Volume 2
Capítulo 24
Dia 6 | Ano 1***
16:00 PM
Como você saberia qual direção seguir numa floresta?
Estudar o caminho pelas brisas, pelos sussurros das árvores, ou apenas confiar no próprio instinto, eram habilidades que pareciam pertencer aos animais, nascidos para escutar e sobreviver.
Animais sentem o cheiro do medo, algo que nenhum ser humano poderia farejar.
As lebres escondem-se em suas tocas confiando em sua pequenez, os cervos nas longas pernas para escapar; as aves em suas asas para libertar-se, e os javalis na fúria dos próprios chifres.
Mas… e os humanos?
Eles dependem das armas para subjugar criaturas, e da inteligência, que nem sempre os protege das próprias armadilhas. Rose ponderava sobre isso enquanto caminhava. Sabia que sua mãe, uma vez, acreditara na fuga para salvar-se, abandonando a família para uma vida indigna, com uma filha bastarda. O sangue que pulsava em Rose, ela dizia, era de linhagem nobre.
“Seu sangue carrega ouro, e seus olhos, espelham sua verdadeira origem. Você é o único tesouro que me resta.”
Rose relembrava-se das palavras da mãe, que reverberavam como um enigma em sua mente, evocadas sem razão aparente. Ela acreditava que sua mãe nunca se ajustou àquela vida. Ela havia aceitado o fardo, mas sua alma jamais fora domada.
A jovem mulher suspirou, dirigindo o olhar à pequena menina que caminhava na sua frente, explorando a floresta como se fosse um reino de cores e mistérios. Edwynna era uma prova de que o destino costuma desviar. Para alguém que vivera à margem, o nascimento da irmã era, no mínimo, surpreendente.
Mais perguntas surgiam em sua mente.
Por qual razão sua mãe não interrompeu a gravidez? Por que ainda persistia em tal vida? E por que sentia-se destinada a carregar tais cicatrizes?
Por que eu nasci?
— Mamãe, olhe! — a voz de Edwynna trouxe-a de volta. — Uma borboleta! — A menina apontava uma folha onde a pequena criatura repousava.
Rose aproximou-se, observando a menina tão deslumbrada. — É linda, não é? — disse, cuidando para não espantar o inseto.
— As asas dela… parecem com os olhos do titio — comentou Edwynna.
Asas azuis e brilhantes.
Rose franziu o cenho. Titio? Que tio? Além da irmã mais velha e do homem que a reconhecera como filha, não havia parentes próximos.
— De quem está falando? — perguntou Rose.
— O titio que me encontrou na floresta — disse Edwynna com inocência. — Queria que ele fosse seu amigo. Igual ao que a tia Hyza falava. — Sorriu.
Não era exatamente as memórias que ela gostaria de lembrar, mas, para o bem da menina, cuja curiosidade não a incomodava, Rose respirou fundo e soltou as palavras, tentando sorrir. — Sobre o que vocês conversaram?
A menina animou-se, caminhando ao lado dela. — Ele me contou dos cavalos! — respondeu, rindo. — O cavalo dele tem uma crina linda e é todo brilhante!
— Vou pedir para seu pai ensiná-la a cavalgar.
— Não! Eu quero que o titio me ensine! — disse Edwynna, teimosa.
Rose riu levemente, aproximando-se da beira do rio, onde as águas murmuravam.
— Então, me conte. O que você faria caso se perdesse e não me encontrasse? — indagou, testando o que a menina havia aprendido.
Edwynna colocou-se em posição, lembrando-se das instruções. — Eu seguiria a ribeira.
— Isso mesmo! — Rose encorajou. — E por quê?
— Porque a ribeira leva até a trilha da floresta, e daí até a estrada, onde o céu se põe, e eu posso ir para casa.
Rose sorriu, acariciando o rosto da menina. — Agora, faça o trajeto que lhe ensinei.
Edwynna começou a caminhar, concentrada, seus passos suaves ecoando no chão coberto de folhas, guiando-se pelo som suave da água até o outro lado da clareira, onde Rose a esperava. Mas, uma ruptura abrupta interrompeu a serenidade.
Um som estranho, metálico e estridente, um…
Bang!
A floresta reagiu.
Pássaros dispararam pelo ar, cervos correram para longe. Edwynna parou, assustada, erguendo os olhos para Rose.
— Mamãe…?
Rose ergueu a mão, sinalizando silêncio.
Caçadores? — foi a primeira coisa que pensou quando, de repente, um calafrio subiu-lhe pela espinha, notando, entre as árvores, a presença de uma figura.
Era um homem, em farrapos e coberto de lama e sangue. Ofegante e sombrio, ele mal se mantinha de pé, mas seus olhos fulminantes exalavam um misto de desespero e perigo.
— Quem é você?! — ele rosnou, segurando uma pequena lâmina.
Edwynna rapidamente se escondeu, mas o leve ruído atraiu a atenção do homem. Ele avançou, ameaçador, na direção do som.
— Meu nome é Rose! — Ela avançou, chamando a atenção dele para si. — Estou sozinha, não se preocupe! Sou apenas uma moradora da vila. E você? O que… aconteceu?
— Estão me caçando como a um animal! — ele rugiu, a lâmina em riste. — Eles vão me matar!
Rose engoliu em seco. — Eu posso ajudá-lo! Meu marido… tem influência no exército. Por favor, apenas… abaixe essa faca.
O homem, hesitante, avaliou-a, mas não abaixou a guarda.
— Quem fez isso com você? — Rose perguntou, a voz embargada.
— O seu povo, sua gente me condenou! — ele cuspiu, aproximando-se. — Eu sangrei pela minha terra, e agora me caçam igual à porra de um cervo!
Rose recuou, os olhos dele incendiados de um aviso mudo, um perigo primal que instintivamente a impulsionava a fugir. Aquela presença sombria, envolta em uma aura ameaçadora, parecia gritar que ele era a própria encarnação do perigo.
— Eu… eu só quero viver em paz — sussurrou, mal se ouvindo. — Não precisamos ser inimigos. Posso ajudá-lo!
Ele parou por um instante, seus olhos acesos em conflito. — Sinto muito… Não escolhi envolvê-la, mas preciso me proteger. — Deu mais um passo, a ameaça tangível entre eles.
A voz de sua mente a trespassou, como a lâmina afiada, que parecia encará-la: Grave erro, Rose! Nem sempre a solução mais óbvia te salvará!
— E-Espere! — Sua vontade gritava para correr, mas ela não se moveu. — Conheço essa floresta. Seja quem for que esteja te caçando, posso guiá-lo até a estrada! — Ela notou os arranhões e cortes cobrindo o corpo dele, os sinais de uma perseguição desesperada.
Ele, no entanto, apenas a olhava em silêncio.
— Mas…, para isso funcionar, preciso que me responda: quem está atrás de você? — Rose insistiu, sua voz calma, porém forçada.
Ele suspirou, o rosto tenso. — Os Desertores.
— Desertores…?
— Um grupo de assassinos do império. Já foram chamados de algo pior, mas agora… são desertores. — Ele balançou a cabeça. — Não há tempo! — Em um movimento rápido, agarrou seu braço, aproximando o rosto dela. — Preciso que me ajude! — Pressionou a lâmina contra o peito dela, olhos aflitos. — Eu não posso morrer!
Ela pôde ver o pavor em seus olhos, um medo profundo, mais do que ela mesma sentia. Mas, em um segundo, um golpe surdo o atingiu por trás. Edwynna, com uma pedra na mão, o olhava com olhos arregalados e as mãos tremendo.
O homem se virou, a lâmina ainda erguida.
— Você disse que estava sozinha!
— Corra! — gritou Rose, segurando o braço dele numa tentativa de distraí-lo.
— Maldita! — Ele a cotovelou no peito, empurrando-a ao chão com força,
E Rose, tomada pela dor, esforçou-se a olhar para a filha. — Fuja! — gritou, com o último resquício de força de seus pulmões.
Edwynna correu, desaparecendo na mata, e com lágrimas que escorriam em silêncio pelo seu rosto assustado.
Em seguida, o homem agarrou os cabelos de Rose, inclinando-se sobre ela.
— Mentirosa! Você disse que ia me ajudar!
— E vou! — Sua dor era insignificante comparada ao alívio de ver Edwynna segura. — Há uma caverna, a cerca de quinze minutos daqui, próxima a uma cachoeira. Apenas… acredite em mim.
Por que não desafiar o próprio destino?
Os sons de passos pisando na mata se aproximavam.
Homens atravessavam os galhos, folhagens, e armas prontas para disparar.
— Droga, para onde ele foi? — Rony resmungou.
— Nossa, o filho da puta correu rápido demais! — exclamou Toph, admirado.
— Não mais rápido que uma bala — retrucou Anthony, fixando o olhar entre as árvores. — Ele não deve estar longe.
— Estamos andando em círculos — observou Deron, olhos atentos, desconfiados. — Ele é um espião; sabe brincar de esconde-esconde.
Anthony parou, sentindo o ar úmido deslizar pela floresta. — Não demorará para que o encontremos.
— E então? — perguntou Rony.
— Odeio admitir, mas precisamos da ajuda daquele brutamontes.
Deron olhou para o velho viking, descrente. — Está falando sério?
— Nunca estive tão certo desde o meu último “aceito” no divórcio — Riu de leve. — O grandalhão sabe caçar uma boa presa. Ele é nosso último recurso para que o traidor não fuja com as provas que podem nos mandar para a forca.
— O império não deixará nada nos atingir! — disse Toph, erguendo a cabeça com orgulho. — Nós somos os últimos dos Falcões da Noite!
— Isso é passado, garoto — disse Anthony, fitando as sombras ao seu redor. — Hoje, estamos sendo caçados tanto quanto aqueles que já chamamos de amigos. Que Deus os tenha. — Suspirou. — Bem, juramos lealdade ao imperador, e… admito que caçar esses bastardos ainda é satisfatório.
— Matar espiões pode ser nossa especialidade, mas duvido que esse sujeito não tenha algum plano em mente — comentou Rony, seus olhos seguindo o fluxo da ribeira próxima.
— Descobriremos ao encontrá-lo. — Anthony esboçou um sorriso frio. — E, se tudo der errado, estejam prontos para chamar Lukas.
— E quanto ao nosso principal suspeito? — perguntou Toph.
Deron olhou de relance para Anthony.
— Deixe o homem de lado. Ele é um ex-soldado de guerra ferido; um inútil. Nosso alvo é outro. E ele continua nesta floresta.
Acompanhe também…
Príncipe de Olpheia.