Volume 1
Capítulo 73: As Runas de Ronan (3)
— O garoto tem potencial para se tornar um forte candidato a Guardião Rúnico. — disse Ronaldo Rodrigues alisando seu bigode pontudo e grisalho.
— Infelizmente a universidade não recomenda mais candidatos para este ofício. — respondeu o coordenador, com a sua cadeira recostada na parede.
— Por quê?
— Ordens do novo comandante.
— O novo Arquimago não contestou?
— Foi ele mesmo quem sugeriu a mudança. Agora os candidatos indicados por nós são direcionados somente à Ordem dos Procuradores do Império.
— Dá no mesmo. No fim ambos terminam morrendo nas mãos dos renegados.
A terceira gaveta da mesa foi arrastada para fora. Os dedos de Rafael percorreram as inúmeras fichas ali guardada até encontrar o que procurava. Num puxão ele retirou a papelada do garoto que debatiam. Ele leu as últimas anotações e fez uma observação para o professor sentado em sua frente:
— O rapaz tem duas notas em branco em Manipulação Ofensiva, o que tem a dizer sobre isso?
— Eu diria que ele é um péssimo manipulador, mas eu já sabia desse problema.
— Então? — Rafael franziu a testa.
— Então é o seguinte… nós tivemos nossa primeira prova hoje e o moleque criou a única runa capaz de absorver uma pequena lança arcana.
— Lança essa que você disparou contra ele?
— Não nele, somente no alcance da absorção, além do mais, a potência era relativamente baixa.
— Mas o suficiente para derrubar a tampa de um caixote?
— Sobre isso… — pigarreou nervoso. —… eu me descontrolei, peço desculpas.
— Tens sorte em não se meter a Guardião ou Procurador. Seu talento é muito requisitado, não é mesmo?
— Não mais que qualquer outro criador de runas minimamente competente.
Três batidas ressoaram na porta da sala.
— Pode entrar — Rafael adiantou.
A porta foi aberta por um jovem rapaz que entrou cumprimentando:
— Bom dia coordenador. — Quando viu o outro ali sentado, hesitou por um instante, mas animou-se quando se deu conta de quem era. — Professor Ronaldo, que bom te encontrar por aqui.
— Por quê? — perguntou olhando de soslaio para o recém-chegado.
— Uma aluna do segundo semestre veio conversar com o coordenador Rafael, sobre você mesmo professor.
Deixando o conforto de sua posição favorita, Rafael desceu os pés suspensos da cadeira e apoiou os seus cotovelos na mesa, em um movimento preciso e calculado.
— Mas eu já recebi três alunas dessa turma hoje pela manhã. Nós já conversamos sobre isso. Por favor, mande-a embora. E de a desculpa que julgar necessário. — Os olhos do assistente se arregalaram, ele deu dois passos para trás e uma garota de cabelo dourado adentrou na sala com um olhar confiante e um passo firme.
— Mas o que é isso? Não dei permissão para ninguém entrar.
— Eu não sou ninguém. E eu sabia que algo de bizarro estava acontecendo. Não é possível que um monstro desses nos de aula assim, sem mais nem menos.
— Quem você pensa que é garotinha? — Ronaldo a desafiou.
Ela se aproximou do coordenador e atirou um papel em sua mesa.
— Me chamo Nathalia Leonhart e aqui está a sua carta de exoneração, professor Ronaldo. Assinada por ninguém menos que o Arquimago, Magnus Leonhart.
Pela primeira vez ela viu o terror tomar a face do professor de Criação de Runas.
Rafael soltou um riso constrangido e remexeu-se em sua cadeira.
— Não precisa disso tudo Nathalia, nós podemos chegar a um acordo, não é verdade professor Ronaldo?
— Sim, é claro — ele respondeu balançando a cabeça em sucessões nervosas.
— Nada disso. Eu cansei dessa brincadeira. Já vim aqui antes, não existe uma terceira chance comigo. E além do mais, não farei o esforço de papai ser em vão.
— Você precisa entender querida…
— Querida coisa alguma, coordenador Rafael.
— Perdão, mas você precisa entender… — varreu a memória em busca de justificativas. —… não temos outro professor que possa substitui-lo.
— É mesmo? Então se vira. Tchau, e boa sorte… — ela disse sorrindo com o canto da boca —… ex-professor Ronaldo Rodrigues.
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— E é por isso que vocês não terão aulas de Criação de Runas no começo de setembro — completou Rafael em frente à turma da sala A-102. — Obrigado professor Felix, desculpa pela intromissão.
Palmas eclodiram e gritos satisfeitos foram ouvidos por todos os três andares do Prédio A. Seguindo a sua filosofia de vida, o professor não demonstrou reação alguma e apenas esperou os ânimos dos seus alunos acalmarem.
Anna atirou-se em Nathalia, em um abraço.
— Nosso pesadelo acabou. — Lagrimas de felicidade umedeceram o casaco da amiga. Anna sentiu a mão amiga afagar o seu cabelo. Sentiu-se no paraíso. Vislumbrou aquele belo rosto com grandes olhos azuis, mas ela não parecia tão animada quanto o resto da turma. — Que foi Nat? Não está feliz com a saída daquele crápula?
— Estou sim, é claro, mas fiquei sabendo que é difícil encontrar um professor que lecione essa matéria. É provável que fiquemos o próximo mês inteiro sem essa porcaria de aula.
— Acho que não parei para pensar direito. Se bem que corríamos o perigo de reprovar com ele no comando. Mas no fim, nós nos livramos de um problema para terminar com outro nas mãos.
— Pois é. Mesmo se passarmos nessa matéria de algum jeito, teremos problemas ano que vem, pois teremos Criação de Runas II no próximo semestre.
— E nós duas não conseguimos sequer criar uma que funcione direito.
— Nós poderíamos pedir a ajuda do seu amiguinho, não é Anna? Ele nos deve um favorzinho no fim das contas.
— É verdade. — Anna virou-se para trás e encarou o digo cujo com segundas intenções. — Ronan, nós precisamos conversar.