Ronan Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini

Revisão: Marina


Volume 1

Capítulo 58: Criadores de Runas (1)

Na quinta-feira a turma conheceu a Oficina de Criação de Runas, um galpão de dois andares com quatro metros de altura cada.

Diferente das salas de aulas, as fileiras de bancadas da oficina não eram separadas por níveis, mas em compensação, sobre as longas superfícies repousavam ferramentas típicas de uma oficina, como: martelos, serrotes, formões e etc… Também presentes nas estantes e prateleiras ocupando as laterais do ambiente impregnado pelo marrom acastanhado da madeira.

Ocupando um lugar equivalente ao da sala de aula, sentado na penúltima fileira da coluna do meio, o entusiasmo de Ronan era nítido, bastava olhar para sua perna balançante para notar os espasmos de ansiedade, mas seu vizinho não compartilhava da mesma empolgação.

— Dá pra parar? Você está fazendo a bancada toda tremer — resmungou Dario.

— Foi mal, nem percebi.

— A propósito, por que a Anna não veio sentar perto da gente? Ela tá meio esquisita esses dias, não acha?

Ronan mirou a bancada onde ela sentava junto de Nathalia, na primeira fileira da coluna esquerda. As duas conversavam bem humoradas. Ao refletir sobre a pergunta de Dario, Ronan optou por omitir a verdade.

— Não sei, deve ter acontecido algo.

— Será que é por causa do pai dela?

— Talvez…

— Pobrezinha. Ela passou por tanta coisa Deveríamos ajudar ela de alguma forma…

— Não precisa! — Ronan se exaltou

— Porque não? — inquiriu Dario com um olhar desconfiado

— Ela não gosta de gente se metendo na vida dela.

— Bom. Eu vou acreditar em você, afinal, não sou eu quem fica estudando pertinho dela na biblioteca depois da aula — Dario concluiu com um sorriso malicioso estampado no rosto.

Lá na frente o novo professor terminou de escrever no quadro, mas o que se revelou por detrás dele não foram anotações, mas um desenho, uma esfera misteriosa irradiando quatro rabiscos nas diagonais.

Como o professor não havia se apresentado quando conduziu a turma até a oficina, ele optou por fazer isso agora.

— Eu me chamo Ronaldo Rodrigues, sou natural de Alvovale, leciono a mais de 30 anos e serei o professor de Introdução à Criação de Runas. Isso é tudo que vocês precisam saber sobre mim. Como eu valorizo meu tempo acima de tudo, já me dei o trabalho de apresentá-los à primeira runa a ser criada por vocês.

Um silêncio se arrastou por um minuto completo, os alunos se entreolharam espantados, em dúvida sobre o que deveriam fazer.

O professor caminhou até um grande caixote de madeira localizado entre sua mesa e a primeira fileira de bancadas. Com a mão direita ele abriu a tampa destrancada. Alunos se levantaram, espicharam e espiaram para dentro do caixote. Pouco se via devido à ausência de uma iluminação direcionada.

Tudo que testemunharam foi a mão de Ronaldo entrar e voltar de lá carregando um cubo de madeira tão grande quando a mão esticada do professor.

— Este — anunciou erguendo o bloco. — Este será o recipiente da primeira runa de vocês. O que eu quero que façam é gravar aquele desenho, também chamado de padrão. — Apontou para o quadro. — Em um bloco de madeira como este em minha mão.

O professor encarou seus alunos.

— O que estão esperando? Que eu venha em cada bancada fazer por vocês? Vamos! — esbravejou. — Levantem essa bunda preguiçosa dos bancos e venham buscar o material para talharem a runa — terminou apoiando o pé sobre a beirada do caixote aberto.

Dario virou-se para Ronan com um olhar fulminante.

— Que cara irritante. Quem ele acha que é?

— Cara, fica na sua. Não invente nada, não responda nada. Tenho o pressentimento de que ele não é tão tolerante a brincadeiras como o Felix.

— Quem diria que eu sentiria falta do professor morto-vivo algum dia.

— Vocês dois querem piorar a situação para a turma toda? — repreendeu Jonas ao passar por eles.

— Tem razão — endossou Ronan. — Vamos lá pegar uma daquelas porcarias.

Os dois se levantaram, caminharam até o caixote e retiraram um bloco de madeira cada. Voltaram para a bancada e olharam aquele cubo marrom escuro.

Ronan observou o professor por um tempo, sua aparência não era assustadora, não era alto, mas também não era baixo, o longo cabelo grisalho denunciava sua idade e o bigode pontudo acentuava sua seriedade.

Ronaldo Rodrigues arqueou as costas antes de prosseguir:

— Caso vocês consigam enxergar, verão as ferramentas nas paredes, guardadas nas estantes, nas bancadas e nos compartimentos embaixo delas. Assim que desvendarem seu funcionamento, sintam-se a vontade para gravar nos blocos que vocês retiraram agora a pouco, o padrão que está desenhado no quadro.

Dario mal conseguia aguentar o deboche naquela voz.

— Esse cara… tá me tirando do sério.

— Calma. Você só vai piorar tudo para nós dois. — Ronan tentou acalmá-lo.

Anna ergueu o braço direito como se tivesse uma observação a fazer.

— Professor — ela chamou, e prosseguiu quando obteve a devida autorização. — Não deveríamos começar com uma introdução ao assunto? Antes de pularmos direto para a parte prática?

O mau humor sumiu da face do professor Ronaldo.

— A criação de runas é uma arte prática que requer um treino pesado e exigente. Ficar se atendo à teoria e a conceituação é uma perda de tempo, a não ser que você já seja uma criadora de primeira mão — respondeu espremendo o olhar e contraindo os músculos da face — Nunca mais questione a minha metodologia, entendeu garotinha?

Anna se encolheu em seu lugar.

— Sim professor.

Ao lado da amiga acuada, Nathalia lutou consigo mesma para não confrontar aquela autoridade mal humorada.

Foi então que dos fundos da oficina, Jonas tomou a iniciativa. Ele se levantou e caminhou entre as bancadas, indo em direção à parede a sua direita. Os presentes o observaram, estavam curiosos com as pretensões do colega. “Aonde vai? O que ele quer provar?” Estas eram algumas das perguntas martelando nas mentes dos que acompanhavam Jonas com o olhar, mas não ousavam dizer nada.

Ao sentir a pressão de tantos olhares recaírem sobre sua ousadia, ele hesitou por um instante. Ousou espiar para o professor, mas virou a cara quando viu aquele olhar inquisidor. Jonas levou sua mão até uma prateleira e retirou um formão, que tremeu na intensidade de sua mão.

— Ótima escolha — o professor elogiou para sua surpresa. Parecia até bom demais para ser verdade. O que neste caso era, pois ele não havia terminado: — Mas pretende bater nele com a cabeça?

A turma caiu na risada.

— Calem-se! — Ronaldo berrou furioso. — Ao menos o garoto teve alguma iniciativa. Vocês vão ficar sentados sem fazer nada? Ou pretendem lapidar na madeira com os dentes?

Ronan e Anna observaram seus respectivos vizinhos de bancada quase surtarem, mas por sorte, tanto Dario quanto Nathalia conseguiram se acalmar com os avisos de seus amigos.

Temendo serem repreendidos mais uma vez, os alunos partiram em busca de cinzeis e algo para baterem neles. Ronan ficou surpreso ao constatar que de fato existia um compartimento por baixo da bancada, era uma gaveta retrátil, que para sua alegria, alguém havia depositado os dois itens que precisava bem ali.

Dario não teve a mesma surpresa, pois sua gaveta estava vazia. Bufou em raiva, frustrado pela oficina não ter os instrumentos bem organizados e guardados em seus devidos lugares.

Sem mais alternativas, ele percorreu a sala, vasculhou as prateleiras, estantes e até pediu para verificar as gavetas das bancadas de alguns colegas. Mas tudo que conseguiu foi um formão, e mais nada. Restava apenas ele, até ver Nathalia, também sem um dos instrumentos, mas em compensação, ela portava a outra peça, um pequeno martelo.

Os dois se encararam com terror no olhar e um frio na espinha. Ficaram imóveis durante segundos, segundos estes que duraram eternidades em suas mentes.

— Pretendem ficar admirando o outro por muito tempo?  — Ronaldo zombou.

— Não tem ferramentas para todo mundo — Dario respondeu.

— Cada um tem uma parte do kit. Alguém vai ficar sem, não tem jeito.

— Mas professor, deve ter mais um formão e martelo em outra sala — Nathalia sugeriu, se esforçando para soar educada.

— Verdade, mas todas as salas estão ocupadas. Não permitirei que vocês saiam daqui e atrapalhem as outras turmas. Agora decidam como resolver isso, e rápido! Não quero perder mais tempo com futilidades.

Nathalia e Dario se aproximaram, precisavam dar um fim naquele impasse.

— Pega — disse Dario, empurrando o formão para ela.

— Não — ela respondeu empurrando de volta. Em seguida se aproximou e sussurrou no ouvido dele: — Eu não me importo com essa porcaria. Fica com você. — E ofereceu o martelo a ele.

Dario retribuiu o sussurro no ouvido:

— Nem ferrando. Um homem deve ser gentil e solidário com uma garota, é o meu código!

Ela riu.

— Tá de brincadeira né Zeppeli, desde quando você se importa comigo?

— Verdade. Eu não me importo, mas não posso ser o cara que deixou uma garota de mãos vazias.

— Por que de todos na sala eu tinha que empacar nessa situação com você? Eu já disse: eu não me importo com essa porcaria, então pega logo esse martelo idiota, ou eu vou dar com ele nessa sua cabeça oca.

— Dá para decidirem logo? — esbravejou o professor.

Apavorados, eles tentaram.

— Fica com você — disse Nathalia

— Não, pega você — replicou Dario.

— Eu não quero, eu já disse.

— Eu não posso manchar minha reputação.

— Você não tem reputação alguma, seu cabeça de vento!

Ronaldo esmurrou o quadro, apagando parte do desenho da runa.

— Já chega! Os dois… pra fora!

Ambos congelaram perante o medo que se alastrava. De pé permaneceram imóveis, pálidos como os farelos de giz que alçaram voo com a pancada desferida no quadro. Nathalia o encarou o colega com um olhar impassível.

— Vamos — ela disse baixinho.

Por algum motivo Dario sentiu-se compelido a obedecê-la. Em passos arrastados os dois seguiram em direção à saída. Quando estavam para passar da porta, Nathalia se virou. Dario sentiu um puxão em sua camiseta e notou que foi agarrado por sua cúmplice, que encarava o professor Ronaldo com uma seriedade assustadora.

— Nós não vamos sair! — ela anunciou convicta de sua motivação justiceira.

O choque fez com que as garotas mais sensíveis soltassem gritinhos de espantos.

Mas o professor pareceu não acreditar no que ouvia.

— Como é? — ele disse.

Foi Dario quem o desafiou.

— É isso mesmo. Nós não vamos sair daqui sem um motivo justo.

— Vocês querem testar minha paciência? Acham que eu estou aqui de brincadeira?  Pensam que minhas palavras não tem significado? — inquiriu com uma seriedade mórbida em cada palavra.

Os dois se entreolharam assustados, mas determinados a irem até o fim. E em uníssono, eles protestaram:

— Você não vai expulsar a gente!

Ronaldo caminhou na direção deles com uma calma aterrorizante em seus passos. De frente aos dois, ele ordenou:

— Então me acompanhem até a coordenação.



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