Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 2 – Arco 2

Capítulo 19: Erga-se

As paredes desmoronavam caindo em grandes pedaços no chão, afundando ainda mais o piso rachado. Cortes lisos e profundos disparavam para os lados e todos os móveis ao redor se espalhavam com a pressão do vento entrando pelas janelas.

Jin!

Ley!

Gritando quase que ao mesmo tempo, os dois conjuraram chi em suas respectivas armas para atacarem novamente. Um estrondo ocorreu, erguendo uma nuvem de poeira antes dos dois se chocarem.

A lâmina finíssima de Shai tinha uma resistência absurda em comparação às facas de sobrevivência de Zero, que eram sacadas uma após a outra, voando pelos ares conforme ele se movia. O combate se baseava em uma troca repetida de ataques, em que o mascarado elegantemente desviava do que parecia dezenas de lâminas do adversário que se misturavam à ventania em que tudo balançava.

Os chiados afiados delas indo de lá para cá era assustador. Houveram vezes em que fora acertado de leve, mas não o suficiente para causar estrago. Ataques invisíveis e velozes demais para serem lidos, apenas para serem ouvidos instantes antes de acertarem seu corpo. Shai, por sua vez, tinha um padrão de ataque curioso, se baseando não em deslizar a arma para os lados, mas sim como numa prática de esgrima constante. Empunhando a espada, ele a segurava junto ao peito antes de investir contra o adversário com a ponta da lâmina, tentando perfurá-lo.

Embora parecesse algo estranho, mesmo os ataques à longa distância causavam sérios estragos. Era perceptível só de Zero ver o que acontecia com as paredes à volta deles.

— Chi de vento é, de fato, mais impressionante do que eu esperava. — comentou num sorriso teatral Shai, olhando para os arredores e admirando a forma como Zero, envolvido em chi, saltava pelas paredes e teto num instante. — Compreendo perfeitamente o motivo da senhorita Mania ter tido tanta dificuldade em matá-lo.

Um corte raspou no braço e perna de Shai, abrindo um rasgo em suas roupas e pele.

— … Entretanto, truques baratos não funcionarão comigo.

Outro chiado ecoou pela mansão quando a faca se chocou contra a espada. Zero, sem perder tempo, fez uma cambalhota no ar e trouxe para a outra mão uma segunda faca, que também fora bloqueada em seguida.

Os olhos prateados do guardião se afiaram quando, subitamente, sentiu algo na direção do corredor. Ele desapareceu da frente do adversário e bloqueou com uma Lâmina de Vento um ataque invisível. Disparado de alguma forma, por pouco não acertara o quarto que protegia constantemente. O quarto de Jaisen, por pouco, não desmoronou.

Arfando, enxugou o pouco de sangue que escorria de seu nariz, antes de fazer uma cara amarga para a própria limitação. 

Mesmo eu só usando Jin… E ainda em um lugar restrito desses já estou ficando assim? Droga. Se ao menos pudesse levá-lo para fora…

Em um espaço fechado, embora houvessem certas vantagens, Zero não podia fazer o uso completo de suas habilidades. Os kiais dele só poderiam ser ativados caso tivesse acesso à natureza, indireta ou diretamente. Por sorte, as janelas haviam sido quebradas, o que permitiu um maior acesso da ventania que adentrava a mansão.

Mas era pouco. Como o próprio Shai havia dito, truques como as Estrelas de Vento não causariam qualquer efeito, e o Domínio Completo poderia tomar completamente as energias de Zero caso usado. Era uma faca de dois gumes, mas poderia funcionar.

No entanto, o ideal era uma luta em campo aberto. Se ao menos estivessem na floresta, ele poderia testar aquilo…

Preciso mandar ele pra longe do Jaisen!

Jin! Mu!

Por dentro da máscara, os olhos vermelhos de Shai se arregalaram. Uma pessoa usando mais de um elemento?

Zero bateu as palmas das mãos uma na outra e invocou novamente seu chi para um novo kiai. A ventania retornou com violência, e as seis facas voando voltaram a mirar no adversário, que desviava como antes. 

Uma lâmina passou raspando por sua coxa, mas, novamente, não era nada demais. Precisaria de muito mais do que simples raspões para...

— … Como? — grunhiu Shai quando um peso como chumbo apertou o local cortado, o fazendo se ajoelhar com uma das pernas. — Foi o Mu que fez isso…? Ele sugou meu chi com a lâmina?

A espada dele rebateu alguns ataques. Agora que, por algum motivo, Zero resolvera mostrar um pouco mais de suas habilidades, precisaria levar aquilo mais a sério…

Huo!

— … Mais um? Ugh.

Quando ouviu o garoto gritar outro elemento, a temperatura repentinamente mudou. Não muito, mas o suficiente para as correntes de ar se tornarem pesadas e quentes. Uma delas quase o fez voar pela pressão, obrigando-o a proteger o rosto com o braço para poder suportá-la.

Novamente, as facas e a espada se chocaram, mas, desta vez, Shai foi lentamente arrastado para trás. Uma das lâminas fincou momentaneamente em sua mão, e sangue espirrou. Mais uma vez, sentiu seu corpo pesar, mais especificamente, o braço, tendo o chi sugado pelo rapaz que se afastou e sumiu.

O brilho prateado de seus olhos era afiado.

— Vejamos até onde consegue ir com isso… 

Sussurrando, impressionado em como a batalha evoluía, Shai decidiu mudar um pouco sua estratégia. Levou o dedo indicador aos lábios, e murmurou novamente:

Ley.

As lâmpadas piscaram e explodiram. Cacos voaram para todos os lados e a mansão foi tomada pela escuridão. Como lá fora o sol se ocultou nas nuvens escuras, provavelmente influenciadas pelo poder da duquesa, o saguão se tornou obscuro, mas não impossível de enxergar.

Zero estreitou os olhos, tentando se acostumar com a escuridão. Ainda podia ver a silhueta do adversário lá embaixo, aguardando algo. E, de repente, pôde ver perfeitamente as íris vermelhas dele se erguerem.

Um barulho. Então, tudo ficou branco. Um zumbido chiou em seus ouvidos, e teve a certeza de que havia perdido a audição por um pequeno momento. Não só ele, mas sua visão se tornou turva quando repentinamente perdeu os sentidos. 

O kiai de trovão causou uma explosão de luz que o atordoou. Foi por um curto período de tempo, mas o suficiente para que Shai tirasse vantagem da situação. 

A primeira dor o fez berrar internamente, quando algo pontudo e afiado rapidamente atravessou seu ombro e saiu, fazendo sangue espirrar. Em seguida, o mesmo movimento se repetiu em sua coxa, então em seu antebraço, em seu estômago…

— Já acabamos?

O tilintar agudo das facas indo ao chão fez o mascarado erguer o tom de voz, uma vez que a ponta de sua espada fincava e girava lentamente na mão do rapaz caído de bruços. Zero, negando-se a reagir à dor, engoliu secamente os grunhidos enquanto lentamente erguia o rosto.

— Devo admitir que a luta foi deveras rápida, no entanto, admiro sua determinação, jovem Furoto. — Houve um instante de reação de Zero, que mudou a expressão ouvindo seu sobrenome, mas nada respondeu. Shai deu de ombros. — Entretanto, o cenário principal está ocorrendo neste momento, então preciso me apressar e preparar o ato final.

O rosto dele se voltou para o corredor, onde a porta de madeira e paredes estavam arranhadas, mas o quarto se mantinha inteiro. 

— Não se preocupe, não tenho intenção alguma de verificar o que há ali dentro. — disse quando a mão do rapaz se apertou em sua canela, como que tentando impedi-lo de ir até lá. — Orgulhe-se. Você o protegeu até o final. É, de fato, um guardião de respeito.

A ponta da espada lentamente saiu da mão dele, ao que um suspiro aliviado escapou de seus lábios. Uma dor alucinante o envolvia, embora quisesse muito se erguer e continuar a lutar, seus sentidos ainda pareciam entorpece-lo. Foi por isso que não reagiu quando foi nocauteado pela empunhadura da espada, vendo os passos do outro se afastando em direção à escadaria, e a escuridão o apagou.

***

O berro de desespero ecoou pelo corredor e Ryota disparou até a buraco de onde Eliza fora lançada. Ao se ajoelhar ali, não conseguiu ver o solo por conta da densidade da névoa lá embaixo, e sequer escutou o som de um corpo caindo.

No entanto, teve certeza do que viu.

As lágrimas gordas jorravam de seus olhos, desesperadas e doloridas.

— … Não… Não, não… Eliza…

A imagem da garotinha mais nova que ela, gentil e experiente, veio à sua mente.

Socou o chão com força, quebrando-o ainda mais.

— Merda! Merda… Merda… E eu… Não…!

Cometera o mesmo pecado outra vez. Estava presente e assistiu a cena da morte de alguém querido acontecer sem fazer nada. Sem sequer se mover ou dizer algo. Foi, mais uma vez, apenas uma espectadora da desgraça.

— Oh, nos livramos de alguém bastante problemática. Ótimo trabalho, senhora Mania.

— … Demorou um tiquiiiinho, mas deu bom! Ela tinha um branco tão limpinho que me deu arrepios só de ver… Ah, cê conseguiu pegar a véia, né?

Shai, observando com felicidade o resultado dos atos da Insanidade, voltou-se com um sorriso para a companheira, que vinha saltitando. Mania inclinou a cabeça para o lado e olhou para Fuyuki.

— Mas acho que cê veio cedo demais. Estragou o rolê todo.

— É mesmo?

A interação casual era bastante íntima entre os dois, e seria algo engraçado de se ver caso não estivessem em uma situação daquelas. Onde haviam invadido e destruído a mansão Minami, causado a morte de um dos membros da elite e estavam prestes a causar ainda mais problemas.

O ar estava pesado e o olhar grosseiramente afiado de Fuyuki estava concentrado no homem mascarado, que parecia sereno em seu sorriso teatral. Como se não conseguisse ler o clima ao redor. Ato que só a deixava ainda mais furiosa. 

Lá fora, trovões ecoaram e a temperatura despencou em um ritmo assustador. Suas respirações condensavam. A mansão, interna e externamente, foi completamente cristalizada. Uma ventania fria balançava as árvores, assim como os cabelos e roupas de todos ali.

Mania, incomodada com o repentino silêncio, abriu a boca para dizer algo, mas hesitou ao ver uma figura se aproximar. Tentou puxar a corrente para um ataque, mas ela desviou rapidamente antes de afastá-la do homem com um chute nas costas.

O movimento chamou a atenção de Shai, que se virou, mas logo percebeu a aproximação da segunda figura, que avançava mirando na parte inferior de seu corpo.

Os dois golpes delas se sincronizaram e, dando um passo em falso para trás, necessitando puxar sua arma para se defender, Shai largou a mulher. Fuyuki prontamente a pegou nos braços e se afastou com Ryota novamente para perto do grande buraco, ambas com expressões de ódio estampadas em suas faces.

— … Ela tá bem? — perguntou Ryota num sussurro trêmulo, ainda com os olhos vermelhos das lágrimas, e olhou para a mulher de cabelos brancos e curtos inconsciente. O corpo era esquelético e sua pele estava praticamente branca.

Um olhar pesado pousou no corpo dela e a duquesa apenas assentiu, parecendo aliviada por tê-la em segurança, agora.

Então, estreitando os lábios, Ryota tentou falar com uma voz baixa e rouca de dor:

— … A Eliza-

— Eu sei. — Interrompeu a mais velha, se voltando para a dupla à frente. — Acha que consegue ganhar tempo?

Ryota engoliu em seco quando a pergunta veio e os olhos frios de Fuyuki se viraram para ela. Sabiam que a garota não tinha chance contra qualquer um deles, e era necessário que pelo menos um dos outros guardiões retornassem o quanto antes. 

— Me perdoe por te pedir algo assim, logo agora… Não tenho certeza de que serei capaz de lidar com os dois. No entanto… Quero ao menos derrotar um com minhas próprias mãos. — continuou ela, claramente se referindo ao mascarado que mantinha um sorriso descarado no rosto e alisava a lâmina de sua espada. — Até que os irmãos Akai ou Zero retornem, pode fazer isso?

Não havia muito a se discutir e sequer havia tempo. E Ryota, mais do que tudo, se sentia incapaz, terrivelmente destruída por dentro por ser tão fraca. Incapaz de proteger qualquer pessoa. Mesmo agora, vendo a duquesa Minami, uma pessoa admirável e sempre certa do que fazer, pedindo algo assim naquele momento… Não se sentia capaz.

Não havia mudado nada. Continuava sendo a mesma covarde e egoísta de sempre. Palavras bonitas não eram nada se atitudes não fossem tomadas. No entanto, não havia tempo, precisavam fazer alguma coisa. Precisava lutar. Precisava ser forte. Precisava fazer aquilo. Sabia disso. Sabia, mas mesmo assim…

— Não foi culpa sua. Erga a cabeça. — ordenou Fuyuki, inclinando o rosto para ela ao perceber sua expressão murchar. — Eliza, Sora, Kanami, Zero, você e eu… Estamos aqui porque queremos, sabendo desde o começo o quão perigoso podia ser. Estamos aqui por escolha e responsabilidade própria. E, mais do que isso, ainda estamos vivas, e existem pessoas que precisam ser protegidas. Pessoas que contam com nosso apoio e nos confiaram suas vidas… É por isso que temos de nos erguer e lutar com o que temos até o final. Para manter a salvo aqueles que restaram.

Eram palavras duras, de repreensão. O tom delas fez Ryota engolir em seco, repensando em tantas coisas que uma vez sentiu e decidiu fazer, mas foi apenas isso. Pessoas que amava e prezava foram tomadas num piscar de olhos sem sequer poder se despedir. Mas também lembrou daquelas que deram suas vidas para protegê-la, para que pudesse fugir e sobreviver… Lembrou-se de todas elas, e então olhou para a mulher nos braços enrijecidos da duquesa.

Fuyuki também deveria ser como ela. Perdeu alguém importante, ou até mais do que uma, e ainda estava ali, de pé, mantendo sua posição e inspirando outras pessoas. Com o rosto sério, estendia a mão para todos e dava-lhes uma chance de recomeçar, de tentar de novo, mas nunca de desistir. 

Foi essa mesma mão que estendeu pela segunda vez à ela. Para Fuyuki, deveria parecer apenas um pedido inusitado de se fazer à essa altura, mas, para Ryota, era mais uma chance. Mais uma chance de tentar consertar os seus erros, de tentar de novo… Devagar. Um passo de cada vez, agarrando a mão de quem lhe estendia, até que pudesse se colocar de pé de novo. Sustentada pelas palavras e sentimentos daqueles que tanto lhe ensinaram.

Ryota fungou e limpou os olhos. Então, juntando as sobrancelhas, concordou em silêncio. Fuyuki deu um sorriso amarelo antes de deitar cuidadosamente a mulher no chão e criar uma camada protetora de gelo ao redor do corpo. Uma vez que a porta de seu quarto foi selada, não havia como ser aberta sem que outro selador desfizesse o selo.

Por enquanto, era tudo o que ela poderia fazer. Passou lentamente a mão pela camada congelada.

— … Só mais um pouco, está bem?

Elas se ergueram. Após sussurrar, Fuyuki se voltou para os dois adversários sorridentes, que aguardavam pacientemente a conclusão da conversa rápida entre as duas.

A duquesa deu um tapa suave nas costas da outra, como que a incentivando, e trocaram olhares de determinação antes de se chocarem contra a dupla adversário. Um choque de luz e gelo explodiu.

***

Um barulho altíssimo soou de algum lugar não tão longe. Antes que Sora e Kanami pudessem compreender o motivo, a ventania se tornou mais forte. Precisaram se proteger com os braços quando algo gelado começou a cair rapidamente. As árvores foram se tingindo de branco, assim como o chão, quando flocos começaram a cair.

Uma tempestade de neve se iniciou.

***

— Um teleporte instantâneo?! Fiquei tonta! Ahá! É a primeira vez que faço uma parada doidona dessas. — riu Mania, ao ver que estava de volta à floresta, olhando para a garota de cabelos negros que se aproximava a passos lentos.

***

Em um lugar distante, num campo mais aberto e de frente para um penhasco que alcançava a visão do oceano… 

Os flocos de neve chamaram a atenção dele. Seu sorriso teatral se alargou quando um pousou em seus dedos.

— Ora, ora… Quem diria que até mesmo um papelzinho desses teria uma capacidade tão absurda? Aquela garotinha, de fato, não era alguém a ser subestimada. 

Shai assim disse em voz alta, colocando as mãos atrás do corpo e baixando o olhar para o pequeno papel que Fuyuki encostara nele antes do teleporte ocorrer. O mesmo deveria ter acontecido com Ryota, uma vez um papel semelhante fora colado em suas costas sem sua conscientização. A explosão de poder foi neutralizada, então o corpo de Coldy ainda estava intacto, protegido no andar superior.

Na situação em questão, o teleporte ocorreu aleatoriamente, mas estava ciente de que seriam mandados para fora da mansão com ele. Fuyuki agradeceu mentalmente aos preparos prévios de Eliza. 

No entanto, uma vez que um selo artificial era usado, era instantaneamente desconjurado e não poderia ser reutilizado. Por isso, era o momento perfeito para acabarem logo com isso.

— No entanto, ao contrário dela, a senhorita parece ter mudado muito. Explêndido. 

A explosão de chi ocorreu novamente e um riso escapou do mascarado, que ainda se impressionava com o quanto de energia ela ainda possuía. Fazendo uma reverência, como que a recepcionando, enquanto a duquesa se aproximava e as pegadas deixadas se cristalizavam, Shai tocou o peito enquanto segurava sua espada.

— Podemos começar?



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