Ribeira dos Desejos Brasileira

Autor(a): Rhai C. Almeida


Volume 2

Capítulo 23

Dia 6 | Ano 1***

05:50 AM


Num suspiro fugidio, a fumaça que restara das velas ameaçava sumir em meio ao ar estagnado do quarto. Asher, perdido em seus pensamentos, ponderava sobre o ex-soldado, um homem cujo nome e patente não bastavam para livrá-lo de ser caçado — seja qual fosse o peso dos crimes cometidos, não era um assunto lhe dizia respeito. Tampouco Rose.

Deveria ter dito isso a Deron em vez de sair calado, deixando o homem com um gosto doce de uma vitória que ele, certamente, saboreava com prazer. Mas, enquanto os questionamentos rodavam em sua mente, roubando-lhe o sono, uma voz o trouxe de volta.

— Sem sono? — perguntou Lukas, os braços cruzados atrás da cabeça. Ele se espreguiçou, reparando nas frestas no teto onde as primeiras luzes da manhã ainda nubladas vazavam. — Acredito que está quase amanhecendo.

Asher fechou os olhos por alguns segundos, tentando forçar o sono a voltar, mas a inquietação o segurava preso, embora uma estranha sensação de curiosidade momentânea o fez questionar, quase a contragosto:

— Sobre o que você e Rose conversaram?

Lukas virou-se lentamente, o olhar observador e calmo. Sabia bem que a pergunta de Asher trazia algo mais.

— Pensei que ela fosse a última pessoa sobre quem você gostaria de falar — disse, ajeitando-se melhor. — Sente-se arrependido por cortar os laços com ela?

— Responda minha pergunta, e eu respondo a sua — suspirou Asher, cobrindo os olhos com o antebraço.

Lukas lançou-lhe um breve olhar e disse: — Falamos sobre o fato de ela não se lembrar bem de mim na época em que meu pai trabalhava na fazenda de Danner.

— Seu pai e o dela eram próximos?

— Apenas patrão e empregado. E nós mal nos conhecíamos; éramos crianças que sequer conversavam. Diferente de você, eu imagino.

— Não da forma como pensa.

Lukas considerou a expressão contida de Asher, já cogitando as verdadeiras intenções por trás de suas palavras.

— Diga-me, Asher, você realmente a ama? Ou simplesmente… a deseja para si? Quero dizer, aquele instinto de fera que vive adormecido no estômago de todo predador.

A pergunta, por uma razão que nem Asher conseguia explicar, fez a comida da noite anterior revirar seu estômago, como se estivesse estragada. Ele desviou o olhar para o amigo, confuso com a ousadia dele.

— Como assim? — perguntou, o cenho levemente franzido.

— Você entendeu bem. — Lukas sentou-se, encarando-o. — É uma pergunta simples: você, de fato, a ama?

Uma resposta, que deveria ser tão simples, parecia-lhe um obstáculo incontornável.

— Não.

Lukas o estudou por um momento, sua expressão inalterada.

— É o que vamos ver. — Ele se levantou, abotoando as calças. — Sabe, ouvi sua discussão com Deron.

— Espionando?

— Chame como quiser. — Lukas deu de ombros. — De todo modo, achei baixo ele chamar sua rosa de prostituta. Digo isso, pois, apesar de não me importar, sei que ela não é como a mãe — expôs, sincero. — Ele quis desestabilizá-lo, Asher, provocar você.

— Provocar? — Asher soltou uma curta risada ácida. — Ele é tolo o suficiente para achar que me importo com um insulto tão barato.

O semblante de Lukas, contudo, ficou sombrio.

— Bem, se não a ama, como afirma, então pare de usar Kristy como uma substituta. — A voz de Lukas estava séria, quase um aviso.

Asher virou-se abruptamente, o rosto endurecido.

— Está fora de si? Não me aproximo dela desde que voltamos da guerra — defendeu-se.

— Como preferir chamar essa sensação — começou, aproximando-se. — Mas você não consegue esquecê-la, e isso… — Tocou o ombro dele. —, começa a me irritar. — Apertou os dedos sobre a camisa dele. — Não importa quantas vezes você finja que ela ficou no passado, que esses sentimentos morreram no campo de batalha. Não. Você — encarou-o, os olhos firmes e intensos —, você ainda a ama, Asher, mais do que consegue admitir. Aceite essa verdade!

Asher permaneceu imóvel, seu olhar arregalado. As palavras de Lukas pareciam um espelho incômodo, refletindo o que ele, até então, se esforçava em negar.

— Você está preso a ela — disse Lukas, sem pressa. — Dia e noite, seus pensamentos o levam para ela. Não importa quantas mulheres você leve para a cama, ela será sempre a única que habitará sua mente.

— Hah… — Asher tentou replicar, sentando-se no sofá, sua respiração irregular e apressada. Entretanto, as palavras desapareceram de sua língua.

— Quem está tentando se enganar? — Lukas sorriu, cheio de ironia. — Sou seu amigo, Asher. Sei que esses sentimentos são muito mais profundos que uma mera obsessão doentia. — Apontou para o peito dele, sobre diretamente o coração. — Você quer acreditar que é insano, que está possuído por uma emoção perversa, e que desejar a mulher que ama é errado. E é, de fato — ele riu. — Ela é casada. Até que você reconheça que ela não depende de você, esses sentimentos continuarão a perturbá-lo.

— Espere aí, você está me dizendo que eu estou sofrendo por ela porque sou protetor? — Um riso incrédulo escapou de seus lábios. — O que você andou bebendo ontem?

— Protetor? Não era bem o que eu tinha em mente. Está mais como um cachorro safado. Haha! Ah, pare com isso! — brincou Lukas, a confiança estampada na face. — Você a conhece desde a infância. Você se apegou a ela, está entrelaçado a ela! O que você sente não é apenas um desejo carnal pela amiga de infância que se tornou uma linda mulher. Você teme que ela se machuque. Você está ignorando esses sentimentos, fingindo que ela não importa para você. — Ele empinou o nariz. Determinação emanava de seu olhar.

— Está louco!

Asher tentou se levantar, mas Lukas o impediu, firmando ambas as mãos nos ombros dele.

— Estou? Ou você está? — Ele ergueu uma sobrancelha. — Eu me pergunto se você se arrepende por estar apaixonado por uma mulher que não pode ter. Como é a sensação?

— O que você quer escutar? — ele retrucou, a irritação elevando o tom de sua voz. — Que eu já tive pensamentos impróprios sobre ela?

Lukas fez uma careta, desconfiado.

— Você…

— Pare!

— Asher, você bateu uma pensando nela? — questionou, desacreditado.

— Sim! — Ele respirou fundo. — Sim…  — afirmou, frustrado. — Esqueça isso!

— Poderia ser pior, não é?

— Lukas, você realmente acha que isso é o que quero agora?

— Claro, você quer que eu admita que estou errado? — respondeu com um sorriso malicioso.

— Ótimo, então vá se ferrar! — Asher puxou o edredom, cobriu a cabeça e se jogou novamente no sofá.

— Ei, estou tentando ajudar, seu bastardo! — exclamou Lukas, coçando o pescoço, um ar de desapontamento permeando sua voz. — Essas crianças…

Horas depois, quando o sol já não queimava a pele, enquanto Rose terminava de alinhar cuidadosamente um rasgo no vestido de Edwynna, seus olhos seguiam a menina, que corria animada pela casa. Assim que o último ponto foi feito, Rose mordeu a linha para cortá-la, sentindo o gosto sutil do linho. Foi então surpreendida pela voz de Timothy atrás dela:

— Vou à cidade. Precisa de alguma coisa?

— Não, obrigada — respondeu ela, examinando o trabalho em suas mãos.

Timothy pareceu lembrar-se de algo de repente, e suas feições se iluminaram. — Ah, quase me esqueci! — Ele desapareceu no corredor e voltou logo depois com uma pequena caixa nas mãos.

Rose olhou para o objeto, intrigada. — O que é isso?

— Comprei para você. Espero que goste. — Timothy lhe estendeu o item, um leve sorriso brincando em seus lábios.

Ao abrir a pequena caixa, os lábios dela se afastaram, a boca entreaberta ao ver um delicado colar ornamentado com tanto cuidado. Uma corrente tingida, uma rosa esculpida e banhada na cor que espalhava a prata.

— Timothy?! Quando…? — perguntou, surpresa.

— Você disse que queria algo para simbolizar nossa união — disse, aproximando-se. — Ainda não posso arcar com uma aliança. Não até que o velho Hobert resolva aumentar meu salário. Mesmo que meu braço não seja mais o mesmo, ainda consigo treinar os recrutas.

Rose baixou os olhos, um toque de hesitação neles. — Às vezes, me sinto culpada por seu pai ter sido convencido pela minha mãe a nos unir assim.

— Quem liga para isso? — Timothy tocou suavemente o rosto dela, seus olhos irradiando carinho. — Mesmo que nosso casamento não tenha seguido o planejado, eu ainda me apaixonaria por você.

Ele inclinou-se, mas Rose interrompeu, seus olhos buscando os dele. — Você… não se decepcionou ao descobrir que minha mãe abriu mão do título nobre para viver uma vida simples? Eu… eu poderia ter sido uma duquesa, sabe.

— O título importava apenas ao meu pai — disse ele, num tom sincero. — Seja você de linhagem ducal ou não, isso nunca fez diferença para mim.

Ela respirou fundo, um brilho surgindo em seu semblante. — Sabia que meu nome foi inspirado em uma princesa? E que meu sangue carrega traços de realeza?

Timothy exibiu um sorriso mordaz. — Muito bem, senhorita Rosellin, então deixe-me beijar minha princesa.

Ao se unirem num beijo suave, o calor do momento fez o coração de Rose palpitar calmamente, e Timothy prendeu o colar em seu pescoço, acariciando a pele dela antes de se afastar, indo em direção à porta.

— Até mais tarde — disse ele, com um pequeno sorriso, desaparecendo pela entrada.

Rose acenou e observou a joia que pendia em seu pescoço. A flor foi inspirada em uma rosa, semelhante ao nome dela. Ela poderia pensar em tantas formas de agradecê-lo por ouvi-la, contudo a voz doce de Edwynna interrompeu seus pensamentos.

— Mamãe, vamos praticar na ribeira de novo?

— Vamos sim, querida — respondeu Rose, com um sorriso caloroso. — Edy, prepare a cesta! — Tocou no colar mais uma vez.


Acompanhe também…

Príncipe de Olpheia.



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