Ronan Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini


Volume 1

Capítulo 72: As Runas de Ronan (2)

Com exceção de Ronan, todos odiavam Ronaldo Rodrigues, o infame professor de Criação de Runas, mas eram naquelas aulas impiedosas que o garoto redimia seu fracasso das aulas de Manipulação Ofensiva. Era criando as melhores runas da turma que ele esquecia ser o único incapaz de envolver suas mãos no gratificante brilho azulado da energia pura. Foi por ser o único aluno não mal tratado pelo professor Ronaldo que ele almejou novos objetivos: tornar-se um Procurador do Império e caçar os malditos renegados que aleijaram o seu pai e mataram o irmão do seu melhor amigo.

Na última semana de setembro, a turma da sala A-102 teria a primeira prova de Criação de Runas. O professor havia adiantado como ela seria feita durante a aula da semana passada. Cada um recriaria em um cubo de madeira, a runa aprendida no primeiro dia. E a nota se ajustaria conforme ela absorvesse uma conjuração lançada pelo professor.

Dentro da Oficina de Criação ninguém transparecia confiança. Faltava meia hora para o inicio oficial da aula. Todos sentavam em suas devidas bancadas. Os nervos afloravam na pele de cada um. Karen tinha seus olhos e bochechas vermelhas, ela soluçava com a cabeça apoiada no peito da amiga, mas não era a única a se entregar ao desespero.

Nenhum dos rapazes chorava, mas a respiração nervosa de cada um era ouvida pelas audições mais aguçadas. Pernas sacudiam e unhas eram roídas ou batidas em ritmo acelerado na madeira das bancadas. Valia de tudo para extravasar a angústia da espera.

A porta foi aberta. Todos observaram a figura com o bigode pontudo e longo cabelo grisalho adentrar na oficina. Ronaldo Rodrigues chegou e ninguém ousou se mexeu. Olhares acompanharam o caminhar do professor até a mesa da frente, onde ele sentou e retribuiu os olhares.

— O que estão esperando? A prova já começou. Vocês tem uma hora inteira para terminar.

Cadeiras rangeram ao serem arrastadas contra a madeira do piso. Organizados pelo medo da repressão, os alunos se dispuseram em duas filas. Dois de cada vez retiravam o bloco padrão a ser talhado de dentro do largo caixote.

— Caso gastem todas as faces do cubo e mesmo assim fiquem descontentes com os resultados, sintam-se a vontade para pegar um novo. — Expressões de alivio se desenharam no rosto dos seus alunos. — Podem conversar também, trocar ideias ou o que for. Se alguém aprender alguma coisa durante a prova, melhor para mim.

Foi como cutucar um vespeiro. Vozes romperam o silêncio, reverberando na sala da oficina. Com o cubo na mesa, mais formão e martelo em mãos, os alunos deram inicio ao maior desafio desde que entraram na universidade.

O impacto de martelos e o talhar dos formões logo sufocaram as conversas. Lascas de madeira caiam nas bancadas e no chão. Faces entalhadas porcamente foram abandonadas, viradas para que uma nova runa fosse desenhada na superfície virgem.

— Ronan— Dario o chamou e prosseguiu assim que obteve a devida atenção: — Ficou bom? — mostrou a runa para o amigo.

— O circulo ficou oval demais pro meu gosto e os quatro riscos não se alinham com o centro.

— Valeu — Dario o agradeceu ainda encarando-o. Ele virou o bloco em mãos, revelando o único espaço em branco ainda disponível. — Queria não precisar ir pra frente uma segunda vez, mas fazer o que.

— É que você está muito afobado, veja só.

Dario voltou sua atenção a ele, e o que viu lhe arrancou um longo suspiro. Um círculo perfeito jazia no cubo segurado pela mão direita de Ronan.

— Caralho! — surpreendeu-se numa exclamação alta demais.

— Fica quieto Zeppeli, senão vai sobrar pra gente — Nathalia o repreendeu, a voz dela veio da bancada de trás.

— Tá bom, tá bom — respondeu baixinho, e foi lá na frente buscar um novo cubo. — Professor…

— Desembucha Zeppeli.

— Posso levar dois?

— Pode levar o caixote inteiro se quiser.

— Obrigado.

— Só não seja um inútil como o resto da turma.

Com um bloco em cada mão ele voltou para perto de Ronan.

— Acho que o coração dele amolece a cada dia.

Ronan não pôde deixar de achar graça naquilo, uma risada escapou da sua boca. Por sorte o professor Ronaldo não ouviu, ou não se importou.

Jonas e Anna já desperdiçaram um par de cubos cada. Os dois se olharam quando se encontraram no corredor que os levaria até o baú. Após acenarem, foram juntos até lá na frente em uma aliança forjada pelo medo por certo alguém. Chegando lá, esticaram as mãos para retirar os blocos de madeira, mas a tampa foi fechada num estrondo. Por pouco a mão de Anna não foi esmagada. Pálidos, com os olhos esbugalhados e as bocas abertas, os dois vislumbraram a lança azulada que perfurou a tampa do caixote.

Um silêncio fúnebre tomou a oficina. Dezenas de olhares amedrontados se voltaram para frente.

— As árvores das florestas da capital choram com o fracasso de ambos. É a terceira vez que vocês vêm aqui na frente. — A calma gélida em sua voz era apavorante. Sua mão esquerda ainda emanava uma aura na mesma cor do projétil que desmanchava quando atingida pelo vento recebido das janelas da oficina.

Os lábios da garota tremeram.

— Mas você disse que a gente podia ficar a vontade — A voz de Jonas também tremia.

Dario se adiantou.

— Você me deixou levar dois. Até falou que eu poderia levar o caixote inteiro.

— É verdade, me desculpe. — Mas Ronaldo não parecia nem um pouco arrependido.

Lagrimas respingaram nos sapatos de Anna.

— Seu… — Ela levou a mão ao rosto. —… seu monstro — o acusou com a voz chorosa, secando as lágrimas em seu rosto avermelhado.

— Do que você me chamou mocinha?

Anna engoliu a raiva, rangeu os dentes e contraiu o rosto numa expressão de ódio.

— Seu monstro! — gritou rasgando a voz em sua garganta.

E fugiu porta a fora. Jonas permaneceu incrédulo, tão pálido quanto antes.

— Melhor assim, uma histérica a menos em minha aula.

— Como assim? Você poderia ter machucado ela de verdade! — irrompeu Nathalia lá do fundo.

— Mas ela está ilesa, não está?

Os fios dourados do seu cabelo dançaram ao percorrer o caminho até a porta.

— Não lhe dei permissão para sair senhorita.

Ela parou e o encarou com chamas no olhar.

— Então tente me ferir como fez com ela… seu monstro. — E abriu uma folha da porta.

Ronaldo levantou da cadeira, sua mão esquerda brilhou uma segunda vez e a lança azulada foi disparada contra a porta. Nathalia permaneceu em pé, o projetil passou a centímetros do seu rosto, lançando fios do cabelo para trás. Por sorte ninguém foi atingido e a conjuração se desmanchou em pleno ar.

— Você não me assusta! — finalizou e partiu atrás da amiga.

O choro de Karen quebrou o silêncio constrangedor que seguiu.

— Calada! — Ronaldo esbravejou.

Ela tentou segurar os soluços, mas não adiantou de muita coisa.

— Senhorita. — Ele apontou para a garota. — Pra fora!

Com as mãos no rosto Karen correu porta afora, seu choro, assim como seus passos, puderam ser ouvido conforme se distanciava.

— Menos uma histérica, melhor ainda.

Dario pareceu ser o único a se revoltar com a situação.

— Isso realmente aconteceu? — ele perguntou para Ronan.

— Uhum — murmurou sem abrir a boca. — Não faça nada, por favor, eu te peço só isso.

— Mas porque não? Elas poderiam ter se machucado pra valer. Não podemos ficar parados. Ele é um monstro, Ronan, um monstro.

— Eu sei, mas eu preciso passar nessa matéria a qualquer custo, isso é tudo que eu tenho no momento.

Dario se levantou.

— Tudo bem, não vou te arrastar comigo, boa sorte.

— Zeppeli! — o professor o chamou. — Não me diga que vai sair chorando também.

— Não, mas não vou ficar parado enquanto você faz essas loucuras.

— Vai receber zero na prova.

— Não tem problema.

E foi embora.

— Mais alguém insatisfeito com a minha aula? — Cabeças balançaram em negação. — Ótimo, pois a prova continua.

 



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