante simples, na realidade.
Colocando-se em uma postura que ficava bem de frente para ela, Edward ergueu o queixo. Ryota, percebendo que deveria fazer o mesmo, imitou-o, prendendo a respiração, ansiosa.
— Hm?
Ela piscou surpresa quando ele lhe estendeu o braço esquerdo, a palma virada na direção dela. Então, com um pouco de receio, começou a erguer sua mão direita...
— Em um voto formal, sempre usamos o lado esquerdo. Devemos sempre selar nossas palavras e convicções com o coração, afinal.
— Ah, entendi.
Quando a mão de Ryota tocou timidamente a dele, Edward uniu repentinamente as duas palmas, entrelaçando os dedos. Era uma sensação estranha, bem diferente do calor protetor de Zero. O príncipe emitia uma sensação de cautela, mas, ao mesmo tempo, de juventude. Ryota quase riu ao perceber que a pele da mão dele era lisinha, bem mais do que a dela, pois nunca tinha forçado o corpo ao trabalho pesado. Embora portasse uma espada na cintura, não haviam cicatrizes ou calos que indicavam um duro treinamento.
Um grunhido de surpresa escapou da garganta dela quando um sentimento estranho a percorreu. Foi como um choque que tinha atingido seu cérebro, tendo passado através do seu contato visual e físico. Uma linha fina e que lhe amortecia o braço esticado pareceu se ligar entre eles, formando um laço. Um laço que não poderia ser cortado, até que o juramento chegasse à uma conclusão. Caso contrário... Apenas pensar já fazia seu coração apertar dolorosamente. Como se fosse explodir.
Ryota engoliu em seco, mas Edward não demonstrou nenhuma alteração em sua expressão neutra.
— Eu — Quando o príncipe começou a falar, Ryota quase deu um salto — Edward Fiore, juro perante você que cumprirei com a minha parte do voto. Por minha vida, minha dignidade e meu futuro.
Um som de sino pareceu ecoar na mente deles. Foi um sinal de que suas palavras foram gravadas perfeitamente pelo voto que os ligava, pelo laço que começava a se firmar. O calor que atravessava seus corpos se intensificou, pouco a pouco, até que fizesse o sangue deles ferver. Uma gota de suor escorreu da testa da garota quando finalmente percebeu uma alteração no rosto do príncipe. Rugas se formaram entre suas sobrancelhas, e um som que se assemelhava muito a um chiado soou bem baixinho de algum lugar.
O olhar que trocaram logo em seguida disse tudo. Ela precisava fazer a parte dela, agora. Inspirando fundo, Ryota repetiu as palavras que ouviu há pouco:
— Eu — A voz saiu mais rouca e lenta do que queria — Ryota, juro perante você que cumprirei com a minha parte do voto. Por minha vida...
Um nó pareceu se fechar em sua garganta, puxando para baixo seu coração. Como se a gravidade a forçasse a se sustentar.
— ... Minha dignidade...
A descarga elétrica chegou ao seu cérebro, quase queimando. Ela teria soluçado de susto, caso não tivesse se esforçado muito.
— ... E meu futuro.
Foi naquele instante que tudo mudou. O sino soou novamente, desta vez, mais alto. Uma, duas vezes. E o laço se firmou, queimando como brasa. Atravessando-os como um raio. E então...
— Não solte — murmurou Edward ao perceber que ela tinha sentido uma pontada de dor — Não solte minha mão.
Sua visão se desfocou quando uma dor alucinante percorreu sua espinha, arrancando todo o resto de sua força. Ryota lutou para se manter de pé, para continuar olhando para Edward, que também resistia à mesma sensação com uma careta.
Era como se uma lâmina fina penetrasse lentamente por sua pele, atravessando delicadamente a sua carne, e então jorrasse calor enquanto cortava e desenhava seu pescoço. O chiado ficou mais alto. Ficou mais alto porque, agora, a marca estava sendo gravada nela. O cheiro de queimado chegou ao seu nariz, a deixando enjoada.
A tortura da queimadura não durou nem trinta segundos, e ambos soltaram as mãos quase instantaneamente quando o ligamento entre eles se desfez. O choque do laço sumiu, e ambos voltaram à realidade. Ryota tossiu, caindo de joelhos, levando a mão até o lado esquerdo do pescoço.
— O que...
— É a marca física do voto... — suspirou Edward, igualmente exausto. Aquilo tinha sido bem menos doloroso para ele por estar em boas condições físicas. Se o príncipe tivesse dito que aquilo aconteceria desde o começo, ela teria ao menos se preparado. Quase teve vontade de jogá-lo contra a parede de raiva — Elas são queimadas em nossas peles...
— Ah, não me diga! Que droga... — Ryota se colocou de pé e marchou a passos pesados até o espelho oval numa das paredes, puxando para baixo a gola vermelha da jaqueta — Nossa.
A reluzente cor vermelha brilhava, escorrendo por sua pele, a carne viva pulsando quente e dolorida. Não podia tocar, nem se quisesse. Apenas de chegar perto com os dedos era possível sentir o quão alta a temperatura naquela região estava. Era quase como uma febre localizada. E o desenho...
A arte, tal qual foi possível perceber quando foi cravada, era de linha fina. Os traços eram perfeitos, como se fossem desenhados por um artista profissional. Com um pincel nobre e delicado, embora o método fosse grotesco.
O brasão dos Fiore estava firmemente gravado em sua pele.
— É a primeira vez que vejo uma marca ser queimada na pele — disse Edward, repentinamente surgindo atrás dela e olhando o próprio pescoço no espelho. O brasão dele também estava do lado esquerdo — Talvez seja pela compatibilidade dos que fazem o voto.
— Então, aquele choque de antes...
— Não é exatamente meu elemento, mas faz parte dele. Suponho que o seu deva ser Huo, então?
O silêncio dela era resposta o suficiente.
— Quer dizer que nem todos os votos possuem marcas?
— Não, todos eles demandam marcas físicas, só dependem do tipo de pessoa que as conjura.
Ryota emitiu um som de compreensão, e se afastou dele. Por alguma razão, no entanto, já não sentia tanta antipatia pelo príncipe. Estava, mais do que ciente, de que nada do que tinha presenciado anteriormente era culpa dele, mas... Ainda assim. Ainda assim uma forte frustração a consumia. E foi esse mesmo sentimento, fortificado pela cena de Marie algumas horas antes, que a fez aceitar realizar um voto.
— Quer dizer que vamos ficar andando com esse negócio mostrando pra lá e pra cá?
— Não é necessário que os outros saibam que firmamos um voto — Para demonstrar isso, Edward ocultou a marca no pescoço com a gola da camisa, e Ryota fez o mesmo, ainda sentindo a queimadura amarga — Entretanto, é crucial não que digamos a razão dele.
— Então tá tudo bem falar com quem, mas não o porquê? Aaaah, já tô vendo que isso vai causar um monte de mal entendido... — Ryota levou a mão para o rosto, tapando um dos olhos só de imaginar.
— Não é tão incomum assim que as pessoas formem votos.
— Não com a família real, no caso.
— Isso devia fazê-la se considerar alguém honrada, sabia?
A troca de olhares dele durou um pequeno instante.
— Não me sinto desse jeito... — murmurou Ryota enquanto andava pelo salão, os passos ecoando solitários — E não quero mentir pra ninguém.
— Você não vai mentir para ninguém, caso não conte.
— Não me vem com essa de omitir não é mentir que sempre dá merda isso, ok?
Ela pouco se importou com o tom de voz ou a forma de falar com Edward, e, para seu alívio, o príncipe não pareceu incomodado com isso.
A passos lentos, ele se aproximou dela e tocou seu ombro.
— Acalme-se.
É fácil falar.
— De toda forma, terminamos por enquanto. Por hora, devemos seguir o plano inicial.
— Hã? Plano inicial? Tô por fora disso.
Edward abanou uma das mãos no ar, seguindo em direção a uma cadeira no canto da sala.
— Detalhes, detalhes.
— Ah, sim. Detalhes que vão me ferrar depo- Uai!
A sacola que veio voando foi pega em cheio pela garota, que quase cambaleou para trás pelo peso.
— Vista isso.
— Pra quê?
— Você verá.
— Olha aqui, e desculpa a falta de educação agora, mas até onde eu sei, contratos e coisas do tipo precisam ser sempre conscientes das duas partes dos contratantes, não é? Não fica planejando tudo sozinho!
Edward riu com o nariz, se apoiando no batente da porta de vidro.
— Infelizmente, algumas coisas já estão decididas.
— Então ao invés de ficar rindo e só jogando na minha cara as coisas, que tal começar me explicando? — Ela gesticulou para a sacola de roupas.
— Ah, certo, certo, minha cara — Ryota girou o dedo no ar, indicando para que ele se virasse para a parede enquanto ela usava o trocador, e ele assim o fez — Creio que não preciso explicar que necessito de sua presença em alguns eventos, não é?
— Não, acho que não — Ryota puxou da sacola uma roupa que a fez erguer as sobrancelhas.
— Muito em breve, haverá uma reunião no salão, e preciso que me acompanhe.
— Ninguém vai suspeitar de uma zé ninguém que apareceu completamente do nada?
— Não se estiver acompanhada do futuro rei.
Ryota grunhiu, passando os braços pelo colete bordô.
— Não me convenceu.
— Faz parte do nosso voto, e há algumas pessoas cientes da sua posição aqui, embora não saibam de todos os detalhes de nosso acordo. Além disso, preciso cumprir a minha parte, também.
Ryota bateu a sola da bota contra o chão, fazendo o barulho ecoar pela sala. Os toques se aproximaram e aumentaram conforme ela saiu do provador, dando uma olhada em si mesma no espelho oval.
— Apresentável — comentou o príncipe ao dar uma olhada em sua nova vestimenta — Apenas faça algo com seu cabelo, e estará... É.
— Tá, tá.
Ryota abanou as mãos no ar, já cansada de ouvi-lo falar, então se focou em prender o cabelo, mantendo a sacola com suas antigas roupas logo ao lado. A bota de couro que vestia ia até a panturrilha, o preto combinando perfeitamente com os detalhes do colete de gola alta, em tom bordô e botões dourados. A blusa branca fina de baixo não era algo que estava realmente acostumada a usar, embora parecesse combinar com sua calça jeans escura.
— Tô parecendo uma vaqueira — comentou ela de um jeito preguiçoso, prendendo o cabelo em um coque baixo e desengonçado, uma mecha pendendo do lado direito do rosto — Só falta um balde.
— Apenas achei que seria mais aceitável vê-la publicamente em roupas apropriadas.
— O que tinha de errado com a minha jaqueta?
— Chamativa demais.
— Falou o principezinho andando cheio de ouro e prata.
— São as cores da família real.
— Vermelho é muito mais maneiro que elas!
Desistindo de discutir, Edward bufou e deu as costas para ela, abrindo lentamente a porta de vidro por um instante. Ele trocou algumas palavras com o guarda que estava em seu posto, então voltou-se para Ryota, estendendo o braço curvado para ela.
Ela torceu as sobrancelhas.
— Sério?
— Sério.
Apertando os lábios, Ryota segurou o antebraço do príncipe quando saíram juntos do salão de cristal e caminharam pelos corredores do palácio.