Volume 1
Capítulo 86: Visita Inesperada (2)
Tanto ao longe quando de perto, as luzes amareladas das inúmeras janelas pontilhavam as ruas da capital com a ajuda das lamparinas presas aos postes.
Em uma noite sem nuvens como esta, onde as estrelas brilhavam junto da lua, centenas de pessoas caminhavam como aqueles dois amigos. Os mais caseiros preferiam o conforto de suas casas, por isso se apinhavam no parapeito das varandas e no batente das portas e janelas para contemplarem a noite bela e pacífica que os rodeava.
— Seu irmão, como ele era? — Nathalia perguntou após passarem por um poste cujo óleo da lamparina havia se esgotado.
— Ele foi um prodígio. Um gênio desde pequeno O primeiro da turma e uma estrela em acessão na Ordem dos Procuradores.
— Você o idolatrava?
— Eu o detestava. — Dario a encarou com a verdade no olhar.
— Ele te ensinou o que sabe.
— E parou por medo de eu ultrapassá-lo.
— Acha mesmo que poderia superá-lo?
— Só sei que agora nunca saberei.
Nathalia suspirou.
— Desculpe por ter falado mal dele aquela vez.
— Você já se desculpou.
— Eu ainda me sinto mal por aquilo, de verdade — confessou o encarando, mas parou para vislumbrar o outro lado da rua. Uma expressão satisfeita acompanhou seu comentário. — Falta pouco.
Ele contemplou o destino da empreitada, a Praça dos Heróis. Dario sabia da história por detrás do local. Ali residia um monumento erguido em homenagem a importantes figuras falecidas desde a última guerra entre o Império de Leon e o antigo Reino de Lince, atualmente o autoproclamado Império de Antares.
Vendo que Dario não se mexeria, Nathalia o segurou pelo braço e o conduziu até o outro lado da rua. Ao chegarem ao local indicado por ela, Dario desvencilhou-se da mão que o agarrava como uma criança.
— De todos os lugares, esta praça?
— Eu disse que iria revelar assim que chegássemos, agora falta pouco.
Os dois caminharam lado a lado, contemplando as inúmeras árvores e arbustos que contornavam o caminho de paralelepípedos cinzentos. A reta se abriu em um espaçoso círculo, onde bancos pontuavam as bordas para os quisessem sentar.
O nervosismo foi consumindo Dario, mas Nathalia puxou seu gibão, indicando a ele que ainda teriam um caminho a seguir. Na extremidade oposta por aonde vieram, uma nova estradinha saia do circulo. Aquela estradinha tinha o mesmo comprimento da anterior, mas levava a um segundo circulo, mas este era cinco vezes maior que o anterior. Diferente dos outros espaços, ali havia uma enorme pedra, um monólito que espantava os recém-chegados, de admiração.
— Faz muitos anos que eu não venho até aqui.
— Falta pouco, venha. — Ela o segurou pela mão mais uma vez e o conduziu até permanecerem a menos de um metro do monumento.
— Não faça besteira — ela disse apontando para um dos guardas ali perto.
Dario encarou o vigia. Intimidou-se pelo olhar carrancudo transmitido pelo soldado com a alabarda em mãos. Voltou-se para o monumento de pedra e leu algumas das centenas de nomes ali gravados.
De repente, um tímido soluçar chamou sua atenção, lançou o olhar para a amiga, Nathalia se apoiava com a mão direita na pedra e com a esquerda tapava parte do rosto. A pouca luminosidade o permitiu ver uma gota ir ao chão.
Ele se aproximou e leu um dos nomes parcialmente tapado pelos dedos pálidos da garota, e entendeu o motivo do choro.
— Me desculpe.
Lutando consigo mesma para conter os soluços, ela respondeu:
— A culpa não é sua. — E abaixou a mão, deixando o nome gravado na pedra legível.
— Você o amava? — Seus olhares se cruzaram.
— Eu o idolatrava. — Aqueles olhos azulados brilharam e mais lágrimas escorreram pelo rosto de Nathalia.
Dario levou os dedos até o nome talhado na pedra e sentiu a textura da gravura:
Leonel Leonhart.
Embaixo, uma breve descrição sobre as circunstâncias de sua morte:
Foi-se como um herói ao vencer o temido Feiticeiro Carmesim.
Tinha algo estranho no último nome.
Nathalia ainda chorava.
— Eu, eu pedi pra eles tirarem o nome e colocarem a alcunha dele no lugar.
— Obrigado, de verdade.
Mas no fundo todos sabem que ele era um Zeppeli, sentiu-se lisonjeado mesmo assim.
— Vem cá. — Ela o puxou com timidez e o conduziu para o lado direito da pedra, onde o verdadeiro motivo da viagem foi escrito ali. — Procura — ela disse entre breves soluços.
Dario lançou o olhar à pedra.
— Mas procurar o que e... — foi então que encontrou.
Aquele nome que fez um sorriso formar em seus lábios.
Mario Zeppeli.
Honrado Procurador.
Lágrimas caíram paralelamente até o chão de paralelepípedos, vindas de fontes distintivas, de dois jovens revivendo o passado.
— Foi você quem fez isso?
— Eu só pedi para minha mãe, foi o Joff quem organizou tudo.
Dario segurou a mão esquerda dela, sentiu a maciez da pele da garota e envolveu aqueles dedos nos seus. Ela soluçava baixinho, com o olhar fixo no chão, onde gotas fragmentavam e umedeciam os blocos de pedra.
— Nat... — Dario a chamou, mas sua voz tremeu, seus olhos castanhos e umedecidos encontraram os olhos azuis e umedecidos dela.
— Obrigado... — agradeceu e a puxou pela mão. — Vem comigo.
Dario a conduziu até um dos bancos de madeira dispostos no limiar da área circular. Largou a mão dela e estendeu a sua em um convite para se sentarem. Olhares se cruzaram outra vez, mas Nathalia desviou dos olhos castanhos.
Ela estranhou a sensação acalorada que se alastrou por seu corpo, nunca sentira tamanha timidez. Mas no fim, aceitou o convite e sentou no banco da praça, virado de frente à monumental pedra retangular.
Dario sentou em seguida, mas ocupou o lado esquerdo. Ambos contemplaram as centenas de linhas gravadas na pedra.
— Já faz quanto tempo? — Dario perguntou, mas ela o encarou como se não soubesse do que falava. Notando a incerteza da parte dela, foi mais específico. — Faz quanto tempo que ele...
— Oito anos.
— Ele derrotou um líder renegado, incrível.
— Na verdade ele apenas liderou o grupo da caçada.
— Mas está escrito na pedra que...
— Que ele venceu, mas ninguém sabe do que aconteceu de verdade. Quando a batalha acabou, um punhado de sobreviventes brigou pelo crédito da vitória, incluindo o líder do pelotão de besteiros que afirmou ter dado o golpe final, mas do que isso importa? Leonel já tinha morrido, assim como o Feiticeiro Carmesim.
Nathalia cerrou os olhos numa tentativa de reprimir a tristeza dentro de si.
Mas Dario levou as mãos ao rosto, entregando-se à tristeza de perder o irmão e ao orgulho de ver o nome dele eternizado num monumento dedicado apenas aos heróis. Esta súbita comoção chamou a atenção de Nathalia, que o envolveu em seus braços, para chorarem como um só.
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