Volume 2
Capítulo 26
Dia 6 | Ano 1***
16:30 PM
Um, dois, três. Depois quatro, cinco e seis. Exatos seis passos antes de Rose parar. Seus pés hesitavam enquanto o som da cachoeira se intensificava, preenchendo o ar com um eco poderoso que reverberava pela mata. A água corria invisível além das árvores densas, mas sua presença era inconfundível.
O homem, ao lado dela, apertou os dedos ao redor de um punhal curto, olhou para frente, e então para ela. Sua mão direita envolvia o braço de Rose em um aperto firme e desconfortável, como se temesse que ela pudesse evaporar a qualquer momento.
— É aqui? — ele perguntou, a expressão apreensiva contrastando com o brilho reluzente do aço em sua mão.
— Sim. — Rose estudou a postura defensiva e os ombros tensos. — Você não precisa ter medo.
Ele soltou uma risada curta, amarga. — Não estou com medo, só sendo cauteloso. — Sem esperar, puxou-a adiante, os passos de ambos esmagando as folhas secas que cobriam o chão como um tapete carcomido.
— Seja lá no que você se meteu, é melhor sair antes que uma bala atravesse sua cabeça — murmurou, os olhos escaneando os arredores como um animal acuado.
— Me leve até a caverna e eu a deixarei ir. — O tom era ríspido, sem espaço para negociações.
Rose sentia o coração pesado, mas sua mente estava distante, presa a um único pensamento: Edwynna. A menina era esperta, e acreditava que sua doce irmã chegaria sã e salva. Ainda assim, ao observar o homem ao seu lado, notava os sinais: ele estava mais nervoso do que ela. Seus movimentos eram cautelosos, e seu olhar, fugidio. Usar uma simples dona de casa como moeda de troca não parecia fazer parte do plano dele.
Quando chegaram à beira do caminho que subia em direção à caverna, Rose ergueu os olhos para o morro à frente, calculando suas chances e memorizando possíveis rotas de fuga. Foi então que percebeu que o aperto em seu braço desaparecera.
O homem deu dois passos à frente, depois se virou para encará-la. Por alguns segundos, permaneceu em silêncio, os olhos percorrendo-a: as roupas manchadas e empoeiradas, o cabelo desalinhado, e, por fim, os olhos dourados que o encaravam com uma calma desconcertante.
— Parece que você quer me devorar — ele disse, e o comentário ecoou no silêncio que pesava sobre eles.
Rose piscou, surpresa. De todas as respostas possíveis, aquela certamente não estava na lista.
— Você não é um assassino, certo? — arriscou, os olhos fixos no punhal que ele ainda segurava.
Ele fez um som de desdém. — Um assassino teria deixado você com as mãos livres? — Ele balançou a faca levemente. — Não sou um idiota. Só não quero morrer. Minha esposa e meus filhos estão esperando por mim atrás daquela colina. Você não tem nada a ver com os meus problemas, mas, se eles me encontrarem… — Ele desviou o olhar, o tom ficando mais baixo. — Não sei. Achei que usar você como distração fosse suficiente. Não esperava que você cooperasse tanto.
A sinceridade dele a pegou de surpresa, e, por um momento, ela quase sentiu pena.
— Eu sei como é ser perseguido — ela disse, sua voz suave. — Acredito que seja por isso que não tentei lutar.
Ele franziu a testa. — Você não parece uma espiã.
— Porque não sou — respondeu, permitindo-se um sorriso breve e sem humor. — Eu… só quero ajudar. Você e eu sabemos que não precisamos ser inimigos. — Rose percebeu que o olhar dele mudou, suavizando-se por um instante. — Tente acreditar nisso.
E sem perceberem, começaram a caminhar lado a lado, o som de seus passos mesclando-se ao farfalhar das folhas sob os pés.
— Está acostumada com esse tipo de situação? — perguntou o homem, com o tom casual, quase distraído.
— Nem um pouco — ela riu, irônica. — Sei me virar na floresta. Estava ensinando minha filha a não se perder na floresta antes de você aparecer.
Ele bambeou, seus olhos presos na trilha diante deles. — Poderia ter sido uma abordagem diferente, mas tenho informações que ninguém deveria possuir. — Ele lançou um olhar rápido na direção dela. — Querem me silenciar. Desculpe-me.
O homem parou por um segundo para saltar um galho caído no caminho, depois voltou-se para ela e, para sua surpresa, guardou a faca no bolso. Ele estendeu a mão para ajudá-la atravessar.
— Mas não precisa ser assim para você — ele continuou. — Não precisa ser assim para sua filha.
Rose olhou para a mão calejada, marcada por cicatrizes e arranhões, e mesmo assim, não recuou, tocando-a gentilmente.
— Se eu fosse uma das pessoas que estivessem atrás de você, o que faria?
Ele deu de ombros, sem retirar a mão. — Nada. Pelo menos, gostaria de saber como você pretende me matar. E, se isso for uma armadilha, diga à minha família que eu não voltarei para o jantar.
Enquanto isso, do outro lado da floresta, o canto dos pássaros rodeava a floresta, bem como a tranquila correnteza da ribeira que serpenteava como um canal tranquilo. Asher caminhava calmamente, ouvindo aquela melodia enquanto firmava a alça da bolsa em volta do braço, colocando-a nas costas, como se soubesse para onde ir. Contudo, o curto momento de paz que aquele local lhe trazia foi interrompido pela voz de Timothy, a qual soou arisca em um questionamento.
— Ainda penso que seja uma péssima ideia.
Asher, sem perder o foco, apenas respondeu:
— Kristy gosta de crianças, então pare de se preocupar. A pirralha só iria nos atrapalhar. — Ele ajustou o arco na mão.
— Mesmo assim… — tentou se justificar, mas Asher o interrompeu, dizendo:
— Que diferença faz? Não é como se ela não estivesse acostumada a ficar debaixo do mesmo teto de uma prostituta.
— É diferente! Eu não conheço essa mulher! — Ele elevou a voz.
— Mas eu sim! — retrucou, seus ombros descendo e o pescoço se curvando, cansado. — Kristy não é como você pensa. Ela mudou! — Voltou à caminhada.
Timothy, ainda desconfiado, o seguiu como já fazia. Ele não tinha muitas opções, e estar ao lado do homem que conhecia aquela imensidão de floresta, de algum modo, aliviava a tensão de desvendar o desconhecido.
— Você tem alguma ideia de onde ela pode estar? — O soldado perguntou, sincero.
— Apenas siga à ribeira.
Curto e direto! Era de se imaginar que, apenas algumas discussões, e tantos anos tenham se passado, ele era o mesmo Asher de antes; aquele se sentia ameaçado com sua presença. O homem que roubou sua amiga de infância para si. Timothy soltou um suspiro; uma risada que chegou aos atentos ouvidos de Asher.
— O quê? — perguntou, apático, suas botas amassando a mata.
— Talvez você não se lembre, mas há quase sete anos, eu lembro de ver um jovem na porta da minha casa, desejando minha esposa com seus olhos ferozes, embora ela nunca tenha notado. Mas agora, estou ao lado deste mesmo homem, que está me ajudando a procurá-la. É um pouco engraçado, apenas isso.
Asher, por um segundo, considerou que a rota da ribeira mudou de direção, embora a cachoeira nunca tenha cogitado mudar de lugar, ou o que ela era.
— Somos adultos, senhor Finley. Esqueça o passado, viva o presente. E não se preocupe, não somos amigos.
— Sabe meu sobrenome?
— Sarah Finley é o nome da sua irmã. — Olhou para ele por cima dos ombros. — Como eu poderia esquecer? — Ele atentou-se ao eco distante da cachoeira.
— Hm, parece que sua memória é tão boa quanto a minha. Somos parecidos, afinal.
— Seria menos ofensivo se me xingasse. — Ele tocou no bolso, tirando uma faca embainhada numa pequena bolsa de couro, jogando a ele. — Isso você dá conta. — Sorriu. — É pequena, combina com você.
— Há! — Timothy soltou um riso ácido. — Bastardo… — sussurrou para si.
Poucos minutos se passaram enquanto subiam pela trilha sinuosa até a entrada da caverna escura. O céu, antes tingido de um azul acinzentado e parcialmente coberto por nuvens pálidas, foi consumido por um véu sombrio de nuvens negras que prenunciavam a chegada iminente de uma tempestade. Um vento feroz varreu a floresta, arrancando folhas e jogando os cabelos de Rose para trás, ao tempo que a brisa gélida se infiltrava pela pele, cortante como navalhas.
Rose parou à beira da caverna e apontou para o vazio diante deles. Sua voz cortou o rugido do vento, firme e objetiva:
— Chegamos! Essa é a saída. — Indicou o caminho com um gesto breve. — Siga reto e encontrará uma trilha. Depois, siga até que veja a estrada.
O homem hesitou, seus olhos escuros cravados nela, avaliando suas palavras.
— Não tenho outra escolha senão confiar em você…
Ela virou o rosto para ele, séria.
— Rose. Meu nome é Rose.
Ele acenou, um sorriso resignado tocando seus lábios.
— Obrigado, por me ajudar. Sinto muito pelo que fiz antes… e por assustar sua filha.
Rose franziu a testa, contudo, sua voz permaneceu neutra, que parecia mais um comando do que um conselho:
— Se quer viver, fuja. Pegue sua família e saia do império. Vá para outro país. Viva em paz!
O homem soltou uma risada seca.
— Paz? — Ele balançou a cabeça, como uma brincadeira. — Eu nunca terei paz. Mas, obrigado. Direi a minha família o que você fez por mim.
Ele enfiou a mão no bolso, retirando um pequeno papel enrolado e o entregou a ela.
— O que é isso? — perguntou Rose, erguendo uma sobrancelha.
— Um endereço. É uma loja de ervas medicinais na cidade. Eu deveria ter ido até lá, mas meus inimigos estavam à minha espera. — Ele encontrou o olhar dela. — Minha esposa está doente, mas agora… agora terei que voltar para casa de mãos vazias.
Antes que Rose pudesse responder, o céu explodiu em um trovão, e as primeiras gotas de chuva começaram a cair, pesadas e geladas. Ela sentiu a terra sob seus pés se transformar em lama enquanto a água se intensificava, escorrendo pelas pedras da caverna.
— Eu sei como ajudá-lo! — exclamou, puxando o papel com firmeza e guardando-o no bolso do vestido. — Encontre-me aqui, na próxima semana. Eu comprarei as ervas! Diga-me, o que sua esposa tem?
— Pneumonia! — gritou o homem enquanto ambos corriam para dentro da caverna, buscando abrigo da tempestade.
Rose assentiu, já formulando um plano em sua mente.
— Certo. Eu vou ajudá-lo.
O homem mal conseguiu conter a felicidade que o inundava. Um sorriso de alívio e gratidão se espalhou pelo seu rosto.
— Obrigado, Rose… obrigado por tudo.
Ela fez um gesto apressado.
— Agora vá! Preciso encontrar minha filha!
Sem mais palavras, ela correu para a floresta, suas botas escorregando na lama, no entanto, ela parou por um momento, acenando para ele. O homem, portanto, permaneceu na entrada da caverna, respirando fundo. Ele olhou para o céu e riu baixinho em uma gargalhada descrente.
— Obrigado, Deus… — falou, antes de sua voz crescer em um grito de gratidão. — Obrigado, Deus!
Sua voz alegre reverberava entre as paredes da caverna, até que o som seco de um disparo ecoou pela caverna. Ele parou, um espasmo de dor se espalhando por seu corpo enquanto a bala atravessava seu peito. Seus dedos tremiam ao pressionar o ferimento que rapidamente se tingiu de vermelho. Em seguida, cambaleou, os joelhos cedendo, antes de cair no chão frio e úmido.
Com as últimas forças que lhe restaram, suspirou, enquanto sua respiração foi sugada pela escuridão, e seus olhos, abertos, perdendo o brilho.
À sua frente, uma figura encapuzada segurava a arma ainda apontada. A capa negra envolvia o traje, e o capuz baixo ocultava os olhos de quem acabara de disparar.
— Bom trabalho — disse uma voz grave, à medida que um homem ruivo saía de uma entrada oculta na caverna.
O atirador abaixou a arma, guardando-a como um troféu após uma missão bem-sucedida.
— Como sabia que ele estaria aqui?
— Aprendi com um amigo. — Aproximou-se do corpo, com o olhar frio atento no rosto do homem caído. — Asher me falava sobre como era caçar, mas foi a guerra que nos ensinou a matar. Ele sempre dizia que brincar com a presa era uma perda de tempo. E eu concordo.
O outro homem que ajuntava-se a eles, de pele morena, lançou um olhar pela entrada da caverna, onde a figura de Rose desaparecia entre os pingos de chuva.
— O que faremos com o corpo? — perguntou Deron, segurando a arma e observando os arredores.
Após a retirar o capuz, Lukas se inclinou sobre o cadáver.
— Vamos dar um enterro digno. Ele encontrou o seu destino.
E a chuva continuava a cair, escondendo os vestígios de sangue quente que se misturavam por entre as pedras frias do chão da caverna.
Fim do 2º Volume.
Data de retorno: Janeiro.
Acompanhe também…
Príncipe de Olpheia.