Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 2 – Arco 2

Capítulo 18: Apoio

A presença de Alhena causava um apelo absurdo contra as enormes garras de névoa. Deslizando num alvo brilho vermelho, os cortes da Inflamação Cortante e os lisos golpes da Fatiação Flamejante eram bastante efetivos. Entretanto, para um combate a longo prazo, mesmo Kanami não tinha chi o suficiente para se manter constante.

Por isso, ela saltava entre as árvores como uma sombria assassina. Os olhos afiados analisavam tudo ao redor e assimilavam os ataques com uma velocidade assombrosa.

Parece que técnicas com calor… Parece que Huo funciona perfeitamente contra essa criatura. Mas ela é resistente demais e não consigo me aproximar tanto.

Kanami era capaz de desfazer os ataques com garras e dentes afiados sem usar o Huo de suporte em Alhena, mas não eram tão efetivos quanto - a temperatura alta dissolvia a névoa, enquanto a lâmina lisa apenas a separava momentâneamente.

Lá embaixo, com olhos ferozes a acompanhando, o grande tigre branco rugiu, fazendo toda a floresta balançar. Suas garras se afundaram no solo já destruído e outro terremoto abriu uma cratera que derrubou todas as árvores por onde a guardiã habilmente saltava.

Agora!

Huo.

Pegando impulso, a assassina afiou o olhar e sussurrou o elemento para se concentrar na lâmina, que mais uma vez chiou com uma fumaça branca. Alhena cravou perfeitamente no enorme corpo da besta, que grunhiu alto de dor.

Kanami fez um esforço para se manter de pé nas costas do tigre, puxando a katana por onde passava. 

— … O quê? — murmurou ela, numa voz de surpresa, ao ver os rasgos na carne começarem a borbulhar e se fechar.

Estalando a língua, desviou por pouco da chama azul que mirava em seu rosto. 

— Essa coisa não sangra e pode se regenerar? Ótimo.

Após falar de forma sarcástica, com um sorriso amargo fora do usual, ela saltou para longe novamente e se apoiou numa das árvores. A névoa se espalhava e subia cada vez mais, num turbilhão inconstante e perigoso.

As pequenas chamas azuis rodeavam o corpo da grande besta que fitava onde a presa estava, enviando novas ondas de mãos com garras e presas de névoa em sua direção. Kanami apenas desviou e cortou todas com katana Alhena ainda fervente.

Preciso retalhar essa coisa de uma vez só, mas é quase impossível mantê-la parada… E ainda tem essas coisas me atrapalhando!

Além de todos os ataques, o território fechado não ajudava muito. A visão era bastante limitada e os efeitos da Névoa Ilusória haviam ficado mais fortes. Embora Kanami não fosse tão afetada quanto um outro ser humano comum, seus sentidos ainda eram traídos constantemente, uma vez que tudo estava imbuído em chi.

Era um enorme desperdício de tempo e energia. 

Suspirando pesadamente, a guardiã inclinou a cabeça e apertou os olhos, passando o dedo pela lâmina aquecida.

— … Acho que não tenho outra escolha.

Uma linha vermelha escorreu por Alhena e pingou na ponta da katana. O líquido viscoso - o sangue - de Kanami dançou pela lâmina, se unindo à ela, e começou a evaporar. Lentamente. Um suspiro escapou dos lábios da garota antes de afiar os olhos mais uma vez.

Um calor crescente invadia seu corpo. Ele avermelhou a ponta de seus dedos, e subiu por seu pulso, por seu braço… E então a preencheu. Quando expirou o ar outra vez, entredentes, o chiado foi mais alto.

Manchas vermelhas começaram a aparecer em sua pele e o vapor se ergueu. Kanami saltou do galho derretido e pousou no chão, com Alhena em seu ápice.

Era um embate de temperaturas.

Os passos dela abriam espaço na névoa. Sequer se esforçava para isso. O sangue que escorria pingava no chão e lentamente evaporava, levando um pouco da terra dissolvida.

Kanami era o calor.

— Há… Há, hi...

Então, ela riu. Começou como um soluço engasgado, que logo se transformou em uma compulsão incontrolável. 

A assassina ensanguentada saltou violentamente contra o tigre e cravou Alhena em seu corpo, o fazendo rugir alto novamente. Em reflexo, a longa cauda sacudiu no ar e voou na direção dela, que abria um sorriso distorcido enquanto o próprio sangue espirrava no rosto.

— … Há, hi.. Ahá, há, hi, há…!

— Aka… Ahá, há, há, há…!

Uma segunda voz a acompanhou, e a cauda do tigre foi para longe ao corte do rapaz.

As lâminas dele brilhavam em azul, traçando uma linha fosca circular.

Os gêmeos se fitaram, então, gargalharam em uníssono. Os olhos, que não mais eram frios, agora brilhavam insanamente.

A Dupla Sangrenta estava unida. E, com o Instinto Assassino ativado, eram invencíveis.

Huo!

Tu!

Concentrando chi de calor e de destruição em suas armas, Kanami e Sora avançaram mais uma vez contra o tigre branco, que logo reagiu ao senso de perigo. As chamas azuis voavam de um lado para o outro, mas aquilo não era nada comparado às suas velocidades e habilidades de corte.

As risadas se sobrepunham.

Sora cravou as duas facas kukri no solo e, mais uma vez, tudo estremeceu. Então, repentinamente, a grande besta rugiu ao ser lançada no ar pelos pilares de terra que se ergueram. Kanami, avistando o alvo, passou pelo corpo dele girando com a katana.

Seu sangue, que espirrava para os lados, repentinamente rasgou na carne do animal como lâminas escarlates. 

A pelagem branca do tigre se abriu e seu urro balançou a floresta.

— HÁHÁHÁHÁHÁHÁHÁHÁHÁHÁHÁHÁHÁHÁHÁHÁ!!

Como que emocionados com a reação do animal, a Dupla Sangrenta voltou a agir, rodeando o tigre enquanto as lâminas dançavam por seu corpo. Os cortes, quentes e lisos, outros brutais e profundos, foram feitos em uma velocidade alucinante.

Quando o chão estremeceu pela última vez e árvores caíram aos seus pés. O grande tigre branco já havia perdido a consciência e afundado no solo. A carne - ou o resto dela - borbulhava e se desfazia completamente. Kanami e Sora, cada qual em um estado menos insano do que antes, olharam para o resultado da batalha e suspiraram.

Não havia sangue além do da guardiã, que pouco a pouco se extinguia conforme a temperatura voltava ao normal. Arfavam, ainda suportando o êxtase incontrolável, quando seus olhos perderam o brilho afiado e retornaram à neutralidade de sempre. Um cansaço e peso imensuráveis caíram sobre seus ombros.

Sora apenas virou o rosto, suando da cabeça aos pés, a tempo de ver o grande corpo listrado se afundar na fumaça branca e diminuir de tamanho… Até se tornar um pequeno filhote de gato branco, inconsciente.

***

— … O quê? Por que estão aqui?

— Não é óbvio? Viemos te ajudar.

Fuyuki, ainda em choque com a chegada repentina de Ryota e Eliza, fez a pergunta em voz alta, ao que a garota de cabelos negros prontamente respondeu, se virando para ela. 

— Eu não preciso de ajuda.

— S-Senhorita, por favor… 

Ignorando as palavras da curandeira, a duquesa se colocou de pé. Ryota fez uma careta.

— Posso cuidar dela sozinha. Saiam. 

As duas se encararam. Ao lado, percebendo a tensão crescendo, Eliza se colocou de pé também, nervosa. Olhando-a, Ryota logo lembrou do trato que haviam firmado anteriormente. Sobre não interferirem nos objetivos uma da outra, já que Fuyuki permitiria que ela atuasse como quisesse.

Mas, por algum motivo, sentiu que naquele momento não deveria ser assim. Que, mesmo que a duquesa estivesse inteira lutando contra uma Entidade, não poderia abandoná-la agora. 

Era uma visão egoísta, é claro. Ryota era egoísta de corpo e alma, e já tinha se acostumado com isso. 

— Isso é uma ordem.

Entretanto, se tinha algo que havia aprendido, era que auxiliar e se intrometer eram coisas bem diferentes.

— Tem algo que você quer proteger, não é? 

Fuyuki resfolegou, parando a alguns centímetros da garota que arrogantemente assim afirmou. Então, a duquesa torceu seu rosto numa expressão séria.

— Não é da sua conta.

— Me desculpa se eu for insolente, ou só uma grande idiota, mas é sim da nossa conta. 

Os olhos esverdeados dela se afiaram.

— Vejo que não pretende manter a sua palavra.

Ryota balançou a cabeça.

— Acho que você entendeu uma coisa errada, Fuyuki. Nunca disse que iria fazer as coisas no seu lugar. Agora…

Instintivamente, o braço de Ryota se esticou para a frente e protegeu o rosto impassível da duquesa. A corrente pesou ao se enrolar, puxando Ryota para baixo. Ficou zonza. Começou a suar frio. Os efeitos da loucura começavam a adentrar em sua mente, mas se manteve de pé.

— … Nós só queremos te dar cobertura. Se quiser proteger o que lhe é importante, ou lutar, fica ao seu critério. Mas não podemos te deixar sozinha… Ou melhor, acho que nenhum de seus guardiões gostaria de ser deixado de lado em um momento crucial desses, não é?

A força da corrente a puxou para o lado e Ryota tombou, mas puxou o braço de volta, ajoelhada. 

— Não foi pra isso que contratou todos eles? Pra te apoiarem sempre que precisar?

A bola de ferro rasgou a parede, voando na direção dela. Presa e enjoada, a garota apenas virou o rosto para o ataque que vinha em sua direção. 

Uma parede transparente se ergueu e apenas rachou ao golpe. Surpresa, acabou grunhindo de desconforto quando as correntes congelaram e se quebraram, deixando uma marca vermelha em seu braço quando caíram em pedaços aos seus pés.

— … Muito bem. Embora não concorde com seu apontamento, temos um trato. De pé, Ryota. 

A duquesa colocou-se ao seu lado, e, de cabeça erguida, mantendo sua visão na inimiga, assim ordenou. Como se comandasse suas tropas a se posicionarem. Como que envolvida numa sensação de responsabilidade, mas, ao mesmo tempo, encantada com a seriedade dela, Ryota a obedeceu.

— Eliza, nos dê cobertura e garanta um selo extra à essa porta. A Insanidade não vai parar até que acertemos seu verdadeiro corpo, ou que consigamos encontrar uma falha em sua habilidade.

— … Verdadeiro corpo. Tá, acho que entendi.

Na verdade não entendi caralha nenhuma!

Sem tempo para maiores explicações, as duas se posicionaram para o combate quando Mania se colocou de pé. Rindo, de cabeça baixa, a Entidade puxou as correntes para perto e abriu os braços.

— Ah, sim, sim, sim! É isso! Agora podemos começar de verdade, não é? Me levará à sério agora, Fuyuki Minami?!

Um movimento suave de dedos, e então três palavras escorregaram de seus lábios:

— Só um pouco.

O chão tremeu quando as três saltaram para a frente. Picos de gelo se ergueram e desviaram a direção das correntes que passavam por Ryota, que corria em direção à Insanidade para acertá-la.

Mas a sua velocidade era maior.

— Não acho que seja uma boooooa ideia me tocar agora… Ahá!

Saltando para a parede, ela girou no ar para desviar da bola de ferro espinhosa que afundou na parede, criando outro buraco. Estalos foram ouvidos quando o gelo começou a cravar a arma, impedindo-a de ser puxada de volta.

— Isso não é nada divertido.

Os golpes acertavam Mania com precisão. Um chute no pescoço quase a fez ir ao chão, mas logo se ergueu com a joelhada que voou em seu queixo. A série de ataques corporais faziam um estrago considerável no corpo da garotinha.

— Ahá… Há… Você não foi afetada… Pela minha Insanidade? Ahá… Ahá, há, há! — Ryota desviava das correntes que serpenteavam, desesperadas de um lado para o outro, mas recebia apoio constante de Fuyuki para manter os golpes certeiros longe.

— Que força… É-É essa? — disse Eliza, assustada com os barulhos e chiados vindos do corpo da Entidade, que pouco a pouco tinha os ossos quebrados. Estava sangrando cada vez mais. A curandeira levou as mãos ao peito. 

Ryota segurou-a pelos cabelos e então empurrou a cabeça com toda a força contra o muro de gelo. A parede se desfez, erguendo uma névoa fria ao se estilhaçar no chão.

Não houve reação de Mania após o ataque. Ela permaneceu quieta, como que desmaiada, após a cabeça rachar com o golpe.

Será que…

— Ku… Kuku… Ahá… Ahá, há, há… Ahá, há, há, há, HÁ, HÁ, HÁ, HÁ, HÁ…!

Subitamente, Mania riu. E então, gargalhou alto, escancarando os olhos amarelos na direção de Ryota.

— Isso! É exatamente isso que eu procurava! Uma diversão dessas…! Precisamos de você…! Há, há, há…!

Como que falando sozinha, mas, ao mesmo tempo, olhando para a garota, a Entidade apertou o pulso da mão que a segurava com força.

— … Nem mais uma reação. Perfeita. Muuuito perfeita.

— Do que… Você tá falando?

— Do que mais seria, heeein? Não é à toa que o Shai falou de você… Que elas falaram taaaaaanto de vocês…! Uma alma linda dessas… Que ótimo! Sim! 

A risada dela era engasgada. Rouca. Estava perdendo o fôlego. Seus olhos se dilataram e a estrela em sua pupila piscava, incessante. Estava ainda mais ensandecida do que antes. Um rubor surgiu em sua face - um rubor de êxtase.

— Ora, ora.

Passos ecoaram do corredor. Uma figura esbelta surgiu em meio à névoa que se dissipava…

Fuyuki resfolegou alto. Foi quase um grito.

O homem de máscara se aproximou lentamente, sorrindo. 

— O clímax se inicia assim que todos os protagonistas estão em palco… Não é mesmo?

Mania riu. Ryota travou. Eliza ficou boquiaberta. Fuyuki rosnou.

Shai carregava uma pessoa nos braços. Era uma mulher inconsciente.

— … Seu DESGRAÇADO!!

O berro de fúria de Fuyuki estremeceu a mansão e uma tempestade de chi atingiu a casa, criando uma tormenta. Todos os vidros estouraram. As paredes congelaram mais uma vez, assim como o chão. Lá fora, as nuvens brilharam em amarelo com os trovejos, reagindo aos sentimentos dela.

— SOLTE-A!! AGORA!

O olhar de choque de Ryota passou de Mania para Shai, que segurava uma mulher pálida e magra até os ossos de curtos cabelos brancos. E então para Fuyuki, que ficou fora de controle.

Só então para Eliza, que estava tão chocada quanto. E, por estar assim, não pôde lidar a tempo com a espinhosa bola de ferro que a atravessou. Seu torso explodiu.

Sangue jorrou. Não houve grito de dor. Sequer tempo para os outros, além dela e de Mania - que sorria largamente - perceberem o estrago.

O corpo morto de Eliza voou buraco afora e caiu do terceiro andar da mansão.

— ELIZAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!



Comentários