Ribeira dos Desejos Brasileira

Autor(a): Rhai C. Almeida


Volume 2

Capítulo 18

Em pequenas vilas, era comum que rumores e conversas fiadas circulassem pelos becos e cantos de cada casa. Todo mundo conhecia todo mundo, e mulheres que viviam uma vida libertina dificilmente eram uma exceção. Essas mulheres eram famosas por suas habilidades na cama, desejadas mais do que esposas obedientes ― aquelas que davam à luz os filhos dos maridos, homens que navegavam como marinheiros ansiosos para explorar águas desconhecidas. Contudo, a noção de mulheres vivendo apenas por prazer nem sempre se aplicava aos outros.

Rose considerava sua “filha” a garota que encerraria a linhagem pervertida da família. Vivian era desejada, procurada, invejada. Todo canalha, orgulhoso do título, faria qualquer coisa para se gabar de ter estado com ela, a mulher que, desde jovem, abraçara tal estilo de vida. Mas o que importava? Acolher uma criança para se proteger dos sussurros que a rotulavam como nada melhor do que sua mãe.

Como uma flor silvestre que parecia inofensiva aos olhos dos viajantes, mas para os habitantes da cidade, não passava de veneno. Não seria surpresa se Timothy, em algum dia de lucidez, a rejeitasse devido a tal fofoca. Por que se casar com a filha de uma prostituta quando ele poderia ter outra pessoa? A verdadeira mulher aos olhos da sociedade. Por que ela? Afinal, a maçã nunca cai longe da árvore.

Rose voltou seu olhar para o rosto de Anthony, a barba acobreada e a expressão que a chamava para revelar a verdade, embora Lukas já tivesse explicado tudo. No entanto, para o homem, sua presença ainda despertava uma curiosidade estranha em seus olhos, muito semelhantes a uma certa mulher conhecida em toda a vila.

― Ela está bem ― disse Rose finalmente, seus olhos piscando entre eles. ― Uma boa menina.

Anthony tinha uma expressão impossível de decifrar. Ele parecia julgá-la, mas não tinha desejo algum de questioná-la, quaisquer dúvidas que ele abrigasse eram mantidas atrás de uma parede de calma estoica.

― Está ficando tarde, senhorita ― alertou Antonhy, apertando mais a arma em suas mãos enquanto caminhava em sua direção. ― Perdoe-nos se eu ou meus homens a assustaram. Devemos ir agora.

Na verdade, era Rose quem tinha perguntas para eles.

― Espere um momento! Você não é da vila ou da cidade, é?

― Não. Somos de uma cidadezinha ao leste, a um dia de viagem. Por que você pergunta?

Ele é cauteloso ― pensou Lukas, levantando uma sobrancelha.

― Curiosidade. Esta vila é pequena. Todos se conhecem.

― Hm, bem, nós pegamos o que viemos buscar. Deron, os cavalos ― comandou, pendurando sua arma sobre o ombro. ― Lukas, acompanhe-a de volta. Nós estaremos aqui.

― Muito bem ― Lukas concordou. ― Vamos? ― Ele ofereceu seu braço com uma cortesia que Rose não esperava.

― Anos atrás, você não teria feito isso ― provocou, aceitando o braço dele.

― Eu me tornei um cavalheiro. ― Ele sorriu. ― Voltarei em breve.

Antes de sair, Rose lançou seu olhar sobre os rostos dos homens que ela conhecera naquela noite. ― Obrigada por encontrar minha cesta.

― Tome cuidado, senhorita Rose! ― gritou Toph com um largo sorriso.

― Espero encontrá-la outra vez antes de partir. ― Acenou Rony.

Mas em meio às despedidas, Anthony e Deron permaneceram em silêncio. O barbudo notou o olhar do moreno, enquanto os observava desaparecer na floresta.

― Não vai dizer nada? ― perguntou ele.

― O quê? ― respondeu Deron, prendendo a mochila em seu cavalo e enrolando a corda com cuidado, garantindo que nada caísse durante a jornada.

― Eu esperava mais ousadia de um caçador que raramente deixa escapar uma boa caça.

Um leve sorriso surgiu nos lábios de Deron. Ele sabia exatamente o que Anthony queria dizer.

― Um homem que cobiça a mulher de outro não é digno do céu. É isso que a igreja prega.

― Embora você não acredite nisso.

― Por que você está tentando me fazer cometer tal pecado?

― Estou apenas observando a situação ― respondeu Antonhy, friamente. ― Uma mulher como ela deveria ter um anel no dedo.

― Isso não justifica nada.

― Nem a gentileza dela conosco.

― O que você quer dizer? ― interrompeu Rony. ― Ela pareceu bem assustada para mim.

― Uma mulher que se preze não se sentiria tão à vontade na companhia de tantos homens, especialmente em uma floresta isolada, mesmo que conhecesse um de nós.

― Você está julgando-a de novo, Anton ― comentou Deron. ― De qualquer forma, esqueça-a. Ela não parece em nada com a mãe.

Anthony fixou o olhar no rosto impassível de Deron.

— Como soube?

— Os olhos dela… são como moedas de ouro, devem brilhar ainda mais à noite — respondeu, encarando Anthony de volta. — São idênticos aos olhos dela.

Toph, com um sorriso malicioso, interveio:

— Parece que foi a senhorita que fisgou uma presa.

Deron não costumava se deixar afetar por tais comentários, mas aquele, em particular, o fez refletir. Seria possível que um sentimento tão repentino tivesse realmente brotado dentro dele em tão pouco tempo?

— Vamos esquecer o fato de ela ser filha da mulher mais falada deste maldito lugar — expôs Deron, afastando-se. — Ela não merece esse título. Se ela estiver falando a verdade, se for realmente casada e mãe, isso não nos diz respeito.

Anthony riu baixinho. Ele não era uma lebre, um cervo robusto, ou um javali agressivo. Deron havia se tornado mais um cachorrinho ao encontrar o seu dono.

— Quem sabe? As mulheres desse tipo são mestres em arrancar segredos de homens como nós. Soldados, forasteiros, espiões… — Ele fez uma pausa e se acomodou nas raízes de uma árvore imensa. — Elas podem ser perigosas.

Rony, sentando-se ao lado de Anthony e bebendo de um cantil, lançou um olhar para o céu, onde nuvens escuras em tons de roxo e azul se acumulavam.

— Mudando de assunto… Você acha que ele está por aí?

— Ele? — Anthony ergueu uma sobrancelha.

— O amigo de Lukas.

— Se ele estivesse, provavelmente já teríamos ouvido tiros.

— Ele não gosta de armas de fogo — comentou Rony.

Anthony assentiu com um sorriso amargo.

— Se prefere caçar em silêncio, que seja. — Ele estendeu a mão, pedindo o cantil. — Ele é como um lobo que se recusa a deixar até o mais velho da matilha para trás. Um tolo.

Antes que qualquer um pudesse responder, um vento cortante passou pela orelha de Anthony, seguido do sibilo de uma flecha.

— Puta merda! — gritou Toph, com as mãos cobrindo instintivamente a cabeça. — Eu vi um fio ruivo voando! Foi por pouco! Ei, idiota, ele é nosso líder!

Emergindo da mata como um predador espreitando, Asher apareceu, acompanhado por uma bolsa de caça e flechas que envolviam suas costas.

— O lobo solitário finalmente apareceu — alfinetou Deron, com um sorriso que não disfarçava a hostilidade em seus olhos.

Asher ignorou o tom de provocação e se aproximou, o arco ainda firme em suas mãos.

— Estou impressionado — comentou, a voz fria. — Você nem piscou. Já esteve em uma guerra?

Anthony apenas sorriu e, estendendo o cantil para Asher, respondeu com uma leve ironia:

— Depois de três casamentos, uma flecha é o de menos. — Ele fez uma pausa antes de acrescentar: — Estamos esperando Lukas voltar.

Asher arqueou a testa, virando o cantil à boca, a água fluindo por sua garganta. No arfar da respiração e ao refrescar-se, ele indagou:

— De onde?

— Ele está escoltando uma mulher perdida na floresta — respondeu Rony. — Não deve demorar.

— Mas não é qualquer mulher! É a que roubou o coração de Deron — provocou Toph, rindo. — Ele não conseguia desviar os olhos dos peitos dela, haha!

O rosto de Deron se obscureceu. Ele deu alguns passos na direção de Asher, sua mão puxando a arma das costas do caçador com um movimento brusco. 

— Você tem dez segundos! — Sua voz era baixa e intimidadora. 

Toph rapidamente se escondeu atrás de Rony, o qual, vendo a cena, puxou o braço do amigo frente ao seu corpo, feito um escudo, forçando-o a enfrentar Deron.

— Você conseguiu irritá-lo — murmurou Rony, com um sorriso zombeteiro. — Mire na cabeça, só para garantir.

— Tá bom, tá bom! — Toph levantou as mãos, rindo nervosamente. — Desculpa! Ela é comprometida, eu já sei! —  Ele viu Deron aproximar o cano da arma entre seus olhos. —  EU DISSE DESCULPA! 

Rony, relaxando um pouco, pressionou a mão na testa de Toph.

— Relaxe, Dê. E você, mais respeito da próxima vez! Ela é amiga de Lukas.

— Amiga? — Asher perguntou, intrigado enquanto roubava de volta a arma das mãos de Deron para sua posse. — Como ela é?

Kristy não foi apresentada até então. E Anthony, ainda pensativo, respondeu:

— Olhos selvagens… dourados como o próprio sol. Cabelos que lembram couro queimado de um cervo jovem… Uma cerva arisca. — Ele sorriu, olhando para os olhos azuis endurecidos do homem que, de certa forma, parecia relutar contra aquela verdade.

Seu pior pesadelo retornou para atormentá-lo outra vez.


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