Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 2 – Arco 2

Capítulo 16: Inimigos à Espreita

— Aaaaah… Isso não é nada divertido…!

Ouviu-se o som de uma lâmina se chocando com outra coisa sólida, causando um atrito desconfortável quando se empurravam para longe. Empunhando a katana com sua longa lâmina, a guardiã seguiu num piscar de olhos para cima da onda de névoa trêmula, e que, subitamente, formou cerca de dez mãos com gigantes garras para avançar contra ela.

— Por favor, Alhena… Huo.

Sussurrando aquelas palavras como numa prece, Kanami afiou o olhar e expirou entredentes o ar condensado antes de acelerar o passo e literalmente desaparecer. Silenciosos passos indo de um lado para o outro. O brilho liso vermelho da lâmina cortando em pedaços a névoa solidificada era algo lindo e perigoso de se ver. Seu vulto pulando entre as árvores causava um raso chiado de queimadura. 

Ela estava pegando fogo.

Numa dança veloz e calorosa, capaz de até mesmo derreter os arredores frios e dissipar tudo, incluindo a própria atmosfera quebrada, a assassina desfez em um golpe todas as mãos. 

— Não, não, não, não, nÃO, NÃo, NÃO, nÃo… MaLDitAaAaAaAAaAAaAaA!!

O tom antes infantil e inocente começou a se contorcer num berro de raiva, virando um rugido. Mas isso não a fez parar, e Kanami seguiu cortando tudo o que vinha em seu caminho, numa corrida veloz até o final do terreno, visando um par de olhos azuis. Ao vê-la se aproximando, intocável, o olhar da coisa se contorceu de raiva.

— Imperdoável! Imperdoável! Imperdoável...!

As garras continuaram vindo, surgindo de todos os lados. Seus olhos vermelhos-sangue pareciam brilhar, ofuscantes e afiados, enquanto ia de um lado para o outro. Um grito ensurdecedor ficava cada vez mais alto.

— NÃONÃONÃONÃO!!!

Velozmente, Kanami afundou Alhena no chão e o ar se contorceu com a temperatura subindo. Abrindo caminho e desfazendo toda a névoa presente, a assassina segurou o cabo da arma e ergueu-a no ar, por cima do ombro.

— … Retalhação Fervente. 

Após expirar novamente o ar condensado, um liso traço vermelho passou voando para o fundo da mata. Alhena cravou perfeitamente em algo, mais especificamente, no lugar onde seria a cabeça da coisa. Pôde sentir perfeitamente a presença se movimentar em desespero por ter sido acertada. Talvez estivesse sentindo dor? 

— Como, como, COmo, COMO, cOMo… Alguém como você não é pega na minha Névoa Ilusória e não sofre com a Névoa Dissolvente?! CoMo… cOmO…?!

A voz ganhava tons graves e agudos simultâneos, misturando-se em um berro de raiva e dúvida. A jovem se aproximou a passos lentos, passando reto por toda a névoa que se desmanchava e desaparecia aos seus pés.

— Existem dois critérios para que os alvos caiam em suas técnicas. A primeira é ter sentimentos fortes o suficientes para serem frágeis e manipuláveis. — O dedo indicador se ergueu, e, em seguida, o do meio o acompanhou. — A segunda é ter um corpo físico capaz de sofrer com a primeira condição.

Kanami parou a uma distância segura e viu o brasão Minami piscar no cabo de Alhena. Sabendo o que aquilo significava, deu um suspiro de alívio, e mostrou os dois dedos erguidos em frente ao rosto, declarando: 

— … É mesmo uma pena que eu não me encaixe em nenhum deles. Nem eu, ou meu querido irmão.

— Maldita… Maldita… MALDITAAAA!!

Uma pressão absurda ricocheteou para longe a katana, mas ela prontamente girou e retornou para as mãos da gêmea, que a empunhou novamente.

Olhou para a extremidade da lâmina. Não havia sangue.

O chão começou a tremer e ela quase acabou perdendo o equilíbrio quando o mesmo rachou em várias direções, afundando. A névoa, antes harmoniosa e quase extinguida, repentinamente se elevou numa bagunça completa. Era como um redemoinho que tomou forma e começou a jogar tudo para os lados, abrindo espaço para o que viria a seguir.

Estalos de galhos e árvores derrubadas foram ouvidos. Era o barulho de alguém as pisoteando, alguém grande o suficiente para, a cada passo, causar um intenso terremoto. Pássaros voaram às pressas para longe, desesperados ao ver o que se aproximava.

A realidade parecia se distorcer ao seu redor. As ilusões, antes frágeis e quase imperceptíveis para Kanami, agora se misturavam com as silhuetas negras e as vozes desconhecidas que sussurravam da floresta. Como se a chamassem. Como se implorassem para ela correr. Para fugir.

No entanto, a assassina apenas aguardou a chegada de seu adversário. Foi quando uma dor de cabeça subitamente a atingiu, e ela fechou um dos olhos a tempo de sentir as vibrações vindas de Sora de algum lugar da floresta.

Um corpo físico falso, hein…? Parece que meu querido irmão está intacto, mas a Ryota… 

A guardiã contorceu o rosto ao se lembrar da convidada da mansão que havia conversado amigavelmente com ela no primeiro dia. Suas íris se dilataram, em fúria.

— … Então era você o tempo todo. Com certeza, não é um inimigo a se subestimar.

A lâmina de Alhena se virou, e uma fumaça branca começou a subir. A lâmina estava começando a esquentar. A praticamente queimar com a alta temperatura, derretendo a névoa ao redor mais uma vez.

— Muito bem. Eu, Kanami Akai, guardiã da duquesa Fuyuki Minami, irei fatiá-lo até a morte.

Assim decretou ela para o grande tigre branco que rugiu enraivecido à sua frente, com chamas azuis se acendendo ao redor. Uma batalha colossal estava para começar.

***

Os passos rápidos dos serviçais seguiam em direção a um dos corredores do primeiro andar. A mansão, grande demais para tão pouca gente, estava agitada. Com o estrondoso barulho vindo de fora, todos que estavam por perto acabaram se assustando e se aproximaram das janelas a tempo de ver a grossa camada de névoa rodeando a casa.

Dos andares superiores, era possível perceber uma alteração ao longe, e várias árvores eram derrubadas constantemente. Um combate intenso havia iniciado e precisavam evacuar imediatamente. 

A duquesa Minami saiu de seus aposentos batendo as portas para chamar a atenção de todos. Ela logo deu as ordens para escaparem para os fundos da mansão, onde um selo com o brasão da família estaria desenhado numa das paredes para poderem escapar com um teleporte em direção a um lugar seguro do ducado.

Para uma das outras casas dos Minami, onde outros guardiões aguardavam ansiosos por notícias de sua mestre. 

Cerca de uma hora e meia mais tarde, perto do meio-dia, a mansão estava silenciosa. Passando em questão de segundos pelos corredores, o rapaz confirmou a evacuação de todos, então desceu às pressas para o primeiro andar. Ainda havia algo que precisava fazer.

Jaisen.

O homem continuava em seu quarto mesmo depois de toda a comoção, a princípio, de cama. Segundo o que Eliza lhe relatara, ele estava melhor e parecia recuperado, mas não estava psicologicamente saudável. Achou estranho Ryota não comentar nada a respeito, e não insistiu em saber, pois aparentemente algo havia acontecido entre eles.

Pelo jeito, a noite passada tinha sido muito mais movimentada do que parecia.

Com um salto do segundo andar, ele parou tranquilamente no primeiro sem precisar usar as escadas graças à concentração de chi de vento em suas pernas, que lhe permitiam uma melhor movimentação e aterrissagem.

Foi só durante o pouso que ouviu um som particular ecoando. Um ruído que trazia arrepios. Algo estava sendo lentamente arranhado. Era irritante. Tão incômodo quanto unhas passando pelo quadro negro. E, também, era propositalmente chamativo. 

Zero se sobressaltou quando as janelas do salão estouraram e todo o vidro se espatifou no chão. 

— Ora, ora… O assustei? — O dono da voz deu um salto para trás quando a palma de Zero passou cortando o ar, tentando acertá-lo — Mil perdões pela minha falta de educação. Só gostaria… De deixar uma boa impressão.

Assim relatou o homem de longos cabelos negros amarrados, num largo sorriso. A aparência de um cavalheiro antiquado e perigoso era perceptível pela máscara que ocultava seus olhos enquanto segurava uma espada junto ao peito. A lâmina era semelhante a uma agulha.

O guardião riu, seco, antes de estalar os dedos.

— Não se preocupe, foi uma entrada perfeita… Shai, o Fatiador Mascarado.

Shai, após ter seu nome e pseudônimo pronunciados, riu abertamente e apontou a ponta da espada na direção do outro.

— Exatamente, meu caro. Parece que nos encontramos novamente… Em um momento oportuno.

Outro estrondo soou da floresta, desta vez mais alto graças à perda das janelas que anteriormente abafavam o som. As íris prateadas de Zero vagaram rapidamente pelos arredores, confirmando que estavam sozinhos. Se iriam lutar, precisava evitar qualquer tipo de possível problema que reféns ou serviçais perdidos poderiam causar.

Zero tinha ciência, pelo sorriso de Shai, que o andamento de seu plano estava indo bem.

— É mesmo? — respondeu Zero com um pouco de atraso.

— Devidamente, meu caro. Afinal, adversários formidáveis devem ser enfrentados no cenário e tempo ideais. 

As palavras dele soaram estranhas para Zero, que manteve uma expressão séria diante de seu comportamento nobre. Mentalmente, imaginou que Fuyuki deveria estar de frente para algum outro inimigo, e isso era um problema.

Não por ela ser fraca, muito longe disso - a duquesa era a mais poderosa entre todos dali, e ele podia apostar que sobreviveria a qualquer combate -, mas deixá-la sozinha, tendo duas pessoas dentro da mansão que ainda precisavam ser imediatamente evacuadas era um problema.

Até que aquele ponto fosse resolvido, nem Zero ou Fuyuki poderiam lutar a sério.

Quase como que correspondendo ao raciocínio, um barulho soou de algum lugar dos andares acima. Shai riu.

— Ora, ora… Parece que as peças principais estão a postos. Se é assim, nós, os coadjuvantes, precisamos cumprir nossos papéis.

O mascarado moveu a direção de sua espada de um lado para o outro, mas sem intenção alguma de atacar. Então, bruscamente, a parede ao lado esquerdo deles começou a desmoronar.

— … Oh, então era para este lado que estava olhando? O que tem neste quarto que o preocupa tanto a ponto de ignorar uma eventual luta?

Graças à sua velocidade, Zero foi capaz de impedir o fechamento da passagem do corredor quando toda a parede foi aberta na metade. Os ventos se concentraram nas rachaduras e enviaram para longe as peças que vinham em sua direção. 

Shai começou a se aproximar a passos lentos.

— Sinto uma aura extremamente poderosa aí dentro… Ainda assim, pretende protegê-la? Curioso, eu diria. — Inclinando a cabeça para a posição de combate de Zero, que se manteve em silêncio durante algum tempo, o mascarado ria de sua atuação.

— De fato, a pessoa aqui dentro deste quarto é alguém excepcionalmente forte. Ele foi alguém admirável no passado… Mas, no momento, precisa de um pouco de privacidade.

Estreitou os olhos. Embora não tivesse visto qual era a expressão que Jaisen fazia naquele momento de instabilidade, Zero nunca se esqueceria do homem que sempre o tratou como filho. E, também, foi uma de suas inspirações para se tornar quem era hoje.

As palmas de suas mãos se ergueram, preparadas para conjurar qualquer kiai ofensivo ou defensivo. Um pouco de vento começou a balançar suas roupas e cabelo conforme aguardava a investida do adversário que vinha pacificamente em sua direção…

O tilintar violento de duas lâminas se chocando ecoou por todo o salão.



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