Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 2 – Arco 2

Capítulo 12: A Coisa na Névoa

O calor pulsava sob a palma de sua mão. Quando tocava a madeira da árvore, podia visualizar as linhas invisíveis de chi passando de seu pulso até o desenho, e ele surgia bem diante de seus olhos. O simbolo de floco de neve piscou uma, duas vezes. Era fraco. Muito fraco. A barreira estava instável demais.

Eliza franziu a testa, de olhos fechados, enquanto tentava se concentrar.

É como se alguém tivesse mexido nela… Mas como?

Somente outra pessoa com nível equiparado ao dela seria capaz de tal coisa. Isso, ou alguém com chi o suficiente para passar pela barreira e causar uma espécie de curto-circuito no sistema. A restauração foi completa, mas demandou tempo demais. Normalmente ela nem precisaria sair da mansão para isso.

Som de passos. Ou melhor, a sensação de alguém se aproximando. Eliza sentiu o chi da pessoa que vinha pelas sombras e estreitou os olhos, fechando os dedos. A pulseira prateada em seu pulso tilintou.

— Já faz um tempo, madame Eliza.

— … Kanami. 

A guardiã prestou reverência imediatamente ao se revelar, e a curandeira suspirou. Os irmãos podiam ocultar sua presença, mas, quando despertavam, uma pressão absurda se concentrava em seus corpos. E, nesse exato momento, Eliza podia sentir que Sora fazia uso daquele poder a uma distância bastante considerável delas.

— Peço desculpas pela intromissão, mas há uma aura estranha ao redor da mansão e precisava vir avisá-la. — De repente, ela parou e estreitou os olhos, como se pensasse em alguma coisa. — Meu irmão acaba de relatar que a patrulha está completa.

Algo estava errado. 

Eliza esfregou os braços ao sentir a temperatura baixar. A névoa estava lentamente dominando a floresta, ocultando a luz do sol. Já não podiam enxergar muito além das árvores, o que era um problema. A mata por si só não permitia que os olhos se adaptassem muito bem, já que, independentemente de como você olhasse, se não conhecesse bem o território, poderia facilmente se perder. 

E por isso era o local perfeito para criar uma base e se isolar do mundo exterior. A floresta fazia pessoas comuns se perderem. As duas barreiras existiam para proteção e alerta. Dito isso, era impossível que civis se envolvessem de forma acidental e só entrariam neste terreno aqueles capazes de detectar chi e atravessar a barreira mesmo assim, como outros nobres e guardiões, ou então... Uma ameaça de grande poder como uma Entidade.

 — Madame.

— Eu sei.

Elas deram as costas uma para a outra, e se aproximaram. 

— Tem algo influenciando os meus selos… Tome cuidado. Essa névoa não é normal.

Um ar frio enroscou em seus pescoços. A ponta de seus dedos estavam ficando vermelhos, assim como seus narizes. Estava ficando difícil respirar. Quão mais a temperatura cairia? 

Kanami expirou entredentes.

Uma gota. O som de uma gota caindo estourou em seu ouvido. Parecia perto, mas também, longe. A guardiã torceu o rosto para um barulho tão específico. 

Outra gota. Desta vez, do outro lado. Eram como pingos caindo em poças d’água que iam se acumulando cada vez mais. Cada vez mais perto. Estava muito próximo de transbordar.

Uma mão agarrou seu pescoço por trás e afundou seus dedos na carne. Em um movimento rápido, as longas unhas de Kanami atravessaram a névoa. Não havia ninguém. Como era possível? Podia garantir que haviam…

— Cuidado, madame Eliza! É um truque da Insanidade!

Zero havia relatado todas as coisas que ainda podia se lembrar do combate. E, uma delas, havia sido a dificuldade de concentração e a constante sensação de estar sendo vigiado. De poder ser morto a qualquer segundo. Uma agonia profunda por não poder distinguir nenhuma silhueta ou som na névoa.

— … Entendo. Um kiai de água que causa ilusões sensoriais, não é?

Uma habilidade infalível contra um inimigo solo e em um território fechado. Mas, estando ao lado de Kanami, e ciente dos efeitos da técnica, Eliza não temeria. Confiava em seus companheiros guardiões o suficiente para que tivesse a certeza de que sairiam vivos dali. Protegeriam a duquesa a qualquer custo. 

A pulseira prateada reluziu quando a curandeira a girou no pulso e segurou o cristal azul.

— Cuide da minha retaguarda, por favor.

Ela nem precisava pedir, pois Kanami já estava preparada para aquilo desde o início. O punho fechado da curandeira começou a brilhar em azul, e uma luz forte se estilhaçou ao som de um pequeno sino tocando. Foi quando boa parte da névoa ao redor delas sumiu, mandada para longe durante a mudança de forma do objeto. 

O cajado prateado e longo bateu no solo, causando um estrondo. Com aquilo, Kanami pôde ter certeza de que estavam sozinhas, ao menos em um raio de cinco a seis metros. Até onde podia sentir e ver, a guardiã deu alguns passos para a frente.

Não queria ter que usar isso, mas acho que será necessário…

Ouviu uma pequena risadinha. Era inocente e ecoava pela floresta, causando arrepios nas duas. Eliza ergueu seu cajado prateado, traçado como raízes de uma árvore, e o cristal azul no alto piscou. 

— Seja lá quem estiver fazendo isso, não está por perto.

— Ou não possui um corpo físico — complementou a curandeira após conjurar uma de suas habilidades.

A risada ficava cada vez mais frequente e o frio aumentava. Suas respirações condensavam no ar. As vozes iam de um lado para o outro, e o som de gotas que somente Kanami ouvia aumentava. Estava entrando na sua cabeça.

— Isso não tem graaaça… 

Era a mesma voz da risada. Uma com soar infantil ecoou de forma triste pela floresta.

— … Então, vamos brincar um pouquinho, sim? Estou entediado, hihihihihihihihihihihi.

— Aaaaaaaaaaaaaaaah!!

Um grito se misturou à névoa e Eliza foi arremessada com a onda branca que a atingiu, fazendo seu pequeno e leve corpo voar para longe. Kanami, a somente alguns passos de distância, apenas assistiu com uma expressão impassível a colega desaparecer na mata.

Não conseguia mais sentir sua presença. Mas não precisava se preocupar.

— Ah… Agooora sim. — Um suspiro aliviado ecoou, e, em seguida, a mesma risada se repetiu por um bom tempo. — Ei, moça, do que vamos brincar?

A conjuração demorou um pouco mais do que Kanami gostaria. O anel negro com uma listra vermelha em seu dedo esquerdo cintilou. 

— Esconde-esconde?

Da mesma forma que a pulseira de Eliza, o objeto começou a se modificar e ganhar forma. Primeiro, um cabo, na qual a gêmea segurou com sua mão esquerda.

— Pega-pega? Ou será que os dois?

A lâmina começava a se formar quando o par de olhos redondos azuis surgiu na névoa.  As duas figuras se encararam. O som das gotas era ensurdecedor.

— Então é você o responsável por isso? Já estava ficando entediada de te ouvir falar.

Quando a katana surgiu em sua mão, os olhos de Kanami se afiaram com um instinto de combate assassino e ela partiu para cima da coisa na névoa.

***

As facas kukri reluziam em azul no meio das sombras e da névoa. E dançaram com um som agudo quando foram de encontro com as enormes garras invisíveis. Sora não conseguia cortá-las, mas podia desviar seu rumo e evitar ferimentos.

Olhou para o lado bem a tempo de ver o grotesco corte criado a partir do chão subindo até a copa das árvores. 

A risada continuava ecoando baixinho conforme se movia, desviando e correndo. Sora saltou entre galhos altos, evitando se envolver demais na névoa.

— No alto, quem sabe…

Mas os golpes ainda vinham violentos, como se mãos invisíveis ganhassem forma e o atacassem. Outra árvore foi levada para longe somente com um golpe. Mas ele já estava do outro lado. Suas íris iam velozmente de um lado ao outro.

As ilusões sensoriais só acontecem quando você está coberto pela névoa. Mas ela vai continuar a se acumular e subir. Os ataques continuam mesmo com eu fora de alcance, então o responsável deve ficar mais forte em um território fechado e que permita vantagem.

Os saltos dele eram tão elegantes que irritavam. As garras invisíveis e fortes tempestades de névoa buscavam desesperadamente derrubá-lo, mas Sora era mais rápido. E mais inteligente.

Lá em baixo, o par de olhos azuis e redondos o seguia.

Se essa coisa só fica escondida, então preciso procurar um espaço mais aberto. Ou invisto com um kiai certeiro, mas não parece que ele tenha um corpo físico. 

A coisa parecia se teleportar na névoa com seus grandes olhos redondos e o acompanhavam enquanto pulava e desviava. Se isso indicava velocidade ou não, Sora não tinha como saber. A presença não podia ser detectada nem com o Instinto Assassino despertado.

Todos os seus antigos golpes sempre atravessavam o ar, sem acertar em nada. Ao menos era o que havia acontecido com aqueles que fazia a uma distância segura ou lançando as facas girando no ar, que retornavam para sua mão em seguida intactas.

As garras, no entanto, algumas vezes podiam ser desviadas, mas certamente não era algo sólido capaz de ser ferido.

Só tinha uma forma de saber se a coisa tinha um corpo físico, e ela provavelmente revelaria isso a ele no momento em que se aproximasse. Mas, para isso…

Ele olhou para a névoa subindo e estreitou os olhos.

Não tinha outra alternativa.

— Hihihihihihi… Eu vou te peeegar!

A mão passou por pouco acima de Sora, que, pegando impulso, lançou-se em direção ao solo em uma velocidade impressionante. Sacou imediatamente as duas facas kukri. Suprindo a dor imaginária causada pelos cortes e golpes falsos, se aproximou dos grandes olhos. 

Eles mudaram de forma, como se a coisa risse.

— Ah! Já sei! Vamos brincar de mímica! Aháhá!

Sentiu que atravessou algo sólido. Ouviu o som de carne sendo perfurada, e sangue escorreu pela lâmina azulada.

Mas, então, uma voz familiar o fez parar. Foi um grunhido de dor que já tinha ouvido antes e era muito, muito desagradável. 

— Que merda você tá fazendo, Sora?! — Ryota gritou por trás do antebraço direito, que tinha sido perfurado brutalmente.

Sangue respingou no gramado e a névoa começou a se espalhar. E, então, revelou a cena que estava oculta aos seus olhos escarlate, que se arregalaram.

Ajoelhada, Ryota protegeu o filhote de gato assustado contra o peito, e fitou Sora com raiva.



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